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Processo nº 1251/2019
Data do Acórdão: 16DEZ2019


Assuntos:

Suspensão das deliberações sociais
Periculum in mora


SUMÁRIO

Sendo os procedimentos cautelares concebidos para prevenir contra o sério risco a que fica exposto o presumido titular do direito, resultante da demora da decisão definitiva na acção principal, não é de decretar a suspensão das deliberações sociais cuja execução imediata é susceptível de violar o direito de preferência estatutária ou convencional cujo exercício efectivo nunca é forçadamente assegurado pela lei por ser, por natureza, um direito meramente obrigacional, susceptível de ser violado.


O relator



Lai Kin Hong





Processo nº 1251/2019


Acordam em conferência no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, registado sob o nº CV1-19-0051-CAO-A, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida, sem produção da prova em audiência de julgamento, a seguinte decisão indeferindo a suspensão nos termos requeridos:
  A, com os sinais melhor identificado nos autos vem intentar a providência cautelar de suspensão de deliberação social contra a COMPANHIA DE INVESTIMENTO DE HOTEL X LIMITADA(X酒店投資有限公司), alegando em suma que a deliberação tomada em assembleia geral de 24 de Abril de 2019 enferma de vício de anulabilidade, o qual já tinha invocado na acção principal e que a execução dessa deliberação vai tornar impossível a efectivação do legítimo direito contratualmente estabelecido de o requerente se tornar titular das quotas quer de sócio C(C) quer do sócio D(D), que previamente os mesmos sócios tinha comprometido em transmitir as respectivas quotas sociais ao requerente.
  A deliberação em crise de 24 de Abril de 2019 consiste:
  Ponto 1: mudança da sede;
  Ponto 2: venda das quotas do sócio C(C) ao sócio E (E) e venda das quotas do sócio D(D) ao sócio E (E);
  Ponto 3: alteração do artigo 7.° dos Estatutos, eliminando o direito de preferência dos sócios em caso de cessão ou alienação de quotas sociais.
  A requerida impugnou a presente providência cautelar, alegando sucintamente que com a deliberação tomada em 24 de Abril de 2019 não houve violação da lei nem pactos sociais, não há dano de difícil reparação e pugna-se pela improcedência da providência cautelar.
  Cumpre decidir.
  Antes de mais, salientamos que a providência de suspensão exerce uma função instrumental relativamente às acções de declaração de invalidade de deliberações sociais. Por isso, apenas faz sentido o seu uso quando a situação litigiosa tenha origem numa deliberação cuja execução se pretenda evitar, com a alegação dos prejuízos que daí possam decorrer.
  A função da providência cautelar da suspensão de deliberações sociais, tl como acontece nos demais procedimentos cautelares, é evitar a lesão de um direito ou a produção de um dano, que tanto pode ser dos sócios requerentes como da sociedade.
  Com a providência da suspensão o que se pretende acautelar é o "perriculum in mora" da acção principal de impugnação, com fundamento em nulidade, anulabilidade ou ineficácia da deliberação.
  Sendo a finalidade das acções cautelares prevenir e impedir um dano, a possibilidade de suspensão tem de se verificar enquanto for viável prevenir a lesão de um direito provocado pela deliberação, ou seja, enquanto for possível evitar a o dano ou prejuízo com a demora da acção principal.
  Os requisitos necessários para a suspensão de deliberações sociais previstas no art. 341°, n.º 1 do Código Processo Civil são:
  - qualidade de sócio;
  - deliberações contrárias à lei ou estatutos;
  - que a execução da deliberação esteja em curso
  - possibilidade de causa de dano apreciável.
  Não se põe em grande questão quanto os primeiros três requisitos elencados, uma vez que a qualidade de sócio resulta do registo comercial junto aos autos e que a violação da lei ou estatutos constitui objecto de discussão na acção principal.
  Já o quarto requisito - possibilidade de causa de dano apreciável - constitui o cerne da discussão nestes autos de providência cautelar de suspensão da deliberação social.
  O dano apreciável como requisito legal da providência cautelar de suspensão de deliberação social, consiste na possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo judicial e ao retardamento da sentença nele proferida.
  Pois bem, no caso, quanto ao ponto 2 da deliberação - venda das quotas do C(C) ao sócio E (E) e venda das quotas do sócio D(D) ao sócio E (E) -, e ao ponto 3 - alteração do artigo 7. ° dos Estatutos, eliminando o direito de preferência dos sócios em caso de cessão ou alienação de quotas sociais-, põe-se a questão de saber que prejuízos ou danos acarretará com a demora da acção principal?
  O requerente limita-se no artigo 36.° e ss do seu requerimento a dizer que tal representará para o requerente graves e sérios danos e prejuízos.
  Porém, efectivamente nenhum dano ou prejuízo acarretará com a demora da acção principal ou com o retardamento da sentença nele proferida.
  Desde logo, com a alienação ou transmissão de quotas pertencentes ao sócio C(C) ao sócio E (E) e de quotas pertencentes ao sócio D(D) ao sócio E (E), o estatuto do requerente de ser sócio com quota de $ 10,000.00 (cfr. o registo comercial a fls. 99 dos autos), mantém-se inalterado.
  Poderá questionar-se por que é que os sócios C(C) e D(D) alienam quotas ao E (E) e não ao requerente, já que, segundo o requerente alega, os sócios C(C) e D(D) tinham anteriormente comprometido em alienar as quotas ao requerente?
  Trata-se de uma opção particular dos sócios. Claro que se o requerente entender que os sócios C(C) e D(D) não cumpriram os seus compromissos para com o requerente, tem a seu dispor meios judiciais para defender os seus direitos e interesses.
  Com a instauração da acção de declaração de anulabilidade das deliberações sociais que corre termos na acção principal e o subsequente o registo da acção a favor do requerente (Ap.80/29042019), fica desde logo o requerente protegido através do registo da acção.
  Pois, um terceiro ao saber que existe uma acção judicial pendente quanto à alienação das quotas sociais, não vai consentir na aquisição das quotas.
  Assim, nos termos expostos, não se vislumbrando que a demora da acção principal seja geradora de qualquer dano apreciável, deve indeferir a suspensão da deliberação social requerida.
  Custas a cargo do requerente.
  Notifique.

