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Processo nº 579/2018
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 20 de Fevereiro de 2020

ASSUNTO:
- Caducidade da concessão do terreno
- Falta de fundamentação
- Abuso de direito
- Princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da boa-fé

SUMÁRIO:
- O termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva determina inevitavelmente a declaração da caducidade da concessão, que consiste numa actividade vinculada da Administração.
- A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
- O abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art.334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a lei e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões.
- Os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da boa-fé não são operantes nas actividades administrativas vinculadas.
O Relator,

Ho Wai Neng














Processo nº 579/2018
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 20 de Fevereiro de 2020
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A.
Entidade Recorrida: O Chefe do Executivo da RAEM

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A., melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Chefe do Executivo de 03/05/2018, que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 1,027m2, designado por lote 3 da Zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, concluíndo que:
- Vem o presente recurso interposto do Despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, tornado público pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 18/2018, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2018, que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 1 027 m2, designado por lote 3 da zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 514, a fls. 166 do livro B-49K (o “Terreno”);
- A Recorrente é titular de uma concessão por arrendamento do Terreno, destinado à construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação e estacionamento, a qual originalmente concedida à Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.R.L. (“Nam Van”) por escritura de 30 de Julho de 1991 e sucessivamente alterada em vários Despachos.
- Os lotes de terreno concedidos por esses despachos compõem o empreendimento “Fecho da Baía da Praia Grande” e fazem parte de um projecto integrado que se manteve íntegro e uno até ao presente, assim tratado pelo Governo, pela Nam Van e por cada concessionária de cada um dos terrenos, incluindo a Recorrente;
- À data da concessão (1991), os terrenos a explorar pela Nam Van não existiam ainda, eram ainda “terrenos a conquistar ao mar”;
- De acordo com cada um desses contratos, o arrendamento do Terreno era válido por 25 anos, contados desde 1991, até 30 de Julho de 2016, podendo ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049;
- Não obstante, o Terreno só veio a ser concedido em 1994, sendo, até então, considerado nos contratos como “áreas” ou “terrenos a conceder”;
- A Nam Van passou os 10 anos seguintes – os primeiros 10 anos do contrato – a construir as zonas de aterro dos “terrenos a conceder” (cláusula 6.º do Desp. 73/SATOP/92 relativa ao prazo do aproveitamento), entre eles o Terreno, e a construir infraestruturas que constituiam os encargos especiais de especial interesse público (a Nam Van que todos conhecemos hoje) previstas no contrato, como incluiam a concepção e construção dos dois lagos artificias da Nam Van e a ilha artificial, o sistema de tratamento de águas residuais desde a Barra até ao Porto Exterior, rede geral de distribuição de água e energia destas zonas, arruamentos, estacionamentos e outros acima melhor descritos, terreno e infraestruturas que só vêm a ser definitivamente recebidas pela Administração em Dezembro de 2001 e homologadas pelo STOP em Janeiro de 2003!
