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Proc. nº 306/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Dezembro de 2019
Descritores:
- Recurso jurisdicional
- Poder discricionário
- Princípio da boa-fé

SUMÁRIO:

I - O recurso jurisdicional apresenta-se como uma forma de impugnação judicial dirigida contra uma sentença, à qual a parte inconformada arremete vícios e violações próprios. Significa que o recurso jurisdicional tem, por via de regra, um carácter de revisão ou reponderação e não uma natureza necessariamente de reexame. Donde, não se tratando de matéria nova invocada na alegação que possa ser conhecida oficiosamente e que conduza à nulidade do acto, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões não tratadas pela sentença impugnada.

II - O princípio da boa-fé é exclusivo dos actos administrativos praticados em sede do exercício do poder discricionário. E por assim ser, só em caso de erro manifesto ou grosseiro será possível aos tribunais efectuar a sindicância dos respectivos actos.


Proc. nº 306/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, do sexo feminino e nacionalidade chinesa, portadora do BIRPM nº 5XXXXX3(4), residente em Macau, na Estrada XX, edif. XX, XXº andar, “XX”, ----
Interpôs junto do Tribunal Administrativo (Proc. nº 1266/16-ADM) ----
Recurso contencioso da decisão do Presidente do Instituto de Habitação tomada em 2015.12.3, pela qual rescindiu o contrato de arrendamento de habitação social celebrado entre o Instituto de Habitação e a recorrente, pedindo a anulação do acto recorrido.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou improcedente o recurso.
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Contra essa sentença vem agora interposto o recurso jurisdicional, em cujas alegações a recorrente formula as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso é interposto contra a decisão recorrida na parte de julgar improcedente o recurso contencioso por entender não existir a violação do princípio da boa fé, a violação da lei ou o desvio de poder. Salvo o devido respeito, ao contrário dos fundamentos da decisão recorrida, existem efectivamente a violação do princípio da boa fé, a violação da lei e o desvio de poder.
2. Em termos do princípio da boa fé, dispõe o art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo: “1. No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé. 2. No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) Da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) Do objectivo a alcançar com a actuação empreendida.”
3. Em primeiro lugar, é violado o princípio da boa fé previsto no art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo. É de notar de novo, de acordo com a opinião constante a fls. 9 a 10 do processo de IH, o procedimento administrativo tem origem no facto de que a recorrente foi pessoalmente à entidade recorrida informar que a fracção de habitação social foi ocupada por dois indivíduos fora do contrato. A razão da informação fica em que ela tem cumprido a obrigação de arrendatário, já fez por várias vezes persuasão, mas sem efeito, sentia pressa mental e foi batida, não conseguia acabar a permanência ilegal por qualquer forma. Por isso, exigiu da entidade recorrida o apoio de acompanhamento.
4. Esta conduta da recorrente basta provar que ela não queria a ocupação da fracção de habitação social por parte dos indivíduos fora do contrato e que não mora na fracção sem qualquer remédio. O mais importante é que é convicta de que a entidade recorrida, competente na administração de habitação social, ajude a acabar a ocupação da fracção por parte dos dois indivíduos. No entanto, a entidade recorrida, ao invés de prestar apoio, iniciou o procedimento administrativo da rescisão do contrato de arrendamento. Entendeu erradamente que a recorrente não queria cumprir a obrigação de arrendatário e praticou o acto administrativo recorrido da rescisão do contrato de arrendamento. Não considerou as situações de saúde, emocional e económica da recorrente, nem o estudo e crescimento da filha menor, elemento do agregado familiar. Pode-se ver que a entidade não cumpriu o princípio da boa fé previsto no art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo, ao praticar o acto em causa.
5. Em termos da violação da lei, de acordo com a disposição do regulamento administrativo n.º 25/2009, «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social», objectivamente, embora se conclui pela existência do facto de que a recorrente (foi forçada a) não permanecer na fracção de habitação social e permanecem (forçosamente) dois indivíduos fora do contrato, de acordo com os outros factos acima referidos, pode-se provar a existência de razão desculpável. A entidade recorrida devia não exercer discricionariamente o direito de rescindir o contrato em conformidade com o princípio da proporcionalidade. Dispõe o art.º 19.º, n.º 1 do regulamento administrativo n.º 25/2009, «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social», “conferem ao IH o direito de rescindir o contrato”; e dispõe o n.º 2 do mesmo artigo, “O contrato pode ainda ser rescindido”.
