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Processo nº 1005/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Janeiro de 2020

ASSUNTO:
- Impugnação da decisão da matéria de facto
- Facto complementar/instrumental
- Responsabilidade solidária das concessionárias de jogo

SUMÁRIO :
- Segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto nº 1 do artigo 558.º do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
- Assim, a reapreciação da matéria de facto por parte deste TSI tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
- Pois, não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.
- O espírito normativo dos artºs 29º e 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é no sentido de atribuir maior responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, pois sendo beneficiárias das actividades dos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, é razoável e lógica exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com os promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, as responsabilidades decorrentes das mesmas.
- Se a concessionária não cumprir o seu dever de fiscalização, permitindo ou tolerando o promotor de jogo desenvolver este tipo actividade no seu casino, não deixará de ser considerada como responsável solidária pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artº 29º do citado Regulamento Administrativo.
O Relator,
Ho Wai Neng
(rectificado em 21/10/2021)





Processo nº 1005/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Janeiro de 2020
Recorrentes: A Limitada (1ª Ré)
B (2ª Ré)
Recorrida: C (Autora)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 26/04/2019, julgou-se procedente a acção e, em consequência, condenam-se 1ª Ré A Limitada e 2ª Ré B S.A. solidariamente a devolver à Autora C a quantia de MOP3,090,000.00 acrescida dos juros de mora à taxa dos juros legais a contar da data da citação da 1ª Ré até efectivo e integral pagamento.
Dessa decisão vêm recorrer as Rés, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
Da 1ª Ré:
1) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 18.º e 20.º da base instrutória e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pela Autora contra a 1.ª Ré, ao pagamento do montante de HKD$3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong), acrescida de juros de mora.
2) A acção que deu origem ao presente recurso, fundou-se em depósitos realizados a 19 de Maio 2014, 18 de Setembro de 2014 e 29 de Julho 2015, perfazendo um total de HKD$3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong).
3) De forma a provar que os quesitos 18.º e 20.º da base instrutória deveriam ter sido dado como não provados ou provado “antes que”, a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., prova documental, mormente, a certidão extraída do processo de inquérito com o n.º 10653/2015, a fls. 217 dos presentes autos, e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, pela testemunha da Autora, D.
4) Os quesitos 18.º e 20.º da base instrutória foram quesitados da seguinte maneira: 18.“Depois de depositar na sua conta aberta na sala VIP A o montante total de HKD3.000.000,00 respectivamente em 19 de Maio e 18 de Setembro de 2014 e 29 de Julho de 2015, a Autora jamais levantou dali qualquer quantia?”
20. “Até à presente data a Autora não conseguiu levantar os HKD3.000.000,00?”
5) Tendo sido a resposta dada aos quesitos sido positiva, e os quesitos dados como provados.
6) A convicção do tribunal baseou-se essencialmente no depoimento da 2.ª testemunha da Autora, para provar os alegados depósitos realizados junto da ora Recorrente, e a impossibilidade de levantamento daqueles depósitos, assim como, da prova documental oferecida aos autos.
7) A condenação da ora Recorrente assentou em depósitos realizados pela Autora junto da tesouraria da mesma, e da impossibilidade de levantamento e, consequente não restituição daquela quantia.
8) Sucede que, a não restituição dos montantes, como peticionados pela Autora, ou bem que advém do facto de se tratar de uma quantia que ainda se encontra depositada com a ora Recorrente, ou, do facto de a quantia não se encontrar no poder da ora Recorrente, i.e., ter sido levantada pela Autora.
9) Razão pela qual a ora Recorrente lança mão da prova testemunhal e documental, de modo a provar que os quesitos 18.º e 20.º da base instrutória deveriam ter sido dados como não provados ou, provado “antes que”, pois, tal impossibilidade derivou do facto de o montante como peticionado já ter sido alvo de levantamento.
