打印全文
Processo n.º 483/2015
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 16/Dezembro/2019

ASSUNTOS:

- Depoimento de parte e requisitos legais
- Sigilo bancário e valor prevalecente da realização da justiça
- Deveres secundários dos contratos-promessa e interpelação admonitória
- Resolução dos contratos-promessa
- Simulação de negócio e execução específica dos contratos-promessa

SUMÁRIO:

I - O depoimento de parte é um dos meios de prova admitidos em Processo Civil, e tem em vista possibilitar a obtenção de confissão de factos, em juízo, pela parte a quem são desfavoráveis. Ao requerer-se o depoimento da parte, devem ser discutidos os factos sobre que há-de recair, devendo aqueles ser pessoais ou ser daqueles que ela deva ter conhecimento. O que se pretende com o depoimento de parte é a confissão de determinada realidade favorável à outra parte nos termos do artigo 345º do Código Civil de Macau. Não reunindo estes requisitos, deve ser indeferido o pedido nestes termos formulados.
II - O sigilo bancário não é um direito absoluto, podendo ceder perante outros direitos assegurados pelo poder público, designadamente o de acesso à administração e realização da justiça. Por isso, não só nos casos em que o juiz pode dispensar a confidencialidade, relativamente aos elementos de identificação, residência, profissão, entidade empregadora ou qualquer outro elemento que permita identificar a situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente (artigo 8º/4 do CPC), mas também em todos os casos em que esteja em causa a necessidade de administração da justiça, designadamente por tal informação ou elemento ser essencial à descoberta da verdade, à produção de prova que por outra forma não seja possível e à decisão da causa, pode tal sigilo ser dispensado. O mesmo se diga em relação às informações tributárias das partes do processo, quando reputadas como essenciais à descoberta da verdade material, o que justifica a requisição feita pelo Tribunal junto da DSF.
III - Nos contratos-promessa, para além da obrigação principal de celebrar o contrato final poderão emergir várias outras obrigações secundárias. De entre as obrigações secundárias, a doutrina e a jurisprudência costumam distinguir entre:
    a) Os deveres acessórios da prestação, que se destinam a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação principal;
    b) Deveres secundários com obrigação autónoma.
    Os deveres secundários, quando acessórios da obrigação principal não têm autonomia em relação ao dever principal de prestação nem atuam sobre ele, encontrando-se exclusivamente dirigidos à realização do interesse no crédito (interesse no cumprimento), constituindo-se como meros acessórios do dever primário de prestação.
IV - A violação de um dever secundário com prestação autónoma não acarretará, por regra, a mora da obrigação principal, nem justificará, por maioria de razão, a resolução do negócio (embora possa gerar a obrigação de indemnizar, pelos prejuízos emergentes).
V - A denominada “interpelação admonitória” consiste na concessão de um prazo suplementar razoável ao devedor, com a advertência de que, caso não cumpra, se considerará definitivamente incumprida a obrigação (artigo 797º/1 do CCM). A interpelação admonitória deve conter três elementos:
    a) Intimação para o cumprimento;
    b) Fixação de um termo peremptório;
    c) Admonição ou cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.
VI - Não valer para o efeito a interpelação em que o credor se limite a ameaçar o devedor com uma compra de cobertura ou o convide a declarar-se pronto a cumprir dentro do prazo fixado. Também não é suficiente para o efeito a declaração pela qual o credor se reserve o direito de resolver o contrato, na hipótese de ele não ser cumprido dentro do novo prazo. Acresce ainda que a 1ª Ré sabia que o Autor residia na China e a morada mencionada nos contratos-promessa servia de mera referência e foi aposta por uma ex-administradora da 1ª Ré, e consequentemente a carta foi devolvida. Ou seja, a declaração não chegou ao poder do seu destinatário.
VII - São requisitos cumulativos da simulação:
    1º - A divergência intencional entre a declaração negocial e a vontade real (o declarante não só tem consciência da divergência entre a vontade declarada e a real, mas quer ainda, de uma forma livre e propositada, emiti-la nesses termos);
    2º - A existência de um conluio simulatório (pactum simulationis) em que as partes declaram ter realizado um acto que, na verdade, não quiseram realizar;
    3º - O intuito de enganar ou iludir terceiros (o animus decipiendi), que não se confunde com o intuito de prejudicar, isto é, de causar um dano ilícito (animus nocendi).
    O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação (art.º 335.º, n.º 1, do CCM).
VIII - Tendo presente esta realidade processual, e à semelhança do propugnado pelo tribunal recorrido, perante os documentos requisitados pelo Tribunal junto da DSF (fls. 5207) e os próprios documentos apresentados pelas Rés (fls.5271), a conclusão só poderá ser a seguinte: não foram feitos pagamentos dos preços respectivos tal como estão fixados nas escrituras públicas respectivas.
IX - Uma vez que foi julgado procedente o pedido de declaração de nulidade dos negócios por simulação, por força dos efeitos jurídicos da nulidade previstos no artigo 282º do CC, os bens em questão voltam a integrar a esfera jurídica da 1ª Ré, com o que deixou de ter o obstáculo para decretar a execução específica dos 105 contratos-promessa pedida pelo Autor. Pelo que, bem andou o Tribunal recorrido ao julgar procedente o pedido nestes termos formulados e consequentemente é de manter a decisão recorrida.
O Relator,

________________
Fong Man Chong












Processo nº 483/20151
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 16 de Dezembro de 2019

Recorrentes :
*
1º Recurso Interlocutório ( contra o despacho de fls. 4025)
- A (Autor) 【Designado por Parte Primeira no Relatório deste Acórdão】
*
Recurso Subordinado (interposto mediante requerimento de fls.4228).
- B, Limitada (1ª Ré)
*
2º Recurso Interlocutório (contra o despacho de fls. 4480)
- B, Limitada (1ª Ré) 【Designado por Parte Segunda no Relatório deste Acórdão】

*
3º e 4º Recursos Interlocutórios (contra o despacho de fls. 4709 e o de fls. 5034)
- A (Autor)
【Designados por Parte Terceira e Quarta no Relatório deste Acórdão】

*
5º Recurso Interlocutório (contra o despacho de fls. 5104/v, 5106 e 5107)
- B, Limitada (1ª Ré)
- C, Limitada (C有限公司) (2ª Ré)
- D (3ª Ré)
 【Designado por Parte Quinta no Relatório deste Acórdão】

*
6º Recurso Interlocutório (contra o despacho de fls. 5633 a 5635)
- C, Limitada (C有限公司) (2ª Ré)
 【Designado por Parte Sexta no Relatório deste Acórdão】

* * *

Recursos Finais contra a sentença (fls. 5712 e seguintes)
- B, Limitada (1ª Ré)
- C, Limitada (C有限公司) (2ª Ré)
- D (3ª Ré)
 【Designado por Parte Sétima no Relatório deste Acórdão】


*
Recorridos : - Os mesmos

*
Duas notas prévias:

1) - Tendo em conta que, os litigantes destes autos são bastantes aplicados em matéria de recurso, interpondo 7 recursos e em cada recurso foram invocados argumentos diferentes, a fim de evitar a perda do raciocínio, adoptamos o “método fragmentário” de argumentação, ou seja, a seguir à transcrição de CONCLUSÕES de cada um dos recursos, procede-se à imediata análise e decisão, salvo indicação em sentido diferente.
2) - Começaremos pelos recursos interpostos pelas Rés, porque, quanto à ordem de conhecimento dos recursos, o artigo 628º do CPC manda:
(Julgamento dos recursos que sobem conjuntamente)
    1. Os recursos que tenham subido conjuntamente são apreciados pela ordem da sua interposição.
    2. Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa e que tenham sido interpostos pelo recorrido em recurso de decisão sobre o mérito só são apreciados se a sentença não for confirmada.
    3. Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o recorrente.
*

   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    
    PRIMEIRA PARTE:
    Recurso interlocutório do Autor e recurso subordinado da 1ª Ré
    