6. O art.º 19.º do regulamento administrativo, o conferir o poder discricionário à administração, fixa os pressupostos de facto da aplicação – no presente caso art.º 19.º, n.º 2, al. 2) e art.º 11.º, n.º 1, al. 6) do mesmo regulamento administrativo. Quando a entidade recorrida aplicou a disposição, os factos verificados eram de que a recorrente permitiu a permanência de dois indivíduos fora do contrato na fracção e que não usava a fracção como residência permanente. No entanto, a entidade verificou erradamente os factos acima referidos, porque a recorrente nunca permitiu a permanência dos dois indivíduos fora do contrato na fracção dela, foi forçada a não permanecer na fracção, bem como ela foi no dia habitar na fracção de habitação social. Assim sendo, no presente caso não são aplicáveis os pressupostos de facto previstos no art.º 19.º do regulamento administrativo n.º 25/2009, «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social» - no presente caso art.º 19.º, n.º 2, al. 2) e art.º 11.º, n.º 1, al. 6) do mesmo regulamento administrativo. Por isso, a entidade recorrida não pode exercer o direito de rescindir o contrato conferido pela lei.
7. Caso entender ao contrário, a entidade padece dos vícios seguintes ao praticar o acto administrativo recorrido: O legislador confere à entidade recorrida o poder discricionário de rescindir o contrato de arrendamento nos termos do art.º 19.º, n.º 2 do regulamento administrativo n.º 25/2009, «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social», porque quando não é satisfeita a disposição do regulamento administrativo com razão desculpável como na situação da recorrente, ainda pode decidir se exercer ou não o direito de rescindir o contrato, deixando continuar a alugar a habitação social as famílias com dificuldade económica e residentes em Macua e dando-lhes um lugar para viver.
8. A discricionariedade não deve, pois, ser vista como um “mal necessário” que tenha de ser reduzido ao mínimo; antes pelo contrário, desempenha um papel positivo quer para a realização do interesse público, quer para a protecção dos interesses dos particulares. Ilustrativo de tal papel é o facto de o legislador proceder à concessão de poderes discricionários em novas áreas. Mas, ao praticar o acto administrativo recorrido, a entidade recorrida não considerou a razão desculpável da recorrente – não queria a ocupação da fracção pelos indivíduos fora do contrato e não permanecia na fracção sem qualquer remédio. A entidade recorrida não exerce o poder discricionário conferido pela lei, para fazer decisão e resolução adequada. Por isso, não é realizada a expectativa do legislador ao conferir o poder discricionário ao Instituto de Habitação. A lei é violada manifestamente.
9. Em fim, padece do vício do desvio de poder – desvio de poder de interesse público. Pressupõe-se assim uma discrepância entre o fim legal e o fim real ou o fim efectivamente prosseguido pelo órgão administrativo e para determinar da existência de tal vício tem de proceder-se a três operações: apurar qual o fim visado pela lei ao conferir um determinado poder discricionário (fim legal); averiguar qual o motivo determinante da prática do acto administrativo em causa (fim real); determinar se este fim coincide com aquele.
10. Em primeiro lugar, em termos do fim visado pela lei ao conferir poder discricionário, o estabelecimento da habitação social visa ao arrendamento pelas famílias em situação económica desfavorecida e residentes na RAEM, dando-lhes um lugar para viver. Nos termos do art.º 3.º, n.º 1 do regulamento administrativo n.º 25/2009, «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social», o interesse público prosseguido no presente caso visa ao arrendamento da habitação social aos agregados e indivíduos residentes na RAEM e em situação económica desfavorecida. Por isso, nas situações previstas no art.º 19.º, n.º 2 do regulamento administrativo, ao exercer o poder discricionário, a entidade recorrida obriga-se a decidir nos termos do art.º 3.º, n.º 1 do mesmo regulamento administrativo.
11. Em segundo, em termos do fim da prática do acto pelo órgão administrativo, o acto administrativo recorrido indica meramente que são limitados os recursos de habitação social, a qual deve ser utilizada bem, nem indica qualquer fundamento de direito. A administração deve actuar em obediência aos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes, designadamente o da legalidade. A administração apenas pode exercer poderes atribuídos pela lei e prosseguir fins da lei, mas não pode expandir sem limite o âmbito do interesse público, dilatando indirectamente o poder público, porque estes actos prejudicam gravemente o balanço entre o exercício do poder público e o interesse privado. Nestes termos, é incompatível com o fim real da lei o interesse prosseguido pela entidade recorrida ao praticar o acto administrativo recorrido, o qual leva inadequadamente ao dano do direito da recorrente.