10) Do depoimento da testemunha da ora Autora, D, salienta-se o seguinte, quando perguntada se a Autora havia recuperado o montante depositado junto da ora Ré, Recorded 12 Feb 2019, Translator 1, 15.31.08, aos 39minutos e 34segundos, a testemunha responde: “Não, não conseguiu.”
11) A contrariar este depoimento, temos o registo informático, usado pela Ré, ora Recorrente, que regista os movimentos realizados nas contas, i.e., depósitos e levantamentos, em que, temos não um, mas registo dos três levantamentos dos referidos depósitos registados no sistema informático da ora Recorrente dos talões supra melhor mencionados, nas seguintes datas: (i) 1 de Junho de 2014 relativamente ao talão de depósito com o n.º DA00XXXX; (ii) 18 de Setembro de 2014 relativamente ao talão de depósito com o n.º DB00XXXX; e (iii) 29 de Julho de 2015 relativamente ao talão de depósito com o n.º DB00XXXX.
12) A isto acresce que, um de dois aspectos, a referida testemunha ainda diz a instâncias do seu depoimento, já em sede de contra-instância, quando lhe é perguntado se, para além dos três depósitos, esteve presente em mais algum depósito, Recorded 12 Feb 2019, Translator 1, 15.31.08, aos 52minutos e 18segundos, a testemunha respondeu: “Não, não houve assim outras ocasiões. Portanto, apenas depositou no total três milhões na A. Eu acompanhei-a nessas três ocasiões. Uma vez que, já desde 2012 eu comecei a trabalhar no A 1, razão porque sempre que ela fez os depósitos, portanto, uma vez que, eu trabalhava lá, eu acompanhei-a.” (sublinhado e negrito nosso)
13) Mais uma vez, a contrariar tal depoimento da referida testemunha, socorremo-nos do registo informático, a fls. 217 dos presentes autos, em que se verifica que vários depósitos e levantamentos ocorreram em 18 de unho de 2014, o que vem contrariar a versão apresentada pela testemunha!
14) A isto acresce que, o balanço da conta da Autora se encontra a zeros!!!
15) A título de parênteses, cumpre dizer que, a testemunha aqui em causa tem interesse directo na causa, na medida em que, também é Autora contra as Rés do presente pleito, numa outra acção.
16) Da conjugação da prova testemunhal com a prova documental constante dos autos, nomeadamente, a certidão a fls. 217 dos presentes autos, verifica-se que as quantias relativas aos supra melhor referidos talões de depósito, conforme depositadas foram levantadas.
17) E, não se pode conceder quando o tribunal a quo relativamente ao registo informático da Ré, ora Recorrente, refere o seguinte: “Sendo que a lista a fls. 217 mais não é um do que uma tabela elaborada pela 1.ª Ré sem qualquer documento de suporte que permita ao tribunal concluir que haja sido dada uma ormde de levantamento dos montantes depositados na conta da Autora.”
18) O registo informático da ora Ré, pretende retratar com a maior exactidão possível, os movimentos que acontecem nas contas abertas junto da Ré, ora Recorrente, i.e., movimentos de depósito e levantamento. (sublinhado e negrito nosso)
19) A prova documental a que nos referimos foi oferecida aos autos pela Autora, e havendo dúvidas sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, deverá recair sobre quem contra quem aproveita o facto, nos termos do artigo 437.º do Código de Processo Civil.
20) Não se pode lançar mão da certidão a fls. 217 dos presentes autos, para o tribunal a quo apoiar a sua convicção pelo depósito e, desprezar o levantamento do depósito que dali também consta.
21) Assim como, com o devido respeito, não nos parece plausível, pese embora o princípio da livre apreciação de prova impere, que não se veja a prova documental conjugada com a testemunhal num todo. E, que se aceite, assim, que foram feitos três depósitos mas que tal quantias não foram levantadas!
22) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 18.º e 20.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil. (sublinhado e negrito nosso)
23) Termos em que, deverá ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de fado por violação dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, e os quesitos 18º e 20.º da base instrutória sejam dados como não provados ou provado “antes que” no sentido de impossibilidade de devolução do montante peticionado por tal montante já ter sido levantado.
24) Subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada aos quesitos em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
25) Relembra-se o preceituado no artigo 437.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
26) O tribunal a quo fundou a sua convicção no depósito de três milhões de dólares de Hong Kong junto da ora Ré, e que a Ré, ora Recorrente não o havia restituído.
27) Muito mal andou o tribunal a quo, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil.
28) A ora Recorrente, não pode devolver aquilo que não tem consigo, sob pena de estarmos perante uma situação de enriquecimento sem causa.
29) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010, reza o seguinte: “ - O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.”
30) A ora Recorrente não se encontra numa situação de enriquecimento sem causa, por não preenchimento cumulativo dos quatro requisitos, i.e., não há um enriquecimento, sem razão atendível, à custa do empobrecimento de outrém, e quanto à questão de outro mecanismo da lei, facto é que não se pode indemnizar aquilo que já foi restituído.
31) Não pode a ora Recorrente devolver aquilo que não está em seu poder, não porque se tenha locupletado de tal quantia, mas porque tal quantia foi levantada conforme decorre de informação colhida no sistema informático.
32) Decaindo a obrigação de restituição, terá que decair a responsabilização da 1.ª Ré, porque não estão reunidas as condições para que a ora Recorrente seja obrigada a restituir qualquer valor à Autora, ora Recorrida.
33) No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que a obrigação de restituição não existe, não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar a partir da citação.
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Da 2ª Ré:
i. O Tribunal Judicial de Base condenou a A no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;
ii. A Sentença recorrida condenou ainda a Recorrente com base no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 por entender que (a) este enuncia um princípio de responsabilidade das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo; (b) os depósitos em numerário efectuados pela Recorrida Junto da A tinham conexão directa com o jogo; e (c) esses depósitos se subsumiam no segmento da previsão normativa do artigo 29.º que se refere à actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, não tendo a Sentença considerado preenchido qualquer outro segmento da previsão normativa;
iii. O Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um regulamento complementar;
iv. O seu artigo 29.º regulamenta o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
v. A interpretação do referido artigo 29.º professada pelo Tribunal a quo importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros pôr obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
vi. Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
vii. Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento; exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na DICJ;
viii. Por conseguinte, o artigo 29.º não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
ix. Se o legislador tivesse querido instilar-lhe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;
x. A Sentença recorrida violou e fez errada aplicação de lei substantiva ao interpretar o referido artigo 29.º e aplicá-lo na condenação da Recorrente, nos moldes supra descritos;
xi. O Tribunal a quo não fundamenta a condenação da Recorrente na norma contida na alínea 5) do artigo 30.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, o que se afigura correcto porque a mesma só poderia ser aplicada com apoio em matéria de facto que não se provou por não ter sido quesitada;
xii. Aliás, a especificação de um regime de solidariedade na condenação da Recorrente sempre afastaria necessariamente a possibilidade de esta se alicerçar na aludida alínea 5) do artigo 30.º;
xiii. Por cautela de patrocínio, na hipótese de se entender que a Sentença recorrida se teria escorado também na omissão do dever de fiscalização consagrado nessa disposição legal, sempre se dirá que o Tribunal a quo teria então (a) violado lei substantiva por considerar que a quebra do dever imposto pela norma gera responsabilidade perante o público, e não apenas perante o regulador, e, (b) violado lei adjectiva, a saber, o artigo 562.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, por se basear, como pressuposto da condenação, no incumprimento dum dever cuja subjacente factualidade – “fiscalizou ou não fiscalizou” - não integrou a discussão da matéria de facto porque não fazia parte da Base Instrutória.