    A (Autor), Recorrente (Recorrido também), devidamente identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 30/05/2011 (fls. 4025 a 4036), veio, em 01/09/2011, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 4237 a 4253, tendo formulado as seguintes conclusões :
     I. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador proferido pelo douto Tribunal a quo a fls. 4025 e seguintes dos presentes autos na parte em que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 139.°, n.º 2, alínea c) do C.P.C., julgou inepta a petição inicial apresentada pelo ora Recorrente.
     II. O Autor, no plano do direito, e nomeadamente quanto às consequências jurídicas da impugnação pauliana, conclui de forma incorrecta ao peticionar que os imóveis objecto das compras e vendas impugnadas sejam restituídos à esfera jurídica da 1ª Ré, e cancelados os registos dessas mesmas compras e vendas.
     III. Embalado na deficitária conclusão jurídica que extraí da impugnação pauliana dos negócios, ou seja, o ingresso os imóveis na esfera jurídica da 1ª Ré, peticiona, cumulativamente, a execução específica do contrato-promessa de compra e venda que havia celebrado com a 1ª Ré e que recaiu sobre os imóveis objecto da presente acção.
     IV. O Autor na sua petição inicial alega factos que preenchem todos os requisitos da impugnação pauliana, ou seja, a existência e anterioridade do crédito de natureza patrimonial(vide artigos 99º e 100.° da petição inicial), o acto lesivo do devedor (artigos 101.°, 102 e 103.° da petição inicial), a impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito por virtude do mesmo acto (vide artigos 104.º a 108.º) e ainda a má-fé quer da devedora, a 1ª Ré, quer das compradoras, a 2ª e 3ª Rés (art.109.º a 112.º).
     V. Na decisão sobre recurso, o próprio Tribunal a quo afirma: "Assim, a pretensão da restituição das fracções autónomas não é de proceder, muito embora não prejudicar a sua convolação para efeitos da impugnação pauliana" e "Nem se diga que o pedido pode ser salvado com a alegacão, em alternativa de crédito à transmissão das fracções autónomas, da existência de um crédito correspondente ao dobro do sinal ou preço pago, tal como alegado no artº 99° da pi" - (destacados nossos).
     VI. A posição assumida pelo Autor ao longo da sua petição inicial, o seu pensamento e as suas pretensões são perfeitamente inteligíveis, e como tal, o erro de direito em que incorreu é passível de ser corrigido, não sendo gerador de ineptidão da petição inicial. (conforme Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/06/1983, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04/19/1994; Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/17/1994. Ac. da Relação do Porto, de 01/11/1999
     VII. Não merecem crítica os reparos efectuados pelo douto Tribunal a quo quanto à imperfeição da conclusão de direito que o Autor retirou dos factos alegados na petição inicial no que respeita à impugnação pauliana, e quanto à cumulação ao seu pedido do pedido de execução específica do contrato.
     VIII. Porém, a errónea conclusão de direito retirada pelo Autor quanto aos efeitos da impugnação pauliana é, conforme aliás reconhecido pelo douto tribunal a quo, convolável e por isso suprível.
     IX. O douto Tribunal a quo não está adstrito à qualificação e efeitos jurídicos que as partes retiram dos factos alegados (cfr. artigo 567,° do CPC).
     X. A pretensão do Autor está de facto perfeitamente apreensível, apreendida e alegada na sua petição inicial, pelo que,
     XI. Ao abrigo do poder-dever plasmado nos supra transcritos artigos do Código de Processo Civil (artigos 397.° e 427.°) e do poder de direcção do processo e os principio do inquisitório e da colaboração, cfr. artigos 6.° e 8.° do CPC, cumpria ao douto tribunal a quo, convidar o ora Autor a aperfeiçoar o seu articulado.
     XII. Assim, por o Autor ter incorrido apenas num erro de direito suprível e que não vincula o Tribunal, deveria o doutro Tribunal a quo ter oficiosamente convolado o pedido do Autor no que respeita aos efeitos pretendidos com a impugnação pauliana para os efeitos previstos no artigo 612.º do Código Civil, ou ter convidado o Autor a fazê-lo e face a tal convolação ou convite ao aperfeiçoamento, ter ainda convidado o Autor a esclarecer ou reformular a cumulação a tal pedido de impugnação pauliana do pedido de execução específica.
     XIII. Ao o não ter feito, a decisão ora em recurso, incorre assim no vicio de violação de lei por violação dos artigos 6.°, 8.°,139.°, n.º 2, alínea c), 397.°,427 e 567.°, todos do Código de Processo Civil.
*
    A Recorrida (Recorrente também), B, Limitada (1ª Ré), veio, 12/10/2011, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 4265 a 4268, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O Recorrente sabia, pelo menos desde a Contestação, que os seus pedidos de execução específica e impugnação pauliana eram materialmente incompatíveis.
     2. O momento próprio para proceder a alterações ao pedido ou à causa de pedir é na Réplica, conforme decorre do artigo 217º do CPC;
     3. Ora, na Réplica, o Recorrente insistiu que "não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre os pedidos de impugnação pauliana e execução específica."
     4. O despacho recorrido decide a ineptidão parcial da petição inicial com fundamento no artigo 139°/2-c) do CPC;
     5. O artigo 397º, invocado pelo Recorrente como fundamento do seu direito a um convite para o aperfeiçoamento da petição inicial, não se aplica no caso de ineptidão da p.i ..
*
    B, Limitada (1ª Ré), (Recorrida), discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 30/05/2011 (fls. 4025 a 4036), dela veio, em 04/11/2011, interpor recurso subordinado para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 4498 a 4513, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Verifica-se uma total incompatibilidade entre a causa de pedir invocada e os pedidos formulados.
     2. A petição será de igual modo inepta quando, sendo inteligível a indicação do pedido e da causa de pedir, haja, todavia, contradição intrínseca ou substancial insanável entre um e outra.
     3. A celebração dos negócios nulos é a origem do alegado incumprimento pela Recorrente.
     4. Ora, sendo o negócio alegadamente simulado declarado nulo, não produz quaisquer efeitos, nem entre as partes nem para terceiros, com efeitos retroactivos, à data da celebração. Assim, o alegado "incumprimento definitivo" deixa de verificar-se. Ora, não havendo incumprimento definitivo (ou sequer mora...) o Recorrido não tem direito à execução específica dos contratos...
     5. Para se poder falar em incumprimento, importa que o obrigado não cumpra prestação a que se obrigou.
     6. Através da execução específica o Tribunal emite sentença que supre a declaração negocial do faltoso, assim dando satisfação ao interesse do credor que não viu cumprida a prestação a que tinha direito, por incumprimento do devedor. Daí que, desde logo, tenha que existir incumprimento do devedor, ainda que exprima mora.
     7. A interpelação admonitória é uma declaração receptícia que contém três elementos: intimação para o cumprimento; fixação de um termo peremptório para o cumprimento; admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não ocorrer o adimplemento dentro desse prazo.
     8. Porém, o Recorrido nunca impôs à Recorrente, através de interpelação admonitória, a marcação de data para outorga da escritura de compra e venda.
     9. A mora do devedor é o pressuposto de execução específica do contrato-promessa.
     10. A mora depende de o devedor ter sido interpelado - judicial ou extrajudicialmente - para cumprir.
     11. A sanção legal para a ineptidão da petição inicial é a nulidade de todo o processo - artigo 139º/1do CPCM.
     12. A ineptidão da petição inicial, por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, produz a nulidade de todo o processo e a consequente absolvição dos Réus da instância.
     13. A dedução cumulativa de pedidos entre si incompatíveis implica contradição no objecto do processo que impede a sua necessária identificação.
     14. Torna-se impossível discernir qual é, na realidade, a pretensão que o Autor pretende ver judicialmente reconhecida. Em última análise, não podia nem cabia ao tribunal substituir-se ao Autor na reformulação do petitório sem perda evidente para o princípio dispositivo que é estruturante do processo.
     15. A ineptidão da petição inicial, conducente à nulidade de todo o processo, tem por escopo estabelecer a segurança jurídica quanto ao objecto do processo conformado pelo pedido e pela causa de pedir,
     16. A ineptidão da petição inicial é de natureza insuprível, podendo mesmo levar ao indeferimento liminar da petição.
     17. A justificação da ineptidão assenta em interesses de ordem pública e não em simples interesses das partes.
     18. A única situação de ineptidão passível de superação através de actuações processuais é a que expressamente consta do artº 139º, nº 3, aqui inaplicável.
     19. O despacho recorrido violou as normas constantes do artigo 3º; do artigo 5º; do artigo 139º nº.1 no. 2 al. b) e c), e no. 3; do artigo 230º/1-b); e do artigo 394º/1-a), todos do Código de Processo Civil.
*
    A (Autor), Recorrido (Recorrente, também), tendo sido notificado do recurso subordinado interposto pela 1ª Ré, veio a oferece a resposta constante de fls. 4603 a 4613, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. A Recorrente sustenta a ineptidão total da petição inicial com base na incompatibilidade total entre a causa de pedir invocada e os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrido;
     II. A Recorrente pretende fazer-se valer dos efeitos da declaração de nulidade das transmissões das fracções para justificar e fazer apagar o não cumprimento das suas obrigações assumidas contratualmente por via dos contratos promessa em causa;
     III. A produção dos efeitos da declaração de nulidade não têm qualquer relevância para a apreciação do cumprimento ou incumprimento das obrigações assumidas pelas partes na sua relação jurídica entre si estabelecida;
     IV. A venda das fracções em causa nos autos, ainda que venha a ser declarada nula por via do acordo simulatório entre as Rés, impossibilitou, a partir desse momento (o da venda) a celebração dos contratos promessa sub judice;
     V. A impossibilidade do cumprimento dos contratos promessa em causa é, obviamente, imputável única e exclusivamente à Recorrente;
     VI. Tendo a impossibilidade da prestação ficado a dever-se por culpa exclusiva da 1ª Ré, esta é havida como se tivesse culposamente faltado ao cumprimento da sua obrigação;
     VII. Sendo declaradas nulas as transmissões em causa nos autos, o inadimplemento não é definitivo, permitindo-se assim ao Autor exigir o cumprimento da prestação da 1ª Ré, ou seja, o cumprimento dos contratos promessa sub judice, porque a natureza da obrigação assumida não se opõe à faculdade que o Autor tem de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial da 1ª Ré, parte faltosa;
     VIII. A execução específica é também viável em casos de incumprimento definitivo, desde que o promitente-comprador fiel à promessa revele interesse na prestação e ela seja legalmente possível, (cf. neste sentido, o Ac. STJ de 03/10/1995 in CJSTJ, ano 1995, III, pág.s 45);
     IX. Face às transmissões das fracções da 1ª Ré para as 2ª e 3ª Rés, das quais diga-se o Autor só veio a ter conhecimento por notificação judicial de 8 de Outubro de 2008, de que valeria ao Autor interpelar a 1ª Ré para a venda se as fracções já não estavam na sua esfera jurídica;
     X. A transmissão dos imóveis em causa, ainda que através de negócio simulado e por isso nulo, é constitui manifestação de intenção de não cumprir o contrato-promessa, tornando desnecessária a interpelação admonitória;
     XI. Ao contrário dos arestos amplamente citados na parte dispositiva do recurso da Recorrente, onde nesses casos a incompatibilidade de pedidos existe por via de uma cumulação real de pedidos, no caso em apreço o Autor veio deduzir os seus pedidos em regime de subsidiariedade;
     XII. E não existe na lei processual vigente qualquer obstáculo à dedução de pedidos subsidiários substancialmente incompatíveis;
     XIII. A eventual incompatibilidade entre os pedidos de impugnação pauliana e de execução específica não importa nunca a nulidade de todo o processo, mantendo-se em pleno os pedidos deduzidos pelo Autor face à não verificação de qualquer incompatibilidade ou contradição entre si.
*
    SEGUNDA PARTE:
    Recurso interlocutório interposto pela 1ª Ré:
    