Notificado e não conformado com essa decisão que lhe indeferiu a requerida suspensão, veio o requerente recorrer da mesma concluindo e pedindo que:
  1.ª O recorrente pediu que «(...) com a concessão da presente providência (...) seja preservado e mantido o status quo anterior às deliberações de 24 ABR 2019: permanência em vigor do direito estatutário de preferência e, logo, a sua possibilidade de exercício em caso de cessão ou transmissão de quotas (...)»
  2.ª Isso porque - mantendo-se em vigor e em eficácia a eliminação do direito estatutário de preferência, conforme foi aprovado em 24 ABR 2019 numa das deliberações cuja suspensão foi requerida - a deliberação de 24 ABR 2019 de venda das quotas ao E (E) irá permitir a este vendê-las posteriormente a quem bem quiser e escolher - inclusive, a terceiros de boa-fé.
  3.ª Não tendo, por isso, o recorrente qualquer possibilidade de contra tal venda a terceiro invocar o seu direito estatutário de preferência, uma vez que este foi eliminado precisamente em 24 ABR 2019!
  4.ª A vontade e interesse do recorrente sempre foi apenas a de «(...) tornar-se titular das referidas quotas e não receber uma indemnização em substituição da perda ou frustração desse direito a adquirir as quotas (...)».
  5.ª Na sentença recorrida, o T.J.B. afirmou que o recorrente apenas alegou danos e prejuízos mas que já está protegido com o registo da acção porque um terceiro, sabendo da respectiva pendência, não vai adquirir as quotas.
  6.ª °A decisão a quo omite por que motivos concluiu que a eliminação do direito estatutário de preferência não irá causar ao recorrente os danos que este invocou e caracterizou em detalhe e, por outro lado, omite que o recorrente jamais pediu nem nunca concebeu peticionar... que um terceiro se "assustasse" ou se persuadisse, em face do registo da acção principal, a não comprar as quotas.
  7.ª Ninguém sabe e ninguém pode garantir - nem mesmo o T.J.B. - que um terceiro, caso tome conhecimento do registo da acção principal, se irá convencer ou decidir em não adquirir as quotas e, assim, sendo, esse wishful thinking, "crença" ou mera expectativa" que parece estar subjacente à sentença a quo não acautela nem tutela de forma minimamente consistente os direitos e interesses do recorrente, deixando-os à sorte e ao acaso de um terceiro se persuadir ou assustar em adquirir as aludidas quotas ao se deparar com o registo da acção principal...
  8.ª Apenas a suspensão das deliberações da assembleia-geral de 24 ABR 2019 - de eliminação do direito estatutário de preferência e de venda de quotas ao E (E) - poderiam e podem acautelar e tutelar real e efectivamente os direitos e interesses do recorrente, impedindo que as mencionadas quotas transitem para outra esfera jurídica fora do alcance do aqui recorrente.
 NESTES TERMOS, requer-se a V. Ex.as a revogação da sentença a quo e a sua substituição por outra que acolha os argumentos e fundamentos expostos pelo recorrente, levando a que seja decretada a suspensão das deliberações da assembleia-geral de 24 ABR 2019 constantes dos Pontos n.ºs 2 e 3 da Acta, e, consequentemente, declarar suspensos todos os seus efeitos.

Feito subir a esta instância e liminarmente admitido pelo Relator do processo o presente recurso e colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II


Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Lida a decisão recorrida, verifica-se que, tendo sido dado por verificada a aparência do direito invocado pelo requerente sobre a requerida (fumus bónus iuris), foi com fundamento na inverificação do requisito da possibilidade da produção do dano apreciável com a execução da deliberação que o Tribunal a quo indeferiu o requerida suspensão.

Bem ou mal, o juízo quanto à verificação do fumus bónus iuris está fora do objecto da nossa apreciação.

O requerente veio questionar apenas o juízo formulado pelo Exmº Juiz a quo no sentido de inverificação do tal requisito do “periculum in mora”.