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A Autora respondeu às motivações dos recursos acimas em referências nos termos constante a fls. 393 a 412 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência dos recursos.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) A 1ª Ré foi constituída em Macau a 12 de Julho de 2006 e registada em 22 de Agosto de 2006 na Conservatória de Registo Comercial e de Bens Móveis sob o nº XXXXX SO, cujo objecto é a exploração da actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea a) dos factos assentes)
b) A 2ª Ré foi constituída em 17 de Outubro de 2001, e registada, no mesmo dia, na Conservatória de Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº XXXXX SO, cujo objecto é exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea b) dos factos assentes)
c) Em 28 de Junho de 2002, a 2ª Ré celebrou com a RAEM o Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino; (alínea c) dos factos assentes)
d) Em 08 de Setembro de 2006, a 2ª Ré celebrou com a RAEM a Primeira Alteração do Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino; (alínea d) dos factos assentes)
e) De acordo com a 106ª cláusula do contrato mencionado na alínea c), o respectivo contrato entrou em vigor em 27 de Junho de 2002; (alínea e) dos factos assentes)
f) A 1ª Ré tornou-se promotor de jogos em 2005, titular da licença nº EXXX; (alínea f) dos factos assentes)
g) A 1ª Ré e a 2ª Ré celebraram o Contrato de Promoção de Jogos e a Permissão de Concessão de Crédito, tendo a 2ª Ré permitido que a 1ª Ré exercesse as actividades de promoção de jogo e de concessão de crédito nos recintos por ela explorados; (alínea g) dos factos assentes)
h) A 1ª Ré explora a sala VIP A no recinto explorado pela 2ª Ré; (alínea h) dos factos assentes)
i) A Autora é cliente da sala VIP A explorada pela 1ª Ré; (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
j) A Autora abriu a conta para jogo nº 804XXXXX na sala VIP A; (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
k) Em 19 de Maio de 2014, a Autora levantou da sua conta do Banco Nacional Ultramarino (nº 9011929966) a quantia de MOP699.696,00 em numerário, que, logo a seguir, foi convertida para HKD697.300,00; (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
l) Em 19 de Maio de 2014, a Autora pediu junto da sua amiga D o empréstimo no montante de HKD300.000,00; (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
m) A Autora depositou na sala VIP A a quantia de HKD1.000.000,00, que inclui o montante levantado do banco e a quantia emprestada pela D; (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
n) Depositado o dinheiro, a 1ª Ré emitiu à Autora o “talão de depósito de fichas” nº 00XXXX, cujo conteúdo é: “certifico que a (depositante) C, cliente nº 804XXXXX, depositou HKD1.000.000,00 em numerário”; (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
o) O referido “talão de depósito de fichas” foi assinado pelo respectivo funcionário responsável da tesouraria da sala VIP A, pela testemunha da mesma sala VIP e pela Autora para certificar que a quantia em causa tinha sido depositada na conta desta última; (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
p) Em 18 de Setembro de 2014, a Autora levantou HKD1.450.000,00 em numerário da sua conta do Banco Nacional Ultramarino (nº 90122XXXXX); (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
q) Em 18 de Setembro de 2014, a Autora depositou na sala VIP A explorada pela 1ª Ré uma parte da referida quantia levantada do BNU no valor de HKD1.000.000,00; (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
r) Depositada a quantia em causa, a 1ª Ré emitiu à Autora o “talão de depósito de fichas” nº 00XXXX com o conteúdo: “certifico que a (depositante) C, cliente nº 804XXXXX, depositou HKD1.000.000,00 em numerário”; (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
s) O talão referido no artigo anterior também foi assinado pelo empregado responsável da tesouraria da sala de VIP A, pela testemunha da mesma sala VIP e pela Autora para certificar que a quantia em causa tinha sido depositada na conta desta última; (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
t) Em 28 e 29 de Julho de 2015, a Autora levantou da sua conta do Banco da China na R.P.C. (nº 6457639XXXXX) respectivamente RMB190.000,00 e RMB300.000,00 em numerário; (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