    B, Limitada (1ª Ré), Recorrente (Recorrida também), devidamente identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 31/10/2011 (fls. 4480 e 4481), veio, em 17/01/2012, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 4639 a 4654, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. O depoimento de parte requerido pela Recorrente versa sobre matéria pessoal do Autor e por ele alegada em sede de petição inicial; em sede de Contestação tais factos foram impugnados pela aqui Recorrente e servem de causa de pedir à Reconvenção;
     2. O depoimento de parte é um meio de provocar o reconhecimento de uma realidade de factos que podem ser desfavoráveis à parte que o presta, podendo possuir eficácia confessória;
     3. O depoimento de parte pode ser requerido com o objectivo de obter o reconhecimento de qualquer facto desfavorável ou cujo ónus da prova recaia sobre a parte contrária;
     4. A circunstância de o questionário se cingir aos factos articulados pelas partes e de a testemunha só poder ser interrogada sobre os factos (incluídos no questionário) articulados pela parte que a ofereceu não significa que no questionário devam ser formalmente separados os factos articulados pelo autor e pelo réu;
     5. O questionário é um todo único e indiviso, e deve conter a formulação sintética de cada facto, independentemente da autoria e da forma da sua invocação - com o fim de evitar o perigo das respostas contraditórias.
     6. O depoimento de parte do Autor pode destinar-se a fazer a contraprova, por mera cautela de patrocínio, para precaver a situação de se conseguir prova testemunhal que confirme aqueles factos, falsos;
     7. A prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da existência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
     8. Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de qualquer meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que fez contraprova;
     9. Como princípio geral, todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, auxiliarem a descoberta da verdade, ressalvando-se apenas os casos de incapacidade natural e a incapacidade por motivo de ordem moral - limitações processuais que se fundam na razão simples, de que de certas pessoas não é de exigir depoimento sincero e, portanto, útil, entre as quais se destaca as que mantêm com a causa determinada posição vinculada ao desfecho do litígio.
     10. Apesar da estreita afinidade, não pode confundir-se a confissão com o depoimento de parte, pois, na maioria dos casos o depoente não confessa, limitando-se a confirmar os factos que lhe são favoráveis e negar os alegados pelo seu oponente que o desfavorecem.
     11. Quem requer o depoimento de parte pretende obter a confissão de factos desfavoráveis ao depoente e a respectiva admissibilidade pauta-se por essa limitação.
     12. Porém, o depoimento de parte e a confissão são, conceptualmente, realidades diferentes, sendo o depoimento de parte apenas uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão.
     13. O sistema da prova livre e da livre apreciação do julgador que nos norteia, admite que o depoimento de parte embora não confessório formalmente, possa, em determinadas circunstâncias concretas convencer o julgador da realidade de um facto desfavorável ao depoente.
     14. Não se deve, por atitude regra, restringir a admissão do depoimento de parte ao meio de prova para confissão.
     15. O depoimento da parte sobre um facto que tenha o ónus de alegar e provar pode conduzir à conclusão de que esse facto não se verificou, o que constitui consequência desfavorável ao depoente.
     16. Normas violadas: as que constam dos artigos 334º, 339º, 345º, 346º e 354º do Código Civil e 477, 478º e 479º do Código de Processo Civil.
*
    A (Autor), Recorrido (Recorrente também), com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 4686 a 4695, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. O Recurso a que ora se responde incide sobre a parte do douto despacho de fls. 4480 que indeferiu o depoimento de parte do Autor sobre a matéria constante dos artigos 1.º, 2.º, 6.º, 7.º, 8.º, 23.º e 24.º da Base Instrutória suscitado pela Recorrente, por entender que tais factos não são desfavoráveis ao depoente, e portanto não são passíveis de confissão judicial.
     II. Os factos constantes daqueles específicos pontos da Base Instrutória são factos favoráveis ao Autor, ora Recorrido, e sobre o Autor recaí o ónus da prova de tais factos.
     III. Como forma de provocar a confissão judicial, o depoimento de parte apenas pode incidir sobre matéria desfavorável ao depoente e sobre matéria relativamente à qual não caiba o ónus da prova ao próprio depoente, já que, caso contrário, estar-se-ia a distorcer a razão de ser deste meio probatório.
     IV. O Recorrente pretende antes obter do Autor, ora Recorrido, um verdadeiro testemunho de parte como forma de tornar "duvidosos" os factos que lhe são favoráveis e produzir contraprova sobre factos cujo ónus da prova recai sobre o depoente, porém, a possibilidade do testemunho de parte é afastada quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, quer pela própria lei.
     V. No momento de admitir o requerimento de depoimento de parte, o Juiz deve aferir se os factos sobre os quais tal depoimento recai são factos favoráveis ou desfavoráveis ao depoente e se são facto cujo ónus da prova recaia sobre o depoente, ou seja, se se tratam de factos passíveis ou não de confissão, devendo, salvo devido respeito, indeferir o requerimento quanto os factos sejam favoráveis ao depoente ou cuja prova lhe caiba, sob pena de violação do disposto nos artigos 477.º e seguintes do Código de Processo Civil e 352.º do Código Civil.
*
    TERCERA PARTE:
    Recurso interlocutório interposto pelo Autor:
    