12. Nestes termos, o acto administrativo recorrido padece simultânea ou alternativamente os vícios da violação do princípio da boa fé, da violação da lei e do desvio de poder – desvio de poder de interesse público, o qual, por isso, deve ser anulado nos termos do regime da anulabilidade previsto no art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
13. Ademais, a recorrente requereu apoio judiciário e foi-lhe nomeada mandatária para instaurar o presente processo. Até hoje, não se registe qualquer alteração do pressuposto da concessão do apoio judiciário. Por isso, devem ser isentadas todas as custas, nos termos da Lei n.º 13/2012, «Regime geral de apoio judiciário».
V. Pedidos
Pelo exposto, pedo o Mm.º Juiz do Tribunal de Segunda Instância julga procedente o presente recurso e anular o despacho proferido pelo presidente do Instituto de Habitação da RAEM em 2015.12.3 na proposta n.º 0556/DAJ/2015, no qual rescindiu o contrato de arrendamento da habitação social com a recorrente como arrendatária.”
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A entidade recorrida respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. A recorrente limita-se a repetir nas alegações os fundamentos de facto e de direito no recurso contencioso apresentado em 2016.3.11. O alegante invoca de novo que não concorda com a motivação da recorrente e mantém todos os fundamentos de facto e de direito na contestação apresentada em 2016.4.26. Além disso, o alegante conforma-se com os fundamentos referidos na sentença pelo tribunal a quo.
2. A recorrente alega que a entidade, ao praticar o acto, violou o princípio da boa fé, violou a lei por erro no pressuposto de facto, não exerceu o poder discricionário e padeceu do vício de desvio de poder, exigindo a anulação do acto. Não se conforma nada o alegante.
3. A recorrente permitiu os dois indivíduos fora do contrato a morar na habitação por mais de 7 anos. A recorrente própria e o elemento do agregado familiar dela não moraram na habitação por longo tempo. Ela foi ao IH informar a situação, o que, porém, não significa que o IH se obriga a exonerar a responsabilidade legal proveniente do acto irregular.
4. De facto, o agente do IH nunca praticou qualquer acto a convencer a recorrente de que fosse exonerada a responsabilidade do acto ilegal de não habitar na fracção por longo tempo, nem lhe expressou que podia ajudar a despejar os indivíduos que ocupavam a fracção. Por isso, a recorrente baseia-se puramente na expectativa subjectiva, ao invés da expectativa justa ou confiança protegida pelo princípio da boa fé previsto no art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo. Assim, o acto recorrido não viola o princípio da boa fé.
5. Por outro lado, alega a recorrente que a decisão da entidade recorrida incorre no erro no pressuposto de facto. Mas na realidade, existe com efeito o facto de que a recorrente e o elemento do agregado familiar, filha dela, não se hospedaram na fracção por longo tempo. A recorrente também alega por várias vezes que não tinha coração dura para expulsar os dois indivíduos fora do contrato por causa da relação familiar. Passados 7 e 8 anos, não fez qualquer queixa ou informação junto da administração. Obviamente, a recorrente estava a “deixar” e “permitir” tacitamente os dois indivíduos fora do contrato a habitar na fracção por vários anos. Por isso, quando a entidade recorrida decidiu pela rescisão do contrato, não existia o erro no pressuposto de facto.
6. Além disso, é apreciada apenas a legalidade do acto, nos termos do art.º 20.º do Código do Procedimento Administrativo. Por isso, no presente recurso contencioso não é apreciada no presente recurso contencioso a racionabilidade ou a proporcionalidade do acto praticado pela entidade recorrida no exercício do poder discricionário.
7. Em fim, o regulamento administrativo n.º 25/2009, «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social», regula a distribuição da habitação social como recurso público, visando à distribuição racional e bom aproveitamento dos recursos públicos limitados. A conduta da recorrente viola gravemente, sem dúvida, o fim legislativo, afectando a oportunidade da distribuição de habitação social de outros candidatos qualificados.
