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Processo n.º 136/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Win Loyal Development Limited
Recorrido: Secretario para os Transportes e Obras Públicas
Data da conferência: 26 de Fevereiro de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Suspensão de eficácia de actos administrativos
- Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIO
1. Os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
2. Cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, não sendo bastante a mera utilização de expressões vagas e genéricas.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Win Loyal Development Limited, melhor identificada nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e nos termos dos art.ºs 120.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo Contencioso a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 10 de Maio de 2019, que ordenou a desocupação, no prazo de 30 dias a partir da recepção da respectiva notificação, do terreno situado junto da intersecção da Estrada de Seac Pai Van, da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi indeferido o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicos.
Inconformada com a decisão, Win Loyal Development Limited recorre para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) O conceito de prejuízo de grave reparação é um conceito indeterminado que terá que ser analisado caso a caso, mediante uma apreciação discricionária e um juízo de normalidade.
b) Deve-se considerar como de difícil reparação o prejuízo que provoca consequências que não são nem de imediata e evidente avaliação nem facilmente concretizáveis, ou que coloquem o requerente em situação económica, profissional ou pessoal dificilmente ultrapassável.
c) É parte integrante do objecto social da Recorrente a exploração de terrenos para construção de prédios em regime de propriedade horizontal e posterior comercialização das fracções autónomas.
d) Na posse da licença n.º 659/2012, a Recorrente iniciou a preparação do terreno com vista à construção de edifícios, adquirindo os materiais necessários para a sua vedação e celebrando os contratos necessários para a execução do projecto urbanístico.
e) A privação, limitação ou perturbação do exercício da actividade profissional, económica, comercial ou industrial, que envolve a provável perda de clientela constitui um prejuízo de difícil reparação.
f) Existe um prejuízo de difícil reparação sempre que a execução do acto afecte a realização de investimentos.
g) Está em causa a perda dos montantes investidos, a inibição da prossecução do objecto social da Recorrente e dos seus direitos como proprietária de um terreno em propriedade perfeita, como também a lesão do seu bom nome e reputação.
h) Os danos referentes à lesão da sua imagem comercial são ressarcíveis, mas não são susceptíveis de uma avaliação pecuniária concreta.
i) A lesão da imagem causa prejuízos incalculáveis a longo prazo para os negócios e afecta gravemente a estrutura económica e financeira da Recorrente.
j) Dano irreparável não deve ser equiparado a dano irressarcível ou nunca uma situação poderia integrar o conceito de “prejuízo de difícil reparação”.
k) Em causa está a previsível dificuldade da Recorrente ser ressarcida dos danos, pois mesmo que sejam avaliáveis, a sua reparação será extremamente difícil.
l) Ainda que muitos danos sejam susceptíveis de uma avaliação pecuniária exacta, dadas as circunstâncias, essa reparação não será suficiente para a reconstituição natural da esfera jurídica do lesado.
m) Se a administração já tiver atribuído o terreno a um terceiro por concessão, a Recorrente terá direito a ser indemnizada apenas pelo valor do terreno, como se de uma expropriação se tratasse.
n) Será muito difícil quantificar a perda de rendimento que seria obtido caso tivesse utilizado o terreno na operação urbanística a que se propunha, com a posterior alienação dos apartamentos, lojas e lugares de estacionamento.
o) O que se traduz em ser praticamente impossível a reconstituição do status quo ante.
p) Há uma forte probabilidade de a Administração, uma vez na posse do terreno, o querer explorar e concessionar a terceiros.
q) Para o conceito indeterminado de “prejuízo de difícil reparação”, não é necessária a “demonstração cabal, perfeita e exaustiva da invocação factual, (…) até porque a lei não é tão exigente a esse ponto ao bastar-se com uma forte aparência, com um mero padrão de probabilidade”.
r) Caso se iniciem os procedimentos para concessão do terreno, mais serão os lesados.
s) Em caso de concessão a terceiros, será mais difícil, senão impossível, a reconstituição do status quo ante do terreno, restando, a reparação pecuniária, até porque é impossível o registo do recurso contencioso.
t) A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação.
u) Quer pelos elevados danos patrimoniais, quer pelos danos à imagem da Recorrente, quer pela irreversibilidade do status quo ante do terreno caso este seja concessionado a terceiros, estamos perante uma situação cuja compensação pelos danos será sempre desajustada.
v) Verificam-se, na integralidade, todos os requisitos para a suspensão de eficácia do acto, o que se requer.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que se deve negar provimento ao recurso.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

2. Os Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. O terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 6150, em regime de propriedade privada, com uma área de 56,592m2, encontra-se registado em nome da Requerente.
2. No âmbito da licença n.º 659/2012, que lhe foi concedida pela Administração, a Requerente vedou o terreno situado junto da intersecção da Estrada de Seac Pai Van, da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar com tapumes e rede metálica e nele instalou ainda diversos contentores e depositou vários materiais.
3. Esses materiais destinaram-se a preparar o desenvolvimento do terreno para a construção de prédios para habitação, depois da autorização da Administração.
4. Por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 10/05/2019, foi ordenada a desocupação do terreno em causa no prazo de 30 dias.

3. O Direito
A questão suscitada no presente recurso prende-se com a verificação, ou não, do requisito para a suspensão de eficácia do acto administrativo previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
Ora, regula o art.º 121.º do CPAC a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Como se sabe, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º para a suspensão de eficácia de actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
É claro que o caso vertente não se integra em nenhuma das situações dos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 121.º, daí que se exige a verificação de todos os requisitos do n.º 1.
O acórdão ora recorrido considerou verificado os requisitos previstos nas al.s b) e c) e não preenchido o referido na al. a), pelo que decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
E sustenta o contrário a recorrente.