    A (Autor), Recorrente (Recorrido também), devidamente identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 15/05/2012 (fls.4709), veio, em 16/07/2012, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 4724 a 4732, tendo formulado as seguintes conclusões :
     I. O despacho recorrido não padece de deficiente fundamentação, o que acontece é que esta pura e simplesmente inexiste;
     II. A fundamentação da sentença ou de qualquer outra decisão judicial, sendo já uma exigência antiga das Ordenações Filipinas, não se trata de mera exigência formal pois ela cumpre uma dupla função: de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários - neste sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da Republica Portuguesa Anotada, Tomo III, 70;
     III. Não se nos afigura existente qualquer raciocínio lógico do Mmo. Juiz a quo, ainda que deficiente;
     IV. Da decisão ora em crise não resulta qualquer explanação, ainda que imprecisa ou deficiente, dos princípios e regras em que a mesma se sustenta;
     V. O Douto Despacho recorrido apenas impõe o indeferimento da requerida diligência probatória, não curando de explicar as razões de direito e o raciocínio lógico da decisão que a lei processual impõe;
     VI. Nos presentes autos o Mmo. Juiz a quo havia já deferido a pretensão do Autor, e ordenado o ofício dos Serviços de Migração para solicitar as informações requeridas pelo Autor (cfr. despacho de fls. 4481), e por isso, tendo em conta este volte-face, mais será de exigir do despacho em crise uma clara explicação sobre esta mudança de opinião sob pena de se deixar pairar a dúvida sobre a interpretação que o Mmo. Juiz a quo faz da lei em circunstâncias exactamente idênticas;
     VII. A manifesta absoluta falta de fundamentação da decisão gera a sua nulidade nos termos do disposto nos arts. art. 571°, al. b) do CPC, aplicável in casu por via do disposto no art. 569°, n° 3 do CPC, e que ora se invoca para todos os efeitos legais;
     VIII. A matéria fáctica que se pretende provar através da requerida diligência probatória mostra-se de extrema relevância para o apuramento e prova da existência de má fé da 3ª Ré na celebração dos negócios que se pretendem impugnar por via da presente acção;
     IX. Na maioria das vezes, a prova dos factos materiais ou instrumentais da má fé e do acordo simulatório dos intervenientes em negócio simulado é de difícil obtenção:
     X. O registo das entradas e saídas da 3ª Ré na RAEM no período da aquisição por esta das fracções em causa é de manifesta importância para a boa decisão da causa;
     XI. Através desses registos poder-se-á revelar a presença quase nula da 3ª Ré no Território durante o período que rondou a aquisição das fracções em discussão nos presentes autos, e por via disso ficar, ainda que indiciada, a alegada falta de interesse pessoal e/ou comercial da 3ª Ré na celebração dos negócios em causa, e por conseguinte, demonstrar-se a sua vinculação a um acordo simulatório com os demais intervenientes no negócio;
     XII. O direito à prova é um dos componentes do direito ao acesso ao direito e aos tribunais para defesa de directos e interesses legalmente protegidos, o qual faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como também para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios;
     XIII. Corolário disso mesmo é a consagração na lei processual civil dos princípios do dispositivo, da descoberta da verdade material e do inquisitório;
     XIV. Nos termos do disposto no art. 433º e 463º do CPC impõe-se ao Tribunal um poder-dever de determinar a obtenção de provas dos respectivos organismos oficiais, quer oficiosamente, quer quando requerido por uma das partes, sempre que haja razão superior para a boa decisão da causa;
     XV. A diligência a ser requerida pelo Douto Tribunal a quo e o fornecimento por parte dos Serviços de Migração dos registos de entradas e saídas da RAEM por parte da 3º Ré não colide com a tutela dos dados pessoais;
     XVI. A decisão ora em crise violou assim, entre outros, o disposto nos arts. 433º e 462º do CPC, o que ora se invoca.
*
    A Recorrida (Recorrente também), D (3ª Ré), veio, 25/09/2012, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 4745 a 4750, tendo formulado as seguintes conclusões:
     O âmbito do recurso é limitado pelas conclusões apresentadas pelo Recorrente.
     Nas conclusões formuladas, o Recorrente pugna pela revogação do despacho recorrido essencialmente por entender que este padece de absoluta falta de fundamentação e que a matéria fáctica que se pretende provar através da diligência probatória requerida é de extrema relevância para o apuramento e prova da existência de má fé da 3ª Ré na celebração dos negócios que se pretendem impugnar na acção principal. Defende ainda que a diligência a ser requisição de dados aos Serviços de Migração sobre o registo de entradas e saídas da RAEM por parte da recorrida não colide com a tutela de dados pessoais.
     I – Falta de fundamentação
     O despacho em crise versa sobre um requerimento do próprio Recorrente, de fls. 4423 e ss., que foi formulado nos seguintes termos:
     «[…] V - Requer a V. Exa. se digne ordenar a notificação dos Serviços de Migração da RAEM no sentido de fornecer as informações sobre as entradas e saídas do Território da RAEM da 3ª Ré [...] entre o período de Julho de 2008 até à presente data.
     Tais informações mostram-se essenciais para a boa decisão da causa, nomeadamente, para prova dos quesitos nºs 12º, 13º, 14º, 16º, 18º, 19º, 20º da Douta Base Instrutória. [...]»
     Através da mera leitura da douta sentença fica imediatamente perceptível o itinerário logico-cognitivo que esteve na base da sua prolação. O mmo. Juiz a quo refere de forma clara, concisa e precisa que o registo de entrada e saída da Ré da RAEM não é pertinente para provar a intenção de compra e a capacidade económica daquela Ré, aqui Recorrida.
     Conforme correctamente realça o Recorrente e deriva directamente da lei, nomeadamente do artigo 433º do Código de Processo Civil, "A instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova."
     Embora se conceda que o douto despacho recorrido pudesse ter sido alvo de fundamentação mais aprofundada, dele resulta claro o motivo do indeferimento do requerimento do Recorrente: os documentos solicitados não são pertinentes para a prova dos factos enunciados pelo Recorrente no seu requerimento de prova.
     Com efeito nos termos do artigo 571º/b) do CPC, a decisão é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
     Todavia, é jurisprudência praticamente uniforme que só a falta absoluta de motivação e não a motivação meramente deficiente ou medíocre conduzem àquela nulidade (cfr., Acs. do Supremo Tribunal de Justiça português de 19/09/2006, Proc. 06A2230 e de 14/11/2006 Proc. 06A1986, in www.dgsi.pt). Para que ocorra a referida nulidade exige-se uma tal ausência de fundamentação que impossibilite o conhecimento das razões que levaram à opção final. ln casu, não obstante ser deficiente a fundamentação da decisão porquanto se apresenta sumária na medida em que não desenvolve minimamente o fundamento do indeferimento, o certo é que nos termos entendidos pela jurisprudência, não se verifica o apontado vício.
     Ora, conforme resulta do despacho recorrido, o Exmº Juiz indica o fundamento do indeferimento do requerimento de prova documental - a impertinência.
     Pelo que deve improceder a nulidade requerida pelo Recorrente.
     II – A importância da diligência probatória para a decisão da causa
     Quanto à solicitação de informações sobre as entradas e saídas da RAEM da 3ª Ré, no seu requerimento o Autor requereu que fosse diligenciado junto da PSP a obtenção destas informações para prova dos artigos 12º, 13º, 14º, 16º, 18º, 19º e 20º da BI.
     Desde logo, em nenhum desses quesitos, cuja redacção foi já transcrita nas alegações de recurso, está em causa a presença ou não da Recorrida na RAEM.
     Exceptuando talvez o quesito 16º que versa sobre a deslocação das 2ª e 3ª RR. às fracções autónomas antes da compra - e que poderia ser provada, pela negativa, se dos registos de entradas e saídas da RAEM se pudesse concluir que a 3ª Ré, aqui Recorrida, efectivamente não veio a Macau antes da celebração das escrituras.
     Mas na realidade, as informações a serem juntas não podem ser reveladoras das intenções da recorrida, do pagamento de qualquer quantia, do recurso a qualquer empréstimo bancário, dos rendimentos ou nível de vida da recorrida ...
     Em suma, aquelas informações não provam qualquer dos artigos da Base Instrutória indicados pelo recorrente.
     O único artigo da Base Instrutória para cuja prova a presença da Recorrida na RAEM eventualmente possa ser útil é o Artigo 16º: "A 2ª e a 3ª Ré não se deslocaram às respectivas fracções autónomas antes da compra?" e, como se percebe, é bastante limitado no tempo. A admitir-se que haja qualquer relação entre saber as datas das entradas e saídas da RAEM da Recorrida e o presente processo judicial, então esse conhecimento deveria ser limitado às entradas e saídas da Recorrida antes da data da escritura pública de compra e venda.
     III. A utilização de dados pessoais da 3ª Ré
     Dispõe o artigo 79º/2 do Código Civil: "A recolha de dados pessoais para tratamento informático deve ser feita com vinculação estrita às finalidades a que se destinam esses dados, as quais devem ser dadas a conhecer ao seu titular."
     A recolha de dados pelos Serviços de Migração da Polícia de Segurança Pública não pode ter outras finalidades senão as de cumprir a "missão" que resulta do artigo 2º do Regulamento Administrativo no. 22/2001, que são: Assegurar a ordem e a tranquilidade públicas; Exercer a prevenção, a investigação e o combate à criminalidade; Defender os bens públicos ou privados; Proceder ao controlo da imigração ilegal; Assegurar o serviço de migração; Regular e fiscalizar o trânsito de veículos e peões.
     A requisição dos dados de entradas e saídas da RAEM de qualquer pessoa, num processo cível, é uma circunstância excepcional que não pode ser admitida com leviandade, pois constitui uma violação ilícita da vida privada dos residentes e não-residentes que aqui se deslocam. Trata-se da exposição pública de dados que lhes são pessoais e que podem conduzir à nulidade de todo o processo.
     O processo civil é público e o requerimento do recorrente violava frontalmente também o disposto no Artigo 435.º do Código de Processo Civil que dispõe que: "Não podem ser utilizados em juízo as provas obtidas mediante ofensa da integridade física ou moral das pessoas ou intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nos outros meios de comunicação."
     Aquele requerimento violava também o Artigo 5º da Lei de Protecção de dados pessoais, nomeadamente o seu número "1. Os dados pessoais devem ser: [...] 2) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e directamente relacionadas com o exercício da actividade do responsável pelo tratamento, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades; [...]"
     Ora, certamente que a recolha dos dados pessoais constantes dos mencionados documentos, feita pelos serviços de migração da Polícia de Segurança Pública não se destina à instrução de processos cíveis relacionados com contratos promessa de compra e venda de imóveis.
     O douto despacho judicial recorrido não está ferido de qualquer nulidade nem viola as normas jurídicas invocadas pelo Recorrente, cujo requerimento não poderia de qualquer modo ter provimento.
*
    QUARTA PARTE:
    Recurso interlocutório interposto pelo Autor:
    
