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Processo nº 111/2019
(Autos de recurso civil e laboral)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “C”, (“丙”), recorrente, notificada do Acórdão por esta Instância proferido em 29.11.2019, vem arguir a sua nulidade, alegando o que se passa a transcrever:

“Na parte improcedente do recurso interposto pela Recorrente do acórdão do TSI, o Venerando TUI, sob a epígrafe A Cláusula 2.2 dos contratos-promessa enunciou o que foi convencionado pelas partes nos 3 contratos-promessa de compra e venda, seguidamente reproduziu as interpretações dessa cláusula feitas nas decisões proferidas na 1.ª instância e no TSI e rematou, para fundamentar o não provimento do recurso, que o apuramento da vontade real das partes constitui questão de facto, para o qual o TUI não tem poder de cognição.[1]
Sucede que no recurso para o TUI a Recorrente, precisamente a propósito da cláusula 2.2 dos contratos-promessa, não pretendeu, em momento algum, a sindicância por este Venerando Tribunal do apuramento da vontade real das partes, mas sim a interpretação jurídica feita pelo TSI da qualificação e da eficácia das declarações das partes produzidas nos contratos-promessa.
Por outras palavras, ao contrário do que consta do acórdão do Venerando TUI, a Recorrente não alegou o que quer que seja em torno da intenção das partes no negócio jurídico, mas sim o facto de o TSI ter interpretado a cláusula 2.2 em questão contra o regime legal fixado no n° 3 do art.° 436.° e no n.° 1 do art.° 820.°, ambos do Código Civil (CC) – erro que, por sinal, não havia sido cometido pelo tribunal de 1.ª instância.
Aliás, considerando que é entendimento unânime na jurisprudência – incluindo na emanada do TUI – que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, afigura-se evidente que nelas a Recorrente não pretendeu qualquer pronúncia do tribunal ad quem sobre uma questão facto.
Não é, pois, despiciendo reproduzir aqui as conclusões do recurso da Recorrente quanto à questão em apreço, sublinhando os argumentos que se julgavam evidentes a uma leitura prima:
LXI) No acórdão ora em crise o TSI concluiu que os contratos promessa de fls. 60-71 (alínea D) dos Factos Assentes) foram validamente resolvidos pela notificação judicial avulsa de 22/05/2014 (fls. 79 e ss.).
LXII) Para aí chegar o TSI defendeu que a cláusula 2.2 dos referidos contratos promessa era uma cláusula resolutiva/revogatória.
LXIII) Defende o TSI que a convenção em contrário que obsta à possibilidade de o contratante adimplente obter a sentença que produza os efeitos da declaração negocial do contratante faltoso, prevista no art.° 820.° do CC, tanto pode ser expressa como tácita.
LXIV) Este entendimento do TSI diverge da jurisprudência emitida pelos Tribunais da RAEM sobre este mesmo assunto e em particular a emanada do TSI: Processo n.° 1002/2015, de 17-03-2016, Relator: Lai Kin Hong; Processo n.° 593/2017, de 12-10-2017, Relator: Ho Wai Neng; e Processo n.° 1147/2017, de 22-03-2018, Relator: Ho Wai Neng.
LXV) O TJB interpretou a cláusula 2.2 dos contratos promessa de acordo com o enquadramento que resulta do regime legal fixado no n° 3 do art.° 436.° e n.° 1 do art.° 820.°, ambos do CC.
LXVI) Ao contrário do que se lê no acórdão recorrido, não é possível aplicar mutatis mutandis ao regime vigente na RAEM a doutrina emitida no âmbito do ordenamento jurídico português.
LXVII) Por força do art.° 820.°, n.° 2, do CC de Macau a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário.
LXVIII) Já por força do disposto no CC de Portugal (art.° 830.° n.° 2) a existência sinal ou a fixação uma pena para o caso de não cumprimento da promessa é entendida como convenção em contrário.
Ademais,
LXIX) Da factualidade alegada no artigo 31.° da contestação e especificada na Alínea G) dos Factos Assentes, bem como dos próprios documentos de fls. 79 a 83, resulta que o incumprimento dos contratos promessa é imputável à Ré, sendo que no ordenamento jurídico da RAEM, fora das hipóteses de convenção em contrário e/ou alteração superveniente das circunstâncias, o exercício da resolução tem o seu fundamento apenas na ruptura do sinalagma.
LXX) O não cumprimento por arrependimento do promitente-vendedor confere aos promitentes-compradores o direito a requerer, nos termos do disposto nos artigos 436.°, n.° 3 e 820.°, n.° 1 e 2, ambos do CC., a realização coactiva da prestação através de execução específica do contrato-promessa, ou seja, de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso.
LXXI) Só esta interpretação se compagina com a teleologia do preceito e que vai no sentido de proteger o comprador contra uma prática especulativa por banda dos agentes imobiliários e vendedores de recusarem a celebração do contrato definitivo numa situação inflacionista.
LXXII) Acresce que em cláusula alguma dos contratos-promessa as partes convencionaram que o promitente vendedor podia resolver o contrato se e quando quisesse, mediante simples declaração unilateral.
LXXIII) Ao invés de convencionarem o direito de retractação ou de desvinculação ad nutum da promitente-vendedora, as partes optaram apenas por dizer o que diz a lei, ou seja, se a Ré não pretendesse vender, deveria restituir à Autora o sinal em dobro, sem que tivessem excluído a possibilidade da execução específica dos contratos.
LXXIV) Não tendo as partes afastado a possibilidade de execução específica dos Contratos-Promessa em caso de não cumprimento, tal significa que à Ré não foi conferido o direito à desvinculação ad nutum, ou seja, à resolução dos contratos mediante o pagamento do sinal em dobro como preço do arrependimento.
LXXV) Assim já se decidiu, a propósito do sentido e alcance da cláusula 2a dos contratos de promessa de compra e venda, nos Acórdãos do TSI, proferidos por unanimidade, no Proc. n.° 593/2017, de 12/10/2017 e no Proc. n.° 1147/2017, de 22/03/2018, ambos disponíveis no Sítio dos Tribunais da RAEM
