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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 13/12/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------

Processo nº 1166/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a final, a ser condenado pela prática como co-autor material de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 278 a 282-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, assacando ao Acórdão recorrido o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, “erro na aplicação do direito” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 291 a 306).

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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 310 a 313).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Recorre A do acórdão de 20 de Setembro de 2019, proferido no âmbito do processo comum colectivo CR3-19-0128-PCC, que o condenou na pena de prisão de 5 anos e 6 meses pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal da previsão do artigo 14.°, n.° 2, com referência ao n.° 1, da Lei n.° 6/2004.
Na motivação e respectivas conclusões, imputa o recorrente ao acórdão recorrido os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova, inverificação de todos os elementos típicos do crime de auxílio e excesso de pena, alegação que conta com a oposição da resposta do Ministério Público em primeira instância, que defende a manutenção do julgado.
Diga-se, desde já, que se afigura patente a improcedência da argumentação do recorrente, tal como a Exm.a colega faz notar na sua resposta, cujo teor acompanhamos inteiramente.
Vejamos quantos aos vícios de insuficiência e de erro notório.
A insuficiência da matéria de facto releva do objecto do processo e da aptidão da sua componente fáctica para proporcionar e respaldar a decisão de direito. Ora, a matéria fáctica objecto do processo, e que foi dada como provada, permite o preenchimento de todos os elementos do tipo de crime imputado ao recorrente, conforme bem decidiu o acórdão condenatório. Não se vislumbra, pois, a apontada insuficiência. Se porventura alguns factos foram dados como provados, pese a eventualidade de falta, ou inconc1udência, das provas que a tal habilitasse, como parece pretender o recorrente ao referir-se à ausência do reconhecimento de pessoas, então o vício não é o da insuficiência da matéria de facto para a decisão, mas possivelmente o do erro na apreciação da prova.
Passemos ao erro notório.
A prova tem que ser considerada e avaliada na sua globalidade, à luz das regras da experiência e segundo a livre convicção do julgador – artigo 114.° do Código do Processo Penal –, visando, na fase do julgamento, a certeza para além de toda a dúvida razoável. Não tem que ser exaurida a um ponto tal que tomaria inviável a comprovação, nos tribunais, da maioria dos factos sujeitos a prova. Por exemplo, não é razoável que se defenda que transportador e transportado deviam ter sido interceptados conjuntamente, ao mesmo tempo e no mesmo local… como parece defluir da alegação do recorrente. E não interessa que o dinheiro envolvido na operação de transporte não tenha sido apreendido, nomeadamente não haja sido encontrado com o arguido ora recorrente. Da conjugação dos meios de prova que o tribunal tinha ao seu dispor – no caso em análise tinha vários e até contava com uma detenção em flagrante – e da sua leitura à luz das regras da experiência, tornou-se óbvia a ocorrência dos factos atribuídos ao arguido, substanciadora do imputado crime de auxílio à imigração clandestina. É natural que o recorrente procure traçar e enfatizar a sua própria leitura da prova. Mas o tribunal não pode obviamente ficar refém dessa visão da prova, que é uma visão interessada. Tem que alicerçar os seus juízos de acordo com o princípio da livre apreciação, o que se crê ter sucedido, não se detectando qualquer erro na apreciação da prova, muito menos o notório exigido pelo artigo 400.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
Improcede, assim, o fundamento do recurso ancorado nos dois referidos vícios (insuficiência da matéria de facto para a decisão e erro notório na apreciação da prova).
Seguidamente, quanto ao preenchimento dos elementos do tipo, diz o recorrente que foi punido pelo crime agravado do n.° 2 do artigo 14.° da Lei n.° 6/2004, sem que lhe tivesse sido encontrado e apreendido qualquer montante e sem que se fizesse prova directa de que recebera quaisquer interesses.
Como resulta ex abundanti da matéria provada, o arguido articulou-se com outros indivíduos, em conjunção de meios e esforços, para proporcionar a entrada clandestina de B em Macau, tendo sido ele, arguido, quem executou a tarefa de transporte de B entre Hengqin e Macau. Por este serviço B pagou a quantia de 15.000 Renminbis, que entregou a um daqueles indivíduos que, juntamente com o arguido, o fizeram introduzir clandestinamente em Macau. Não interessa que o dinheiro não tenha sido entregue ao próprio arguido recorrente, não tenha estado na sua posse, ou, até, que porventura nenhuma fracção desse valor venha a caber ao arguido. O que importa é que o recorrente, através da sua acção, tenha obtido para si ou proporcionado a terceiro, por si ou por interposta pessoa, vantagem ou benefício, como contrapartida ou pagamento do serviço prestado. Ora, essa recompensa ou contrapartida foi inequivocamente paga a um dos elementos do grupo que assumiu a tarefa de fazer entrar B clandestinamente em Macau, tendo a acção do arguido sido determinante para tal pagamento.
Apresenta-se óbvio o preenchimento de todos os elementos do tipo pelo qual o recorrente foi condenado, pelo que também este fundamento do recurso improcede.
Entrando na questão da excessividade da pena, importa notar que não foi apurada, tão pouco alegada, a existência de circunstância susceptível de interferir na moldura penal. Por isso, estamos a lidar com uma moldura que oscila entre os 5 e os 8 anos de prisão. A fixação da pena, situada praticamente no mínimo da respectiva moldura, está devida e suficientemente justificada no douto acórdão, que destaca o dolo elevado e a ilicitude acentuada, numa actuação concertada e com óbvio impacto danoso para a Região Administrativa Especial de Macau e para o bem jurídico da segurança, com a inerente necessidade de controle de entradas e permanência no Território, não merecendo, por isso, reparo.
Ademais, e como é sabido, os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, apesar de juridicamente vinculados, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que evidentemente não é o caso.
Improcede igualmente este fundamento do recurso.
Ante o exposto, o nosso parecer aponta para a rejeição do recurso ou, quando assim se não entenda, vai no sentido de lhe ser negado provimento”; (cfr., fls. 383 a 385).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 279 a 280, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como co-autor material de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, afirmando que a decisão recorrida padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, “erro na aplicação do direito” e “excesso de pena”.