    A (Autor), Recorrente (Recorrido também), devidamente identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 16/09/2013 (fls.5033 e 5034), veio, em 15/10/2013, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 5213 a 5232, tendo formulado as seguintes conclusões :
     I. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 5033, na parte em que o Mmo. Juiz a quo indeferiu o requerimento de ampliação do pedido apresentado em sede de audiência de julgamento.
     II. O Autor oportunamente requereu a ampliação do pedido correspondente ao dano excedente resultante do incumprimento do contrato promessa.
     III. Requereu o ora Recorrente que para além do sinal em dobro, a 1ª Ré teria que pagar ao Autor, a título de indemnização, o valor correspondente ao dano excedente, ou seja, o valor de MOP$724.085.655,00 deduzido o valor do dobro do sinal já prestado - MOP$118,376,290.00, ou seja, o montante de MOP$605.709.365 (seiscentos e cinco milhões setecentas e nove mil trezentas e sessenta e cinco patacas).
     IV. Por despacho proferido em audiência de julgamento, entendeu o Tribunal a quo que os factos que o fundamentam foram deduzidos fora do prazo previsto no art.º 425º n.º 3 do CPC tendo, consequentemente indeferido o pedido.
     V. Ao sustentar que "o Autor devia ter deduzido articulado superveniente no prazo de 15 dias depois da ocorrência ou depois de tomar conhecimento do facto referido no art.º 37º" do seu requerimento de ampliação é evidente que o Tribunal pretende, pois, indicar que o facto alegado (pretensamente supervenientemente) teria ocorrido há mais de 15 dias da data da apresentação do requerimento.
     VI. Ora, resulta do artigo 37 do requerimento da ampliação a seguinte factualidade: "37.° O valor actual de mercado das fracções não é inferior a HK$760.460.000,00 (setecentos e sessenta milhões quatrocentos e sessenta mil dólares de Hong Kong), correspondente a MOP$783.273.800,00 (setecentos e oitenta e três milhões, duzentos e setenta e três mil e oitocentas patacas), conforme relatório de avaliação actual que desde já se protesta juntar.”
     VII. O facto indicado pelo despacho e que sustenta a extemporaneidade constitui apenas e tão só a invocação do valor actual de mercado das fracções.
     VIII. Tendo a alegação do valor actual de mercado sido apresentada, in loco, perante o Tribunal, o facto refere-se ao valor à data da apresentação do pedido.
     IX. É contraditória a fundamentação com a decisão proferida, na medida em que, reportando-se o facto à data do próprio despacho, o mesmo não poderia em qualquer caso ser havido como extemporâneo.
     X. Nem se diga que o que se pretendia da linha de argumentação utilizada se poderá fazer referência a data anterior, no sentido em que o Autor, ora Recorrente já sabia, há mais tempo, que o valor eram superior.
     XI. Tal ideia contradiz os próprios fundamentos orientadores da justa e actual indemnização a que alude o artigo 560°, nº 6 do Código Civil.
     XII. A sustentar-se como no despacho recorrido, os autores em processo civil ficariam sempre impossibilitados de exercer o seu direito de ampliar o pedido indemnizatório como a lei lhe faculta.
     XIII. Mais resulta da tal interpretação que nem mesmo os tribunais poderiam em caso algum, actualizar o valor indemnizatório na medida em obediência ao referido artigo 560°, nº 6 do Código Civil na medida em que nunca poderiam ultrapassar o valor inicialmente peticionado, pelo que incorreriam em manifesta condenação ultra petitum.
     XIV. Tal contradição implica necessariamente a nulidade do próprio despacho nos termos do artigo 571° nº 1 al. c) do Código do Processo Civil.
     XV. Com todo o devido respeito, a contradição evidenciada supra resulta de uma manifesta confusão dos regimes da dedução de articulados supervenientes com o da ampliação do pedido.
     XVI. Dá-se o nome de articulados às peças escritas pelas quais as partes introduzem a lide, expondo os fundamentos da acção e da defesa e formulando os pedidos correspondentes, resultando tal definição do artigo 101°, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau.
     XVII. A definição de articulado superveniente não pode, pois corresponder a qualquer facto, prendendo-se sempre umbilicalmente à própria definição de articulado, prevista no referido artigo 101°, n.º1 Código de Processo Civil.
     XVIII. Eventualmente antecipando eventuais confusões de aplicação do regime, o legislador, já em sede de definição de articulado superveniente lembrou que: "Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão." (artigo 425°, n.º 1 do CPC).
     XIX. Como resulta dos autos, mormente da petição inicial, o fundamento do pedido, ou, dito de outra forma, os factos que fundamentam o pedido do Autor, ora Recorrente, prendem-se com os que sustentam a resolução dos contratos-promessa celebrados, por incumprimento definitivo e culposo da 1ª R. e ora Recorrida.
     XX. Toda a factualidade respeitante ao incumprimento definitivo e culposo da 1ª R. mantém-se inalterada pelo que nada foi trazido aos autos de novo que altere o fundamento da pretensão do autor.
     XXI. O que fez o ora Recorrente correspondeu, tão só e apenas ao exercício do direito que tem de aumentar o pedido nos termos previstos e consagrados no Código de Processo Civil.
     XXII. Mantendo-se inalterado a factualidade que se prende ao incumprimento da Recorrida, e que serve de fundamento ao pedido, o Recorrente tem o direito de ampliar o pedido inicialmente formulado.
     XXIII. Resulta da resolução dos contratos-promessa celebrados, por incumprimento definitivo e culposo da 1ª R. O pedido inicialmente formulado, qual seja, a condenação desta a pagar ao Autor, a título de indemnização, a quantia de MOP$118,376,290.00, correspondente ao sinal em dobro.
     XXIV. Tal pedido indemnizatório, formulado no ano de 2008 encontra-se, na presente data (não só à data da apresentação do requerimento), completamente desajustado da realidade.
     XXV. Foi precisamente para obviar a esta realidade que o legislador atribuiu ao Autor um direito ou faculdade de ampliar o pedido (e referimo-nos apenas ao pedido, não à causa de pedir) sem que ponha em causa a estabilidade de instância.
     XXVI. Resulta pois do despacho em crise que o Tribunal a quo confundiu a ampliação do pedido com o instituto do articulado superveniente.
     XXVII. Porém, as duas figuras, apesar de poderem revestir de igual formalidade são essencialmente distintas, quer no seu conteúdo, quer nos requisitos e consequências legais, estando por isso autonomizados na Lei.
     XXVIII. Do ponto de vista formal, podem não existir diferenças entre a ampliação do pedido requerida posteriormente à apresentação da réplica e os articulados superveniente, uma vez que ambos revestem a forma de articulado novo, alheio ao processamento normal, no entanto, substancialmente existem diferenças entre as duas figuras.
     XXIX. A ampliação do pedido traduz-se numa modificação objectiva da instância e constituí uma excepção ao princípio da estabilidade da instância e é, de acordo com o próprio significado da palavra, um acrescento, um aumento, do pedido primitivo e apenas pode ser requerida pelo autor.
     XXX. O articulado superveniente tanto pode ser apresentado pelo autor como pelo réu e diz respeito aos factos constitutivos, modificativos ou extintivos que interessam à decisão da causa e que sejam supervenientes ou de que a parte apenas deles teve conhecimento já depois de ter apresentado os articulados normalmente previstos por lei.
     XXXI. Tendo a autora apresentado requerimento pretendendo ampliação do pedido, o Tribunal a quo, deveria apreciá-lo e admiti-lo por ter sido apresentado tempestivamente.
     XXXII. Detectada, pois a confusão de institutos, foram violadas, simultaneamente as correspondentes disposições: artigo 217°, nº 2, 101°, n.º 1, artigo 425°, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau.
     XXXIII. O pedido inicial (subsidiário) apresentado pelo Autor corresponde à indemnização por incumprimento do contrato que as partes celebraram.
     XXXIV. O que está pois em causa, no âmbito desse pedido subsidiário, é o valor desse ressarcimento,
     XXXV. Ressarcimento esse que, por decorrência directa do tempo e das circunstâncias decorridas durante o mesmo período temporal (valorização dos preços de mercado) impõe que se tenham em consideração o valor do dano excedente supra referido, como forma de admitir ao Tribunal um cálculo mais correcto e actualizado do valor da indemnização, como aliás impõe o artigo 560°, nº 5 do Código Civil.
     XXXVI. Por ser uma consequência do pedido inicial, e porque o momento da apresentação do requerimento de ampliação coincidiu numa fase mais próxima da prolação de uma sentença, o Autor, ora Recorrente pode - e deve - colaborar com o Tribunal no sentido de fornecer os dados mais oportunos para o cálculo da referida indemnização.
     XXXVII. A ampliação do pedido foi requerida antes do encerramento da discussão em primeira instância.
