Processo nº 641/2019
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
No âmbito da acção de processo comum do trabalho, registada no Tribunal Judicial de Base, sob o nº LB1-16-0107-LAC, instaurada por A contra a B, S. A. e C, S.A., ambas devidamente identificadas nos autos, doravante abreviadamente designadas por B e C, em cumprimento do Acórdão do TSI datado de 13DEZ2018 que determinou a repetição de julgamento a fim de concretizar os dias de trabalho efectivamente prestados pelo Autor, necessários à quantificação dos valores a arbitrar a favor do Autor, a título de subsídios de alimentação e de compensações pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, de descanso compensatório por não gozo do descanso semanal e pelo trabalho prestado extraordinário por turnos, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:
I – RELATÓRIO
A (cuja identificação consta dos autos), veio intentar a presente Acção de Processo Comum do Trabalho contra 1ª Ré-B, SARL, (adiante, B) e 2ª Ré-C, S.A., (adiante, C) (cuja identificação consta dos autos), concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a 1ª Ré condenada a pagar ao Autor:
a) MOP$25.800,00, a título de subsídio de alimentação, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) MOP$18.800,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) MOP$81.000,00, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, nos termos da al. a) do n.º 6 do art. 17.º do DL n.º 24/89/M, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
d) MOP$40.500,00, por falta de marcação e gozo de um dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, nos termos do n.º 4 do art. 17.º do DL n.º 24/89/M, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
e) MOP$18.000,00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, nos termos do n.º 3 do art. 18.º do DL n.º 24/89/M, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
f) O montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas que a Ré pagou aos operários residentes, a determinar nos termos do artigo 392.º, n.º 1, alínea c) ou alínea b) a liquidar em execução de sentença, por força do disposto no artigo 564.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º do CPT;
g) MOP$35.250,00 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas pela 1.ª Ré (SDTM);
h) MOP$21.500,00, pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
i) Em custas e procuradoria condigna.
E, em consequência ser a 2ª Ré condenada a pagar ao Autor:
a) MOP$17.360,00, a título de subsídio de alimentação, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) MOP$14.400,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) MOP$13.500,00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, nos termos do n.º 3 do art. 18.º do DL n.º 24/89/M, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
d) MOP$27.000,00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas pela 2.ª Ré (C);
e) MOP$16.500,00, pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal diário em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
f) Em custas e procuradoria condigna.
Juntou os documentos constantes de fls. 31 a 43.
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Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
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As Rés contestaram a acção com os fundamentos constantes de fls. 85 a 121 dos autos.
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Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal, proferindo o presente Tribunal a sentença constante das fls. 229 a 237.
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Tendo interposto o recurso, veio o Venerando Tribunal de Segunda da Instância proferiu o douto acórdão das fls. 295 a 306, decidindo, entre outros, anular parcialmente o julgamento de forma a apurar os concretos dias de trabalho efectivamente prestado para fixar-se a compensação relativa aos subsídios de alimentação e às importâncias devidas a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal (nos termos definidos nesse aresto), descanso compensatório e trabalho extraordinário.