Aliás, sendo tão evidente que neste segmento do recurso se colocavam em causa os critérios de interpretação do regime jurídico do contrato-promessa usados pelo TSI – e não a intenção das partes no negócio jurídico – mostra-se claro que o tribunal ad quem não conseguiu delimitar o thema decidendum.
De tal sorte que, de uma penada, o Venerando TUI pronunciou-se sobre uma questão cujo conhecimento lhe estava vedado e não se pronunciou sobre uma questão específica que lhe foi submetida.
Com efeito, o Venerando TUI pronunciou-se sobre uma questão cujo conhecimento lhe estava vedado porque o recurso não tinha por objecto o apuramento da vontade real das partes quando convencionaram o disposto na cláusula 2.2 dos contratos-promessa, dado que a Recorrente não suscitou tal questão.
Mas mesmo que assim não se entendesse, ao contrário do que se espera, o acórdão do TUI ora em crise também enferma da nulidade de excesso pronúncia quando não dá provimento ao recurso por não dispor de poderes de cognição de um fundamento do recurso que não havia sido alegado (a suposta pretensão de apuramento da vontade real das partes para efeitos da interpretação do negócio jurídico), o que constitui uma decisão-surpresa.
Com efeito, se o Venerando TUI pretendia não dar provimento aquela parte do recurso com fundamento na falta de poderes de cognição da matéria de facto, o que obstava à sua apreciação e, por conseguinte, corresponde ao não conhecimento do objecto do recurso, deveria ter dado cumprimento ao disposto no art.° 625.°, n.° 1, do CPC, notificando as partes para se pronunciarem antes de proferir a decisão.
Isto porque existem normas expressas que vinculam o relator a apreciar a título preliminar se nada obsta ao conhecimento do recurso (art.° 621.°, n.° 1 do CP C) - a ouvir as partes quando entenda que não pode conhecer-se do objecto do recurso (art.° 625.°, n.° 1 do CPC), ou a decidir as questões que devam ser apreciadas antes do julgamento do objecto do recurso (art.° 626.°, n.° 1 do CPC).
Ora, no caso "sub judice" a questão da falta de poder de cognição do TUI para sindicar as conclusões do TSI não foi suscitada oficiosamente, apesar de resultar da lei, máxime do art.° 626.°, n.° 1 do CPC, que o julgamento do objecto do recurso seja feito depois de decididas as questões que o devam preceder.
O colectivo decidiu, sem qualquer aviso prévio, a questão da falta de poderes de cognição do TUI,[2] o que obstou ao conhecimento da totalidade do objecto do recurso tal como ele foi configurado pela Recorrente.
Trata-se, portanto, de uma decisão-surpresa, no sentido de que ninguém antes a tinha suscitado, nem o Recorrido, nem o Relator, nem qualquer dos adjuntos, e a respeito da qual não tinha sido, obviamente, ouvida a Recorrente.
E trata-se de uma omissão que é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, uma vez que perante a pronúncia da Recorrente o colectivo decisor podia, eventualmente, ter entendido de modo diferente daquele que entendeu sem a ter ouvido [artigo 147.°, n.° 1 do CPC].
Explicitando este entendimento em comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-4-2014 (www.dgsi.pt). MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, publicado no blogue do Instituto Português de Processo Civil (IPPC),[3] considera que «a falta de audição prévia de qualquer das partes eonstitui uma violação do princípio do contraditório e, por isso, uma nulidade processual (cf. art. 195.°, n.° 1, nCPC);[4] só que esta nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cf. art. 615.°, n.° 1, ai. d), nCPC),[5] dado que, sem a prévia audição das partes, o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão».
O mesmo processualista reiterou essa solução em comentário ao Ac. da RP, de 02-03-2015 (www.dgsi.pt), concluindo que:
«o proferimento de uma decisão-surpresa é um vício que afecta esta decisão (e não um vício de procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual)», pois que, até esse momento, «não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir»,
e «o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria» (em blogippc.blogspot.pt, em escrito datado de 23-3-15).
No mesmo sentido, AMÂNCIO FERREIRA ("Manual dos Recursos em Processo Civil", 8ª ed., p. 52) e ABRANTES GERALDES ("Recursos no NCPC", 3ª ed., p. 25) e foi essa também a solução adoptada no Ac. do STJ, de 17-3-2016 (proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1),
onde se referiu que «a decisão-surpresa alegada e verificada quanto ao acórdão da Relação constitui um vício intrínseco da decisão e não do iter procedimental, acarretando a nulidade do acórdão que assentou a sua decisão em dois fundamentos que não foram previamente considerados pela recorrente, que foram decisivos para a decisão e sobre os quais, antes, deveriam ter sido ouvidos recorrente e recorridos».
Por outras palavras, as nulidades do processo que sejam susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa e forem conhecidas apenas com a notificação da decisão, têm o mesmo regime das nulidades desta.[6]
Mas o Venerando TUI também não se pronunciou sobre uma questão específica e efectivamente colocada sobre a qual tinha de decidir, a saber: no caso concreto, se o TSI interpretou e aplicou correctamente o disposto no n° 3 do art.° 436.° e nos números 1 e 2 do art.° 820.°, ambos do Cód. Civil?
Não vale, pois, aqui o argumento usado pelo Venerando TUI sobre a imputação (ou não) da violação do art.° 228.° do CC, porquanto no recurso não estava em causa a violação das normas sobre a interpretação do negócio jurídico, mas sim a violação das normas do regime jurídico do contrato-promessa com convenção de sinal”.