     XXXVIII. É pois manifesto que está o Recorrente estava, pois, em tempo para deduzir a presente ampliação do pedido,
     XXXIX. Foram assim violadas os artigos 217°, nº 2, 101°, n.º 1, artigo 425°, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau e artigo 560º, nº 5 do Código Civil.
*
    A Recorrida (Recorrente também), B, Limitada (1ª Ré), veio, 19/11/2013, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 5408 a 5418, tendo formulado as seguintes conclusões:
     Dispõe o artigo 598º/1 do Código de Processo Civil que, "Ao recorrente cabe apresentar a sua alegacão, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão."
     Ora, o Recorrente apresenta nada menos de 39 "conclusões" para as suas alegações. Conclusões que preenchem seis páginas das alegações cujo total é de vinte páginas.
     Para além de serem excessivamente extensas, as conclusões apresentadas são prolixas e complexas e tornam difícil - ou impossível - o conhecimento das razões do recurso. Com efeito, contêm longuíssimos parágrafos, estão eivadas de juízos de valor e proposições conclusivas.
     Na elaboração das conclusões do recurso o Recorrente deve ser claro e preciso quanto às suas razões e fundamentos, para permitir ao Recorrido responder adequadamente e para facilitar ao tribunal a delimitação do objecto do recurso. Por isso, para além de ser um instrumento de disciplina, constitui, igualmente, uma forma célere de apreensão do objecto do recurso, potenciando uma eficaz administração da justiça.
     Uma vez que já devem ter sido explicadas, no corpo da alegação, as razões de facto e/ou de direito da discordância com a decisão impugnada, o Recorrente deve terminar a sua alegacão com a indicação resumida, por proposições sintéticas, dos fundamentos de facto e/ou de direito, da alteração ou anulação da decisão.
     Pelo contrário, o que o Recorrente fez foi uma repetição de argumentos que configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.
     Termos em que deve o Recorrente ser convidado a aperfeiçoar as conclusões das alegacão apresentadas, nos termos do disposto no artigo 621º do CPC.
     Não pode o ora Recorrido deixar, desde já, de aplaudir a decisão do mui douto Tribunal a quo que, e muito bem, indeferiu o requerimento de ampliação do pedido apresentado em sede de audiência de julgamento, formulado pelo Autor - ora Recorrente.
     É que, outra não poderia ser a decisão daquele douto Tribunal, face à manifesta violação da lei e erro nos pressupostos de facto e de Direito que viciaram o pedido posto em crise.
     Mas, inconformado, o Recorrente vem interpor o presente Recurso, que manifestamente não pode colher qualquer aplauso junto do douto Tribunal ad quem.
     Desde logo, o recorrente, na tentativa, que se reconhece esforçada, de tentar levar o douto Tribunal ad quem a aderir à sua tese, envereda por caminhos tortuosos e descontextualizados da realidade de facto - alegando que o douto despacho violou os princípios mais elementares de direito civil, designadamente o da justa indemnização, e de processo civil, designadamente o princípio do dispositivo.
     Ora, o âmbito do recurso é limitado pelas conclusões apresentadas pelo Recorrente.
     Nas conclusões formuladas, o Recorrente pugna pela revogação do despacho recorrido essencialmente por entender que este padece de um vício lógico por ter rejeitado o requerimento apresentado por extemporâneo. (Conclusão IV)
     No entender do Recorrente, parece-nos, tal teria ficado a dever-se a uma confusão entre os regimes da dedução de articulados supervenientes e o da ampliação do pedido. (Conclusão XV)
     Mais considera o Recorrente que tem o direito de ampliar o pedido inicialmente formulado por se manter inalterada a factualidade que se prende ao incumprimento da Recorrida. (Conclusão XXII)
     Além disso, conclui que o pedido inicial apresentado pelo Recorrente corresponde à indemnização por incumprimento do contrato e que o que está em causa é apenas o valor desse ressarcimento. (Conclusões XXXIII e XXXIV)
     Em nosso modesto entendimento, labora o Recorrente em erro quanto a todos os argumentos que esgrime.
     Ora, estabelece o artigo 212º do CPC o princípio da estabilidade da instância, segundo o qual “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei."
     Importa, para o presente recurso, indagar quais são essas possibilidades de modificação consignadas na lei.
     Desde logo, é pacífico que há diferenças consoante se trate de casos em que há acordo entre o autor e o réu na ampliação.
     Na falta de acordo, que foi o caso dos autos, a causa de pedir só pode ser alvo de alteração ou ampliação na réplica, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (art. 217º/1), o que não aconteceu.
     Quanto ao pedido, "pode também ser alterado ou ampliado na réplica” (art. 217º/2). Pode, além disso, o autor ampliar o pedido (mas não pode alterar) até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
     Finalmente, podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito do que forem supervenientes (art.425º).
     Ora, entendeu o douto Tribunal a quo que "o Autor devia ter deduzido articulado superveniente".
     Tal entendimento deveu-se, sem sombra para dúvidas, à opção clara do Tribunal a quo pela concepção do requerimento do Recorrente como uma alteração à Causa de Pedir e não apenas uma mera ampliação do pedido subsidiário anteriormente formulado.
     O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (o reconhecimento judicial da usa propriedade sobre determinada coisa; a entrega ou restituição dessa coisa; condenação do réu numa prestação de certo montante; etc.).
     A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.»2
     Ora, a causa de pedir da acção inicialmente proposta era a alegada violação culposa dos contratos promessa pela Recorrida. Violação que tem na lei uma sanção bem específica e que é a devolução do sinal em dobro.
     Ora, abre ainda a lei a possibilidade do "direito de indemnização pelo dano excedente".
     No caso dos autos, o Recorrente, embora subsidiariamente, optou por pedir na sua petição inicial o pagamento do sinal em dobro,
     Para o efeito, carreou para os autos um conjunto de factos através dos quais pretendia fundamentar o seu pedido.
     Porém, nessa altura não foram alegados quaisquer factos atinentes a qualquer "dano excedente", sendo este uma originalidade apresentada já durante a audiência de discussão e julgamento.
     Porém, o dano excedente alegado opera uma alteração do pedido e da causa de pedir. Pois não se trata somente do incumprimento imputável à Recorrida, mas também de uma qualquer outra causa que provocou os danos ao Recorrente.
     No seguimento do requerimento apresentado em 12/9/2013, o Recorrente pediu a ampliação do pedido suportado no artigo 436º/4 do Código Civil, conjugado com o artigo 560º/5.
     Porém, o artigo 560º/5 é uma norma geral, que não tem aplicação ao caso dos presentes autos. Conforme a própria norma indica, "sem prejuízo do preceituado noutras disposições...". Ora, a norma contida no artigo 436º é especial e, por isso, derroga a norma geral do artigo 560º/5.
     Como assinala o acórdão do STJ de 13 de Novembro de 2008, "tal como também sucede na cláusula penal (...) o sinal não impede o credor de exigir indemnização nos termos gerais, quando o incumprimento culposo se refira a uma obrigação secundária e autónoma da obrigação principal, sempre que tal incumprimento, não se reflectindo no cumprimento da obrigação principal, seja produtor de danos. Incidindo, assim, o contratual incumprimento, numa obrigação secundária, ao mesmo será aplicável o regime geral, havendo lugar a indemnização se verificados estiverem os respectivos pressupostos".
     "Sendo o sinal completamente alheio a tal situação - Ana Prata, ob. cit., pags 777 e 789. Bem se podendo estar, naturalmente, perante outro fundamento indemnizatório, que não o mero incumprimento contratual, como sucederá, v. g., com a indemnização por benfeitorias realizadas pelo promitente-comprador que entrou na posse da coisa - P. Lima e A Varela, CCAnotado, Vol. I, p. 418 e A. Costa, ob. cit., p. 284".
     No mesmo sentido o acórdão da Relação do Porto de 6.7.1992 em cujo sumário pode ler-se:
     "I - O sinal representa a prefixação convencional da indemnização a satisfazer no caso de rescisão do contrato-promessa. II - Havendo sinal, a indemnização pelos danos resultantes do incumprimento é imperativamente a do artigo 442 nº 2 do Código Civil (cf. artigo 442 nº 4). III - Em consequência do incumprimento de um contrato - promessa atribuído a culpa do promitente comprador, não se pode cumular o direito a fazer seu o montante recebido a título de sinal, com um pedido de indemnização pelos lucros cessantes resultantes de ganhos que deixarem de se obter por o contrato não ser cumprido. IV - Mas pode cumular-se indemnização pelo incumprimento com indemnização por danos não resultantes directamente do incumprimento (como o resultante de falta de restituição de certos bens ou valores; o de benfeitorias feitas de boa fé na coisa recebida; etc.)".
