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Processo nº 1048/2019 Data: 05.12.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Sentença condenatória.
Transito em julgado.
Recurso.


SUMÁRIO

  O “trânsito em julgado” de uma decisão torna a mesma “insusceptível de recurso ordinário”.
  Assim sendo, impõe-se concluir que com um recurso (ordinário) de um despacho prolatado após transitado estar o decidido numa sentença (também) não se consegue obter a sua alteração.

O relator,
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José Maria Dias Azedo

Processo nº 1048/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, vem recorrer do despacho do Mmo Juiz do T.J.B. datado de 03.07.2019, motivando para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“A. O presente recurso vem interposto do despacho supra referido, que determinou que o ora Recorrente proceda à publicitação da decisão condenatória proferida nos presentes autos em publicações periódicas de línguas portuguesa e chinesa editadas no Território, por período não inferior a 15 dias, sob pena de o ora Recorrente incorrer no crime de desobediência.
B. Inconformado com tal decisão, o ora Recorrente vem interpor o presente recurso com fundamento em errada interpretação do disposto do art. 17.°, n.° 3 da Lei n.° 6/96/M.
C. Deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 607.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.° do Código de Processo Penal, na medida em que, atenta a natureza e fins próprios da pena acessória de publicação, a execução imediata da mesma será factor de vexame social para o ora Recorrente, com irreparável dano para a sua imagem e reputação.
D. O ora Recorrente foi condenado pela prática de crime de preço ilícito, na forma tentada, previsto e punido nos termos do disposto conjugado do n.° 1 do artigo 23.° e do artigo 4.° da Lei n.° 6/96/M, de 15 de Julho, com pena acessória de publicidade nos termos do artigo 17.° da referida lei.
E. O ora Recorrente deu cumprimento integral à pena acessória, conforme cópia das publicações nos jornais que juntou aos autos e que constam de fls. 196 a 198 dos mesmos.
F. Porém, o Tribunal a quo considera que não foi dado cumprimento integral ao acórdão, exigindo a publicidade da decisão em publicações periódicas de línguas portuguesa e chinesa editadas no Território por período não inferior a 15 dias.
G. A referência a (sic) “período não inferior a 15 dias” a que se refere o n.° 3 do referido preceito legal apenas é aplicável à afixação de editais.
H. A referência ao período de 15 dias apresenta-se, assim, entre outros requisitos que se referem exclusivamente ao edital, enquanto forma de publicidade da decisão. Não faria qualquer sentido que o legislador, caso quisesse que o requisito temporal se referisse às também publicações nos jornais, fizesse referência ao mesmo no meio de uma oração que se refere exclusivamente aos requisitos do edital.
I. Deste modo, a publicidade a dar à sentença deverá ter lugar através: de uma publicação em língua chinesa e de uma publicação em língua portuguesa, a qual apenas terá que ter lugar por uma vez; o edital, por seu turno, deverá, ser afixado, nas línguas portuguesa e chinesa, no estabelecimento ou local do exercício de actividade, por forma bem visível ao público, por período não inferior a 15 dias.
J. Esta leitura é ainda a única que se mostra compatível sistemática e teleologicamente com o ordenamento jurídico de Macau, porque exigir que fossem feitas publicações de uma decisão judicial por um período não inferior a 15 dias, em língua chinesa e em língua portuguesa representaria um custo total de, pelo menos, MOP$28.200, traduzir-se-ia num encargo e vexame excessivos para o condenado, em larga medida superior às penas principais aplicadas.
K. O Recorrente faz ainda notar que a redacção em Chinês dada ao artigo 17.°, n.° 3, da Lei n.° 6/96/M resulta de uma deficiente tradução da sua redacção original em língua portuguesa para a língua chinesa. Tal é manifestamente claro se se comparar a versão em língua portuguesa do artigo 21.°-A, n.° 8, alínea 6) da Lei n.° 17/2009 com a sua versão chinesa.
L. A redacção em chinês do mesmo preceito legal é agora muito diferente e mais próxima da versão em português, uma vez se refere de forma expressa que o “período não inferior a 15 dias” se refere à 張貼期(período de afixação) (cf. 張貼期不少於十五日).
M. É, assim, absolutamente inequívoco, na norma do artigo 21.°-A, n° 8, al. 6) da Lei n.° 17/2009, que a exigência de publicidade por período não inferior a 15 dias se refere à afixação edital mas já não à publicação em jornais.
