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Processo nº 736/2019


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a B e C, ambas devidamente identificadas nos autos, doravante abreviadamente designada B e C.

A acção veio a ser julgada parcialmente procedente pela seguinte sentença:
I. RELATÓRIO
  A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente em Macau, na Estrada da XX, n.º XX, Edifício “XX”, Bloco XX, XXº andar “XX”, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente nº 1XXXXX0(3) de 04 de Janeiro de 2016, instaurou contra B, (adiante, B) e C (adiante, C), identificadas melhor nos autos, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe a quantia total de MOP$426,936.00 acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
  1.ª Ré (B):
- MOP$16,400.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$19,055.00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$9,527.50 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$5,407.50 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$12,360.00 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
- MOP$8,240.00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
- MOP$7,838.00 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo; e
  2.ª Ré (C):
- MOP$69,010.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$23,947.50 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$51,757.50 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
- MOP$32,928.00 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
- MOP$170,465.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias.
  Tudo com os fundamentos que decorrem da sua petição inicial, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
  As Rés contestaram, pondo em crise, no essencial, a pretensão do Autor.
  Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, foi apreciada a excepção peremptória da prescrição e declararam-se prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde 22/03/2002 até 20/03/2003, bem como se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
  A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
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  O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
  O processo é o próprio, não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes são dotadas de personalidade, de capacidade judiciária.
  Todas as partes são legítimas, têm interesse de agir e estão devidamente patrocinadas.
  Não existem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
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Questões a decidir:
- Se o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual as Rés foram autorizadas a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes e se permite sustentar ter o Autor direito aos montantes peticionados.
- Se o Autor tem direito aos créditos laborais por si reclamados e, caso se entenda pela positiva, determinar se são correctos os montantes indemnizatórios por si peticionados.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. O Autor foi recrutado pela D para exercer funções de “guarda de segurança” para a 1ª Ré (B), ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/2002, aprovado pelo Despacho n.º 00310/IMO/SEF/2002, de 07/02/2002. (A)
2. O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (B)
3. Desde 22 de Março de 2002 o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (B) prestando funções de “guarda de segurança”, na qualidade de trabalhador não residente. (C)
4. Por força do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM n.º 01949/IMO/SEF/2003, de 17/07/2003, a autorização de contratação e de permanência do Autor (e dos demais 280 trabalhadores “guardas de segurança” de nacionalidade nepalesa que prestavam funções para a 1.ª Ré (B)) foi transferida para a 2.ª Ré (C), com efeitos a partir de 21 de Julho de 2003. (D)
5. Desde de 22/07/2003 até 25/02/2009 o Autor – (e os demais 280 trabalhadores de nacionalidade nepalesa) – passou a estar ao serviço da 2.ª Ré (C), mantendo na 2.º Ré (C) a mesma categoria profissional, antiguidade e salário que detinha na 1.ª Ré (B). (E)
6. Desde o início da relação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e os horários de trabalho (em regime de turnos rotativos) fixados expressamente pelas Rés. (F)
7. Desde o início da relação de trabalho até 25/02/2009, o Autor recebeu das Rés a quantia de HK$7,500.00, a título de salário de base mensal. (G)
8. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (H)
9. Desde o início da prestação de trabalho até 25/02/2009, as Rés procederam a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (I)
10. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (J)
11. Durante o período da relação de trabalho, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (K)
12. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (1.º)
13. Entre 21/03/2003 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (2.º)
14. Entre 22/07/2003 a 25/02/2009, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (3.º)
15. Entre 21/03/2003 a 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante 1 de Maio de 2003 (1 dia), por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré (B). (7.º)
16. Durante o referido período de tempo, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (8.º)
17. Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança nos 6 dias de feriados obrigatórios (1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias); 1 de Maio e 1 de Outubro) – no total de 31 dias, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré (C). (9.º)
18. Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (10.º)
19. Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (11.º)
20. Durante todo o período da relação de trabalho com a 1.ª Ré (B), o Autor exerceu a sua actividade num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia: Turno A: (das 08h às 16h), Turno B: (das 16h às 00h) e Turno C: (das 00h às 08h). (12.º)
21. Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pelas Rés. (12.º A)
22. Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (13.º)
23. Entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h), o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período de 24 horas. (14.º)
24. Entre o fim da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h) e o início da prestação de trabalho no turno A (8h às 16h) o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período limitado de 24 horas. (15.º)
25. Durante o período que prestou trabalho, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (16.º)
26. Por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (17.º)
27. Durante os 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por “suspeitos”, sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais… (18.º)
28. O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (19.º)
29. Entre 21/03/2003 a 21/07/2003, o Autor prestou 119 turnos de trabalho efectivo junto da 1.ª Ré. (20.º)
30. Entre 22/07/2003 a 25/02/2009, o Autor prestou 1673 dias/turnos de trabalho efectivo junto da 2.ª Ré. (21.º)
31. As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia pela prestação de mais 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (22.º)
32. Desde 22/07/2003 até 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a 2ª Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (23.º)
33. Desde 22/07/2003 até 31/12/2008, o Autor prestou 231 dias de trabalho efectivo junto da 2.ª Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (24.º)
34. A 2.ª Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (25.º)
35. A 2.ª Ré C pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (27.º)
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III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
  Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
  A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende incorporadas no contrato de prestação de serviços que as Rés celebraram tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
Ficou provado que desde 22 de Março de 2002 o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (B) prestando funções de “guarda de segurança”, na qualidade de trabalhador não residente. O Autor foi recrutado pela D para exercer funções de “guarda de segurança” para a 1ª Ré (B), ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/2002, aprovado pelo Despacho n.º 00310/IMO/SEF/2002, de 07/02/2002. Por força do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM n.º 01949/IMO/SEF/2003, de 17/07/2003, a autorização de contratação e de permanência do Autor (e dos demais 280 trabalhadores “guardas de segurança” de nacionalidade nepalesa que prestavam funções para a 1.ª Ré (B)) foi transferida para a 2.ª Ré (C), com efeitos a partir de 21 de Julho de 2003. Pois, desde de 22/07/2003 até 25/02/2009 o Autor – (e os demais 280 trabalhadores de nacionalidade nepalesa) – passou a estar ao serviço da 2.ª Ré (C), mantendo na 2.º Ré (C) a mesma categoria profissional, antiguidade e salário que detinha na 1.ª Ré (B). Pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
  Relativamente à questão jurídica fundamental, ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes do mencionado contrato de prestação de serviços e à sua repercussão na esférica jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário ora Autor, citando-se como exemplo, o Acórdão datado de 25.07.2013, sob o Processo n.º 322/2013, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
  Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária do contrato de prestação de serviços dado como assente o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
  Debrucemo-nos, pois, sobre os pedidos do Autor.
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Subsídio de efectividade
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”.
Ficou provado que durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés.
Porém, entre 21/03/2003 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. E entre 22/07/2003 a 25/02/2009, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade.
Assim, tendo em conta que já se declararam prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde 22/03/2002 até 20/03/2003, o Autor tem direito a receber as quantias calculadas segundo a fórmula: número dos meses de cada período X o salário diário X 4 dias:
Período
Meses
Salário diário X 4
Quantia indemnizatória
21/03/2003 a 21/07/2003
4 meses
2 dias
HKD$250.00 X 4
MOP$4,188.67
22/07/2003 a 25/02/2009
67 meses 5 dias
HKD$250.00 X 4
MOP$69,181.67
Assim, o Autor tem direito a receber a quantia de MOP$4,188.67 a título de subsídio de efectividade contra a 1.ª Ré, e a quantia de MOP$69,181.67 a tal título contra a 2.ª Ré.
Conforme o princípio dispositivo, deve a 2.ª Ré paga-lhe a quantia global no montante de MOP$69,010.00.
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Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e pelo descanso compensatório
O Autor ainda pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal, no período decorrido entre 22/03/2002 e 31/12/2002. No entanto, já se declararam prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde 22/03/2002 até 20/03/2003.
Destarte, absolve-se a 1.ª Ré do referido pedido.
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Compensação pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado
O Autor pretende ser indemnizado pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, no período decorrido entre 22/03/2002 a 31/12/2008. No entanto, já se declararam prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde 22/03/2002 até 20/03/2003.