u) Em 29 de Julho de 2015, a Autora levantou da sua conta do Banco da China, Sucursal Macau (nº 12-11-10-0XXXXX) HKD400.000,00 em numerário; (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
v) Em 29 de Julho de 2015, a Autora trocou os referidos RMB490.000,00 para dólares de Hong Kong, dos quais tirou HKD600.000,00 e depositou-os juntamente com a quantia de HKD400.000,00 referido no item anterior na sua conta aberta na sala VIP A explorada pela 1ª Ré, ou seja, foi depositada no total a quantia de HKD1.000.000,00; (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
w) Após o depósito, a 1ª Ré emitiu à Autora o “talão de depósito de fichas” nº 00XXXX com o conteúdo de que “certifico que a (depositante) C, cliente nº 804XXXXX, depositou HKD1.000.000,00 em numerário”; (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
x) O talão referido no artigo anterior foi assinado pelo empregado responsável da tesouraria da sala de VIP A, pela testemunha da mesma sala VIP e pela Autora para certificar que a quantia em causa tinha sido depositada na conta desta última; (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
y) Nos referidos três talões não se encontra qualquer assinatura da pessoa que levanta dinheiro nem a data de levantamento; (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
z) Depois de depositar na sua conta aberta na sala VIP A o montaste total de HKD3.000.000,00 respectivamente em 19 de Maio e 18 de Setembro de 2014 e 29 de Julho de 2015, a Autora jamais levantou dali qualquer quantia; (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
aa) Em 09 de Setembro de 2015, a Autora pediu à 1ª Ré o reembolso dos HKD3.000.000,00; (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
bb) Até a presente data a Autora não conseguiu levantar os HKD3.000.000,00. (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
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III – Fundamentação
A. Do recurso da 1ª Ré quanto à impugnação da decisão da matéria de facto:
Vem a 1ª Ré impugnar a decisão da matéria de facto respeitante aos quesitos 18º e 20º da base instrutória, a saber:
18º
Depois de depositar na sua conta aberta na sala VIP A o montaste total de HKD3.000.000,00 respectivamente em 19 de Maio e 18 de Setembro de 2014 e 29 de Julho de 2015, a Autora jamais levantou dali qualquer quantia?
20º
Até a presente data a Autora não conseguiu levantar os HKD3.000.000,00?
As respostas dadas aos referidos quesitos foram as seguintes:
Quesito 18º: “Provado”.
Quesito 20º: “Provado”.
Na óptica da 1ª Ré, os factos vertidos nos quesitos 18º a 20º deveriam ser dados como não provados.
Quid juris?
Como é sabido, segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.º do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fls. 220 e 221)
Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do artºs. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo n° 551/2012)
Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
Ou seja,
Uma coisa é não agradar o resultado da avaliação que se faz da prova, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
No caso em apreço, o Tribunal a quo justificou a sua convicção pela forma seguinte:
   “…
   A convicção do tribunal resultou da apreciação crítica da prova documental junta aos autos e a testemunhal produzida, nomeadamente o depoimento da segunda testemunha ouvida, D, amiga da Autora e que exercia a actividade de bate-fichas na sala da 1ª Ré, tendo sido quem emprestou à Autora parte do dinheiro com o qual esta fez o primeiro dos três depósitos e quem sempre acompanhou a Autora na realização dos depósitos e quando se soube dos problemas que havia na 1ª Ré quanto ao alegado desaparecer de dinheiro, uma vez que estava sempre a trabalhar naquela sala, tendo justificado que a Autora fez os depósitos em causa com vista a vir a exercer no futuro a actividade de bate fichas para o que terá primeiro hipotecado a casa que tinha a qual posteriormente vendeu, usando o dinheiro para abrir e reforçar a conta de modo que tivesse dinheiro suficiente para depois angariar clientes para exercer a indicada actividade.
   Deste modo, a resposta dada aos itens 1º e 2º resulta dos documentos juntos aos autos a fls. 66, 92, 117, 209 e 214 a 217 – documento de abertura de conta e cópias dos talões de depósitos efectuados na mesma conta.
   A resposta dada ao item 3º resulta do documento a fls. 57 – cópia da caderneta bancária – e depoimento da 2ª testemunha ouvida.
