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Processo n.º 1255/2019 Data do acórdão: 2020-1-16
Assuntos:
– recurso manifestamente improcedente
– reclamação para conferência
– medida da pena
S U M Á R I O

1. O recurso deverá ser rejeitado por decisão sumária do relator quando for manifestamente improcedente, nos termos dos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, podendo o recorrente relamar da decisão de rejeição para conferência.
2. A medida da pena é feita aos padrões vertidos sobretudo nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal, com ponderação de todas as circunstâncias fácticas apuradas e consideração inclusivamente das exigências da prevenção de crime.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 1255/2019
(Recurso em processo penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)
Recorrentes:
1.o arguido A
2.o arguido B
3.o arguido C





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 282 a 297v do Processo Comum Colectivo n.° CR5-19-0153-PCC do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficaram condenados:
– o 1.o arguido A, como co-autor material de um crime consumado de usura para jogo, p. e p. pelo art.o 13.o da Lei n.o 8/96/M, conjugado com o art.o 219.o, n.o 1, do Código Penal (CP) e com o art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, na pena de um ano de prisão, e como co-autor material de um crime consumado de sequestro, p. e p. pelo art.o 152.o, n.o 2, alínea a), do CP, conjugado com o art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, na pena de quatro anos e três meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e nove meses de prisão, para além de ficar condenado, nos termos do art.o 15.o da Lei n.o 8/96/M, na proibição de entrada nos casinos de Macau por dois anos;
– o 2.o arguido B, como co-autor material de um crime consumado de usura para jogo, p. e p. pelo art.o 13.o da Lei n.o 8/96/M, conjugado com o art.o 219.o, n.o 1, do CP, na pena de sete meses de prisão, e como co-autor material de um crime consumado de sequestro, p. e p. pelo art.o 152.o, n.o 2, alínea a), do CP, na pena de quatro anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e três meses de prisão, para além de ficar condenado, nos termos do art.o 15.o da Lei n.o 8/96/M, na proibição de entrada nos casinos de Macau por dois anos;
– e o 3.o arguido C, como co-autor material de um crime consumado de sequestro, p. e p. pelo art.o 152.o, n.o 2, alínea a), do CP, na pena de quatro anos de prisão.
Inconformados, vieram os três arguidos recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
O 1.o arguido alegou, em essência, o seguinte na motivação apresentada a fls. 338 a 352 dos presentes autos correspondentes:
– a decisão recorrida no tocante à condenação do crime de usura para jogo padece do erro notório na apreciação da prova como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), porque essa condenação se baseou, ilogicamente, apenas na circunstância fáctica de ter o próprio 1.o arguido comparecido na sala VIP de jogos dos autos e nas declarações unilaterais, e variáveis ao tempo, do ofendido;
– por isso, não deveriam ter sido dados por provados os factos provados 12 a 14 no respeitante ao próprio 1.o arguido, com consequente absolvição dele do crime de usura em causa;
– e fosse como fosse, só teria agido ele como cúmplice dos 2.o e 3.o arguidos na prática do crime de usura para jogos, nos termos definidos no art.o 26.o, n.o 1, do CP;
– por outro lado, o mesmo acórdão enferme também dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício este previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o CPP), visto que até na própria mente do ofendido, este não ficava ciente da impossibilidade ou não de ele sair do quarto de hotel dos autos, ao que acresce o facto de os três arguidos não terem chegado a praticar quaisquer actos que obrigassem o ofendido a permanecer no quarto, pelo que não pôde o Tribunal sentenciador ter considerado haver, por parte dos três arguidos, acto de “vigilância” do ofendido;
– portanto, deve ser absolvido também o crime de sequestro do próprio 1.o recorrente.
Enquanto os 2.o e 3.o arguidos rogam a redução da pena de prisão, na motivação una deles, apresentada a fls. 355 a 360 dos autos, focando, para o efeito, o facto de serem delinquentes primários, e considerando eles que cuidam ambos muito das suas mães, e que a intenção deles na prática dos crimes não era gravemente danosa à sociedade.
Respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 366 a 371, no sentido de improcedência da argumentação recursória dos três arguidos.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 388 a 391, pugnando também pela manutenção do julgado.
Por decisão sumária do ora relator, exarada em 19 de Dezembro de 2019 a fls. 394 a 398v, ficaram rejeitados todos os recursos em causa, por manifestamente improcedentes.
Vieram agora o 2.o arguido B e o 3.o arguido C reclamar dessa decisão para conferência, através do correspondente pedido unamente apresentado a fls. 403 a 408, nele reiterando materialmente a pretensão já veiculada na motivação una dos recursos deles, de redução da pena.