- O Terreno é transmitido à Recorrente em 2001, que manteve por muitos anos a maioria do seu capital social detido pela Nam Van que, por sua vez, vinha do enorme esforço financeiro de construção de todos os encargos e infraestruturas do contrato de concessão de terras; os terrenos e áreas concedidos abrangiam toda a área desde o actual NAPE até à Torre de Macau;
- O fim dos trabalhos de insfraestrutura coincide com o pleno efeito da recessão imobiliária que se havia feito sentir nesses anos em Macau, que por sua vez se enquadrava já num mau momento dos mercados asiáticos ao qual vem a acrescer a SARS e a limitação na circulação de pessoas, que determinou uma queda dramática no mercado de compra e venda e na realização de contratos, com forte repercussão no mercado da construção, com uma quebra acentuada e inesperada no lado da compra e um aumento inesperado dos custos de construção (superior a 40%), de que é exemplo a dificuldade na venda das fracções do Edifício Lake View, no Lote A8 e no NAPE;
- A repercussão desta crise nas dificuldades de construção e desenvolvimento dos projectos, em concreto no cumprimento dos prazos de aproveito que terminavam naqueles anos, como era o caso do Terreno, foi reconhecida pela Administração conforme acima se mencionou (vide Doc.s 5 e 6);
- Os sinais de crise começam a abrandar em 2004, com a abertura do Sands Macau, e a Recorrente legitimamente contava com duas práticas reiteradas e inegáveis da administração: (i) a aprovação dos projectos fora do prazo do aproveitamento, ou eja, não era o decurso do prazo de aproveitamento que impedia a aprovação do projecto e a realização das obras de construção, e (ii) e a renovação sucessiva da concessão após o decurso do prazo de arrendamento;
- A Recorrente e a Nam Van contavam com a colaboração do Giverno, assim como colaboraram com tudo o que o Governo lhe solicitou, em particular, com a “desistência” de 25.920m2 correspondentes a quatro lotes de terreno, os lotes B/b, B/f, B/g e B/l, de 4 concessionárias da Nam Van;
- Essa entrega concretizou-se em 2004 e está plasmada nos Despachos do STOP n.º 33/2004, n.º 34/2004, 35/2004 e 36/2004, tendo nesses mesmos terrenos vindo a nascer os actuais empreendimentos dos hotéis Wynn e MGM, o que aliás consta dos considerando 3. de cada despacho, sem qualquer outra contrapartida para as concessionárias que titulavam as concessões que não a promessa que se pode ler nos despachos que a titularam: “O primeiro outorgante promete conceder a favor do segundo outorgante um ou mais terrenos localizados nas C e D do Plano da Baía da Praia Grande ou em Zona com uma área de construção e capacidade aedificandi equivalente” (artigo 1.º, n.º 4 dos Despachos);
- A entrega destes lotes no NAPE determinou uma revisão e um reordenamento geral do Plano das Zonas C e D que, mais do que uma promessa do Governo, foi falado, acordado, revisto, detalhado, confirmado e concretizado em reuniões com a Nam Van, a Recorrente, as restantes concessionárias dos terrenos da Nam Van e altos representantes do Governo, regulado em pormenor, ao ponto de terem sido emitidas várias Plantas de Alinhamento Oficial para os vários lotes, com o desenho e altimetria que viriam a ter após a revisão do Plano, de forma a permitir às concessionárias das Zonas C e D avançar com os estudos e projectos e obter licenças de obras;
- De acordo com esse Plano revisto, o Terreno aqui em causa fazia parte de um conjunto de lotes, juntamente com os lotes C1 e C4, para ser entregues ao Governo e compensados noutras áreas da mesma zona C ou D e num destes lotes chegou a estar projectada a nova sede da Polícia Judiciária;
- Sabendo que iam ser revistas todas as áreas da Zona C e D, e nalgum casos revertidas áreas, e numa altura inicial tão adversa do mercado, a Requerente entendeu prudente esperar que o Governo revisse primeiro os planos da Zona C/D antes de submeter projectos;
- Na ausência de acção do Governo, a partir de 2005 algumas concessionárias da Zona C começaram a preparar e a submeter os seus projectos, sempre em consonância com a ideia do que havia sido discutido anteriormento com o Governo e da redistribuição dos lotes que havia sido gizada em função das discussões sobre os projectos, de forma a evitar elevados custos desnecessários com a preparação de projectos que viessem a ser desnecessários ou a ter que ser revistos após a publicação do novo plano;
- O Governo assumiu diversas vezes o compromisso de rever o plano de aproveitamento dos terrenos das Zonas C e D, de que é exemplo a carta junta como Doc. 8, e outros documentos preparados pela administração que se juntam neste recurso, como os Docs. 9 e 10, o que condicionou determinantemente a atitude da Recorrente em relação ao Terreno, porquanto acreditou no projecto delineado pelo Governo e nas garantias de revisão;
- Surpreendentemente, em 21 Agosto de 2006 é publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, que vem revogar a Portaria 69/91/M, que havia aprovado o Plano de Reordenamento da Zona da Baía da Praia Grande;
- Ora, o plano de aproveitamento do Terreno estava condicionado ao cumprimento do Plano de Pormenor e respectivo Regulamento aprovados por esta Portaria, nos termos da cláusula terceira do contrato de concessão;
- E as concessionárias dos terrenos da Nam Vam que se encontravam já a executar projectos são notificadas da suspensão dos mesmos (Doc. 10).