   A resposta dada ao item 4º resulta do depoimento da 2ª testemunha ouvida.
   A resposta dada ao item 5º resulta dos documentos a fls. 65, 66 e 216 - cópia dos talões de depósito - e depoimento da 2ª testemunha ouvida.
   A resposta dada ao item 6º e 7º resulta de fls. 65, 66, 216, 300 e 301 – cópia dos talões de depósito e exame às assinaturas -.
   A resposta dada ao item 8º resulta de fls. 83 cópia da caderneta bancária.
   A resposta dada ao item 9º resulta de fls. 91, 92 e 216 – cópias dos talões de depósito – e depoimento da 2ª testemunha ouvida.
   A resposta dada aos itens 10º e 11º resulta dos indicados documentos a fls. 91,92 e 216.
   A resposta dada ao item 12º resulta de fls. 98 e a do item 13º de fls. 111, ambos cópias de caderneta bancária.
   A resposta dada ao item 14º resulta dos documentos de fls. 116, 117 e 215 – cópia dos talões de depósito -.
   A resposta dada aos itens 15º e 16º resulta dos indicados documentos a fls. 116, 117 e 215.
   A resposta dada aos itens 17º e 18º resulta dos documentos a fls. 65, 66, 91, 92, 116, 117, 215 e 216 – cópias dos talões de depósito -, nos quais não consta averbado que se haja realizado levantamento algum – como é uso neste tipo de operações e do conhecimento do tribunal segundo as regras da experiência -, para além de não ter sido junto documento algum de onde consta que haja sido dada a ordem de levantamento e quem a fez e a quem foi entregue o dinheiro – o que também é uso neste tipo de operações e do conhecimento do tribunal segundo as regras da experiência -, sendo que a lista de fls. 217 mais não é um do que uma tabela elaborada pela 1ª Ré sem qualquer documento de suporte que permita ao tribunal concluir que haja sido dada ordem de levantamento dos montantes depositados na conta da Autora.
   A resposta dada aos itens 19º e 20º resulta do depoimento da segunda testemunha…”.
Ora, em face da prova efectivamente produzida e atentas as regras e entendimento acima enunciados, não assiste razão à 1ª Ré ao colocar em causa a apreciação e julgamento da matéria de facto realizada pelo douto Tribunal a quo que não poderia ter decidido em sentido diverso daquele que decidiu.
Na realidade, o documento de fls. 217 não merece credibilidade, visto que segundo o registado, no dia 18/06/2014, às 18:21, a Autora fez as seguintes operações:
- Levantou no A 1 a quantia de $30.000,00;
- Depositou no A 2 a mesma quantia; e
- Levantou de novo no A 2 a mesma quantia.
Tudo isto aconteceu na mesma hora e minuto!
Pergunta-se, será possível para a Autora fazer simultaneamente as 3 operações dentro do 1 minuto entre A 1 e A 2? E o trabalhador da 1ª Ré também conseguir registar no sistema informático tais operações dentro do mesmo minuto?
Face ao expendido, é de negar provimento ao recurso nesta parte.
B. Do recurso da 1ª Ré quanto ao mérito da sentença condenatória e do recurso da 2ª Ré:
A sentença recorrida na parte que diz respeito à condenação das 1ª e 2ª Rés tem o seguinte teor:
   “…
   Cumpre assim apreciar e decidir.
   De acordo com o disposto no artº 1070º do C.Civ. «mútuo é o contrato pelo qual uma parte empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade».
   Segundo o artº 1111º do C.Civ. «depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida». «Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis» - cf. artº 1131º do C.Civ. -, aplicando-se ao depósito irregular as normas relativas ao contrato de mútuo.
   Por sua vez o Código Comercial sob o título de contratos bancários, nos artigos 840º e seguintes regula o depósito bancário como sendo o depósito de uma quantia em dinheiro num banco mediante a obrigação por banda deste de a restituir em moeda da mesma espécie.