A final, pede que se declare o aresto em questão nulo, “por terem sido cometidas as nulidades de excesso de pronúncia e de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 571.°, n.° 1, alínea d), e do art.° 633.°, ex vi do art.° 652.°, todos do CPC”; (cfr., fls. 706 a 709-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Respondendo, diz a recorrida “D”, (“丁”) que se devem julgar improcedentes as arguidas nulidades; (cfr., fls. 712 a 714-v).

*

Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Vem a recorrente “C” arguir a nulidade do Acórdão por esta Instância prolatado nos presentes autos.

É de opinião que com o dito veredicto se incorreu em “excesso”, assim como em “omissão de pronúncia”.

Quanto ao “excesso de pronúncia”, dado que o mesmo “pronunciou-se sobre uma questão cujo conhecimento lhe estava vedado porque o recurso não tinha por objecto o apuramento da vontade real das partes quando convencionaram o disposto na cláusula 2.2 dos contratos-promessa, dado que a Recorrente não suscitou tal questão.
Mas mesmo que assim não se entendesse, ao contrário do que se espera, o acórdão do TUI ora em crise também enferma da nulidade de excesso pronúncia quando não dá provimento ao recurso por não dispor de poderes de cognição de um fundamento do recurso que não havia sido alegado (a suposta pretensão de apuramento da vontade real das partes para efeitos da interpretação do negócio jurídico), o que constitui uma decisão-surpresa.
(…)”.

Em relação à alegada “omissão de pronúncia”, visto que considera que o Acórdão em questão “também não se pronunciou sobre uma questão específica e efectivamente colocada sobre a qual tinha de decidir, a saber: no caso concreto, se o TSI interpretou e aplicou correctamente o disposto no n° 3 do art.° 436.° e nos números 1 e 2 do art.° 820.°, ambos do Cód. Civil”.

Em síntese que se nos apresenta adequada, entende que o Acórdão agora em causa excedeu-se ao se pronunciar sobre “matéria de facto” que não tinha sido impugnada, não respondendo à “questão de direito” colocada, e que era a de saber se adequado tinha sido o entendimento do Tribunal de Segunda Instância que afastou a sua peticionada “execução específica”.

Para boa apreciação das questões colocadas, vale a pena ter presente o que aí se considerou.

Tem o dito Acórdão o teor seguinte:

“I – Relatório
C, intentou acção declarativa com processo comum ordinário contra D, pedindo para:
(i) Ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da ré faltosa, designadamente os efeitos translativos da propriedade para a Autora das fracções [FRACÇÃO(1)], [FRACÇÃO(2)] e [FRACÇÃO(3)], do prédio urbano sito em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona A, Lote 6, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n.º XXXXX e
(ii) Ser a ré condenada na entrega à autora do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos contratos, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca.
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
(iii) Ser a ré condenada por não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar à autora o dobro das quantias que este lhe pagou, bem como a indemnização pelo dano excedente – correspondente à diferença entre o preço acordado entre as partes na data da celebração dos Contratos-Promessa e o valor de mercado das fracções prometidas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, i.e., no momento do encerramento da discussão e julgamento – mais o valor dos impostos pagos pelas respectivas transmissões intercalares, o que, à data da proposição da presente acção, se cifra já em (MOP$74.899.745,00 = MOP$16.927.058,00 + MOP$23.543.103,00 + MOP$34.429.584,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
(iv) Ser a ré condenada pelo não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar à autora o dobro das quantias que este lhe pagou, mais o valor dos impostos pagos pelas transmissões intercalares das Fracções ora em causa (MOP$7.409.025,00 = MOP$841.510,00 + MOP$1.119.610,00 + MOP$1.722.160,00) x 2 + MOP$42.465,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Foram deduzidos pedidos reconvencionais pela ré D.
O Ex.mo Presidente do Tribunal Colectivo proferiu sentença, julgando parcialmente procedente a acção e decidiu substituir-se à ré a emitir a declaração de no sentido de vender à autora, pelo preço de HKD$817.000.00, HKD1.087.000,00 e HKD1.672.000,00, respectivamente, as fracções autónomas designada por “[FRACÇÃO(1)]”, “[FRACÇÃO(2)]” e “[FRACÇÃO(3)]” , já mencionadas e julgar improcedente o restante pedido formulado pela autora, absolvendo a ré do pedido.
A sentença julgou, ainda, improcedentes os pedidos reconvencionais.
Recorreu a ré D para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por acórdão de 4 de Abril de 2019, concedeu provimento ao recurso, declarou resolvidos ou revogados os contratos-promessa dos autos, com a notificação judicial avulsa da ré, remetendo os autos ao Tribunal Judicial de Base para apreciar o pedido subsidiário.
Recorre, agora, a autora C para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo que se mantenha a sentença de 1.ª Instância e suscitando as seguintes questões:
- No recurso da decisão proferida pela 1.a instância a ali Recorrente apenas impugnou as respostas dadas aos quesitos 3.° e 4.°, conformando-se com todas as demais.
- No acórdão de 25/07/2016 que julgou a matéria de facto o tribunal colectivo considerou como não provado o quesito 3.°, fundamentando a sua resposta com base no teor dos documentos de fls. 72 a 78 e de fls. 184.
- Sucede que a alteração da resposta ao quesito 3.° da base instrutória foi feita pelo TSI com base num critério de normalidade e experiência que não resulta de uma nem de outra,
- O acórdão de 25/07/2016 que julgou a matéria de facto o tribunal colectivo considerou como não provado o quesito 4.°, fundamentando a sua resposta nos mesmos termos em que fundamentou a resposta à matéria do quesito 3.°.
- O TSI voltou a usar o critério de julgamento de acordo com as regras da experiência para além do que é consentido por essas mesmas regras por ausência de critérios objectivos, genericamente, susceptíveis de motivação e controlo desse critério.
- Pelo que, também aqui, a alteração da resposta ao quesito foi feita contrariando o princípio da livre apreciação das provas, plasmado no art. ° 558.°, n.º 1, do CPC, aplicado no julgamento da matéria de facto pelo TJB.
- Para proceder à alteração das respostas dada pelo TJB aos quesitos 5.° e 6.° da base instrutória, o TSI invoca o disposto nos artigos 629.° e 630.° do CPC, apontando, para tanto, deficiências no julgamento da matéria de facto por parte do TJB.
- Ora, a Ré e ali Recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto relativamente aos quesitos 5.° e 6.° da base instrutória nos termos do disposto no artigo 599.°, n.º 1, al. a) do CPC, pelo que ao TSI estava vedado o conhecimento desta questão e, consequentemente, nesta parte o acórdão ora em crise é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 571.°, n.º 1, alínea d), segunda parte, do CPC, o que se invoca para que dela possa conhecer o Tribunal ad quem.
- No acórdão ora em crise o TSI concluiu que os contratos promessa de fls. 60- 71 (alínea D) dos Factos Assentes) foram validamente resolvidos pela notificação judicial avulsa de 22/05/2014 (fls. 79 e ss.).
- Para aí chegar o TSI defendeu que a cláusula 2.2 dos referidos contratos promessa era uma cláusula resolutiva/revogatória.
- Defende o TSI que a convenção em contrário que obsta à possibilidade de o contratante adimplente obter a sentença que produza os efeitos da declaração negocial do contratante faltoso, prevista no art.º 820.° do CC, tanto pode ser expressa como tácita.
- O TJB interpretou a cláusula 2.2 dos contratos promessa de acordo com o enquadramento que resulta do regime legal fixado no n° 3 do art.º 436.° e n.º 1 do art.º 820.°, ambos do CC.
- Por força do art.º 820.°, n.º 2, do CC de Macau a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário.
- Da factualidade alegada no artigo 31.° da contestação e especificada na Alínea G) dos Factos Assentes, bem como dos próprios documentos de fls. 79 a 83, resulta que o incumprimento dos contratos promessa é imputável à Ré, sendo que no ordenamento jurídico da RAEM, fora das hipóteses de convenção em contrário e/ou alteração superveniente das circunstâncias, o exercício da resolução tem o seu fundamento apenas na ruptura do sinalagma.
- O não cumprimento por arrependimento do promitente-vendedor confere aos promitentes-compradores o direito a requerer, nos termos do disposto nos artigos 436.°, n.º 3 e 820.°, n.º 1 e 2, ambos do C.C., a realização coactiva da prestação através de execução específica do contrato-promessa, ou seja, de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso.
- Não tendo as partes afastado a possibilidade de execução específica dos Contratos-Promessa em caso de não cumprimento, tal significa que à Ré não foi conferido o direito à desvinculação ad nutum, ou seja, à resolução dos contratos mediante o pagamento do sinal em dobro como preço do arrependimento.
Na sua alegação, a ré D, para o caso do recurso da autora ser procedente, requereu a ampliação a título subsidiário, nos termos do n.º 1 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, pedindo se conheça do pedido reconvencional subsidiário.

