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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 2 / 2007

Recorrente: A







1. Relatório
   O recorrente A dos presentes autos foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º CR1-05-0316-PCC do Tribunal Judicial de Base, juntamente com outro arguido do mesmo processo B por prática de um crime de tráfico de drogas agravado previsto e punido pelos art.ºs 8.º, n.º 1 e 10.º, al. g) do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 10 anos e 6 meses de prisão e vinte mil patacas de multa, convertível em 132 dias de prisão se não for paga nem substituída por trabalho.
   Deste acórdão A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 9 de Novembro de 2006 proferido no processo n.º 321/2006, foi o recurso rejeitado.
   Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões de motivação do recurso:
   “1. O recorrente A foi condenado pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico e actividades ilícitas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, com circunstâncias agravantes previstas no art.º 10.º, alínea g) do mesmo DL, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão com multa de MOP$20.000,00, se não for paga nem substituída por trabalho, convertida em 132 dias de prisão.
   2. O recorrente não pode concordar com a decisão no que diz respeito às circunstâncias agravantes. Na análise dos factos provados da referida decisão recorrida, há seguintes dois pontos que são insuficientes para se tornarem eficazes as provas, de forma que tais provas não podiam inteiramente suportar aquela decisão condenatória.
   3. Às 21h34 e 21h42, o arguido B duas vezes ligou à arguida C com o telemóvel cujo numero era de XXXXXXX, informando esta que o referido objecto já chegou a Macau, tendo combinado com esta um encontro num café , situado no Bairro Sai Van. Os supraditos objectos, não foram comprovados como estupefaciente, poderiam ser outras coisas. Por outro lado, tendo por base somente o registo da chamada telefónica, não se pode completamente provar que aquele que falava no telefonema era efectivamente o 1.º arguido B. Aliás, na audiência, o recorrente confessou que o referido estupefaciente foi trazido por ele sozinho para Macau, tendo o 1.º arguido B desconhecido isto. Ainda por cima, B na audiência não confessou que participou no tráfico de estupefacientes.
   4. Nos factos provados, os agentes da PJ encontraram na mão direita do 1.º arguido B o telemóvel que estava ligado ao da arguida C, o que não significa jurìdica e logicamente que B envolveu-se no tráfico de drogas.
   5. Por isso, os pontos esses, pela falta de provas, devem ser vistos como não provados. O juiz como não encontrou o apoio nas provas, não pode considerar tal facto como provado através da sua convicção livre. Isto violou o art.º 114.º do Código de Processo Penal de Macau.
   6. Deve o recorrente ser apenas condenado pela prática de um crime de tráfico e actividades ilícitas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do DL n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão efectiva com multa de MOP$10.000,00.
   Pelo exposto, deve-se julgar procedente o presente recurso e revogar a decisão recorrida.”
   
   O Ministério Público emitiu a seguinte resposta:
   “Impugna o recorrente o douto acórdão que rejeitou, por manifesta improcedência, o recurso por si interposto.
   Fá-lo, reiterando a argumentação já aduzida perante este Tribunal.
   Daí, também, que a nossa resposta não possa deixar de ser a mesma.
   O recorrente continua a pugnar pelo afastamento da circunstância prevista na al. g) do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
   E insiste em fazê-lo através da tentativa de ilibação do co-arguido B.
   Essa tentativa está, no entanto, irremediavelmente votada ao insucesso.
   O recorrente mais não faz, realmente, do que manifestar a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto, afrontando o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 114.º do C. P. Penal.
   E isso, como é sabido, está-lhe vedado, sendo certo que a questionada comparticipação resulta, inequivocamente, da factualidade dada como provada.
   O recurso em análise é, pelo exposto, manifestamente improcedente.
   Deve, consequentemente, ser rejeitado (cfr. art.ºs 407.º, n.º 3-c, 409.º, n.º 2-a e 410.º, do citado C. P. Penal).”
   