N. Sendo a redacção em língua portuguesa do artigo 17.°, n.° 3, da Lei n.° 6/96/M praticamente igual à do artigo 21.°-A, n° 8, al. 6) da Lei n.° 17/2009, parece óbvio que o legislador quis consagrar, para ambos os casos, o mesmo regime.
O. Dito de outro modo, a coerência do sistema jurídico exige idênticas soluções perante idênticas normas, devendo, como tal, dar-se por cumprida a exigência do referido artigo 17.°, n.° 3, da Lei n.° 6/96/M.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos, que V. Exas. mui doutamente suprirão, requer-se que o presente recurso seja julgado procedente e que, em consequência, o Despacho Recorrido seja revogado e substituído por outro que dê por integralmente cumprida a pena acessória de publicação decorrente do disposto no artigo 17.°, n.° 3, da Lei n.° 6/96/M.
Mais requer que seja atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 607.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.° do Código de Processo Penal, pelos fundamentos acima descritos”; (cfr., fls. 235 a 247 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Respondendo, pugna o Ministério Público no sentido de que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 261 a 264-v).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A vem recorrer do despacho de 03 de Julho de 2019, exarado no processo CR2-19-0062-PCC, que, considerando não estar inteiramente publicitada, de acordo com os ditames do artigo 17.°, n.° 3, da Lei 6/96/M, de 15 de Julho, a decisão judicial que o condenara por prática de preço ilícito, determinou que, sob pena de desobediência, o recorrente cumprisse a ordem de publicitar aquela decisão até 15/08/2019, pelo menos por um período de 15 dias.
O recorrente acha que esta determinação decorre de uma errada interpretação do artigo 17.°, n.° 3, daquela Lei 6/96/M.
O Ministério Público, na sua resposta, defende a bondade da interpretação adoptada no despacho recorrido.
O recorrente, condenado por dois crimes de prática de preço ilícito com previsão no artigo 23.° da Lei 6/96/M, foi compelido a custear a publicação da decisão condenatória, por extracto, em periódicos de língua portuguesa e chinesa editados em Macau.
Tendo comprovado no processo a publicação do extracto condenatório em dois jornais de 12 de Junho de 2019, um de língua chinesa e outro de língua portuguesa – cf. fls. 197 e 198 –, requereu que fosse considerado cumprido o inerente dever de publicidade.
Foi então que surgiu o despacho recorrido, onde, para o que ora interessa, se considerou que, por força do artigo 17.°, n.° 3, da Lei 6/96/M, deveria o recorrente, sob pena de desobediência, providenciar pela publicação do extracto condenatório, pelo menos durante 15 dias.
É deste despacho que vem interposto o presente recurso, em cuja minuta o recorrente sustenta, mediante análise sintáctica da estrutura da norma do apontado artigo 17.°, n.° 3, que o tribunal incorreu em erro de interpretação.
Cremos que tem razão.
O artigo 17.° da Lei 6/96/M manda publicitar sempre as decisões condenatórias aí previstas.
A publicidade, ressalvado o caso específico da publicação em Boletim Oficial, que é aplicável nas situações de condenação na pena acessória prevista no artigo 12.° do diploma, exercita-se de duas formas: mediante afixação de edital e através de publicação em jornais, conforme decorre do n.° 3 do artigo 17.°.
Na estrutura da norma, para a afixação do edital rege a segunda parte, após a expressão editadas no Território; para a publicação em jornais rege o primeiro segmento. Assim, no que toca à forma de publicitação através de jornais, que tem que ser custeada pelo condenado e expressamente ordenada pelo tribunal, cremos que a publicidade se consuma mediante a publicação de extracto da condenação numa edição de um periódico em língua portuguesa e numa edição de um periódico em língua chinesa. Já quanto ao edital, que é uma forma de publicidade que tem que ser sempre utilizada, seja mediante exibição no estabelecimento, seja por exposição no local de exercício da actividade, a afixação tem que perdurar por um período mínimo de 15 dias.
Na versão portuguesa da norma, que é aquela por que estamos a guiar-nos, não faz sentido, sintacticamente, ligar a primeira parte da norma, e nomeadamente a expressão por ordem do tribunal, à expressão por período não inferior a 15 dias, pois esta última encontra-se manifestamente enquadrada no segundo segmento da norma e dirigida ao vector da afixação no próprio estabelecimento ou local de exercício da actividade.
Ante o exposto, e na procedência dos seus fundamentos, deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e julgando-se satisfeita a obrigação de publicitação, através de jornais, imposta ao recorrente”; (cfr., fls. 298 a 299).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Tem o despacho agora recorrido o teor seguinte:

“Nos termos do artº 17º, nº 3 da Lei nº 6/96/M:
“A publicidade da decisão é efectivada a expensas do condenado e por ordem do Tribunal, em publicações periódicas de língua portuguesa e chinesa editadas no Território, bem como através de afixação de edital, redigido nas referidas línguas, no próprio estabelecimento ou local de exercício da actividade por forma bem visível ao público, por período não inferior a 15 dias.”
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Sobre esta disposição legal, o Tribunal é da interpretação seguinte:
A publicidade da decisão tem de ser efectivada por ordem do Tribunal:
1) Em publicações periódicas de língua portuguesa e chinesa editadas no Território, bem como
2) No próprio estabelecimento ou local de exercício da actividade, por forma bem visível ao público.
Cujas publicações e afixação de edital no estabelecimento ou local de trabalho têm de decorrer período não inferior a 15 dias.
***
Com base no exposto, o Tribunal decide o seguinte:
1) No processo em apreço, tendo em conta que o condenado é condutor de táxi, pelo que a publicidade da decisão não é aplicável afixação de edital no próprio estabelecimento ou local de exercício da actividade por forma bem visível ao público.
2) Quanto às publicações periódicas no Território por período não inferior a 15 dias, tem de cumprir rigorosamente.
3) Para o efeito do disposto no artº 312º, nº 1, al. b) do CP, se o condenado, até antes de 15/08/2019, não cumprir a ordem de publicidade da decisão judicial, pelo menos por um período de 15 dias, incorre o “crime de desobediência”.
(…)”; (cfr., fls. 212 a 212-v).

E, como se viu, entende – em síntese – o ora recorrente que: “a publicidade a dar à sentença deverá ter lugar através: de uma publicação em língua chinesa e de uma publicação em língua portuguesa, a qual apenas terá que ter lugar por uma vez; o edital, por seu turno, deverá, ser afixado, nas línguas portuguesa e chinesa, no estabelecimento ou local do exercício de actividade, por forma bem visível ao público, por período não inferior a 15 dias”; (cfr., concl. I).

Vejamos.

Antes de mais, mostra-se relevante referir que o referido e transcrito “despacho” agora recorrido foi proferido na sequência da sentença de 02.05.2019, (cfr., fls. 165 e segs.), com a qual foi o ora recorrente condenado pela prática de 2 crimes de “preço ilícito”, e onde se consignou que “após transito em julgado da decisão proferida, e ao abrigo do art. 17°, n.° 1, al. a), n. 3 e n.° 4 da Lei n.° 6/96/M, (alterada pela Lei n.° 3/2008), a mesma será publicitada por 15 dias”; (tradução livre, por nós efectuada).

Assim, e sendo de notar que aquando da prolação do dito despacho, transitada em julgado já estava a aludida sentença, inútil se nos apresenta a “questão” colocada.

Com efeito, e independentemente do demais – da própria adequação da condenação decretada e de se saber se a referência ao “período não inferior a 15 dias” ínsita no art. 17°, n.° 3, da Lei n.° 6/96/M diz ou não, (apenas) respeito à “afixação de editais” – não se pode pois olvidar, (como já se referiu), que a sentença condenatória da qual faz parte o segmento decisório que condenou o ora recorrente a efectuar a sua “publicidade” (também) transitou em julgado, certo sendo que aí se explicitou – indiscriminadamente – à necessidade de o recorrente proceder à “publicidade da decisão por 15 dias”.

E, nesta conformidade, (e como nos parece perfeitamente compreensível), totalmente afastada está a possibilidade de, em sede do presente recurso – (ordinário) e que tem como objecto o “despacho” de 03.07.2019, proferido na sequência da referida sentença de 02.05.2019 – proceder-se à alteração do que nesta (sentença) se decidiu, pois que, em relação ao mesmo, formou-se “caso julgado”, insusceptível de alteração com o meio processual pelo ora recorrente utilizado; (cfr., art°s 574° e 576° do C.P.C.M.).

Dest’arte, impõem-se a improcedência do presente recurso.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 05 de Dezembro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 1048/2019 Pág. 14

Proc. 1048/2019 Pág. 15