8. Por isso, a decisão da entidade recorrida de rescindir o contrato de arrendamento de habitação social com a recorrente, foi feita exactamente com a avaliação das circunstâncias concretas e a consideração do fim do estabelecimento de habitação social. Não existe desvio de poder.
9. Assim sendo, o recurso é completamente improcedente e deve ser rejeitado.”
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O digno Magistrado do MP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“1 - Em 1989.6.29, o pai da recorrente B celebrou, na qualidade de arrendatário, o contrato de arrendamento de habitação social com o antigo Instituto de Acção Social de Macau, alugando a fracção em Macau, Estrada XX, XX Garden, XXº andar, XX, incluindo no agregado familiar o B e as duas filhas C e D (vide fls. 60 e 60v do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
2 - Em 1991.11.19, o pai da recorrente B celebrou, na qualidade de arrendatário, o contrato de arrendamento de habitação social com o antigo Instituto de Habitação de Macau, alugando a fracção acima referida, incluindo no agregado familiar o B, as duas filhas C e D e a neta E (vide fls. 61 e 61v do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
3 - Em 1993.5.5 e 1995.5.3, o pai da recorrente B celebrou, na qualidade de arrendatário, o contrato de arrendamento de habitação social com o antigo Instituto de Habitação de Macau, alugando a fracção acima referida, incluindo no agregado familiar o B e a recorrente (vide fls. 62 a 63v do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
4 - Em 2002.1.11, o pai da recorrente B celebrou, na qualidade de arrendatário, o contrato de arrendamento de habitação social com o Instituto de Habitação, alugando a fracção acima referida, incluindo no agregado familiar o B, a recorrente e a filha da recorrente F (vide fls. 58 a 59 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
5 - Em 2010.8.6, a recorrente celebrou o contrato de arrendamento de habitação social com o Instituto de Habitação, alugando a fracção acima referida, incluindo no agregado familiar a recorrente e a filha dela F (vide fls. 1 a 2 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
6 - Em 2014.9.5, o agente do IH lavrou o parecer n.º G112/DHP/DFHP/2014, indicando que a recorrente informou que a fracção alugada era ocupada por indivíduos fora do contrato – a irmã mais nova C com doença mental e o sobrinho G, o que tinha durado por um ano, e que ela tinha feito persuasão por várias vezes, mas se sentia pressionada e foi batida, exigiu o IH a acompanhar (vide fls. 9 a 10 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
7 - Em 2014.9.12, o agente do IH realizou conversação face a face com a C e a E (vide fls. 11 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
8 - Em 2014.9.16, o agente do IH realizou conversação face a face com o F (vide fls. 12 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
9 - Em 2014.9.17, o agente do IH realizou conversação face a face com a recorrente e o F (vide fls. 13 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
10 - Em 2014.9.22, o agente do IH foi à fracção para verificação e tirou fotos no lugar (vide fls. 14 a 15 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
11 - Em 2014.10.14, a Polícia de Segurança Pública respondeu, por meio do ofício n.º MIG.13780/14/SE, o IH relativamente aos registos de migração da recorrente e da filha dela F no período indicado (vide fls. 22 a 34 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
12 - Em 2014.12.29, o agente do IH lavrou a proposta n.º 0808/DHP/DFHP/2014, indicando que após visita à casa e conversações, se verificou que a recorrente permitiu indivíduos fora do contrato (irmã mais nova C e sobrinho G) a habitar na fracção de habitação social a partir do ano 2007, sem pedir autorização do IH; além disso, a recorrente e a filha F admitiram que tinham se deslocado da fracção respectivamente em Janeiro de 2014 e em Janeiro de 2013, conservando o fogo desabitado por mais de quarenta e cinco dias ou não tendo nele residência permanente, o que violava os art.º 11.º, n.º 1, al. 10), art.º 19.º, n.º 2, al. 2), art.º 20.º, n.º 1 e art.º 11, n.º 1, al. 6) do regulamento administrativo n.º 25/2009, propondo a entregue à Divisão de Assuntos Jurídicos e a instauração do procedimento da rescisão do contrato de arrendamento com a recorrente (vide fls. 4 a 7 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
13 - Em 2015.1.2, o vice-presidente do IH proferiu na proposta o despacho de entregue à Divisão de Assuntos Jurídicos para acompanhamento (vide fls. 4 do processo juntado).