II – Os factos
A sentença do Tribunal Judicial de Base considerou provados os seguintes factos:
1. O prédio urbano sito em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona A, Lote 6, descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) sob o n.º XXXXXXX, encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pelo prazo de 25 anos, a contar de 30 de Julho de 1991, conforme inscrição n.º XXXX, a fls. 174 do Livro XXX da aludida Conservatória. (alínea A) dos factos assentes)
2. A Ré é titular das fracções autónomas "[FRACÇÃO(1)]", do X andar "X", "[FRACÇÃO(2)]", do X andar "X", "[FRACÇÃO(3)]", do X andar "X", para escritórios, do prédio supra identificado, registadas a seu favor na CRP, sob a inscrição n.º XXXX, a fls. 88 do Livro XXXX (adiante também designadas por "Fracções"), e com o título constitutivo da propriedade horizontal definitivamente inscrito sob o n.º XXXXXX. (alínea B) dos factos assentes)
3. No dia 30 de Dezembro de 2010, a Ré constitui uma hipoteca e uma consignação de rendimentos voluntárias, para garantia de créditos até ao limite de HK$250,000,000.00 (MOP$257.500.000,00), despesas até ao limite de MOP$25,750,000.00 e, bem assim, juros à taxa anual de 2,82%, acrescidos de 3% em caso de mora, a favor do "[Banco(1)]" sobre o prédio supra identificado. (alínea C) dos factos assentes)
4. Por três contratos-promessa de compra e venda formalizados no dia 19 de Abril de 2011, a Ré prometeu vender, e a Autora prometeu comprar, as seguintes fracções autónomas:
- fracção "[FRACÇÃO(1)]", do X andar "X", pelo preço de HK$817,000.00 equivalente a MOP$841,510.00; e
- fracção "[FRACÇÃO(2)]", do X andar "X", pelo preço de HK$1,087,000.00 equivalente a MOP$1,119,610.00; e
- fracção "[FRACÇÃO(3)]", do X andar "X", pelo preço de HK$1,672,000.00 equivalente a MOP$ 1,722,160.00;
todas do prédio urbano acima identificado em A) - cfr. os documentos constantes de fls. 60 a 71 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea D) dos factos assentes)
5. O preço acordado para cada uma das referidas Fracções foi pago integralmente na data da celebração de cada um dos referidos Contratos-Promessa. (alínea E) dos factos assentes)
6. Em 21 de Junho de 2013, a Autora requereu e obteve, junto da Conservatória do Registo Predial, o registo da inscrição provisória por natureza, a seu favor, "na sequência das apresentações n.ºs XX (Fracção "[FRACÇÃO(1)]"), XX (Fracção "[FRACÇÃO(2)]") e XX (Fracção "[FRACÇÃO(3)]") de 15 de Agosto de 2013". (alínea F) dos factos assentes)
7. A Ré requereu a rectificação judicial das inscrições referidas em F). (alínea FI) dos factos assentes)
8. Em 22/05/2014 a Ré requereu a notificação judicial avulsa da Autora para efeitos de declaração da resolução dos três Contratos-promessa - cfr. os documentos constantes de fls. 79 a 83, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea G) dos factos assentes)
9. Em 05/06/2014, a Autora respondeu à declaração resolutiva dizendo à Ré que ela não dispunha de fundamento legal para resolver os Contratos-Promessa (ponto 1);que ela não concordava nem aceitava tal resolução (ponto 2); que ela se recusava a aceitar a indemnização ali proposta (ponto 3); que ela completasse as obras em curso e ultimasse os procedimentos notariais após receber esta carta (ponto 4) e que, por último, tratasse da marcação da data da assinatura da escritura de compra e venda das Fracções o mais rápido possível - cfr. o documento constante de fls. 281, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea H) dos factos assentes)
*
Da Base Instrutória:
- Em 25 de Abril de 2011 e 6 de Outubro de 2014 a Autora pagou o imposto de selo e selo do conhecimento relativo às transmissões intercalares das Fracções no valor MOP$42,465.00 (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Em 1 de Junho de 2012, a Ré comunicou à Autora o escrito constante de fls. 184, que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 5.º da base instrutória)
- A Autora recusou-se a proceder a esse pagamento (resposta ao quesito 6.º da base instrutória).

III – O Direito
1. Questões a apreciar
As questões a apreciar são as suscitadas pela autora.