- Dada a importância do seu conteúdo e a gravidade das consequências que iria suportar, os representantes da Recorrente e da Nam Van imediatamente tentaram clarificar o contexto e a razão destas instruções e foi com surpresa que tomaram conhecimento que estas instruções tinham aplicação a todos os lotes da Zona C e D da Nam Vam, incluindo à Recorrente, o que veio a ser confirmado pelo conteúdo do Doc. 12 e mais tarde da Comunicação Interna de Serviço n.º 446/DPU/2015, de 28 de Abril de 2015 que se encontra junta ao PA acima localizado;
- Em 30 de Junho de 2016, a Nam Van e as várias concessionárias dos lotes da Nam Van, entre elas a Recorrente, dirigiram uma carta ao Chefe do Executivo contendo os seguintes pedidos alternativos: (i) suspensão do prazo de aproveitamento dos terrenos e de prorrogação dos mesmos por dez anos (contados a partir do fim da suspensão), bem como a renovação da concessão provisória por 10 anos; (ii) nova concessão dos terrenos da Zona C e D, com dispensa de concurso público, a favor de cada concessionária, após 30 de Julho de 2016; ou (iii) troca por terrenos situados em zonas adjacentes, conforme já aconteceu em outras situações que são citadas na carta, o que foi negado pela Entidade Recorrida;
- Em 16 de Maio de 2018, a Recorrente viu declarada a caducidade do arrendamento do Terreno, acto de que agora se recorre;
- Na Proposta 367/DSODEP/2016, de 12 de Setembro de 2016, a Administração contextualiza a revogação da Portaria 69/91/M na inscrição do Centro Histórico de Macau” como património mundial e a localização das zonas C e D da Baía da Praia Grande a Sul desse património. Mais refere que “Desde a vigilância do Comité do Património Mundial, o Governo da RAEM suspendeu os processos de autorização de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas C e D da Baía da Praia Grande.”
- A Recorrente não encontra qualquer restrição que seja pública à zona Sul do Centro Histórico de Macau, nem a Administração a invoca, nem tão pouco a sustenta em qualquer decisão administrativa ou do Comité do Património Mundial ou sugerida por este. Tal restrição não consta da classificação dos documentos da classificação da UNESCO (que podem ser consultados no site oficial da organização acima indicado e nos mapas por esta elaborados que se juntam) nem de documento oficial do Governo da RAEM que tenha sido apresentado à Recorrente ou a alguma das concessionárias da Nam Van.
- as Zonas C e D estão livres de quaisquer restrições: nenhum monumento classificado se encontra nas Zonas C e D e as Zonas C e D não fazem parte de nenhuma “buffer zone”, nem estão abrangidas Despacho do Chefe do Executivo n.º 202/2006, que determina os limites da definição gráfica e e respectivas zonas de protecção dos monumentos, edifícios de interesse arquitectónico, conjuntos e sítios classificados do “Centro Histórico de Macau”;
- Até à presente data, o Governo não reviu o Plano das Zonas C e D, nem concretizou as promessas contidas nos Despachos do STOP n.º 33/2004, n.º 34/2004, 35/2004 e 36/2004, em violação do princípio da eficiência consagrado no artigo 12.º do CPA;
- Em 2007, quando o Governo divulga a suspensão dos projectos da Nam Van, a Recorrente tinha 9 anos de contrato de concessão pela frente, Tempo bastante para concretizar os seus planos, fazê-los aprovar, com quaisquer alterações que a Administração entendesse necessárias, e converter a concessão em definitiva, e renová-la sem restrições;
- A decisão da Administração de suspender o desenvolvimento dos terrenos das Zonas C e D do Empreendimento da Baía da Praia Grande é arbitrária e não tem fundamento e, como tal, é ilegal, é altamente lesiva dos direitos e dos interesses legalmente protegidos da titular de um contrato de concessão, configura erro manifesto nos pressupostos de facto e viola o princípio da igualdade;
- O acto recorrido assenta num único argumento jurídico: a concessão é provisória e “não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei 10/2013 (Lei de Terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º”. Deste modo a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva) (...)” (parecer do SATOP de 4 de Novembro de 2016); o Parecer n.º 124/2016 do Proc. 61/2016 da Comissão, referido neste parecer acrescenta apenas qua a declaração de caducidade dever ser emitida nos termos do artigo 167.º da Lei de Terras;