14 - Em 2015.1.28, o agente do IH indicou que a recorrente era suspeita a não ter a fracção em causa como residência permanente e permitir a permanência de indivíduos fora do contrato, o que violava os art.º 19.º, n.º 2, al. 2), art.º 20.º, n.º 1 e art.º 11.º, n.º 1, al. 6) do regulamento administrativo n.º 25/2009, «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social», propondo a notificar a recorrente a fazer explicação escrita no prazo de 10 dias relativamente ao assunto acima referido, o que foi autorizado por superior (vide fls. 43 a 44 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
15 - Em 2015.1.30, o IH notificou, por meio do ofício n.º 1501280042/DAJ, a recorrente a explicar por escrito, no prazo de 10 dias contado a partir da recepção da notificação, a razão por que não tinha a fracção alugada como residência permanente e permitiu a permanência dos indivíduos fora do contrato, bem como apresentar todas as provas testemunhais, materiais e documentais e outras provas (vide fls. 46 e 46v do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
16 - O ofício foi devolvido porque ninguém o recebeu (vide fls. 46 do processo juntado).
17 - Em 2015.3.9, o agente do IH indicou que a recorrente não tinha recebido o ofício e propôs o edital a afixar à porta da fracção para notificar a recorrente a prestar esclarecimento por escrito no prazo de 10 dias, nos termos dos art.º 22.º, n.º 1 e art.º 31.º, n.º 1 do regulamento administrativo n.º 25/2009, «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social», o que foi autorizado pelo superior (vide fls. 47 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
18 - Em 2015.3.10, o chefe substituto da Divisão de Assuntos Jurídicos do IH emitiu o edital acima referido, o qual foi postado no dia posterior (vide fls. 49 e 49v do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
19 - Em 2015.8.20, o vice-presidente do IH proferiu o despacho, no qual concordou com a proposta n.º 0355/DAJ/2015, indicando a existência com efeito do facto de que a recorrente não tinha a fracção alugada como residência permanente e permitiu a permanência na fracção dos indivíduos fora do contrato, o que constituía a situação da rescisão do contrato de arrendamento, prevista no art.º 19.º, n.º 2, al. 2), conjugados art.º 20.º, n.º 1, art.º 11, n.º 1, al. 6) e art.º 19.º, n.º 1 do regulamento administrativo n.º 25/2009, «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social», e que a recorrente não prestou esclarecimento por escrito. Por isso, decidiu pela rescisão do contrato de arrendamento de habitação social celebrado com a recorrente, nos termos do art.º 22.º, n.º 2 do mesmo diploma (vide fls. 50 a 51v do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
20 - Em 2015.8.25, o IH notificou, por meio do ofício n.º 1507280206/DAJ, a recorrente da decisão acima referida, indicando na notificação que ela devia deslocar-se da fracção no prazo de 30 dias contado a partir da recepção da notificação, sob pena da execução coerciva do despejo, bem como que ela podia interpor recurso hierárquico necessário junto da entidade recorrida no prazo fixado (vide fls. 52 a 53 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
21 - Em 2015.9.14, a recorrente apresentou a reclamação junto da entidade recorrida (vide fls. 57 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
22 - Em 2015.10.5, o vice-presidente do IH proferiu o despacho, no qual concordou com a proposta n.º 0443/DAJ/2015, indicando que a recorrente não tinha a fracção alugada como residência permanente e permitiu a permanência na fracção dos indivíduos fora do contrato, por isso, não foi aceite o esclarecimento feito na reclamação. Assim sendo, decidiu a rejeitar a reclamação dela e manter o despacho proferido pelo vice-presidente do IH em 2015.8.20 na proposta n.º 0355/DAJ/2015, no qual rescindiu o contrato de arrendamento de habitação social celebrado entre o IH e a recorrente (vide fls. 64 a 66v do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
23 - Em 2015.10.12, o IH notificou, por meio do ofício n.º 1510080159/DAJ, a recorrente da decisão acima referida, indicando na notificação que ela devia deslocar-se da fracção no prazo de 30 dias contado a partir da recepção da notificação, sob pena da execução coerciva do despejo, bem como que ela podia interpor recurso hierárquico necessário junto da entidade recorrida no prazo fixado (vide fls. 67 a 70 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
24 - Em 2015.10.22, a recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário junto da entidade recorrida (vide fls. 71 do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