2. A impugnação das respostas aos quesitos 3.º e 4.º da Base instrutória
O Tribunal Colectivo julgou não provados os factos constantes dos quesitos 3.º e 4.º da Base instrutória.
No recurso para o TSI, a ré impugnou estas decisões da matéria de facto.
O acórdão recorrido deu provimento, nessa parte, ao recurso, julgando provado que:
- Quando a Autora assinou os contratos-promessa, sabia que os preços de compra das fracções eram abaixo dos preços do mercado (resposta ao quesito 3.º da base instrutória).
- Durante o ano de 2011, os custos de construção de fracções para comércio (em relação aos custos de 1995, época de início de construção do edifício das fracções), aumentaram em HKD849,00 por pé quadrado (resposta ao quesito 4.º da base instrutória).
O TUI só conhece de matéria de direito no presente recurso, não podendo conhecer de matéria de facto, salvo se o tribunal recorrido tiver ofendido norma legal (artigos 47.º, n.º 2, da Lei de Bases da Organização Judiciária e 639.º e 649.º do Código de Processo Civil).
A recorrente, embora invoque o disposto no artigo 639.º do Código de Processo Civil, no fundo (conclusões VII a XXV e XXVIII a XXXVIII) pretende sindicar a livre convicção do tribunal competente para o recurso da matéria de facto, mormente quanto à apreciação de dois documentos, que não constituem meio de prova plena.
O que não se admite.
A invocação pelo acórdão recorrido do disposto nos artigos 436.º e 437.º do Código de Processo Civil é irrelevante, mesmo se eventualmente despropositada, no caso do segundo, já que se detecta claramente que o Tribunal julgou o recurso da matéria de facto segundo a sua livre convicção.
Por outro lado, alega a recorrente que o facto da resposta ao quesito 3.º não foi alegado pelas partes, já que a matéria que integrava o quesito provinha do artigo 60.º da contestação.
Esta questão pode ser conhecida porque integra matéria de direito.
O quesito 3.º da base instrutória tinha a seguinte redacção:
Quando a autora assinou os contratos-promessa, referidos em D), sabia que os preços de compra das fracções eram de favor e que seriam corrigidos em função do aumento dos custos da respectiva construção?
Como alegou a recorrente, esta matéria reproduz o artigo 60.º da contestação, com excepção da remissão, para a alínea D), tendente a identificar os contratos.
Como vimos, o acórdão recorrido, quanto a tal quesito, julgou provado:
Quando a Autora assinou os contratos-promessa, sabia que os preços de compra das fracções eram abaixo dos preços do mercado.
Na parte em que o acórdão não refere “… e que seriam corrigidos em função do aumento dos custos da respectiva construção”, nada há a apontar, limitou-se a não considerar provado tal segmento.
E na parte restante, quando se queria saber se “quando a autora assinou os contratos-promessa … sabia que os preços de compra das fracções eram de favor”, o Tribunal considerou provado que “quando a Autora assinou os contratos-promessa, sabia que os preços de compra das fracções eram abaixo dos preços do mercado”.
Afigura-se-nos que o acórdão recorrido não deu uma resposta exorbitante: não considerou provados que os preços de compra das fracções eram de favor, mas apenas que eram abaixo dos preços do mercado, o que a autora sabia quando assinou os contratos.
Improcede o recurso nesta parte.

3. A alteração oficiosa das respostas aos quesitos 5.º e 6.º da Base instrutória pelo acórdão recorrido
A recorrente considera que o acórdão recorrido não podia ter alterado os factos constantes das respostas aos quesitos 5.º e 6.º da base instrutória, por não terem sido impugnados pela recorrente no recurso para o TSI.
O Tribunal Colectivo julgou o seguinte quanto aos quesitos 5.º e 6.º da Base instrutória:
- Em 1 de Junho de 2012, a Ré comunicou à Autora o escrito constante de fls. 184, que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 5.º da base instrutória).
- A Autora recusou-se a proceder a esse pagamento (resposta ao quesito 6.º da base instrutória).
O acórdão recorrido alterou esse julgamento para:
- Em 1 de Junho de 2012, a Ré comunicou à Autora o escrito constante de fls. 184 a 185 que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 5.º da base instrutória).
- A Autora recusou-se a proceder a esse pagamento, não obstante ter manifestado para a Ré a sua declaração constante de fls. 187 a 188, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais (resposta ao quesito 6.º da base instrutória).
No recurso para o TSI, a ré, única recorrente não impugnou estas decisões da matéria de facto.
Logo, o acórdão recorrido não podia ter alterado tais decisões sobre a matéria de facto. É uma aplicação óbvia do princípio dispositivo, não tendo o Tribunal poderes oficiosos nesta matéria.
Quando está em causa matéria de facto, que não foi objecto de impugnação pelo recorrente, o TSI só pode anular essa matéria no quadro do n.º 4 do artigo 629.º do Código de Processo Civil: quando repute a decisão deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta e apenas no âmbito do recurso, mesmo oficiosamente.
O acórdão recorrido alterou tais respostas, invocando o artigo 629.º do Código de Processo Civil, quando os poderes previstos neste artigo pressupõem a impugnação, que não existiu, salvo na apreciação oficiosa de provas não constantes das alegações das partes, quando houver impugnação da matéria de facto e tiver ocorrido gravação dos depoimentos, nos termos da segunda parte do n.º 2 e dos poderes previstos no n.º 4, já vistos.
Se o único recorrente impugna uma parte apenas da matéria de facto, nos termos legais, não pode o TSI, a propósito de tal recurso, alterar outras partes da decisão de facto, sem que houvesse qualquer contradição com a restante decisão de facto, por não se tratar de matéria de conhecimento oficioso, violando o princípio dispositivo, nos termos do n.º 3 do artigo 563.º do Código de Processo Civil.
Tendo-o feito incorreu em excesso de pronúncia, nos termos dos artigos 571.º, n.º 1, alínea d), parte final e 633.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que provoca nulidade do acórdão.
Procede, nesta parte, o recurso.