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II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
O processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTO
Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
Desde O Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
O Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (B)
A data do início do Autor junto da 1.ª Ré era entre após de Maio de 1999 em uma data não determinada e 21/07/2003. (1º)
A Autor foi recrutada pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. – e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contracto de Prestação de Serviços n.º 2/99. (2º)
O referido contracto de prestação de serviço foi objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Público competente. (3º)
Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação dos 280 trabalhadores não residentes por parte da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, com efeitos a partir de 21/07/2003 (cf. fls. 39 a 41, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (4º)
A data do início e cessão de funções do Autor junto da 2.ª Ré era de 22/07/2003 até uma data não determinada do ano 2006. (5º)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pelas Rés. (6º)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés, e fixados de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (7º)
Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e as instruções das Rés. (8º)
Ao longo do período que prestou trabalho, as Rés apresentaram ao Autor contractos individuais de trabalho, previamente redigidos e cujo conteúdo o Autor se limitou a assinar, sem qualquer negociação. (9º)
Os contractos individuais de trabalho apresentados ao Autor eram idênticos para os demais trabalhadores não residentes, guardas de segurança do Nepal. (10º)
Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de MOP$7.500,00 a título de salário de base mensal. (11º)
Resultada do ponto 3.1 do Contracto de Prestação de Serviços n.º 2/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contractados) a quantia de “ (…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação. (12º)
Entre após de Maio de 1999 em uma data não determinada e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (13º)
Entre após de Maio de 1999 em uma data não determinada e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (14º)
Entre 22/07/2003 e a data não determinada do ano 2006, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (15º)
Entre 22/07/2003 e a data não determinada do ano 2006, o Autor não prestou a sua actividade nos Casinos que disponibilizavam comida nas cantinas. (16º)
Resultada do ponto 3.4 do Contrato de Prestação de Serviço nº 2/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (17º)
Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (18º)
Entre após de Maio de 1999 em uma data não determinada e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (19º)
Entre 22/07/2003 e a data não determinada do ano 2006, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (20º)
Entre após de Maio de 1999 em uma data não determinada e 31/12/2002 a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, nem um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (21º)
Entre após de Maio de 1999 em uma data não determinada e 31/12/2002, o Autor prestou a sua actividade de segurança por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré. (22º)
Após de Maio de 1999 em uma data não determinada e 21/7/2003, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (23º)
Entre após de Maio de 1999 em uma data não determinada e 21/7/2003, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante alguns dias não identificados em dias de feriados obrigatórios, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré. (24º)
Durante o referido período de tempo, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (25º)
Entre 22/7/2003 e a data não determinada do ano 2006, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante alguns dias não identificados em dias de feriados obrigatórios, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré. (26º)
Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (27º)
Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (28º)
Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento. (29º)
A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente do Autor residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agencia de emprego. (30º)
Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia (31º):
Turno A : (das 08h às 16h)
Turno B : (das 16h às 00h)
Turno C : (das 00h às 08h)
Durante todo o tempo da relação de trabalho com as Rés, o Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pelas Rés. (32º)
Os turnos fixados pela 1.ª Ré respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (33º)
Em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo fixado pela 1.ª Ré, o Autor prestava trabalho durante dois períodos de 8 horas cada num período de 24 horas, sempre que se operasse uma mudança entre os tunos (C-B) e (B-A). (34º)
A 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (35º)
A partir do dia 1/1/2007, a 2.ª Ré começou a fornecer refeições diárias aos seus trabalhadores e assim terá o Autor beneficiado das mesmas na sala de descanso dos trabalhadores. (41º)
每名尼泊爾籍的保安員每年可享有24日年假,日期由僱主安排每名尼泊爾籍的保安員每年可享有24日年假,日期由僱主安排. (42º)
O Autor trabalhou efectivamente entre 11/09/1999 e 21/03/2003 junto da 1ª Ré, incluindo 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, excepto 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 28/10/2000 e 20/11/2000 (24 dias), entre 13/9/2001 e 7/10/2001 (25 dias) e entre 2/9/2002 e 27/9/2002 (26 dias). (43º)
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IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
No douto acórdão do Venerando Tribunal de Segunda da Instância dos presentes autos, acordam-se em:
1) - Anular parcialmente a sentença, de forma a que se venha a quesitar e apurar, nos sobreditos termos, os concretos dias de trabalho efectivamente não prestado e a poder fixar-se a compensação relativa aos subsídios de alimentação, bem como as importâncias devidas a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, descanso compensatório e trabalho extraordinário.
2) - Julgar não provido o recurso na parte restante.
3) - Manter a sentença recorrida na parte condenatória que não foi objecto de recurso.
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Essa repetição do julgamento compreende o apuramento os concretos dias de trabalho efectivamente prestado, destinando-se a fixar a compensação relativa aos subsídios de alimentação e às importâncias devidas a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, descanso compensatório e trabalho extraordinário.
Para os efeitos, definem-se nos fundamentos do mesmo acórdão os termos seguintes:
1 – Subsídio de alimentação
Defende a Recorrente/Ré que o Tribunal a quo não podia proceder à sua condenação no pagamento do subsídio de alimentação concernente ao período de toda a relação laboral, pela simples razão de que se não sabe quantos dias ele terá faltado ao serviço, embora se tenha provado que alguns dias faltou ainda que com conhecimento e autorização por parte da Ré (facto nº 18 - Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da 1.ª Ré (15.º) - da Base Instrutória e facto 20 da sentença).