- A Recorrente não ignora a jurisprudência dos ilustres Tribunais superiores da RAEM mas, salvo o devido respeito, que é muito, não concorda nem se conforma com esta interpretação e aplicação da lei à presente situação;
- Desde logo porque se trata de uma relação contratual, administrativa, regulada em lei especial – a Lei de Terras, seja a antiga, seja a nova – a qual elenca detalhadamente as obrigações e prerrogativas da administração e das concessionárias e trata exaustivamente a forma de terminar as concessões, entre elas a caducidade (artigos 52.º e 166.º);
- A caducidade a declarar pela Entidade Recorrida tem que necessariamente caber dentro das normas previstas da lei de terras, na forma prevista na lei de terras ou nalguma das normas subsidiárias aplicáveis nos termos da própria Lei 10/2013, que determina no artigo 220.º (entre elas, precisamente, o regime geral das infracções administrativas);
- Mas a entidade recorrida não fundamenta a sua decisão nem no artigo artigos 52.º, nem no artigo 166.º da Lei de Terras, nem em nenhum dos diplomas subsididiariamente aplicáveis nos termos do seu artigo.º, porquanto não cita nenhum deles, o que desde já redunda num erro nos pressupostos de direito do acto recorrido;
- E não poderia deitar mão do artigo 166.º da Lei de Terras que não pode ser aplicado às concessões pretéritas, porquanto não houve culpa da Recorrente, o que a própria Administração não nega ou tão pouco invoca, e este preceito pressupõe a inércia da concessionária do terreno;
- E o artigo 215.º da Lei 10/2013 dispõe que esta lei se aplica às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor – o caso do Terreno – com ressalvas, entre elas a da alínea 3), isto é, “quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º.”
- Ora, como aqui demonstrámos, num contrato de 25 anos, a concessionária passou 10 anos a aterrar o próprio terreno e quando finalmente podia construir, a Administração suspendeu o desenvolvimento do Terreno exactamente dez anos! E vem agora declarar a caducidade de um tempo que não deixou correr!
- Por outro lado, o artigo 52.º não pode ser aplicado sem a devida avaliação do comportamento da Administração, aqui se remetendo para as doutas conclusões do parecer dos Profs. Fernando Alves Correia e Licínio Lopes, já citado pela Recorrente no Proc. n.º 354/2017, que corre termos nesse Tribunal, segundo as quais na relação entre a Administração e o particular não há lugar à verificação de uma caducidade-preclusiva, automática.
- Pelo contrário, no direito administrativo, a Administração está vinculada a verificar e avaliar as causas da caducidade, só podendo esta ser declarada se o incumprimento for imputável ao particular, uma vez que tem sempre a natureza sancionatória.
- Na situação em análise, não pode ser declarada a caducidade porquanto a Recorrente não só não a causou como, pelo contrário, o decurso do tempo que penaliza o incumprimento é causado pela própria Administração!
- A Administração reconheceu várias vezes, nos documentos já juntos e acima citados, que o direito de construção das concessionárias dos terrenos do Empreendimento da Nam Van, entre elas a Recorrente e o Terreno, se encontrava suspenso, prejudicado e parado por culpa exclusiva do Governo;
- No próprio acto de suspensão, a Administração reconhece o direito-dever das concessionárias em desenvolverem os terrenos da Zona C, direitos que lhes advém dos contratos de concessão e, não obstante, num acto discricionário, entende, simultaneamente suspender esse desenvolvimento, provocando o efeito impeditivo da caducidade, previsto artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, o que impossibilita agora de vir declarar a caducidade pelo acto recorrido;
- Com a sua conduta, a Administração violou o princípio da proporcionalidade, da boa-fé, da decisão e da eficiência.