4. A cláusula 2.2 dos contratos-promessa
Convencionaram as partes nos três contratos-promessa de compra e venda:
“Depois de assinado o presente contrato, se a Parte A não pretender vender, indemnizará à Parte B o dobro do sinal”.

A sentença de 1.ª Instância, interpretando esta cláusula, considerou:
O sentido da cláusula mais não é a estipulação da sanção indemnizatória para o promitente-vendedor no caso de não vender. A expressão refere-se somente ao não cumprimento por parte do promitente-vendedor.
Não foi intenção das partes quererem conferir ao promitente-vendedor a faculdade de revogar o contrato por sua iniciativa e à vontade.
Na falta de estipulação expressa, que confere ao promitente-vendedor a faculdade de resolução do contrato, não estamos perante uma cláusula resolutiva.
A referida cláusula também não tem qualquer sentido de afastamento da execução específica dos contratos-promessa.
Já o acórdão recorrido entendeu:
Com a mencionada cláusula foi intenção das partes afastar a possibilidade da execução específica dos contratos-promessa, podendo ser qualificada como uma cláusula resolutiva ou revogatória, não dependente do incumprimento da parte contrária, significando que as partes acordaram que o promitente-vendedor pudesse desistir do negócio, pagando o sinal em dobro.
Recordemos o que temos entendido quanto ao poder do TUI de interpretação do negócio jurídico.
No acórdão de 14 de Junho de 2013., no Processo n.º 7/2013, considerámos:
O apuramento da vontade real das partes constitui questão de facto, para o qual o TUI não tem poder de cognição.
Para os efeitos mencionados, pertence à esfera dos factos, a existência da declaração em si, pertencendo à esfera do direito as questões de qualificação e de eficácia jurídicas do que se prove ter sido declarado.
É questão de direito averiguar se os tribunais de 1.ª e 2.ª instâncias fizeram correcta aplicação dos critérios interpretativos do negócio jurídico fixados na lei.
Já se tratará de matéria de facto quando na interpretação da vontade negocial não estiverem em causa os critérios legais de interpretação do negócio jurídico.
É pacífico que a intenção das partes no negócio jurídica integra apenas matéria de facto.
No caso dos autos não está em causa qualquer imputação de violação das normas legais sobre interpretação do negócio jurídico, previstas no artigo 228.º do Código Civil, pelo que a última palavra cabe ao Tribunal de recurso em matéria de facto, não cabendo a este TUI censurar as conclusões a que chegou o acórdão recorrido.
Em conclusão, o apuramento da vontade real das partes de um negócio, incluindo a sua intenção na redacção de uma cláusula do mesmo, constitui questão de facto, para o qual o TUI não tem poder de cognição.
O TUI poderia anular o julgamento, mesmo oficiosamente, nos termos do artigo 650.º do Código de Processo Civil - anulação, aliás, não pedida pela recorrente - se tivesse havido insuficiência da matéria de facto que devesse ser ampliada. Isto é, se as partes tivessem articulado factos relevantes não levados à base instrutória, designadamente, sobre a intenção das partes na redacção da mencionada cláusula. Mas não foi o caso; lê-se os articulados e as partes limitaram-se, cada uma, a fazer a sua interpretação da cláusula, sem terem alegado algo quanto à intenção comum naquela redacção, que pudesse agora ser averiguado.
Tendo o TSI concluído que foi intenção das partes conferir à promitente-vendedora o direito potestativo de revogar os contratos-promessa de compra e venda, tal direito foi efectivado com a notificação judicial avulsa.
Com a extinção dos contratos-promessa por via da revogação, ficou impossibilitada a execução específica do contratos, mesmo que não se tivesse entendido, como entendeu o acórdão recorrido, que foi intenção das partes afastar a possibilidade da execução específica dos contratos-promessa.
Com o que improcede o recurso, nesta parte.
Está prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela recorrente e, obviamente a matéria de impugnação subsidiária formulada pela recorrida.