Sobre este assunto foi dito no Ac. do TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012:
“Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva. E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”. Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso).
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (fls. 137 e sgs. dos autos), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão.”
A Recorrente/Ré manifesta-se contra a sentença, por considerar que o autor, conforme a matéria de facto provada, chegou a faltar alguns dias ao serviço, mesmo com justificação ou autorização.
Mas, o acórdão deste TSI de 29/05/2014 (Proc. nº 627/2013) deu a resposta para esta questão:
“Contrariamente ao sustentado, não será de afirmar que se retira necessariamente do facto de o autor não faltar sem ser autorizado o facto implícito de ter faltado…. Esse facto pode ser compatibilizado … se dele se retirar que aí se enuncia uma regra que não deixou de ser observada: o trabalhador não podia faltar sem autorização; o trabalhador não faltou sem autorização; se faltasse tinha que ser autorizado. Daqui não se pode concluir que faltou autorizadamente, ou seja, que alguma vez tenha usado essa faculdade». Foi uma solução que seguida foi também no Ac. de 19/06/2014, no Proc. nº 189/2014, e no Ac. de 29/05/2014, Proc. nº 627/2013.
Sucede, contudo, que tal solução não dá resposta segura às situações em que tenha havido gozo efectivo dos dias de descanso anual e de feriados obrigatórios. Por outro lado, estamos em crer que uma leitura mais objectiva da resposta ao art. 14º da Base Instrutória (BI) permite concluir que o trabalhador terá dado algumas faltas ao serviço, ainda que com autorização.
Assim, a melhor solução é aquela que propende para remeter a fixação da indemnização a este título para execução de sentença (assim foi decidido, por exemplo, nos Acs. de Ac. de 13/03/2014, Proc. nº 414/2012, 24/04/2014, Proc. nº 687/2013, 29/05/2014, Proc. nº 168/2014, 24/07/2014, Proc. nº 128/2014)”.
Apenas não seguiremos, neste caso, a tese de relegar a liquidação em execução de sentença, visto que há matéria que deverá ser de novo quesitada, tal como melhor se dirá mais adiante (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
Quanto ao resto, a solução transcrita é de manter. Na verdade, face à resposta à matéria do facto nº 18 da BI (facto nº 20 da sentença) é verdade que o Autor alguns dias faltou, ainda que com conhecimento e autorização da entidade patronal.
Aliás, o Autor, nos processos idênticos (este, por exemplo, a fls. 22 da petição inicial), chegou a alegar uma média de 1 mês (levaremos em conta: 30 dias) em cada ano de dispensa remunerada e não remunerada.
Estes dias devem ser descontados, após o número a apurar em sede própria, do valor atribuído a este título de subsídio de alimentação, tratando-se de matéria pertinente, a qual deveria ter sido levada à quesitação.
Não o tendo sido será adequado que o processo volte à 1ª instância para a quesitação e posterior reformulação da sentença quanto a este item (neste sentido, Acs. do TSI, de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017 e 313/2017; também Ac. do mesmo TSI, de 19/04/2018, Proc. nº 1002/2017, entre outros).
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Para além disso, acrescentamos ainda o seguinte:
– Em situações normais, quem contra e fiscaliza a assiduidade dos trabalhadores é a entidade patronal. Não basta o trabalhador dizer que trabalhou no dia X e durante X horas, é a entidade patronal que certifica e controla que tal corresponde à verdade ou não, para todos os efeitos, nomeadamente para efeito de cálculo de salários e da declaração de imposto profissional.
– Se o Autor alega que chegou a trabalhar para a Ré X dias no período de X a Y, cabe à entidade patronal vir a impugnar a versão do Autor, mediante provas contrárias ou contra provas. Compreende-se assim que seja, visto que o trabalhador não tem condições nem pode ter para controlar tais dados, nem no sector privado nem no público. Em caso de necessidade, é sempre a entidade patronal que fornece registos para certificar tais informações!
– Se a entidade patronal não dispõe de dados, ou não quer os apresentar, qual será consequência disto? Observar-se-á o disposto no artigo 437º (Princípio a observar em casos de dúvida) do CPC que manda:
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
– Relativamente aos serviços da Ré, que consiste essencialmente na exploração de casinos de serviços de hotel, o conhecimento geral diz-nos que tais serviços nunca suspendem nem interrompem, só em casos muito excepcionais e no caso sim, normalmente vem publicado em mass media (meios de comunicação social), tudo isto leva-nos a acreditar que os serviços da Ré funcionam ininterruptamente ao longo de todo o ano. Para tal certamente os seus trabalhadores têm de prestar serviços.