25 - Em 2015.12.3, a entidade recorrida proferiu o despacho, no qual concordou com a proposta n.º 0556/DAJ/2015, indicando que as alegações e as provas no recurso hierárquico necessário não eram suficientes a ilidir o facto de que não tinha a fracção alugada como residência permanente e permitiu a permanência na fracção dos indivíduos fora do contrato, por isso, o esclarecimento feito no recurso hierárquico não foi admitido. Assim sendo, decidiu rejeitar o recurso hierárquico necessário interposto pela recorrente e manter o despacho proferido pelo vice-presidente do IH em 2015.8.20 na proposta n.º 0355/DAJ/2015, no qual rescindiu o contrato de arrendamento de habitação social celebrado entre o IH e a recorrente (vide fls. 74 a 76v do processo juntado, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido)
26 - Em 2015.12.9, o IH notificou, por meio do ofício n.º 1512040019/DAJ, a recorrente da decisão acima referida, indicando na notificação que ela devia deslocar-se da fracção no prazo de 30 dias contado a partir da recepção da notificação, sob pena da execução coerciva do despejo, bem como que ela podia interpor recurso hierárquico necessário junto da entidade recorrida no prazo fixado (vide fls. 77 a 79v do processo juntado e fls. 31 a 36 dos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
27 - Em 2015.12.23, a recorrente requereu o apoio judiciário junto da Comissão de Apoio Judiciário (vide fls. 80 do processo juntado e fls. 37 dos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
28 - Foi autorizado o requerimento de apoio judiciário da recorrente, o que transitou inimpugnável a partir de 2016.2.12 (vide fls. 39 dos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
29 - Em 2016.3.9, a mandatária da recorrente instaurou o procedimento conservativo da suspensão de eficácia. Aos 23 de Março do mesmo ano, este tribunal rejeitou o pedido da suspensão de eficácia do acto administrativo apresentado pela recorrente porque não era preenchido o requisito previsto no art.º 121.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso. A decisão transitou em julgada aos 8 de Abril do mesmo ano (vide fls. 2, 41 a 46 e 49 do processo da suspensão de eficácia n.º 111/16-SE, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
30 - Em 2016.3.11, a mandatária da recorrente interpôs junto deste tribunal o recurso contencioso da mesma decisão.”
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III – O Direito
Questão prévia
A recorrente, na sua alegação de recurso, incluiu a imputação do vício de violação do princípio da proporcionalidade (cfr. art. 16º).
Ora, o recurso jurisdicional apresenta-se, como se sabe, como uma forma de impugnação judicial dirigida contra uma sentença, à qual a parte inconformada arremete vícios e violações próprios. Significa isto que o TSI, em recurso para si interposto de decisão da primeira instância, está condicionado na sua actuação pela delimitação objectiva contida na respectiva alegação, nos termos do art. 589º do CPC (Ac. do TSI, de 12/07/2018, Proc. nº 891/2017). Dito de outra maneira, o recurso tem, por via de regra, um carácter de revisão ou reponderação e não uma natureza necessariamente de reexame (Ac. do TSI, de 16/07/2015, Proc. nº 266/2015). Não sendo matéria que pudesse ser conhecida oficiosamente e que conduzisse à nulidade do acto, não o poderemos então conhecer.
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Do recurso
1 – Dos Vícios
A recorrente imputava ao acto os vícios de violação do princípio da boa fé, de violação de lei e desvio de poder.
A sentença a todos julgou improcedentes.
No recurso, a recorrente insiste na verificação dos ditos vícios.
Mas não tem razão, como se verá.
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2 – Da violação do princípio da boa fé
Segundo se depreende dos articulados dos autos por si apresentados, o que a recorrente pretende exaltar é o seguinte: Foi ela quem se dirigiu ao Instituto de Habitação para se queixar de que na fracção arrendada para habitação social se encontravam outros indivíduos que se recusavam a sair dele (irmã mais nova C e sobrinho G). Portanto, ao dar conhecimento desse facto para que o Instituto tomasse as devidas providências, para o qual a recorrente não teria contribuído, entende que não podia ser “castigada” com a rescisão do contrato.
Vejamos.
A invocação da violação do princípio da boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão iria ser tomada. Contudo, este princípio é exclusivo dos actos administrativos praticados em sede do exercício do poder discricionário, como é sabido. E por assim ser, só em caso de erro manifesto ou grosseiro será possível aos tribunais efectuar a sindicância dos respectivos actos (entre outros, v.g., Ac. do TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 625/2013; 25/01/2018, Proc. nº 804/2016).