Assim sendo, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação consiste em saber se, em face da matéria indiciariamente provada, se verifica esse requisito “periculum in mora”.

Está em causa a suspensão de deliberações sociais, uma das providências cautelares especificadas previstas na nossa lei do processo civil.

Diz o artº 341º/1 do CPC que se alguma associação ou sociedade, civil ou comercial, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao acto constitutivo, qualquer associado ou sócio pode requerer, no prazo de 10 dias se não for outro o fixado em disposição especial, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de associado ou sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.

Ora, de acordo com a causa de pedir configurada no requerimento inicial, o invocado direito pelo requerente, funda-se na preferência estatutária e na alegada promessa da transmissão, de adquirir as quotas pertencentes a C e a D, ao passo que o periculum in mora do dano apreciável com a execução das deliberações em causa invocado pelo requerente consiste na possibilidade da transmissão das quotas pertencentes a C e a D ao sócio E nos termos definidos na deliberação, assim como na consequente possibilidade da transmissão das mesmas quotas a favor de terceiros.

Antes de mais, não se sabe qual é o dano que o requerente representa como o dano susceptível de integrar o conceito do dano apreciável a que se refere o artº 341º/1 do CPC.

É a impossibilidade em si de adquirir as quotas pertencentes a C e a D? ou as consequências que lhe poderão advir do aumento das quotas na titularidade do sócio E ou da entrada de pessoas estranhas no elenco dos sócios?

Sinceramente falando, não sabemos!

Por outro lado, importa averiguar a natureza jurídica do direito invocado, que o Tribunal a quo reputa verossemelhante.

Trata-se de um direito fundado ou na preferência estatutária ou na promessa convencional entre o requerente e os dois outros sócios titulares das quotas sociais objecto da eventual transmissão.

Ora, a matéria de transmissão das quotas sociais encontra-se regulada pelo artº 367º do C. Com., à luz do qual salvo disposição em contrário dos estatutos, é livre a transmissão de quota entre vivos.

O que quer dizer que, quanto muito, o direito invocado pelo requerente não é uma preferência legal, mas sim preferência convencional.

Assim, tal como sucede com a maioria das relações jurídicas regidas pelo direito civil, a autonomia privada está aqui presente e tutelada pela lei.

O legislador optou pela liberdade na transmissão das quotas sociais.

O direito de preferência na aquisição de quotas só pode ter origem nos respectivos estatutos sociais e ser objecto da convenção individualmente celebrada.

Não sendo imperativamente imposto pela lei, o direito de preferência, quer fundado nos respectivos estatutos sociais, quer no negócio jurídico, não pode deixar de ser susceptível de ser violado, por se tratar de um direito meramente obrigacional, e não real.

Fala-se aqui também de um dito direito ao arrependimento.

Ou seja, se a parte tiver a liberdade, dentro dos limites estabelecidos na lei, de assumir obrigações perante outrem, tem igualmente o direito de se desvincular às obrigações que tenha assumido livremente, ficando apenas sujeita às sanções ou consequências contratualmente acordadas, ou supletivas previstas na lei.

Pois, tirando os casos especialmente previstos na lei, tal como sucede com a execução específica do contrato promessa de compra e venda, a lei não assegura forçadamente o cumprimento efectivo das obrigações civis regidas pelo princípio da autonomia privada, reconhecendo a quem fica convencionalmente obrigado o direito ao arrependimento e fazendo-o sujeito a determinadas consequências de carácter compensatório ou sancionatório.

In casu, o requerente, ora recorrente, pretende que seja decretada a suspensão da deliberação que aboliu a preferência estatutária atribuída aos sócios na aquisição das quotas sociais e da deliberação que aprovou a venda das quotas sociais pertencentes a C e a D ao sócio E, por forma a impedir a realização da venda das quotas e eventualmente a subsequente venda das quotas de E a favor de terceiros.

Ou seja, o periculum representado pelo requerente funda-se quanto muito na própria natureza da susceptibilidade de ser violado do direito de preferência convencional, e não se trata de um verdadeiro periculum in mora, que tal como o nomen juris sugere, deve ser o risco sério, devido à formação lenta e demorada da decisão definitiva sobre a existência do direito na acção principal, a que fica exposto o presumido titular do direito invocado.

Assim sendo, independentemente da existência ou não do direito de preferência, nos termos invocados pelo requerente, a inverificação do periculum in mora, conduz sempre ao indeferimento da requerida suspensão das deliberações sociais.

Tudo visto e sem necessidade de mais delongas, é altura para concluir e decidir.

Em conclusão:

Sendo os procedimentos cautelares concebidos para prevenir contra o sério risco a que fica exposto o presumido titular do direito, resultante da demora da decisão definitiva na acção principal, não é de decretar a suspensão das deliberações sociais cuja execução imediata é susceptível de violar o direito de preferência estatutária ou convencional cujo exercício efectivo nunca é forçadamente assegurado pela lei por ser, por natureza, um direito meramente obrigacional, susceptível de ser violado.


III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.


RAEM, 16DEZ2019

Lai Kin Hong

Fong Man Chong

Ho Wai Neng
1251/2019-12