IV – Decisão
Face ao expendido:
A) Concede-se parcial provimento ao recurso e declara-se nulo o acórdão recorrido na parte em que alterou as respostas aos quesitos 5.º e 6.º da base instrutória, por excesso de pronúncia;
B) Nega-se provimento ao recurso na parte restante e mantém-se o acórdão recorrido nesta mesma parte.
(…)”; (cfr., fls. 689 a 697-v).

Aqui chegados, vejamos.

As arguidas “nulidades” prendem-se com o que se consignou no “ponto 4” – “A cláusula 2.2. dos contratos-promessa” – do Acórdão em questão.

Porém, de uma mera leitura ao aí exposto se conclui que (muito) longe da razão está a ora requerente.

Com efeito, nenhum “excesso de pronúncia” existe – ou pode existir – por no referido segmento decisório se ter tecido (meras) considerações no que toca ao que entendeu o Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância quanto à “vontade das partes” em relação ao clausulado nos contratos promessa que celebraram.

Se a “questão” era saber se adequada era a solução do Tribunal de Segunda Instância quanto à “revogação da sentença do T.J.B.”, (que tinha julgado procedente o “pedido de execução específica”), (totalmente) justificadas se apresentam as considerações tecidas, pois que aquela (solução) assenta, precisamente, na dita “vontade das partes”.

E, desta forma, e como se mostra óbvio, nenhum motivo existe para se entender que com tais considerações se conheceu de questão que não se podia conhecer.

Seja como for, e independentemente do demais, sempre se dirá também que não se vislumbra nenhum “excesso de pronúncia” por se ter (apenas) dito que a questão teria que ser apreciada com respeito da “interpretação feita pelo Tribunal a quo”, até porque, o assim consignado, em nada prejudicou a ora requerente porque, como ela própria o reconhece, não impugnou – e desta forma, legítimo é concluir que se conformou com – a dita interpretação do Tribunal de Segunda Instância.

Visto (cremos que) está assim que carece a mesma de qualquer razão no ponto em questão.

E, nesta conformidade, evidente é igualmente que inexiste (qualquer) assacada “omissão de pronúncia”, pois que, no que toca à aludida “questão de direito”, ou seja à “pretendida execução específica”, não se deixou de se consignar no impugnado veredicto que “Tendo o TSI concluído que foi intenção das partes conferir à promitente-vendedora o direito potestativo de revogar os contratos-promessa de compra e venda, tal direito foi efectivado com a notificação judicial avulsa”, notando-se, da mesma forma, que “Com a extinção dos contratos-promessa por via da revogação, ficou impossibilitada a execução específica do contratos, mesmo que não se tivesse entendido, como entendeu o acórdão recorrido, que foi intenção das partes afastar a possibilidade da execução específica dos contratos-promessa”.

Compreende-se que o consignado pode não ser o que almejava a requerente obter com o seu recurso, porém, tal – como se apresenta evidente – não justifica o seu entendimento no sentido de que se “omitiu pronúncia” sobre questão que cabia apreciar.

Dest’arte, e não se verificando qualquer das assacadas nulidades, resta decidir como segue.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expendidos, em conferência, acordam julgar improcedente o pedido deduzido.

Custas pela requerente com taxa de justiça de 6 UCs.

Notifique.

Macau, aos 26 de Fevereiro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo – Sam Hou Fai – Song Man Lei
1 «No caso dos autos não está em causa qualquer imputação de violação das normas legais sobre interpretação do negócio jurídico, previstas no artigo 228.° do Código Civil, pelo que a última palavra cabe ao Tribunal de recurso em matéria de facto, não cabendo a este TUI censurar as conclusões a que chegou o acórdão recorrido. Em conclusão, o apuramento da vontade real das partes de um negócio, incluindo a sua intenção na redação de uma cláusula do mesmo, constitui questão de facto, para o qual o TUI não tem poder de cognição» Cfr.- fls. 696v-697.
2 Porventura induzido em erro pelo exame preliminar de fls. 674 de que nada obstava à apreciação do recurso.
3 https://blogippc.blogspot.com/2014/05/decisao-surpresa-nulidade-da-decisao.html.
4 Artigo 147.°, n.° 1, do CPC da RAEM.
5 Artigo 571.°, n.° 1, al, d), in fine, do CPC da RAEM.
6 Na jurisprudência comparada, cfr. ac. S.T.A.-2ª. Secção, 10/7/2002, rec. 25998; ac. S.T.A.- Pleno da 2ª. Secção, 6/7/2011, rec. 786/10; ac. S.T.A.-2a. Secção, 8/2/2012, rec. 684/11; ac. T.C.A. Sul-2ª. Secção, 7/5/2013, proc. 6393/13; ac. T.C.A. Sul-2ª. Secção, 18/1212014, proc. 8153/14; Na doutrina, MANUEL DE ANDRADE, "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra Editora, 1979, pág. 183 e JORGE LOPES DE SOUSA, "C.P.P. Tributário anotado e comentado", II volume, Áreas Editora, 6a. edição, 2011, pág. 355 e seg.
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