Ficou provado que entre 21/03/2003 a 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante 1 de Maio de 2003 (1 dia), por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré (B), mas a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios.
E entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança nos 6 dias de feriados obrigatórios (1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias); 1 de Maio e 1 de Outubro) – no total de 31 dias, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré (C), mas esta também nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios.
Segundo o artigo 19.º, n.ºs 2 e 3, nos feriados obrigatórios os trabalhadores, que tenham completado o período experimental, devem ser dispensados da prestação de trabalho, e os trabalhadores esses têm direito à retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e, 1 de Outubro.
O artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que se o trabalhador prestar trabalho nos dias de feriados obrigatórios remunerados na situação prevista na al. c) do mesmo, o trabalhador terá direito a auferir, para além da remuneração normal do dia de trabalho prestado, a um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal.
Assim sendo, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pelo trabalhador em feriados obrigatórios remunerados, mas somente a partir de 3 de Abril de 1989, vista a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula há-de corresponder ao “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além do próprio salário normal em singelo, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho. Somando o singelo, no fundo vai receber no total triplo da retribuição normal (salário singelo + acréscimo salarial ao dobro da retribuição normal).
Há, todavia, que ponderar a circunstância de as Rés terem pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pelas Rés, assim o Autor só terá direito a auferir mais o dobro da sua retribuição.1
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias de feriado obrigatório não gozados) x 2:
Período
Salário diário X 2
N.º de dias de trabalho prestado em feriados obrigatórios remunerados
Quantia indemnizatória
21/03/2003 a 21/07/2003
HKD$250.00X2
1
MOP$515.00
22/07/2003 a 31/12/2008
HKD$250.00X2
31
MOP$15,965.00
Assim, deve a 1.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$515.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, e deve a 2.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$15,965.00 a mesmo título.
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Devolução da comparticipação no alojamento
Ficou provado que desde o início da prestação de trabalho até 25/02/2009, as Rés procederam a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. E a referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego.
  Dispunha o artigo 9.º do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro que: O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes: (…) d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores.
  Prevê-se na al. a) do artigo 9.º do DL n.º 24/89/M que é proibido ao empregador obrigar o trabalhador a adquirir ou a utilizar serviços fornecidos pelo empregador ou por pessoa por ele indicada.
  Com entrada em vigor da Lei n.º 7/2008 desde 1 de Janeiro de 2009, o seu artigo 10.º, al. 5) também prevê que é proibido ao empregador obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos directamente por si ou por pessoa por si indicada.
  De onde, e tendo em conta que já se declararam prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde 22/03/2002 até 20/03/2003, tem o Autor direito a receber a devolução da comparticipação nos custos de alojamento:
Período
Meses
Devolução mensal
Quantia indemnizatória
21/03/2003 a 21/07/2003
4 meses
2 dias
HKD$750.00
MOP$3,141.50
22/07/2003 a 25/02/2009
67 meses 5 dias
HKD$750.00
MOP$51,886.25
Assim, deve a 1.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$3,141.50 a título de devolução da comparticipação no alojamento e, deve a 2.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$51,886.25 a mesmo título.
Conforme o princípio dispositivo, deve a 2.ª Ré paga-lhe a quantia global no montante de MOP$51,757.50.
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Compensação de trabalho extraordinário por turnos
Segundo os factos dados provados, durante todo o período da relação de trabalho com a 1.ª Ré (B), o Autor exerceu a sua actividade num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia: Turno A: (das 08h às 16h), Turno B: (das 16h às 00h) e Turno C: (das 00h às 08h). Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo.
Daqui resultava que, entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h), o Autor prestava 16 horas (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) de trabalho num período total de 24 horas.
E, entre o fim da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h) e o início da prestação de trabalho no turno A (8h às 16h) o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período total de 24 horas.
A 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo
Segundo o artigo 11.º, nº2 do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril, nos casos de prestação de trabalho extraordinário, o trabalhador terá direito a um acréscimo de salário, do montante que for acordado entre o empregador e o trabalhador.
Sem dúvida que o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho num período total de 24 horas (00h às 00h do dia seguinte) quando trocou o turno C (00h às 08h) ao turno B (16h às 00h).
No tocante à situação do turno B (16h às 00h) ao turno A (8h às 16h), apesar do Autor prestar a sua actividade num total de 16 horas de trabalho num período total de 24 horas, no entanto, em bom rigor, entendemos que, nesta situação, o Autor prestava os dois períodos de 8 horas cada prestado num dia (00h às 00h do dia seguinte). Ou seja, quando trocou ao turno A (8h às 16h), o Autor trabalhava por este turno no dia seguinte, mas não no mesmo dia do turno B (16h às 00h). Por isso, não se trata do trabalho extraordinário.