– Assim, o critério utilizado pelo Tribunal a quo para fixar os números de dias de trabalho efectivo tem a sua lógica e razão de ser, nesta parte não merece censura, sem prejuízo de apurar, em sede de repetição de julgamento, o número de dias de trabalho efectivo com precisão.
– Aliás, conforme o que fica expendido na sentença, entre a Recorrente/Ré e o Autor foi mantida uma relação laboral durante 822 dias, que correspondem a 2 anos e 92 dias. Descontados os 48 dias de descanso anual (2 anos), durante tais 2 anos, o Autor teria trabalhado 682 dias (365 dias X 2 (anos) – 48 (dias de descanso anual)), pergunta-se, em relação a tais 92 dias? O Autor não gozou proporcionalmente os dias de descanso anual? Se a resposta for positiva, então haverá repercussões no cálculo de subsídio de alimentação (o critério de concessão é diário e não mensal – facto assente nº12º) . Nesta lógica e na sequência do raciocínio da Recorrente, justifica-se apurar o número efectivo dos dias em que o Autor trabalhou efectivamente.
Pelo que, é de julgar procedente o recurso interposto pela Recorrente/Ré nesta parte.
2 – Trabalho prestado em dias de descanso semanal e compensatório
Vem a Recorrente/Ré manifestar-se também contra a atribuição do valor liquidado a título de trabalho nos dias de descanso semanal, nos dias de descanso compensatório.
Em sua opinião, uma vez que ficou provado que o Autor teve faltas, ainda que justificadas, não seria possível especificar o número de dias devidos e não gozados por ele, ao contrário do que fez a sentença recorrida.
Tem razão, tal como se decidiu no TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017, cujos termos aqui fazemos nossos.
Sucede, porém, que foi alegada matéria concernente aos dias de trabalho a que o Autor terá faltado e que não foi quesitada, e que deverá constituir assim factualidade a que o Tribunal a quo terá que voltar em sede de repetição de julgamento após a necessária quesitação (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
3 – Trabalho extraordinário
Com identidade de motivos, defende que também quanto a esta matéria andou mal.
E, pelo nosso lado, pelas razões apontadas, teremos que fazer baixar os autos, para se saber quais os dias em que efectivamente prestou serviço, para que só após, e com o acréscimo dos dias de férias anuis já apurados, possam ser feitas as contas certas acerca deste item1.
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Com a mesma doutrina, o Venerando Tribunal de Segunda da Instância acordaram em repetir, e só, o julgamento de forma a apurar os concretos dias de trabalho efectivamente prestado pelo Autor, confirmando os créditos, só na sua qualidade mas não na sua quantidade, relativos aos subsídios de alimentação e de trabalho prestado em dias de descanso semanal, descanso compensatório e trabalho extraordinário.
Após a repetição do julgamento, fica provado:
O Autor trabalhou efectivamente entre 11/09/1999 e 21/03/2003 junto da 1ª Ré, incluindo 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, excepto 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 28/10/2000 e 20/11/2000 (24 dias), entre 13/9/2001 e 7/10/2001 (25 dias) e entre 2/9/2002 e 27/9/2002 (26 dias).
Assim, tendo em conta o período da relação de trabalho entre o Autor e a Ré, os números de dias em que aquele prestou trabalho efectivo junto destas são de 1327 dias (1410 dias2 – 83 dias3).
Conforme as fórmulas fixadas no douto acórdão acima alegado, tem o Autor direito de receber os montantes seguintes:
Quanto aos subsídios de alimentação, a 1ª Ré deve pagar-lhe o MOP$26,540.00 (1327 dias X MOP$20). Conforme o princípio dispositivo, é a 1ª Ré condenadas a pagar o MOP$25,800.00.
Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal e pelos dias de descanso compensatório não gozados, a 1ª Ré deve pagar-lhe o MOP$124,151.79 [HKD$7500/30 X 1.03 X 2 X 1125 dias/7 + HKD$7500/30 X 1.03 X 1 X 1125 dias/7]. Conforme o princípio dispositivo, é a 1ª Ré condenadas a pagar o MOP$121,500.00.