- Na carta de 30 de Junho de 2016, a Recorrente solicitou ao Chefe do Executivo, juntamente com outras concessionárias, uma nova concessão do Terreno após o decurso do prazo de arrendamento, ou seja, após 30 de Julho de 2016, dos mesmos lotes de terreno ou outros lotes na Zonas C e D ou em outras zonas com áreas de construção e capacidade aedificandi equivalentes, com dispensa de concurso público, pretensão que foi negada com o único fundamento descrito no ponto 5 da Proposta n.º 013/DSO/2017, de 21 de Fevereiro, que acima se cita;
- Não obstante, pode a Recorrente constatar que a mesma solução é reiteradamente usada em outras concessões de terrenos ao longo dos anos, nas quais o aproveitamento não se completou antes do fim do prazo do arrendamento, sendo certo que nestas situações a Administração aprecia a culpa para justificar, precisamente, a nova concessão, situações que acima concretizamos e em que a vigência da lei anterior e da nova lei de terras não faz, neste caso, diferença;
- As situações que identificadas pela Recorrente são juridicamente legítimas, não se lhes reconhece nenhum vício ou ilegalidade, sendo apenas exemplos entre outros e semelhante solução podia ter sido encontrada para os lotes da Baía da Praia Grande;
- Ao declarar a caducidade sem conceder nova concessão sobre o Terreno, a Administração viola o princípio da igualdade uma vez adoptou comportamento diferente noutras concessões, o que resultou num tratamento desigual, com prejuízo relevante para a Recorrente, proibido nos termos do artigo 5.º do CPA, e em violação do artigo 25.º da Lei Básica;
- Muitos dos considerandos dos despachos mencionados a este propósito podiam aplicar-se à situação da Recorrente mas a Entidade Recorrida entendeu aplicar critérios diferentes para situações idênticas, apreciando a culpa, e verificando a sua falta noutras concessões, para agora entender, no presente caso, que a caducidade opera independentemente da falta de culpa da Recorrente;
- A aplicação do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico determinava ainda que a Entidade Recorrida tivesse outra solução, que não a caducidade, inclusivamente dentro do pedido efectuado pela Recorrente em 30 de Junho de 2016;
- A actuação da Administração, a sua escolha dos critérios, e a aplicação da lei em toda esta situação constitui claro exercício de abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, proibido nos termos do artigo 326.º do Código Civil.
- Por tudo o acima exposto, o acto recorrido incorre em vício de forma, por falta de fundamentação (também o artigo 115.º/2 CPA), nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC e viola a lei, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC, e, em particular:
- lesa direitos e interesses legalmente protegidos;
- incorre no erro de interpretação e aplicação de lei;
- viola os princípios da igualdade, boa-fé, na sua vertente da tutela da confiança, da decisão e da eficiência da Administração, cfr. os artigos 5.º, 8.º, 11.º e 12.º do CPA;
- padece de erro manifesto nos pressupostos de facto e de direito, incluindo erro na fundamentação;
- manifesta total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
- viola o artigo 323.º, n.º 2 e o artigo 326.º do Código Civil; e
- viola o artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico e os artigos 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica da RAEM;
devendo, por isso, ser anulado de acordo com o artigo 124.º do CPA.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 203 a 217 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Por despacho do Relator de 22/11/2018, foi indeferida a requerida inquirição de testemunhas.
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A Recorrente reclamou para a Conferência do despacho acima em referência, bem como da sua nulidade.
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Devidamente notificada da reclamação, a Entidade Recorrida pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
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Tanto a Recorrente como a Entidade Recorrida ambas apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas, respectivamente, na petição inicial e na contestação.
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O Mº Pº emitiu o parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se regularmente patrocinadas.
Não existem excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
É assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa face aos elementos probatórios existentes nos autos:
1. Por escritura pública de 30 de Julho de 1991, exarada de fls. 4 e seguintes do livro 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, celebrada em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, e com as alterações introduzidas pelos Despacho n.º 73/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, Despacho n.º 57/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993, Despacho n.º 56/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, e Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999, foi titulada a concessão por arrendamento de vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situados na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., com sede na Avenida Comercial de Macau, Edifício FIT Center, 21.º andar B, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º 4144 (SO) a fls. 166 do livro C10.
2. Posteriormente, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 81/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa dos direitos resultantes da concessão do terreno com a área de 1,027m2, designado por lote 3 da zona C do referido empreendimento a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A., com sede na Avenida Comercial de Macau, Edifício FIT Center, 21.º andar B, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º 8975 (SO) a fls. 18 do livro C23.