Nestes termos, e tendo em conta que já se declararam prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde 22/03/2002 até 20/03/2003, bem como os dias de trabalho efectivo prestados pelo Autor (cf. a fundamentação no despacho da resposta à matéria de facto), tem este direito a receber:
Período
Horas
Salário horário
Quantia indemnizatória
21/03/2003 a 21/07/2003
5 dias [(123-9)/21] X 8 horas
HKD$31.25
MOP$1,287.50
Assim perfaz num total de MOP$1,287.50, montante esse deve ser pago pela 1.ª Ré.
*
Compensação de trabalho extraordinário de, pelo menos, 30 minutos que antecederam o início de cada turno
Ficou provado que por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos, período durante o qual o Autor estava sujeito às ordens e às instruções das Rés. No entanto, as Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia pela prestação de mais 30 minutos que antecediam o início de cada turno.
Ficou provado que entre 21/03/2003 a 21/07/2003, o Autor prestou 119 turnos de trabalho efectivo junto da 1.ª Ré. E entre 22/07/2003 a 25/02/2009, o Autor prestou 1673 dias/turnos de trabalho efectivo junto da 2.ª Ré.
O artigo 10.º, nº4 do Decreto-Lei 24/89/M dispõe que os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.
Ou seja, se ultrapasse a duração de trinta minutos diários, verificando se a prestação de trabalho extraordinário, tem o trabalhador direito a receber um acréscimo de salário, nos termos do artigo 11.º, nº2 do Decreto-Lei 24/89/M.
Com entrada em vigor da Lei n.º 7/2008 desde 1 de Janeiro de 2009, o seu artigo 33.º, n.ºs 1 e 5 prevê que, o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta e oito horas por semana, e os períodos referidos não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, actividades e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos por dia.
De acordo com o artigo 37.º, nº1 da mesma Lei, a prestação de trabalho extraordinário nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo anterior confere ao trabalhador o direito a auferir a remuneração normal do trabalho prestado com um acréscimo de 50%.
Portanto, tendo em conta que já se declararam prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde 22/03/2002 até 20/03/2003, bem como os dias de trabalho efectivo pelo Autor prestado, segundo a fórmula (Salário horário) x (n.º de dias de trabalho efectivo) /2, tem o Autor direito a receber a tal título:
Período
N.º de dia de trabalho efectivo
Salário horário
Quantia indemnizatória
21/03/2003 a 21/07/2003
119 turnos
HKD$31.25
MOP$1,915.16
22/07/2003 a 31/12/2008
1624 dias
HKD$31.25
MOP$26,136.25
01/01/2009 a 25/02/2009
49 dias
HKD$46.875
MOP$1,182.89
Assim, deve a 1.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$1,915.16 pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo, e deve a 2.ª Ré pagar-lhe a quantia de MOP$27,319.14 a mesmo título.
*
Compensação pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal)
O Autor ainda pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal, no período decorrido entre 22/07/2003 e 31/12/2008.
Ficou provado que desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. No concreto, o Autor prestou 231 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. Mas a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
O artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei prevê as excepções do referido artigo: sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.
No caso em apreço, mesmo que considerando a natureza do sector de actividade (guarda de segurança), a 2.ª Ré concedeu ao Autor um descanso consecutivo de vinte e quatro horas, após cada sete dias de trabalho consecutivos, obviamente não se verificando o disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Assim, tem que se considerar que o Autor prestou trabalho junto da 2.ª Ré em dia de descanso semanal nos termos do artigo 17.º, n.º1 do mesmo Decreto-Lei.
O n.º6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
Então, deve calcular os valores da indemnização a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, segundo a fórmula: (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
Há, todavia, que ponderar a circunstância de a 2.ª Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela 2.ª Ré2, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê3.
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados):
Período
Salário diário
N.º de dias não gozados
Quantia indemnizatória
22/07/2003 a 31/12/2008
HKD$250.00
231
MOP$59,482.50
Assim deve a 2.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$59,482.50 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
*
Juros moratórios
Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante4, atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condenam-se:
  - a 1.ª Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$11,047.83, sendo:
- MOP$4,188.67 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$515.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$3,141.50 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
- MOP$1,287.50 pelas 8 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
- MOP$1,915.16 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo; e
  - a 2.ª Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$223,534.14, sendo:
- MOP$69,010.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$15,965.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$51,757.50 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
- MOP$27,319.14 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
- MOP$59,482.50 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal).
  Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
Absolve-se no mais as Rés do pedido.
As custas serão a cargo das Rés e do Autor na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.