   Ora, da factualidade apurada nas alíneas j) a x) o que resulta ter acontecido foi que mediante acordo celebrado entre a Autora e a 1ª Ré aquela entregou a esta o valor de HKD3.000.000,00.
   Resulta das regras da experiência ser prática corrente nas salas VIP os clientes constituírem contas que segundo o acordado tanto podem permitir ao cliente obter empréstimos em fichas de jogo até determinado valor, como também permitir ao cliente depositar as fichas que comprou ou ganhou nessa mesma conta até voltar a jogar ou decidir levantá-las.
   Embora esta actividade tenha semelhanças e ande próxima dos contratos bancários, quando feita através de fichas de jogo, ela não se confunde com a actividade bancária, tal como também acontece com os empréstimos a que alude a Lei nº 5/2004.
   Assim sendo, face à factualidade apurada impõe-se concluir que a situação sub judice se enquadra nos depósitos irregulares, estando sujeita ao regime do mútuo nos termos do artº 1132º do C.Civ..
   A Autora reclama a entrega da coisa depositada acrescida de juros a contar da citação.
   Quanto ao prazo da entrega segundo o nº 2 do artº 1075º do C.Civ. (aqui aplicado “ex vi” artº 1132º do C.Civ.) não se tendo fixado prazo pode qualquer das partes pôr termo ao contrato desde que o denuncie com a antecedência de trinta dias.
   Da alínea aa) resulta que em 09.09.2015 a Autora reclamou da 1ª Ré a devolução da quantia depositada, pelo que, se impõe concluir que a 1ª Ré havia de ter entregue à Autora o valor do depósito pelo menos até 10 de Outubro.
   Não o tendo feito incorreu a 1ª Ré em incumprimento.
   De acordo com o disposto no artº 787º do C.Civ. o devedor que falte ao cumprimento da sua obrigação incorre na obrigação de indemnizar o que, no caso de obrigações pecuniárias (como é o caso dos autos) corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – artº 795º do C.Civ. –, sendo certo que, no caso em apreço apenas foram pedidos juros a contar da data da citação a qual foi posterior a 10.10.2015.
   Concluindo deve ser ordenada a restituição à Autora da quantia de HKD3.000.000,00 acrescida de juros legais a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento.
   Da responsabilidade solidária das Rés.
   A este respeito invoca a Autora a responsabilidade solidária das Rés com base no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 uma vez que a 1ª Ré é um promotor de jogo que desenvolvia a sua actividade no casino da 2ª Ré.
   A Lei nº 16/2001 no seu artº 1º define o seu âmbito e objectivo, assim como no artº 2º, nº 1, 6) define o que se entende por promotor de jogo.
   A responsabilidade das concessionárias pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo enunciada no artº 23º da Lei 16/2001 visa salvaguardar os objectivos consagrados no artº 1º da mesma lei.
   De entre as obrigações das concessionárias nos termos do artº 30º do Regulamento Administrativo 6/2002 consta informar factos que possam afectar a solvabilidade dos promotores de jogo e fiscalizar o cumprimento das obrigações legais, regulamentares e contratuais dos promotores de jogo, entre outras.
   Ou seja, de acordo com as alegadas disposições legais a concessionárias têm o poder dever de fiscalizar toda a actividade dos promotores de jogo que exercem a sua actividade nos seus casinos. Veja-se a propósito a alínea 6) do artº 22º da Lei 16/2001 que impõe às concessionárias a instalação nas salas de jogo do sistema electrónico de vigilância e controlo, o qual, como resulta das regras da experiência, permite inclusivamente visionar a entrega de dinheiro e fichas nas tesourarias das salas.
   Tal como já se referiu supra, subjacente a esta acção está um contrato de depósito realizado por um cidadão num promotor de jogo que funcionava junto da 2ª Ré.
   A actividade conexa com os jogos de fortuna e azar não se limita ao jogo propriamente dito, compra e troca de fichas, mas também, à concessão de crédito – a qual igualmente está condicionada a licença para o efeito – bem como a estes contratos de depósito de fichas.