3. O mencionado lote está descrito na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP, sob o n.º 22514 a fls. 166 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor daquela sociedade sob o n.º 26667F, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
4. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato de transmissão titulado pelo sobredito Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 81/2001, o arrendamento do terreno é válido até 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o estabelecido na cláusula terceira do mesmo contrato de transmissão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação e estacionamento, em conformidade com o plano de pormenor e respectivo regulamento, relativo à zona C, aprovado pela Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril de 1991.
6. Em 04/11/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seguinte parecer:
“…
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 81/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 3 da zona C do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A..
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação e estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991. A altura máxima permitida seria de 34,5 mNMM.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 19 de Setembro de 2016.
7. Reunida em sessão de 27 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno…”.
8. Em 03/05/2018, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“…Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 61/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho”.
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IV – Fundamentação
A. Da reclamação do despacho do Relator pelo qual se determinou a não inquirição das testemunhas arroladas e da sua nulidade:
Vem a Recorrente reclamar para a Conferência o despacho do Relator de 22/11/2018, pelo qual de determinou a não inquirição das testemunhas arroladas por entender que a requerida diligência probatória é desnecessária para a boa decisão da causa.
Analisada a situação concreta do caso, concordamos a decisão reclamada, visto que a caducidade da concessão foi declarada com fundamento no decurso do prazo da concessão provisória sem que esta convertida em definitiva.
Nesta medida, a Recorrente nunca poderá proceder ao seu aproveitamento por qualquer forma face à legislação vigente.
Quanto à alegada nulidade do despacho ora reclamado por se tratar da prática de um acto que a lei não admite e por tal acto influir na decisão da causa, salientamos desde já que conforme supra exposto, a decisão ora reclamada nada influi na decisão da causa, por ser um acto inútil.
Em relação a sua admissibilidade legal, cumpre-nos dizer o facto de o Relator ter ordenado o cumprimento do disposto do artº 64º do CPAC, nada lhe impede que no momento posterior, determina a desnecessidade da produção da prova.
O essencial é saber se a requerida diligaência probatória ser necessária ou não para a boa decisão do mérito da causa.
Nesta conformidade, ainda que determinada a realização da prova testemunhal, nada impede a parte que a requereu, desiste da mesma antes ou no decurso da mesma.
Por outro lado, o Tribunal, no âmbito do seu poder de direcção do processo conferido pelo nº 1 do artº 6º do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, tem o poder-dever de recusar realizar as diligências desnecessárias e impertinentes.
Assim, em nome da economia processual e com vista a evitar a prática de actos inúteis, é de manter a decisão reclamada, julgando improcedente a reclamação apresentada.
B. Do recurso contencioso
O presente recurso contencioso consiste em apreciar a eventual legalidade/ilegalidade do acto recorrido, pelo qual se declarou a caducidade da concessão do terreno em questão.
Sobre o assunto, o Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
“Na petição inicial e nas alegações, a recorrente solicitou a anulação do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo quem declarou, clara e propositadamente que “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º61/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos que constam do Parecer do Secretário para Os Transportes e Obras Públicas, de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.” (vide. fls.84 do P.A.)
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1. Do acto vinculado e da arguição da manifesta desrazoabilidade
Interpretando o acto recorrido em coerência com o Parecer do Sr. STOP de 04/11/2016 (doc. de fls.80 a 83 do P.A.), adquirimos que a declaração da caducidade titulada por esse acto tem por base factual que a concessão cuja titular era a recorrente tinha sido sempre provisória até à irreversível expiração do prazo de 25 anos, nunca convertida em definitiva.
Ora, é pacífica e consolidada a brilhante jurisprudência, segundo a qual decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, nesse prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas, e o Chefe do Executivo não tem que apurar se o incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário (cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º28/2017, n.º43/2018 e n.º72/2019). Pois a jurisprudência de Macau vai sempre no sentido de considerar a caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo de arrendamento como caducidade preclusiva (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º69/2017, n.º102/2018 e n.º26/2019).