Notificados e inconformados com a sentença, vieram o Autor e a Ré C recorrer dela para esta segunda instância.

O Autor apresentou as seguintes conclusões pedindo que:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (B) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7) De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente “o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado”, isto é, a quantia de MOP$118.965,00 - e não apenas MOP$59.482,50 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda à fórmula de cálculo tal qual formulada pelo Autor na sua Petição Inicial e relativa ao trabalho prestado em cada um dos sétimos dias de trabalho consecutivo, enquanto dias de descanso semanal, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!

Ao recurso respondeu a Ré pugnando pela improcedência.

Por sua vez, a Ré concluiu pedindo que:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 2.ª Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor A, no valor de MOP$223,534.14 a título de (i) subsídio de efectividade, (ii) trabalho prestado em dias de feriado obrigatórios, (iii) devolução das quantias descontadas relativas a comparticipação no alojamento, (iv) compensação pela prestação de 30 minutos para além do período normal de trabalho por cada dia efectivo de trabalho e (v) compensação pelo trabalho prestado pelo Autor após 7 dias de trabalho consecutivo, versando o presente recurso só e apenas sobre a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo no que se refere à compensação a título do trabalho prestado pelo Autor após sete dias de trabalho consecutivo, no valor de MOP$ 59,482.50.
II. Entende a ora 2.ª Ré que esta matéria foi incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vício de erro de julgamento e erro na aplicação do Direito.
III. Somos do entendimento que o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja o artigo 17.º do DL n.º 24/89/M, nem a norma contida nº artigo 18.º do mesmo diploma.
IV. A Recorrente não aceita que tenha violado o preceituado nº referido n.º 1 do artigo 17.º o qual, salvo devido respeito, não impõe a regra do descanso ao 7.º dia, isto porque dispõe o n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 24/89/M que: “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, (...)”, ou seja, o legislador refere-se a um período de sete dias, e não ao fim de sete dias, referindo-se, por seu lado, a um período de descanso de vinte e quatro horas sem se referir se o mesmo se refere a um dia, por exemplo, a uma segunda - feira, ou a parte de uma segunda - feira e parte da terça - feira seguinte, indo aliás neste sentido a nota n.º 3 do douto Acórdão n.º 253/2002, citado pelo Tribunal a quo na decisão ora em crise, conforme se transcreve: “Nem estipula explícita e forçosamente que o trabalhador tem que descansar nº domingo, mas sim apenas tem direito, em cada período de sete dias, a um dia de descanso, dia esse que poderia não ser o domingo, o que é estipulado explicitamente nº artigo 17.º n.º 2”.
V. Por isso, é importante apurar se o descanso semanal tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, nº 7.º dia, conforme defendia o Autor e veio a ser aceite pelo Tribunal a quo, ou se, atento o sobredito artigo 17.º, o empregador pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso, considerando a Recorrente que apenas este último entendimento se compatibiliza com o espírito e com a letra da Lei, já que a norma diz é que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas; O qual será fixado de acordo com as exigências de funcionamento da empresa (n.º 2).
VI. Ora, a lei laboral em Macau não proíbe que se trabalhe mais do que seis dias consecutivos - como defendia o Autor e veio a ser entendido pelo Tribunal - mas apenas impõe que em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas sejam de descanso e esse descanso pode calhar em qualquer um dos dias desse período de 7 dias, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que lhe precedem ou que se seguem, sendo que o dia de descanso pode, então, ser nº 1.º dia desse “período de sete dias”, nº 2.º dia do “período de sete dias”, nº 3.º dia desse “período de sete dias” ou até mesmo nº 7.º dia desse “período de sete dias”.