O requisito indicado na al. a) refere-se ao prejuízo de difícil reparação, causado pela execução do acto administrativo.
Analisada a situação ora em apreciação, afigura-se-nos que o acórdão recorrido não merece censura.
Desde logo, há que ver em que consiste o previsível prejuízo de difícil reparação, exigido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
Tal como entende este Tribunal de Última Instância, o dano susceptível de quantificação pecuniária pode ser considerado, em certas situações, de difícil reparação para o requerente, sendo de considerar ainda como tal os casos “em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis”, os prejuízos “decorrentes de actos que determinem a cessação do exercício da indústria, comércio ou actividades profissionais livres” bem como consistentes “na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.1
“Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto.”2
E “a dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência (em execução) de uma eventual sentença de anulação.”3
Por outro lado, as jurisprudências têm entendido que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente.

Voltando ao nosso caso concreto.
Para fundamentar o alegado prejuízo de difícil reparação decorrente da execução da decisão administrativa, invoca a recorrente tanto os elevados danos patrimoniais resultantes da remoção e posterior reinstalação de todos os materiais e contentores já instalados no terreno como os danos à imagem da recorrente como ainda a irreversibilidade do status quo ante do terreno caso este seja concessionado a terceiros, alegando que se está perante uma situação cuja compensação pelos danos será sempre desajustada.
No que respeita aos danos patrimoniais resultantes da remoção e reinstalação de todos os materiais e contentores e à concessão do terreno a terceiro, foram já apreciados pelo Tribunal recorrido, tendo este considerado que o alegado pela recorrente nunca preenche o conceito indeterminado de “prejuízo de difícil reparação”, entendimento que merece o nosso acolhimento.
Na verdade, mesmo depois da sua remoção dos materiais e contentores, não se mostra difícil a sua reinstalação, tal como salienta o Tribunal recorrido.
E nem é difícil calcular, e consequentemente reparar, as despesas relacionadas com a remoção e a reinstalação.
Nota-se que a recorrente nunca chegou a demonstar, com elementos mais ou menos concretos, a invocada dificuldade em obter reparação de prejuízo por danos patrimoniais resultantes da remoção e reinstalação dos materiais e contentores, ainda que sejam elevados.
Por outro lado, trata-se duma alegação muito vaga e sem nenhum suporte factual a possibilidade de concessão a terceiro do terreno em causa, ainda na pendência do recurso contencioso de anulação em que se discute a legalidade da ordem de despejo, até porque, tal como considera o acórdão ora impugnado, tendo em conta a área do terreno em causa, a eventual concessão do terreno tem de ser feita por 3 vezes (art.º 31 da Lei de Terras) e carece sempre do concurso público (art.º 54 da Lei de Terras), o que precisa de tempo para o fazer, caso a Administração tiver efectivamente esta intenção.
Invoca ainda a recorrente os danos à sua imagem, dizendo que os danos referentes à lesão da sua imagem comercial são ressarcíveis, mas não são susceptíveis de uma avaliação pecuniária concreta e a privação, limitação ou perturbação do exercício da actividade profissional, económica, comercial ou industrial, que envolve a provável perda de clientela constitui um prejuízo de difícil reparação.
Na tese da recorrente, está em causa não só a perda dos montantes investidos, bem como a inibição da prossecução do objecto social dela e dos seus direitos como proprietária de um terreno em propriedade perfeita, e ainda a lesão do seu bom nome e reputação.
É um argumento novo que não foi antes deduzido pela recorrente no seu pedido de suspensão de eficácia.
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Desde logo, não se descortina que a execução do acto administrativo em causa determine a cessação do exercício da actividade comercial da recorrente, pois não resulta dos autos, nem a própria recorrente alega, que o desenvolvimento do terreno em causa para a construção de prédios é a única actividade dela.
Também não se constata nos autos que o exercício da actividade comercial da recorrente fica limitado ou perturbado e o seu bom nome e reputação ficam lesados com a execução da ordem de despejo do terreno, já que a recorrente também não chegou a alegar nem demonstrar factos concretos que permitam concluir pela limitação ou perturbação da actividade comercial da sociedade e pela lesão do seu nome na pendência do referido recurso contencioso.
Por fim, e tal como entende a entidade recorrida nas suas alegações, não se percebe em que é que a execução do acto pode lesar a actividade profissional da recorrente, a prossecução do seu objecto social ou a sua imagem comercial e o seu bom nome perante a clientela, pois tal lesão poderia ocorrer se o acto cuja eficácia se pretendesse suspender tivesse a ver directamente com a suspensão do exercício de uma actividade ou até o encerramento de um estabelecimento comercial, o que não é o nosso caso.
Acrescentando, não se afigura serem de difícil reparação os prejuízos a causar à recorrente, mesmo em relação à invocada perda de rendimento que seria obtido caso tivesse utilizado o terreno na operação urbanística a que se propunha, com a posterior alienação dos apartamentos, lojas e lugares de estacionamento, porque evidentemente há meios legais (ou na execução da sentença ou por via de acção de indemnização) para que a recorrente seja indemnizada dos prejuízos sofridos, sendo certo que só os prejuízos que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais é que se devem considerar como de difícil reparação.
Concluindo, não merece censura o acórdão recorrido ao decidir não verificado o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, pelo que se deve julgar improcedente o recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.

                 Macau, 26 de Fevereiro de 2020
                 
 Juízes: Song Man Lei (Relatora) – José Maria Dias Azedo – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Ac. do TUI, de 25-4-2001, Proc. n.º 6/2001.
2 Ac. do TUI, de 4-11-2009, Proc. n.º 33/2009.
3 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 176.
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Processo n.º 136/2019