Ora, não se crê que o princípio em apreço tenha sido objecto de desrespeito grosseiro, vil e manifesto, tanto quanto resulta dos factos provados e da matéria que o acto administrativo sindicado teve por apurada.
Nós, até certo ponto, podemos compreender a atitude da recorrente quando se foi queixar ao IH do facto de ali estarem pessoas (familiares) que não faziam parte do agregado no momento do contrato celebrado por si em 6/08/2010. E se foi queixar-se de uma situação anómala, então não poderia ser prejudicada pela sua atitude de vontade de reposição ao status quo ante, pois parece ter sido essa a sua intenção quando levou ao IH o conhecimento dessa situação.
No entanto, a rescisão não se deveu apenas a esse facto de, contra o conteúdo do contrato, residirem no locado mais pessoas do que aquelas que foram nele indicadas. Se esse fosse o único fundamento da rescisão, não parece que o acto pudesse manter-se por aparentemente atentar contra a boa fé e a confiança.
Só que o acto também se fundamentou no facto de a recorrente ter deixado de residir no arrendado por período superior ao legal, no que foi tido como falta de residência permanente.
Certo é que a rescisão não é automática, nem decorre do Regulamento Administrativo nº 25/2009 que seja sanção obrigatória e de vinculação administrativa. Mesmo sem o ser, porém, não parece que haja alguma violação grosseira do poder administrativo na sua determinação. A entidade competente podia fazê-lo e nada leva a crer que, por o ter feito, violou manifestamente o poder discricionário em causa.
Improcede, pois, o recurso jurisdicional quanto a esta questão.
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3 – Do vício de violação de lei
Parece a recorrente reiterar o vício epigrafado, ao dizer que se mostram violadas algumas disposições, que transcreve, do Regulamento Administrativo acima referido nº 25/2009.
Entendemos, no entanto, que também neste ponto a sentença tem que manter-se.
Com efeito, se é certo que uma das obrigações do arrendatário é não permitir a permanência na habitação, seja a que título for, de pessoa que não figure no contrato de arrendamento, salvo tratando-se de filho seu ou de elemento do agregado familiar inscrito, entretanto nascido ou adoptado (art. 11º, nº1, al. 6), cit. dip.), a verdade é que esse fundamento não foi o único, como já se disse, para a rescisão.
Realmente, também foi tida em consideração o facto de o arrendado ter estado desocupado (pelo menos não ter sido habitado pela recorrente e filha) durante mais de 45 dias, o que permitiria a rescisão, nos termos do art. 19º, nº2, al. 2), do Regulamento.
Ora, este facto mostra-se verdadeiro, tal como resulta do processo administrativo, e nele foi confessado, aliás, pela recorrente.
Portanto, se este pressuposto de facto é verdadeiro, então a decisão administrativa tomada mostra-se em conformidade com a disposição legal citada.
Improcede, portanto, o recurso nesta parte.
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4 – Do vício de desvio de poder
Entende a recorrente que a sentença deveria anular o acto com base neste vício.
Também aqui carece de razão.
Se o vício de desvio de poder existe quando a entidade administrativa usa o poder discricionário para fim diferente (público ou privado) daquele que o legislador lhe depositou ao conferir-lhe aquele poder, então podemos concluir que nada nos autos mostra, ou sequer indicia, que o IH agiu motivado por fins diferentes do interesse público que deve prosseguir em matéria de habitação social.
Não está em causa, ao contrário do que pensa a recorrente, a situação económica e social da recorrente e do seu agregado; não se discute se carece de habitação social. O que o IH fez, porque o podia discricionariamente fazer, foi accionar um mecanismo sancionatório em matéria de contratos, em virtude de ter descoberto que a recorrente deixou o arrendado desabitado por tempo superior ao previsto na lei. Não se vê nisso qualquer actuação reveladora de um atropelo à discricionariedade que a lei lhe depositou ao permitir desencadear o mecanismo rescisório.
Improcede, pois, o recurso também quanto a esta parte.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela recorrente em 5 UCs, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
T.S.I., 12 de Dezembro de 2019


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José Cândido de Pinho Joaquim Teixeira de Sousa
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong









Proc. nº 306/2018 25