Quanto às compensações pelo trabalho extraordinário de 8 horas em cada ciclo de 21 dias de trabalho, a 1ª Ré deve pagar ao Autor essas compensações com o montante do MOP$16,271.55 [HKD$7500/ (30 X 8) X 1.03 X 8 X 1327 dias/21].
As quantias são acrescidas ainda de juros de mora nos termos definidos na jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, nos termos supra referidos, a 1ª Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$163,571.55, respectivamente, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do restante pedido.
As custas serão a cargo do Autor e da 1ª Ré na proporcão do decaimento.
Registe e notifique.
Notificada da sentença e inconformada com ela, veio a Ré B recorrer dela para esta segunda instância, concluindo e pedindo que:
1 - Entende a Recorrente que a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu, em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância é nula por omissão de pronúncia.
2 - Porquanto não conheceu a excepção de prescrição invocada pela aqui Recorrente em sede de contestação e admitida em Despacho Saneador a fls. 136 a 141 dos autos, no qual se declarou prescritos os créditos reclamados entre 11/09/1999 e 20/04/2001, absolvendo a Ré do pedido, sendo que tal despacho não foi objecto de recurso tendo transitado em julgado.
3 - Tal decisão foi tida em conta pelo Tribunal de Primeira Instância aquando do primeiro julgamento no cômputo das indemnizações em sentença que condenou a Ré no pagamento de compensações pelos créditos reclamados pelo Autor (Cfr. fls. 229 a 237 dos autos). Ao ser tal sentença objecto de recurso o Venerando Tribunal de Segunda Instancia decidiu anular parcialmente o julgamento de forma a se apurarem os concretos dias de trabalho efectivamente prestado para fixar -se a compensação relativa aos subsídios de alimentação e ás importâncias devidas a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, descanso compensatório e trabalho extraordinário, tendo a final ordenado a sua repetição.
4 - Com a repetição do julgamento, o Digno Tribunal Judicial de Base proferiu novamente decisão com o apuramento dos dias, mas não tendo em conta a excepção de prescrição invocada pela aqui Recorrente e já transitada em julgado, decidindo que o Autor trabalhou efectivamente entre 11/09/1999 e 21/03/2003 junto da lª Ré e não aplicando o período de prescrição, ou seja, entre 11/09/1999 e 20/04/2001, período este que deveria ter sido retirado do cômputo das indemnizações.
5 - Encontrando-se por isso a douta sentença recorrida inquinada com o vício de omissão de pronúncia, uma vez que o caso dos presentes autos é uma situação típica de omissão de pronúncia porquanto, escrutinada a decisão final, resulta evidente que a excepção peremptória de prescrição dos créditos laborais invocada pela aqui Recorrente em sede de contestação e já apreciada e decidida em Despacho Saneador não foi contemplada pelo digno Tribunal a quo.
6 - Tivesse o Tribunal recorrido apreciado a prescrição nos termos invocados pela aqui Recorrente e todos os créditos anteriores a 20/04/2001 teriam sido julgados prescritos com as demais consequências legais, por isso, por tudo o que supra se deixou escrito, a decisão recorrida é nula nos termos conjugados do artigo 563°, nº 2 e 571°, nº 1 alínea d) do CPC ex vi artigo 1º do CPT, devendo assim ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente a excepção de prescrição invocada pela aqui Recorrente em sede de contestação, julgue prescritos todos os créditos reclamados anteriormente a 20/04/2001 e em consequência absolva a aqui Recorrente dos créditos peticionados pelo Autor entre 11/09/1999 e 20/04/2001.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade,
Ser declarada a nulidade da sentença, nos termos conjugados dos artigos 563°, n° 2 e 571°, nº 1 alínea d) do CPC ex vi artigo 1º do CPT, por omissão de pronúncia, devendo assim ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente a excepção de prescrição invocada pela aqui Recorrente em sede de contestação, julgue prescritos todos os créditos reclamados anteriormente a 20/04/2001 e em consequência absolva a aqui Recorrente dos créditos peticionados pelo Autor entre 11/09/1999 e 20/04/2001.
Termos em que farão V. Exas. a costumada
Justiça!