Como se deixou adiantado, e de forma clara e cabal o demonstra o Ministério Público no seu douto Parecer que se deixou transcrito, minifesta é a improcedência do recurso, pouco havendo a acrescentar.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

–– Vejamos, começando-se pela assacada “insuficiência”.

Repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 10.01.2019, Proc. n.° 859/2018, de 20.06.2019, Proc. n.° 499/2019 e de 26.09.2019, Proc. n.° 903/2019, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

E, como igualmente também considerou o T.R. de Évora:

“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).

“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).

“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).

No caso, e como se deixou relatado, o Tribunal a quo emitiu expressa pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo”, elencando a que resultou “provada” e “não provada”, e justificando, adequadamente, a sua decisão.

Por sua vez, como se decidiu Ac. da Rel. de Coimbra de 12.09.2018, Proc. n.° 28/16, inexiste insuficiência da matéria de facto provada para a decisão “quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento”, sendo, como se verá, este o caso dos autos.

Nesta conformidade, evidente é que inexiste qualquer “insuficiência”.

–– Continuemos, passando-se agora para o alegado “erro”.

De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.03.2019, Proc. n.° 93/2019, de 19.09.2019, Proc. n.° 730/2019 e de 31.10.2019, Proc. n.° 987/2019).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 21.02.2019, Proc. n.° 34/2019, de 06.06.2019, Proc. n.° 476/2019 e de 10.10.2019, Proc. n.° 822/2019).

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E como se consignou no Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.

E, perante o que se deixou exposto, também aqui claro é que nenhum “erro”, (muito menos notório), existe.

Basta ler-se a “fundamentação” pelo Tribunal a quo exposta, (cfr., fls. 280-v), para se ver que a sua convicção assenta em elementos probatórios válidos e lógica e correctamente apreciados, aí expressa e justificadamente indicados, (cabendo notar que o arguido foi detido em situação de quase flagrante delito, com a apreensão do barco utilizado no transporte do imigrante ilegal para Macau), impondo-se pois a decisão proferida.

–– Quanto ao “erro de direito”, vejamos.

Nos termos do art. 14° da Lei n.° 6/2004:

“1. Quem dolosamente transportar ou promover o transporte, fornecer auxílio material ou por outra forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem nas situações previstas no artigo 2.º, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior, é punido com pena de prisão de 5 a 8 anos”.

E, face à factualidade dada como provada, evidente é que presentes estão todos os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime em questão, sendo de notar que como já decidiu este T.S.I., “não obstante não receber dinheiro dos ilegais, não deixa de se mostrar integrada a previsão típica do crime do n.º 2 do art. 14º da Lei 6/2004, de 2 de Agosto de 2004, se o arguido conluiado com outrem foi enviado para Macau para tratar de encaminhar imigrantes ilegais que pagaram por essa vinda aos co-agentes do arguido no Interior da China”; (cfr., os Acs. deste T.S.I. de 22.07.2010, Proc. n.° 528/2010, de 28.02.2013, Proc. n.° 913/2012 e de 26.07.2013, Proc. n.° 412/2013, e mais recentemente de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017).

–– Quanto à “pena”.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, imprescindível é atentar no art. 65° do mesmo C.P.M., (onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”), e em relação ao qual temos repetidamente considerado que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019, de 10.10.2019, Proc. n.° 861/2019 e de 05.12.2019, Proc. n.° 1023/2019).

Com efeito, e como é sabido, com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como igualmente decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 09.05.2019, Proc. n.° 403/2019, de 12.09.2019, Proc. n.° 698/2019 e de 10.10.2019, Proc. n.° 701/2019).

No mesmo sentido se decidiu também que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Ora, tendo presente a moldura penal para o crime de “auxílio” pelo arguido ora recorrente cometido – 5 a 8 anos de prisão; cfr., art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004 – e ponderando na factualidade dada como provada, cremos que nenhum motivo existe para se acolher a sua pretensão em ver a sua pena reduzida, pois que evidente se nos apresenta que excessiva não é a decretada pena de 5 anos e 6 meses, que se encontra, (tão só), a 6 meses do mínimo legal, e para a qual ponderou já o Tribunal a quo todas as circunstâncias favoráveis ao ora recorrente, nenhuma margem existindo para qualquer redução.

Assim, e nada mais havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 13 de Dezembro de 2019
Proc. 1166/2019 Pág. 24

Proc. 1166/2019 Pág. 25