A Digna Procuradora-Adjunta opinou a fl. 412 a 412v pelo indeferimento da reclamação desses dois recorrentes.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A decisão sumária de fls. 394 a 398v ora sob reclamação tem o seguinte teor essencial:
– <<[…]
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 282 a 297v dos autos, cuja fundamentação fáctica, probatória e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Começou o 1.o arguido por questionar a livre convicção do Tribunal sentenciador, quer no tocante à indagação dos factos da usura para jogo, quer dos do sequestro (sendo de notar que a argumentação concretamente tecida na sua motivação do recurso para sustentar a existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a respeito da decisão condenatória do crime de sequestro não tem a ver propriamente com o alcance nem o sentido deste vício previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, mas sim também com o vício de erro notório na apreciação da prova da alínea c) deste n.o 2, isto porque no fundo, está ele a alegar a falta ou insuficiência da prova para a sua condenação no sequestro, problema este que é diverso do vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada, vício este que não pode ter existido no caso do acórdão recorrido, dado que da leitura atenta da sua fundamentação fáctica, resulta que o Tribunal sentenciador já investigou todo o objecto probando dos autos, sem omissão alguma – sobre o alcance e sentido do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, cfr., por exemplo, de entre muitos outros, os acórdãos deste TSI, de 22 de Julho de 2010, do Processo n.o 441/2008, e de 17 de Maio de 2018, do Processo n.o 817/2014).
Pois bem, sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Aliás, esse Tribunal já expôs congruentemente, e até com bastante minúcia, as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos, e concretamente, no respeitante à comparticipação do 1.o arguido com os 2.o e 3.o arguidos na prática dos factos integradores dos crimes de usura para jogo e de sequestro, no último parágrafo da página 22, no primeiro parágrafo da página 23, e no primeiro, e longo, parágrafo (a partir da 4.a linha deste parágrafo) da página 24, todas do texto do acórdão recorrido, a fls. 292v a 293v dos autos, tendo esse Tribunal afirmado nessa fundamentação probatória, ante os elementos probatórios de teor sumariado nessa fundamentação, que a tese da defesa do 1.o arguido (segundo a qual ele não terá participado nos factos) não é lógica (cfr. as linhas 2 e 3 da página 23 do mesmo texto, a fl. 293), para além de ter explicado por quê é que acreditou na versão fáctica constante das declarações prestadas pelo ofendido na anterior fase do inquérito penal (e lidas na audiência de julgamento).
Ora, o resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel. Por isso, improcede o vício de erro notório na apreciação da prova, sendo de observar que a palavra “vigilância” é também frequentemente usada na linguagem corrente das pessoas, com significado concreto
E ante a mesma factualidade provada toda, é nítida a comparticipação do 1.o arguido como co-autor, e não cúmplice, dos 2.o e 3.o arguidos (cfr. o art.o 25.o do CP).
Naufraga, assim, claramente, o recurso do 1.o arguido.
Há, pois, que decidir do pedido de redução da pena de prisão dos 2.o e 3.o arguidos, os quais pedem que passem a ser condenados finalmente em pena de prisão inferior a dois anos e um mês.
Sobre a problemática da medida concreta da pena de prisão, ponderadas todas as circunstâncias fácticas apuradas em primeira instância aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, e considerando também as inegáveis exigências da prevenção geral, não se vislumbra qualquer injustiça notória na graduação da pena de prisão dos crimes por que vinham condenados os 2.o e 3.o arguidos, dentro das respectivas molduras aplicáveis, e o mesmo se pode dizer a respeito da pena única do 2.o arguido, à luz do disposto no art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP.
Improcedem também claramente os recursos dos 2.o e 3.o arguidos.
Em suma, devem todos os recursos ser rejeitados, por manifestamente improcedentes, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma, sendo de louvar, pois, a decisão recorrida.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar os recursos dos três arguidos.
Pagará cada um dos três arguidos as custas dos seus recursos, com três UC de taxa de justiça para o 1.o arguido, duas UC de taxa de justiça para o 2.o arguido e duas UC de taxa de justiça para o 3.o arguido, pagando ainda o 1.o arguido quatro UC, o 2.o arguido três UC e o 3.o arguido três UC, a título de sanção pecuniária devida pela rejeição do recurso.
Fixam em duas mil e quatrocentas patacas os honorários da Ex.ma Defensora Oficiosa do 1.o arguido, a cargo deste, enquanto o 2.o e o 3.o arguido terão que pagar, cada um deles, mil e seiscentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 19 de Dezembro de 2019.
[…]>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Vieram os 2.o e 3.o arguidos recorrentes reclamar para conferência da decisão sumária tomada pelo relator sobre o mérito dos recursos deles dois.
Pois bem, vistos todos os elementos processuais pertinentes já referidos no ponto 2 do texto da decisão sumária ora sob reclamação, é de improceder a reclamação desses dois arguidos, porquanto há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do relator na parte respeitante aos recursos desses dois recorrentes (com a nota de que a outra parte dessa decisão sumária, atinente ao recurso do 1.o arguido, não chegou a ser impugnada por este), por essa decisão do relator sobre o mérito dos dois recursos em causa estar conforme com tais elementos processuais e o direito aplicável aí aplicado em matéria da medida da pena.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação dos 2.o e 3.o arguidos recorrentes.
Para além das custas e montantes referidos no ponto 4 do texto da decisão sumária, pagará cada um dos ora reclamantes as custas da respectiva reclamação (com duas UC de taxa de justiça individual) e duzentas patacas de honorários adicionais a favor do respectivo Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 16 de Janeiro de 2020.
__________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
__________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
__________________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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