     E o acórdão da Relação de Lisboa de 04/30/2009, no qual se pode ler:
     «A indemnização por benfeitorias realizadas pelo promitente comprador no bem que foi objecto do contrato promessa é cumulável com a restituição do sinal em dobro, uma vez que aquele tipo de indemnização não se funda no incumprimento contratual, não estando, por isso, abrangida pela proibição do nº 4 do artº 442º do CCiviI.
     No caso, a A, convicta que iria residir na casa prometida vender, equipou-a com uma cozinha e lava-loiças, cujo preço suportou, tal como também suportou a diferença de preço entre os azulejos e torneiras que faziam parte do contrato e aqueles que foram colocados no imóvel. Assim as aquisições referidas e integradas no imóvel eram necessárias para que a A. pudesse habitar condignamente a casa e foram realizadas na convicção de que a iria adquirir, pelo que se integram, umas no conceito de benfeitorias necessárias e outras no conceito de benfeitorias úteis (cfr. artº 216º, nº 1 e 2). Figura-se, portanto, que a A. terá direito a ser delas indemnizados, ao abrigo do disposto no artº 1273º, nº 1 do CCivil.
     A esta luz, tendo presente que, no caso concreto a A., vem pedir indemnização por danos patrimoniais resultantes da instalação na casa objecto do contrato-promessa de uma cozinha e de um lava loiça, bem como do valor das torneiras e azulejos, afigura-se serem tais danos ressarcíveis.
     Com efeito, a cozinha e o lava-loiça, encontram-se integradas na casa objecto do contrato resolvido, sendo certo que foi a A. que adquiriu e pagou o referido equipamento. O mesmo se passa com as torneiras e azulejos.
     Com aquisição de tais materiais e equipamentos instalados na casa objecto do contrato-promessa, a A. despendeu: na cozinha, 674.750$00, no lava-loiça, 13.500$00, nos azulejos e torneiras, o valor de 72.017$00. A Ré está, assim, obrigada a pagar à A., para além do valor relativo ao sinal em dobro, também a quantia correspondente em euros, ao valor em escudos de 760.267$00.
     Já o mesmo não pode ser tido em conta no que tange aos danos não patrimoniais, correspondentes ao desgosto, tristeza e incómodos causados pelo incumprimento do contrato-promessa e incluídos, bem como quanto aos restantes danos patrimoniais que decorrem directamente do incumprimento do contrato, sendo certo que nem sequer está provado que vasos, fogão e cortinados, não tenham sido, ou não possam ser aproveitados e utilizados pela A.»
     Concluindo este douto aresto, no que aos presentes autos interessa:
     «3. O sinal não impede o credor de exigir indemnização nos termos gerais, quando o incumprimento culposo se refira a uma obrigação secundária e autónoma da obrigação principal, sempre que tal incumprimento, não se reflectindo no cumprimento da obrigação principal, seja produtor de danos. 4. Será o caso de estarmos perante outro fundamento indemnizatório, que não o mero incumprimento contratual, como sucederá, v. g., com a indemnização por benfeitorias realizadas pelo promitente-comprador.»
     Ou seja, a indemnização pelo dano excedente há-de ter uma causa para além do mero incumprimento da Recorrida.
     Daí que no seu requerimento, o Recorrente tivesse já alegado factos que constituem uma verdadeira ampliação da causa de pedir, proibida por força do princípio da estabilidade da instância (artigo 212º do CPC).
     Pois, o Autor optou na sua petição inicial pela resolução dos contratos promessa, recebimento do respectivo sinal em dobro e juros desde a data do incumprimento.
     A causa de pedir do pedido que o A. pretende ver ampliado, ou seja, o facto concreto do qual emerge a sua pretensão, deixou de ser a resolução dos contratos promessa, para passar a ser o lucro da venda das fracções na presente data.
     Trata-se de um dado novo, que carece de alegação e prova de novos factos, que vai para além do mero aumento do valor das fracções em causa.
     Pois, como se sabe, a resolução dos contratos implica o ressarcimento pelo dano contratual negativo, ou seja, indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato.
     Agora, o que o A. vem pedir é o dano contratual positivo, ou seja, "se os contratos promessa viessem a ser cumpridos, no mínimo, assistiria ao Autor o direito a vender as referidas fracções ao preço actual de mercado" (art. 35º do requerimento)
     Na ampliação do pedido pressupõe-se uma identidade qualitativa da causa de pedir e do pedido e uma mera mutação quantitativa destas.
     Em todo o caso, na falta de acordo das partes, não sendo a ampliação do pedido mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, estas modificações objectivas da instância apenas são viáveis em sede de réplica, pelo que o requerimento do Autor é extemporâneo.
     Ainda que assim não fosse, importa frisar que o caso não é de ampliação do pedido, pois não se trata de uma mera alteração quantitativa de um efeito jurídico anteriormente peticionado, mas antes da formulação de um novo pedido, pois o que é pretendido pelo autor é um efeito jurídico novo distinto de todos os efeitos jurídicos que anteriormente havia deduzido na petição inicial, não podendo tal efeito considerar-se mero desenvolvimento ou consequência dos pedidos primitivamente formulados.
     Por isso, do que se trata é de uma cumulação sucessiva de pedidos.
     A cumulação sucessiva de pedidos na acção declarativa, face à inexistência de uma previsão expressa tem a doutrina processual considerado serem aplicáveis as regras que regem a alteração da causa de pedir e do pedido, mas apenas para os factos integradores da cumulação sucessiva já conhecidos à data da propositura da acção.
     Relativamente aos factos verificados na pendência da acção ou conhecidos na pendência da mesma, será aplicável outro regime, diferente do escolhido pelo Autor.
     Por outro lado,
     O sinal prestado pelo Autor assume apenas a natureza de arras penitenciais, isto é, o correspectivo da faculdade de desistir do contrato e sanção ou montante indemnizatório predeterminado para o incumprimento definitivo do contrato promessa.
     Assim, salvo o devido respeito, quer a restituição do sinal em dobro, quer a restituição do sinal, em singelo, não são dívidas de valor, pois apenas constituem sempre simples dívidas pecuniárias, sujeitas ao princípio nominalista.
     Sendo certo que a sanção para a falta da devolução do sinal em dobro é a que resulta do artigo 795º do CC: 1: "Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora."
     Ora, o "dano excedente" a que se reporta o artigo 436º/4 do Código Civil há-de ser um dano diferente daquele que é coberto pela devolução do sinal em dobro e dos respectivos juros.
     Pois, esta disposição legal destina-se a proteger o promitente-comprador nos casos em que para além incumprimento do contrato promessa e da perda do sinal prestado houve outros danos para o promitente-comprador, que ele não teria sofrido se não tivesse celebrado a promessa, como por exemplo os resultantes da transmissão da posição contratual para terceiro, a realização de benfeitorias no prédio em caso de tradição, etc.
     Ora, no presente caso, o dano resultante para o Autor limitou-se ao valor do sinal prestado, que não tem qualquer correspondência com o valor do imóvel.
     Com a resolução do contrato, peticionada em Setembro de 2008, o Autor desistiu da realização dos contratos prometidos e, como tal, mesmo que a tese do Autor prevalecesse, no que não se concede, este não teria direito ao preço de venda hipotético actual das facções, mas ao preço àquela data.
     Na verdade, não pode o Autor pedir para resolver um contrato-promessa e exigir uma indemnização que o colocasse na posição em que estaria se nunca o tivesse resolvido.
     Por outro lado, o Recorrente não cumpriu o ónus de formulação do seu pedido no prazo de quinze dias após o conhecimento do "dano excedente" que intempestivamente peticionou.
     É que o próprio Recorrente parece não perceber a diferença entre o significado do adjectivo "actual" e o conhecimento dos factos pela parte. O problema não está no valor “actual" das fracções, está pura e simplesmente no conhecimento da data na qual o dano excedente se produziu (ou começou a produzir).
     Assim, o Recorrente deveria ter formulado o seu pedido superveniente no prazo de quinze dias após o dano excedente que alega se ter começado a verificar, ou nos quinze dias posteriores ao conhecimento desse dano.
     Pois, o fenómeno de aumento de preços tem sido contínuo e quiçá não parará tão cedo.
     O Recorrente, se não conhecia ainda a extensão dos danos deveria tê-los remetido para liquidação em execução de sentença.
     Ao não ter cumprido o ónus de alegação, o Recorrente deixou caducar o direito de pedir a indemnização pelo dano excedente nos presentes autos, que foi reconhecido pelo douto despacho recorrido.
*
    QUINTA PARTE:
    Recursos interlocutórios interpostos pelas 1ª, 2ª e 3ª Rés:
    