   Não estando os concessionários nem os promotores de jogo autorizados a exercer a actividade bancária, o crédito concedido e os depósitos recebidos apenas o podem ser em fichas de jogo, sendo certo que, no caso do depósito a materialização do mesmo se confunde um pouco entre a entrega do numerário e/ou o uso de numerário para comprar fichas de jogo que são imediatamente depositadas, o que se revela ser a prática corrente.
   Contudo, compra, venda, empréstimo e recebimento em depósito de fichas de jogo, são por natureza actividades conexas com os jogos de fortuna e azar.
   Ora, se o cliente entrega uma quantia em numerário que é imediatamente trocada em fichas de jogo que são depositadas (ainda que não haja o acto material de entregar as fichas ao cliente e este devolver as fichas para serem depositadas) ou se o cliente entrega as fichas que tem na sua posse proveniente do resultado de apostas ou porque as comprou, na tesouraria da sala VIP para ai ficarem em depósito o que ocorre é que esta acção envolve fichas de jogo e está directamente relacionada com o jogo.
   Mais ainda nos termos da alínea 1) do nº 1 do artº 7º da 2/2006, alínea 2) do nº 1 do artº 3º do Regulamento Administrativo nº 7/2006 e artº 10º da Instrução nº 1/2006 da DICJ, no que concerne aos Relatórios de Operações de Valor Elevado, o que resulta é que todas as operações – compras de fichas, apostas, crédito e reembolso/depósitos de fichas – que num período de 24 horas excedam o valor de MOP500.000,00 têm obrigatoriamente que ser declaradas, situação pela qual o próprio concessionário é também responsável para além do promotor de jogo.
   Destarte, se nos termos da legislação aplicável, como vimos supra, o concessionário (ou subconcessionário) está obrigado a fiscalizar a actividade do promotor de jogo – alínea 5) do artº 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 – e se são responsáveis pela actividade desenvolvida por estes – nº 3 do artº 23º da Lei nº 16/2001 -, não há como não se entender que estas operações de tesouraria, pagamentos, empréstimos, depósitos, para além das relacionadas com apostas e compra e troca de fichas, não caibam dentro do âmbito da responsabilidade solidária prevista no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
   Neste sentido se entendeu no Acórdão do Venerando tribunal de Segunda Instância de 11.10.2018 proferido no Processo 475/2018.
   Pese embora tenhamos defendido posição contrária não podemos agora deixar de aderir aos argumentos do indicado Acórdão.
   Destarte, estando provada a alegada relação entre as Rés – concessionária/promotora de jogo – e sendo de entender face a todo o exposto que os depósitos de fichas realizados nas promotoras de jogo é uma actividade conexa com a actividade de jogos de fortuna e azar, face ao disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é a 2ª Ré solidariamente com a 1ª Ré responsável pela devolução do depósito feito pela Autora na 1ª Ré.
   No concerne ao valor a devolver, expresso em patacas, pela utilização do factor de conversão oficial de 1,03% é o mesmo igual a MOP3.090.000,00.
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção procedente porque provada e em consequência condenam-se as Rés solidariamente a devolver à Autora a quantia de MOP3.090.000,00 acrescida dos juros de mora à taxa dos juros legais a contar da data da citação da 1ª Ré até efectivo e integral pagamento.…”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos provimento aos recursos das 1ª e 2ª Rés, remetendo para os fundamentos invocados na decisão impugnada.
Aliás, a decisão do Tribunal quo quanto à responsabilidade solidária da 2ª Ré está conforme com a jurisprudência deste TSI fixada nos processos congéneres. A título exemplificativo, citamos os Acs. proferidos nos Procs. nºs 475/2018, 840/2017 e 749/2019.
*
Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos interpostos pela 1ª Ré A Limitada e 2ª Ré B S.A., confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelas 1ª Ré e 2ª Ré.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Janeiro de 2020.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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1005/2019