   Nesta instância o Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância:
   No dia 14 de Março de 2005, pelas 16H30, a arguida C, foi abordada na sua residência, sita na [Endereço];
   Os guardas policiais efectuaram uma busca na residência da arguida, foram encontrados:
   No armário do quarto:
   – dois embrulhos, contendo um ervas verdes e sementes e o outro ervas verdes (cfr. auto de apreensão de fls. 8); e
   – uma máquina de enrolar cigarros de marca “OCB”, um maço de mortalhas e um saco com dezassete maços de mortalhas, todas da marca Qualite Deluxe;
   Na mesa de cabeceira :
   – dois saquinhos transparentes com dois cigarros de ervas verdes, cada um, e um saquinho com ervas verdes (cfr. auto de apreensão de fls. 8);
   E ainda:
   – um telemóvel de marca Samsung com um cartão (cfr. auto de apreensão de fls. 9)
   Todas as ervas verdes com as sementes, submetidas a exame laboratorial revelaram ser “Canabis”, com o peso líquido e 45.919g, estando abrangida pela Tabela I-C da lista anexa do Decreto-Lei n.º 5/91/M de 28 de Janeiro;
   O arguido adquiriu a canabis junto de um indivíduo, conhecido por “D”, que o arguido conheceu na China, junto deste indivíduo já adquiria estupefacientes há cerca de 3 meses. O arguido telefonou “D” para lhe pedir a canabis, e este enviava sempre pessoa diferente a Macau para fazer a respectiva entrega no local onde previamente combinado telefonicamente.
   Durante estes três meses, a arguida C, adquiriu três vezes, da primeira vez uma onça, da segunda vez duas onças e da terceira vez uma onça, num total de MOP6.000,00, para seu consumo, que o fazia dentro da casa de banho da sua residência sem o seu marido saber, consumindo uma onça por semana.
   No mesmo dia, a arguida C colaborou com a PJ no sentido de localizar o D, ela telefonou-lhe como habitualmente, solicitando-lhe marijuana no valor de MOP10.000,00.
   Às 21H34 e 21h42, o arguido B, telefonou por duas vezes à arguida B através do telemóvel com o número XXXXXXX, dizendo-lhe que a coisa já tinha chegado a Macau, estes combinaram o encontro num café (cfr. listagem de telefones a fls. 135 a 137).
   Pelas 22H00, chegou uma táxi, transportando os arguidos A e B, tendo o arguido B, às 22 horas e 58 segundos, ligado mais uma vez à arguida C, com o número XXXXXXX e logo de seguida foram abordados por elementos da PJ, que lhes fizeram uma revista corporal, tendo sido encontrado na posse do arguido A, no bolso direito da camisa, um saco da cor amarela contendo cinco pacotes de ervas verdes e um telemóvel (cfr. auto de apreensão de fls. 17) e, na mão direita do arguido B, foi encontrado o telemóvel com o número XXXXXXX, que estava ainda ligado ao telemóvel da arguida C (cfr. auto de apreensão de fls. 17).
   Todas as ervas verdes submetidas a exame laboratorial revelaram ser “Canabis”, com o peso líquido de 126.838g, estando abrangido pela Tabela I-C da lista anexa do Decreto-Lei n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, além disso, no papel de mortalha e no aparelho para enrolar cigarros, foram encontrados e verificados vestígios de “Canabis”.
   No dia dos factos, cerca das 20H00, os arguidos A e B encontraram o D em Gongbei, e este pediu-lhes para transportar a marijuana para Macau a fim de entregar posteriormente à arguida C, prometendo-lhes dar como compensação monetária MOP2.500,00.
   Os arguidos A e B aceitaram e vieram a Macau.
   O arguido B já conhecia o ofendido E, marido da arguida C, que é bate-fichas, na altura em que se conheceram o arguido B era angariador dos clientes no casino.
   O ofendido E foi participar à polícia no dia 2 de Maio de 2005 e no dia 3 de Maio de 2005, após combinação prévia com a polícia, o ofendido marcou encontro com o arguido B num restaurante, dizendo ao arguido que já tinha conseguido arranjar o dinheiro.
   Pelas 15H30 do dia 3 de Maio de 2005, o ofendido e o arguido encontraram-se no restaurante acima referido, o ofendido E entregou MOP50.000,00 ao arguido B, este guardou o dinheiro e preencheu uma declaração de recebimento (v. fls. 226).
   Todos os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente.
   Os arguidos C, A e B bem sabiam e conheciam as características e qualidades do referido produto estupefaciente.
   Tendo os arguidos A e B, agido por mútuo acordo e em conjugação de esforços, tendo os mesmos adquirido, detido, transportado para Macau o referido produto, cedido e transaccionado os referidos produtos, com o fim de obter ou procurar obter remuneração pecuniária, havendo concurso de duas ou mais pessoas.
   A arguida C sabia que a aquisição não autorizada e a detenção de tal produto para próprio consumo era proibida e punida por lei.
   A arguida C, utilizava ainda as mortalhas como instrumento que se destinavam ao consumo de estupefacientes, bem sabendo que não as podia deter para esse fim.
   Todos os arguidos tinham perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e eram punidas por Lei.
   Segundo a certidão de registo criminal, a arguida C é primária.
   Antes de ser preso, o arguido A era contrabandista, auferindo mensalmente MOP2.000,00 a 3.000,00.
   O arguido é casado, tendo a seu cargo uma filha.
   O arguido confessou parcialmente os respectivos factos, sendo primário.
   Antes de ser preso, o arguido B era comerciante, auferindo mensalmente MOP5.000,00.
   O arguido é casado, tendo a seu cargo uma filha.
   O arguido não confessou os respectivos factos, sendo primário.
   