VII. Isto é, se em três períodos consecutivos de sete dias for concedido ao trabalhador 1 dia de descanso no primeiro dia do primeiro período de sete dias, outro dia de descanso no segundo dia do segundo período de sete dias e ainda outro dia de descanso no terceiro dia do terceiro período de sete dias, mostra-se cumprida a exigência legal - a de se conceder “em cada período de sete dias” um dia de descanso, já que a expressão “em cada período de sete dias” não impõe o momento exacto em que o descanso deve ocorrer, isto é, não impõe que seja no 7.º, apenas determina o intervalo de tempo - sete dias - em que esse mesmo descanso deve ser gozado. Veja-se aliás que nº mencionado artigo 17.º não se faz menção a dias de trabalho consecutivo mas apenas exige que o período de descanso seja de 24 horas consecutivas em cada período de sete dias sem cuidar de saber quantos dias o trabalhador trabalhou antes desse dia e quantos vai trabalhar depois.
VIII. Do que se vem dizendo e do que se retira da leitura atenta do preceito parece evidente que o princípio do descanso semanal não equivale a um princípio de descanso ao sétimo dia, ou seja, ao fim de 6 dias de trabalho e diga-se também que o artigo 17.º n.º 1 tem necessariamente de ser interpretado em conjugação com o n.º 2 que reconhece que “de acordo com as exigências de funcionamento da empresa” o período de descanso semanal será organizado pelo empregador, o que reforça que a intenção do legislador não foi impor o dia de descanso ao sétimo dia.
IX. Por outro lado, o legislador não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias, tanto assim é que o artigo 18.º do DL n.º 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de 24 horas em cada período de 7 dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um “descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção”, pois o legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18.º do Decreto - Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42.º, n.º 2 da Lei n.º 7/2008 (nova Lei das Relações de Trabalho), que prevê que “O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.” Não sendo, por isso, imperativo que esse descanso ocorra no sétimo dia de trabalho, tal como alega o Autor e veio a ser entendido pelo douto Tribunal. No caso concreto, em cada período de sete dias o Autor descansou, não necessariamente ao sétimo dia, porque a Lei nem sequer o impõe.
X. Pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado “em cada período de sete dias” mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta, ou seja, o mesmo é dizer que se se apurar que o Recorrido não descansou 52 dias no ano, mas apenas 46 dias, então só poderá ser compensado por 6 dias de descanso não gozado, mas nunca por 231 dias tal como decidido pelo Tribunal a quo.
XI. É que, tal como se vem defendendo, não se impunha à aqui Recorrente que na organização dos turnos dos seus trabalhadores o descanso fosse concedido ao 7.º dia, mas apenas que, em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas fosse de descanso e com isto se quer dizer que não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativas de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, importando sim determinar se dentro de cada período de sete dias - ou “em cada período de 7 dias” - e tendo em conta a organização dos turnos rotativos o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.
XII. Pelo que carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no 7.º dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal: verificando-se assim, salvo melhor opinião, uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal em violação de princípio do dispositivo consagrado nº art.º 5.º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17.º e 18.º do DL n.º 24/89/M.
  Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei,
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!