A nossa leitura dos arestos dos Venerandos TUI e TSI convence-nos de ser constante e unânime a orientação jurisprudencial, no sentido de que é vinculado o poder administrativo para declarar a caducidade, quer de preclusão quer de sanção, das concessões de terrenos (cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º62/2017 e 111/2018, do TSI nos n.º433/2015, n.º436/2015 e n.º743/2016).
Ora, a frase reiterada pelo Venerando TUI de que “se outro prazo não estiver fixado no contrato” significa iniludivelmente que o prazo da concessão, seja de 25 anos seja de duração mais curta, não é decisivo, o que causa directa e inevitavelmente à caducidade preclusiva da concessão é a peremptória expiração do prazo de concessão contratualmente fixado.
Nestes termos e na medida em que o despacho n.º81/2001 do STOP estipula que é válida até 31/07/2016 a concessão transmitida à recorrente na qualidade de terceiro outorgante, não podemos deixar de concluir que o despacho atacado nestes autos é acto vinculado. Daí resulta que não se verifica in casu a arrogada manifesta e total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, trata-se, deste modo e em boa verdade, dum argumento impertinente e despropositado.
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2. Da arguida falta de fundamentação
Ora, é praticamente uniforme a inculca de que “A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.” (a título exemplificativo, Acórdão do STA no processo n.º44302)
Não se deve olvidar que concordar é uma coisa, e compreender é outra, a discordância duma posição não se equivale à incompreensão ou à incompreensibilidade. Por isso, a não concordância do interessado com a posição da Administração não germina a falta de fundamentação. De outra banda, interessa realçar que a falta de fundamentação se distingue da falta de fundamentos (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º663/2009)
Bem, sufragamos a douta jurisprudência que preconiza (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º288/2015): O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal … possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Em esteira, e considerando o supramencionado Parecer do Exmo. Sr. STOP e o Parecer n.º124/2016 da Comissão de Terras (docs. de fls.80 a 83 e 71 a 78 do P.A.), não podemos deixar de concluir que é falida a arguição da falta de fundamentação, pois, o ponto 7 do Parecer do Exmo. Sr. STOP assegura a recorrente a apreender suficientemente os fundamentos de facto e de direito da declaração da caducidade da concessão.
Por cautela e na mera hipótese de ser insuficiente a fundamentação do despacho recorrido, colhemos que tal insuficiência é irrelevante, dado que ao caso sub judice se aplica o princípio do aproveitamento dos actos administrativos praticados no exercício de poderes vinculados.
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3. Da não verificação da caducidade e causa impeditiva
Bem, sustentando o pedido de anulação do despacho em questão, a recorrente arguiu a não verificação da caducidade bem como o erro nos pressupostos de direito e da causa impeditiva da caducidade, arrogando que o incumprimento das cláusulas do contrato de concessão é imputável à Administração e esta reconheceu os direitos resultantes da transmissão à recorrente relativos ao terreno identificado no contrato de concessão.
Repare-se que “As vicissitudes ocorridas no prazo de concessão e respeitantes ao aproveitamento do terreno não se revelam pertinentes, já que, no caso de declaração da caducidade pelo decurso do prazo de arrendamento do terreno, não é essencial a questão de culpa no não aproveitamento do terreno, pois com o decurso do prazo máximo da concessão provisória sem a conclusão do aproveitamento do terreno, a mesma concessão não pode ser renovadas, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (art.48.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 10/2013).” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º29/2019) Daí resulta que mesmo sejas constatadas e verdadeiras, a não imputabilidade e inocência da recorrente não obstam à verificação da caducidade preclusiva da concessão.