Ao recurso não respondeu o Autor.
Admitido no Tribunal a quo, o recurso foi feito subir a este Tribunal de recurso.
Liminarmente admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
A única questão suscitada pela recorrente é no fundo a questão da violação do caso julgado, não obstante qualificada incorrectamente pela recorrente como nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Sinteticamente falando, a recorrente reagiu contra a sentença recorrida na parte que não respeitou a decisão sobre a prescrição dos créditos proferida em sede do saneador, já transitada em julgado.
Conforme se vê no saneador, foram declarados prescritos os créditos reclamados anteriormente a 20ABR2001.
Só que essa decisão foi ignorada pelo Tribunal a quo na sentença ora recorrida, proferida após a repetição de julgamento.
Pois, ai é tido em conta o período compreendido entre 11SET1999 e 21MAR2003.
Assim, estamos perante duas decisões, incompatíveis, sobre a mesma questão.
A este propósito, o CPC dispõe no seu artº 580ºque:
1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que transitou em julgado em primeiro lugar.
2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
Por força dessas normas imperativas, in casu só vale a decisão proferida no saneador.
E portanto há que revogar a sentença recorrida na parte afectada e passar a fixar, em substituição, os valores a arbitrar a favor do Autor a título de subsídios de alimentação e de compensações pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, de descanso compensatório por não gozo do descanso semanal e pelo trabalho prestado extraordinário por turnos, só no período compreendido entre 21ABR2001 e 21MAR2003.
Ora, ficou provado no novo julgamento que:
O Autor trabalhou efectivamente entre 11/09/1999 e 21/03/2003 junto da 1ª Ré, incluindo 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, excepto 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 28/10/2000 e 20/11/2000 (24 dias), entre 13/9/2001 e 7/10/2001 (25 dias) e entre 2/9/2002 e 27/9/2002 (26 dias). (43º)
Esta matéria assente habilita-nos a apurar quantos dias trabalhou o Autor no período de tempo compreendido entre 21ABR2001 e 21MAR2003
No período de tempo compreendido entre 21ABR2001 e 21MAR2003 há 700 dias do calendário.
Subtraindo desses 700 dias os 25 dias e os 26 dias de férias anuais, temos que o Autor trabalhou efectivamente em 649 dias (700-25-26 = 649).
Aplicando a fórmula, já fixada no Acórdão do TSI datado de 13DEZ2018, para a quantificação dos valores a arbitrar a favor do Autor, a título de subsídios de alimentação e de compensações pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, de descanso compensatório por não gozo do descanso semanal e pelo trabalho prestado extraordinário por turnos, temos os seguintes valores:
MOP$20,00 x 649 dias = MOP$12.980,00, a título de subsídio de alimentação;
HKD$7.500,00/30 x 1.0315 x 2 x 649 dias/7 = MOP$47.817,40, a título de compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal;
HKD$7.500,00/30 x 1.0315 x 649 dias/7 = MOP$23.908,70, a título de compensação pelo trabalho prestado de descanso compensatório por não gozo do descanso semanal; e
HKD$7.500,00/(30x8) x 1.0315 x 8 x 649 dias/21 = MOP$7.969,50, a título de compensação pelo trabalho prestado extraordinário por turnos.
São estes valores que merece o Autor.
Sem mais delonga, resta decidir.
III
Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto pela Ré B, revogando a sentença recorrida na parte impugnada e passando a condenar a Ré B no pagamento ao Autor das seguintes quantias:
* MOP$12.980,00, a título de subsídio de alimentação;
* MOP$47.817,40, a título de compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal;
* MOP$23.908,70, a título de compensação pelo trabalho prestado de descanso compensatório por não gozo do descanso semanal; e
* MOP$7.969,50, a título de compensação pelo trabalho prestado extraordinário por turnos.
Sem custas nesta instância.
RAEM, 09JAN2020
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 Salvo o devido respeito, o Tribunal mantém a posição de que as compensações de trabalho em dia de descanso semanal devem incluir o próprio salário daqueles dias. No entanto, esta posição nada impede o cumprimento do douto acórdão do Venerando TSI nos termos do art. 5º, n. 2º da LBOJ.
2 Dias de calendário.
3 Férias anuais e dispensas não remuneradas.
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Ac. 641/2019-22