   Factos não provados: Os restantes factos da acusação que são os seguintes:
   Após os factos e ainda durante o mesmo mês, o arguido B fez vários telefonemas ao ofendido E, marido da arguida C, e num dos telefonemas o arguido B disse ao ofendido que a mulher dele tinha que se responsabilizar pelo facto de que o arguido A ter sido preso, pelo que teria de pagar a quantia de cem mil patacas.
   No dia dos factos e nas instalações da polícia, o arguido B e o ofendido encontraram-se e reconheceram-se mutuamente.
   No início do mês de Abril, o arguido B e o ofendido E encontraram-se num casino, onde o arguido B entregou ao ofendido um papel em que constava uma conta bancária (na qual, o ofendido deveria depositar o dinheiro) (cfr. fls. 149), apressando o ofendido a depositar o dinheiro na conta o mais cedo possível.
   O arguido B continuou a telefonar ao ofendido E e no dia 28 de Abril, telefonou o ofendido no sentido de apressar este a depositar o dinheiro, dizendo-lhe “冚家剷” (morra toda a família) que faria mal à sua família e que sabia muito bem onde ele morava, bem como sabia qual a escola que os seus filhos frequentavam, o que deixou, desta vez, o ofendido com muito medo e receio que algo de mal acontecesse à sua família.
   O arguido B agiu livre e conscientemente, com perfeito conhecimento que o ofendido E não tinha nenhuma obrigação legal de entregar-lhe o dinheiro ou bem.
   O arguido B constrangeu o ofendido, por meio de ameaça sobre si e sua família, para lhe entregar interesse pecuniário, pretendendo obter para si o enriquecimento ilegítimo, o arguido sabia bem que não ter legalmente direito de fazer isto.
   
   
   2.2 A falta de prova e a livre convicção
   O recorrente alega o afastamento da agravação da pena para o crime de tráfico de drogas cometido pelo mesmo resultada do disposto na al. g) do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, através da demonstração de que o co-arguido não praticou os actos de tráfico de drogas.
   Para isso, o recorrente, depois de analisar os factos provados, indicou dois pontos que entende não constituir provas válidas, não sendo suficiente, em consequência, para sustentar integralmente a condenação do arguido B. Em primeiro lugar, segundo os factos provados, quando o arguido B disse à outra arguida C que “a coisa” já chegou a Macau, não há prova capaz de demonstrar que a tal “coisa” é realmente droga, podendo ser outro objecto. Em segundo lugar, o facto de o arguido B, ao ser detido por agente da Polícia Judiciária, estar a assegurar pela sua mão o telemóvel que estava ligado à arguida C não significa, jurìdica e logicamente, a prática do tráfico de drogas por B. O recorrente considera que, na falta de provas, não se pode dar como provados os respectivos factos com base na livre convicção, sob pena da violação do disposto no art.º 114.º do Código de Processo Penal.
   