Ao que não respondeu o Autor.

Admitidos no Tribunal a quo, os recursos foram feitos subir a este Tribunal de recurso.

Liminarmente admitidos os recursos e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Inexistindo questão de conhecimento oficioso e face às conclusões dos recursos, as questões que constituem o objecto da nossa apreciação, no recurso interposto pelo Autor, são a de saber, qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e no recurso interposto pela Ré, a de saber se no período compreendido entre 22JUL2003 e 31DEZ2008, o descanso, provado nos autos, que o Autor gozou depois de ter trabalhado por 7 dias consecutivos pode ser considerado descanso semanal a que se refere o artº 17º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M.

Não obstante a ordem cronológica da entrada das petições de recurso, devemos pela lógica das coisas começar por apreciar o recurso interposto pela Ré onde se questionou o direito reconhecido ao Autor, e só depois o recurso, que deu entrada em primeiro lugar, onde se discute o factor multiplicador a aplicar na fixação dos quantitativos devidos que o Autor tem direito a receber.

Então vejamos.

Recurso da Ré C

Estão em causa factos ocorridos na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M.

Este diploma regula no seu artº 17º a matéria de descanso semanal nos termos seguintes:

1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º

2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.

3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:

a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;

b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;

c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.

5. A observância do direito consagrado no n.º1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.

6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:

a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;

b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.

In casu no que diz respeito à questão do descanso semanal, ficou provado que:

Desde 22/07/2003 até 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a 2ª Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (23.º)
Desde 22/07/2003 até 31/12/2008, o Autor prestou 231 dias de trabalho efectivo junto da 2.ª Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (24.º)
A 2.ª Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (25.º)
A 2.ª Ré C pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (27.º)

Quando globalmente interpretada esta matéria tida por assente na 1ª Instância e ora integralmente transcrita supra, é de concluir que o Autor nunca gozou um período de 24 horas de descanso num período de sete dias, nos termos impostos pelo artº 17º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, uma vez que a ilação que podemos tirar do facto de, em qualquer dos períodos de 7 dias seguidos, ter trabalhado regularmente por seis dias consecutivos e também no sétimo dia, já nos habilita a afirmar que o Autor não gozou nenhum dia de descanso semanal durante o período compreendido entre 22JUL2003 e 31DEZ2008.

Assim, bem andou o tribunal a quo na sentença ora recorrida, na parte respeitante à fixação do número dos dias de descanso semanal no período compreendido entre 22JUL2003 e 31DEZ2008, onde foi fundamentada e decidida com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, a procedência do pedido da condenação da C no pagamento ao Autor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui esta parte da decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da Ré e confirmando a decisão recorrida na parte que reconheceu ao Autor de receber a compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, apurados na sentença recorrida.


Recurso do Autor

O Autor pede a condenação da Ré a pagar-lhe a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.

O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esse direito.

Mas o Autor questiona o multiplicador (X 1) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, adoptado pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser adoptado o multiplicador (X 2).

Tem razão o Autor.

Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Procede o recurso interposto pelo Autor nesta parte.

Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foi impugnado com êxito em sede do recurso interposto pela Ré o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou e não impugnado o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo dos quantitativos da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais.

Assim sendo, merece o Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$118.965,00, correspondente ao dobro de MOP$59.482,50, quantia fixada na sentença recorrida.


III

Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo Autor, passando atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$118.965,00, e julgar improcedente o recurso interposto pela Ré C.

Custas pela recorrente C.

RAEM, 16DEZ2019
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng

1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 21 de Setembro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... Quer isto dizer que a lei atribui uma remuneração nunca inferior ao dobro da normal, que acresce a esta, pelo que bem decidiu o Acórdão recorrido ter o trabalhador direito ao triplo da retribuição diária, já que não se provou terem as partes acordado uma remuneração superior para tal trabalho. Mas, como o autor já foi pago em singelo, terá, agora, direito ao dobro da retribuição.»
2 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. E que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
3 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.°, n.º 2, 1) da Lei n.º 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
4 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02/03/2011.
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Ac.736/2019-34