É bom de lembrar a brilhante jurisprudência inculcando que “Ainda que estivessem em causa direitos disponíveis, uma informação da Direcção dos Serviços de Programação e Coordenação de Empreendimentos, independentemente do que ela contivesse, nunca poderia constituir reconhecimento de nenhum direito da recorrente por parte da RAEM, dado que informações burocráticas de técnicos da Administração ou mesmo de directores de serviços não representam nem obrigam a RAEM, pelo que nunca poderiam reconhecer direito algum da recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º2 do artigo 323.º do Código Civil.” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º16/2019)
Pois, as comunicações de serviço interno da DSSOPT, bem como a atitude da DSSOPT revelada nos ofícios, com os quais as recorrentes foram notificadas que os projectos apresentados eram passíveis de aprovação pela DSSOPT, mas que o procedimento administrativo ficava suspenso provisoriamente até que fosse aprovado o novo plano de intervenção urbanística da zona onde se encontram os terrenos concedidos, nunca poderiam constituir reconhecimento de nenhum direito das recorrentes por parte da RAEM, uma vez que as informações ou opiniões nelas contidas não representam nem obrigam a RAEM, muito menos depois do termo do prazo de arrenda-mento dos terrenos. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º2/2019)
E, os actos praticados pela Administração, invocados pela recorrente para demonstrar que a Administração criou legítimas expectativas na recorrente, nomeadamente, ao afirmar que iria rever o contrato de concessão atenta a alteração de finalidade do terreno, nunca poderiam constituir o reconhecimento de algum direito da recorrente por parte da RAEM (por exemplo o direito de aproveitar o terreno depois do termo do prazo de arrendamento) nem obstar à declaração da caducidade pelo decurso de tal prazo. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º12/2019)
Em sintonia com tais sensatas jurisprudências, estamos convictos de que falece incuravelmente a arguição da não verifica da caducidade e da existência da causa impeditiva da mesma, portanto, o despacho atacado no presente recurso não colide com o art.323º do Cód. Civil.
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4. Do abuso de direito e violação dos princípios gerais
Como causa de pedir, a recorrente assacou, ao despacho em escrutínio, ainda o abuso de direito e a violação dos princípios da igualdade, da boa fé na sua vertente da tutela de confiança, da decisão e da eficiência da Administração, previstos nos arts.5º, 8º, 11º e 12º do CPA.
4.1. Ora, o abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art.334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a lei e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões.” (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º179/2016, n.º290/2017 e n.º578/2018)
Em harmonia com essa sagaz jurisprudência, não podemos deixar de concluir que consubstanciado em declarar a caducidade preclusiva da concessão, o despacho em questão não enferma do abuso de direito, e por isso, não infringe o preceito no art.326º do Código Civil.
4.2. No actual ordenamento jurídico de Macau vê-se solidamente consolidada a brilhante jurisprudência, no sentido de que os princípios gerais de igualdade, de proporcionalidade, da imparcialidade, da justiça e de boa fé se aplicam apenas ao exercício de poderes discricionários, semdo assim inoperante para os actos vinculados. (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência do TSI vem andar no mesmo sentido).
Seja como for, a violação do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade, o princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º7/2007).
Ainda preconiza peremptoriamente o Venerando TUI que “Havendo fundamento para declarar a caducidade de concessão de terreno urbano, porque houve culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno no prazo fixado, tal constitui um acto vinculado para a Administração. Se esta, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade.” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º111/2018)
Em esteiras destas brilhantes jurisprudência e dado que o despacho atacado nestes autos constitui a única resolução legalmente admissível, estamos convictos de que tal despacho não pode ofender nem ofende os princípios da boa fé na vertente da tutela da confiança, da igualdade e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos.
Ressalvado respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que não pode deixar de ser flagrantemente vaga e descabida a arguição da violação dos princípios da decisão e da eficiência, bem como do erro manifesto nos pressupostos de facto e de direito.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso…”.
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra e que está conforme com a jurisprudência do TUI e deste TSI nos processos congéneres.
A título exemplificativo, vide os Acs. do T.U.I. de 11/10/2017, Proc. n.º 28/2017; de 06/06/2018, Proc. n.º 43/2018; de 31/07/2018, Proc. nº 13/2018; de 05/12/2018, Proc. n.º 98/2018 e de 19/12/2018, Proc. n.º 91/2018.
Nesta conformidade e com a devida vénia, fazemos como nossos os fundamentos invocados no parecer acima transcrito para julgar a improcedência do presente recurso contencioso.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente a reclamação apresentada, bem como o recurso contencioso, confirmando a decisão reclamada e o acto recorrido.
*
Custas pela Recorrente com 4UC e 10UC de taxa de justiça, respectivamente, para a reclamação e o recurso contencioso.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 20 de Fevereiro de 2020.

(Relator) Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong Mai Man Ieng
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579/2018