   Ora, falta manifestamente fundamento a questão levantada pelo recorrente, sendo já demonstrada com clareza no acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
   Por um lado, não se pode questionar a livre convicção com base na falta de provas. Por outro, da simples análise dos factos provados resulta a falta de fundamentos dos argumentos do recorrente.
   De acordo com os factos provados:
   “No mesmo dia, a arguida C colaborou com a PJ no sentido de localizar o D, ela telefonou-lhe como habitualmente, solicitando-lhe marijuana no valor de MOP$10.000,00.
   Às 21H34 e 21h42, o arguido B, telefonou por duas vezes à arguida C através do telemóvel com o número 6604434, dizendo-lhe que a coisa já tinha chegado a Macau, estes combinaram o encontro num café (cfr. listagem de telefones a fls. 135 a 137).
   Pelas 22H00, chegou uma táxi, transportando os arguidos A e B, tendo o arguido B, às 22 horas e 58 segundos, ligado mais uma vez à arguida C, com o número 6604434 e logo de seguida foram abordados por elementos da PJ, que lhes fizeram uma revista corporal, tendo sido encontrado na posse do arguido A, no bolso direito da camisa, um saco da cor amarela contendo cinco pacotes de ervas verdes e um telemóvel (cfr. auto de apreensão de fls. 17) e, na mão direita do arguido B, foi encontrado o telemóvel com o número 6604434, que estava ainda ligado ao telemóvel da arguida C (cfr. auto de apreensão de fls. 17).
   Todas as ervas verdes submetidas a exame laboratorial revelaram ser “Canabis”, com o peso líquido de 126.838g, estando abrangido pela Tabela I-C da lista anexa do Decreto-Lei n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, além disso, no papel de mortalha e no aparelho para enrolar cigarros, foram encontrados e verificados vestígios de “Canabis”.
   No dia dos factos, cerca das 20H00, os arguidos A e B encontraram o D em Gongbei, e este pediu-lhes para transportar a marijuana para Macau a fim de entregar posteriormente à arguida C, prometendo-lhes dar como compensação monetária MOP$2.500,00.
   Os arguidos A e B aceitaram e vieram a Macau.”
   
   Dos referidos factos provados resulta que a arguida C telefonou a D para comprar marijuana em colaboração com a Polícia Judiciária. D pediu, por sua vez, o recorrente A e o arguido B levar a marijuana de Gongbei para Macau a fim de entregar à arguida C. Por isso, o arguido B telefonou à arguida C, dizendo que “a coisa” já chegou a Macau. Tal coisa refere indubitavelmente a marijuana. Mais ainda, no local em que os três arguidos combinaram encontrar, foi realmente encontrada marijuana na posse do recorrente A.
   Por fim, o recorrente entende que não é capaz de provar o tráfico de drogas do arguido B para a arguida C o facto de, ao ser detido no local combinado com a arguida C, o arguido B estar a assegurar pela sua mão o telemóvel que estava ligado àquela. Isso não passa mais de truncar o texto para torcer o sentido. A ligação com a arguida C constitui, na verdade, um passo de todo o tráfico de drogas.
   
   
   2.3 Medida da pena de multa
   O recorrente pediu a redução da multa para dez mil patacas em consideração de ser primário, ter confessado os factos criminais e a falta de participação com outra pessoa.
   O recorrente foi condenado na pena de 10 anos e 6 meses de prisão e vinte mil patacas. Tal como resulta do exposto, o terceiro argumento para reduzir a pena de multa não procede, sendo circunstâncias atenuantes gerais o ser primário e a confissão. Deve-se igualmente ponderar que a quantidade de marijuana traficada pelo recorrente ascende a 126.838g.
   Por causa de verificar a participação de outra pessoa no acto de tráfico de drogas do recorrente, nos termos do art.º 10.º, al. g) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, a moldura penal de 8 a 12 anos de prisão e multa de 5000 a 700000 patacas é aumentada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo, ou seja, passa a ser 10 a 15 anos de prisão e multa de 6250 a 875000 patacas. Considerando a moldura da pena de multa e as circunstâncias ligadas ao recorrente, é manifesto que a multa inicialmente fixada não é grave demais.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Nos termos do art.° 410.°, n.° 4 do Código de Processo Penal, é o recorrente condenado a pagar 4UC.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC e honorários à defensora nomeada em mil patacas.
   
   
   
   
   
   Aos 16 de Fevereiro de 2007.




Juízes : Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.° 2 / 2007 1