    B, Limitada (1ª Ré), C, Limitada (C有限公司) (2ª Ré) e D (3ª Ré), Recorrentes, devidamente identificadas nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 27/09/2013 (fls. 5103 a 5107), veio, em 12/11/2013, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 5338 a 5363, tendo formulado as seguintes conclusões :
     A. O A., através dos seus mandatários requereu à Direcção dos Serviços de Finanças certidões das declarações de rendimentos das 1ª e 2ª RR. Relativas aos anos 2007 a 2012 no dia 16 de Setembro de 2013.
     B. Ou seja, o Autor não cumpriu o prazo de 15 dias a que se refere o Artigo 431º/1 do Código de Processo Civil e pelo contrário apenas diligenciou pela obtenção de prova de factos alegados, 4 anos antes, apenas já após o início do julgamento da matéria de facto pelo tribunal.
     C. Os dados requisitados referem-se a anos anteriores à data da elaboração do próprio despacho saneador, pelo que a iniciativa de os requisitar deveria ter sido tomada nessa altura, para que as Recorridas tivessem oportunidade de, em tempo útil, poder eficazmente exercer o direito do contraditório e apresentar a sua própria prova.
     D. O requerimento de certidões ao abrigo do artigo 462º do CPC é um procedimento que só deve ser deferido em caso de estarem esgotados os meios normais à disposição das partes para a obtenção da prova, além disso, não alega o Autor qualquer justificação para a apresentação do requerimento à D.S.F, apenas, na data da segunda sessão marcada para a audiência de julgamento!
     E. Mais, a certidão sobre a situação tributária passada pelos Serviços de Finanças revela, apenas, a regularização ou não dos pagamentos de dívidas fiscais, que não provam qualquer dos artigos da Base Instrutória indicados pelo Autor, constituindo, ainda, uma clara intromissão ilícita na vida das Rés.
     F. O despacho recorrido viola o disposto no Artigo 435.º do Código de Processo Civil que dispõe que: "Não podem ser utilizadas em juízo as provas obtidas mediante ofensa da integridade física ou moral das pessoas ou intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nos outros meios de comunicação." e ainda, em relação à 3ª R., o Artigo 5º da Lei de Protecção de dados pessoais, nomeadamente o seu número "1. Os dados pessoais ser: […] 2) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e directamente relacionadas com o exercício da actividade do responsável pelo tratamento, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades; […]"
     G. Além disso, trata-se do pedido de informação sujeita a confidencialidade fiscal que retrata a capacidade contributiva dos titulares desses dados à qual apenas estes têm direito, nos termos do disposto nos artigos 63º e 67º do Código do Procedimento Administrativo. Facto esse que terá sido determinante na recusa da DSF em passar aquelas certidões ao A.
     H. O rendimento mencionado na Certidão dos Serviços de Finanças é o resultado entre a diferença do lucro líquido e o lucro repartido pelos sócios, sendo, para além disso, às sociedades comerciais permitido um conjunto de operações financeiras e fiscais, designadamente o reinvestimento ou amortizações.
     I. Ou seja, a informação requisitada aos Serviços de Finanças é absolutamente inútil para provar que não se realizou a venda das fracções em causa.
     J. Mais, o próprio Autor, quando elaborou o seu requerimento, pretendia obter a prova dos artigos 17º, 18º e 19º da B.I., resposta que não pode ser dada pela certidão requisitada, por força da indefinição do conceito de "rendimento declarado" que não se confunde com receitas, cash-flow, lucro ou qualquer outro indicador de actividade comercial da empresa.
     K. O douto despacho recorrido deveria assim ter desde logo indeferido o pedido do A. por ser extemporâneo e impertinente para a descoberta da verdade.
     L. Quanto ao despacho de Fls. 5106 foi proferido no último dia de produção de prova testemunhal, após terem sido ouvidas todas as testemunhas arroladas pelas Rés. Testemunhas, essas, que não tendo os documentos inicialmente apresentados em 2009 sido impugnados, dos mesmos nada sabiam.
     M. Foram, assim, pedidos documentos e informações a entidades terceiras, após o final da produção da prova pelas Rés, apanhando as Rés de surpresa e sem qualquer justificação, porquanto dos documentos já juntos pelas Rés resultava claramente que a data dos meios de pagamento, bem como a dos recibos era posterior à data da realização das escrituras.
     N. Ou seja, os documentos juntos aos autos pela 1ª Ré provavam que a resposta ao quesito 14º teria que ser forçosamente positiva, pois era verdade que o pagamento do preço não foi efectuado nem antes nem naquela data [a data das escrituras].
     O. Ora, o artigo 6º/3 do Código de Processo Civil não pode afastar a responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem, nos momentos para tal processualmente previstos, os meios de prova, de acordo com o definido nos artigos 431º e 432º do CPC.
     P. Pode ler-se no Ac. Da Relação de Lisboa de 9/5/2013: "O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes. A inquirição por iniciativa do tribunal constitui um poder-dever complementar de investigação oficiosa dos factos, que pressupõe, no mínimo, que foram indicadas provas cuja produção implica a realização de uma audiência, assim, v.g., se o autor omitiu culposamente a apresentação em tempo útil, do requerimento probatório ... não havendo lugar a actos de instrução, nos termos do art. 621 º, não incumbe naturalmente ao juiz ouvir, ao abrigo deste preceito, as pessoas que o autor "sugere" que sejam inquiridas.”
     Q. A mesma posição é perfilhada por Nuno Lemos Jorge, para quem, se a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz "não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outro diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse.”
     R. Se é verdade que assiste ao juiz o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias à justa composição do litígio, este poder não se pode confundir com uma excepção ao regime do artigo 95º/5 do CPC: "O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, salvo no caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte."
     S. Ora, não há dúvidas que o prazo para o requerimento de diligências probatórias é o que se encontra fixado no artigo 431º do CPC: 15 dias após a notificação do despacho saneador ou da decisão das respectivas reclamações.
     T. ln casu o Tribunal foi a reboque do requerimento do Recorrido, que julgou extemporâneo, tendo a parte sido condenada em multa, para depois vir afinal, na prática, dar merecimento ao pedido do Recorrido.
     U. O despacho recorrido subverteu a ordem natural da produção da prova e, com isso, diminuiu consideravelmente as hipóteses de defesa das Recorrentes. Pois, conforme acabou por se verificar, foi com base nos documentos à última da hora juntos pelas entidades bancárias que o tribunal decidiu a resposta aos quesitos 12º, 13º e 14º da base instrutória.
     V. O teor do quesito 14º da base instrutória é "Não tendo a 2ª Ré nem a 3ª Ré pago, naquela data ou anteriormente, a título de preço, quaisquer quantias à 1ª Ré?”
     W. Ora, entre os documentos juntos pela 1ª Ré, aqui Recorrente, encontravam-se recibos de pagamento com datas posteriores à da escritura de compra e venda pelo que, a resposta ao quesito 14º estava já dada nos autos, sendo perfeitamente inútil proceder a qualquer outra iniciativa probatória relacionada com este quesito, pois a resposta sempre seria “provado”.
     X. É que o quesito não se refere ao pagamento posterior do preço, matéria que, como tal, fica fora do objecto da instrução.
     Y. Ora, tendo sido o facto articulado pelo Recorrido que as 2ª e 3ª RR. não pagaram qualquer preço antes ou na altura da outorga das escrituras qualquer quantia a título de preço, foi com base neste facto que as RR. elaboraram a sua contestação e prepararam e organizaram a sua defesa.
     Z. Tendo junto aos autos os documentos comprovativos do preço em data posterior, ficaram "descansadas" em relação a este ponto da matéria de facto, que não consideraram ser importante, por deixar entreaberta a hipótese de o pagamento poder ter sido feito alguns dias depois, como foi o caso.
     AA. Se o facto articulado pelo Recorrente como indiciador da simulação foi a falta de pagamento do preço numa determinada data anterior à das escrituras, não pode o tribunal indagar sobre o pagamento feito a posteriori, invocado pelas RR., sem antes o incluir na base instrutória.
     BB. Só assim se respeitaria o princípio dispositivo, bem como seria dada oportunidade às Rés de exercerem cabalmente o seu direito de defesa, o que de outro modo se tornou, na prática, impossível, por falta de oportunidade.
     CC. Através de mandado judicial só é possível o levantamento do sigilo bancário em processo penal. A disposição legal constante do Artigo 79º do RJSF é imperativa e o despacho em crise violou o Artigo 80º do RJSF e influiu no exame e na decisão da causa, porquanto os documentos juntos pelas instituições bancárias destinatárias daquele despacho o foram na convicção de a isso estarem obrigadas, por pensarem tratar-se de um mandado legítimo emitido em processo penal.
     DD. Sendo que, fora do quadro da autorização expressa do cliente, a revelação dos elementos cobertos pelo segredo depende da existência de outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.
     EE. Além do mais, o dever de segredo bancário previsto no artº 78º do RJSF constitui uns dos corolários do "direito (de personalidade) à reserva sobre a intimidade da vida privada" previsto no artº 30º da Lei de Bases da RAEM e artº 74º do Código Civil.
     FF. O segredo bancário só pode cessar em casos limitadíssimos, perante uma "justa causa", cujo objectivo único seja a salvaguarda de interesses manifestamente superiores.
     GG. ln casu, é patente que não existe qualquer colisão entre o interesse público de administrar Justiça, designadamente de o Tribunal decidir em conformidade com a Verdade, e o interesse privado dos emissores de cashier orders em verem garantida a confidencialidade da respectiva emissão.
     HH. Em primeiro lugar por estar em causa um litígio civil (entre particulares), não tendo o Recorrido considerado útil ou conveniente o recurso a tal expediente por sua própria vontade no prazo que para tal lhe foi conferido.
     II. Em segundo lugar, pelas circunstâncias em que foi proferido o despacho em crise, após a produção da prova, depois de ouvidas todas as testemunhas das Rés, que ficaram sem a oportunidade de explicarem ao tribunal o modo concreto como se processou o pagamento do preço, que era o que estava em causa.
     JJ. Trata-se, assim, de informação bancária que, para além de ser impossível poder responder à questão de se saber se as cashier orders foram efectivamente utilizadas no pagamento dos preços das compras e vendas impugnadas implica intromissão na vida privada e violação do segredo profissional que, nos termos do art. 442º, nº3 do Código de Processo Civil justificariam pedido de escusa e cessação do dever de cooperação do Banco em causa.
     K. Isto é o levantamento do sigilo bancário no que se refere àquelas cashier orders foi e sempre seria inidóneo para a prova dos quesitos 14, 12 ou 13.
     LL. Cumpria ao tribunal determinar com isenção em que medida a informação bancária seria instrumentalmente necessária à determinação de saber se houve quantias pagas na data das escrituras ou anteriormente à 1ª R., sabendo-se que a data dos pagamentos cujas informações se pediu eram posteriores.
     MM. O tribunal deve facilitar a posição processual de cada uma das partes, em pé de igualdade, sem favorecimento, nem estorvo de nenhuma delas em relação à outra. Mas no caso, ao dar “ajuda processual" ao A. veio substituir-se a este, extemporaneamente e sem qualquer fundamento lógico, tendo em conta os quesitos que fundamentaram a decisão.
     NN. Atendendo ainda ao esquema apertadíssimo e à falta de fundamento legal que legitime o levantamento do sigilo bancário, não é de admitir a possibilidade de o tribunal, motu próprio, decidir o levantamento do sigilo, quando a parte onerada com a prova não tomou qualquer iniciativa probatória nesse sentido durante mais de quatro anos.
     OO. Nos termos do disposto no artigo 147º do CPC, a prática de um acto que a lei não admita produz a sua nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
     PP. Os despachos recorridos violam as normas constantes dos artigos 30.º da Lei de Bases da RAEM, 74.º do C.C, 63.º e 67.º do C.P.A, 5.º da Lei da Protecção de Dados Pessoais, 78.º, 79.º n.º 2 e 80 do Regime Jurídico Sistema Financeiro e 6.º n.º 3, 95.º n.º 5, 147.º, 430.º, 431.º, 432.º, 435.º, 462.º, 556.º e 567.º do Código de Processo Civil.
*
    A (Autor), Recorrido (Recorrente também), com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 5555 a 5589, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Vieram as Recorrentes recorrer dos despachos de fls. 5104v e 5106 a 5107 que ordenaram a realização de duas diligências de prova que se traduziram na obtenção de informação sobre a situação contributiva das Recorrentes junto da Direcção dos Serviço de Finanças e o pedido de informações sobre a identidade das entidades requisitante e depositante das cashier orders juntas aos autos pelas Recorrentes.
     II. As Recorrentes agem em desespero de causa resultante do seu próprio dolo e por terem sido apanhada pelo próprio Tribunal na falsidade dos factos por si alegados e na prova enganosamente por si apresentada.
     III. O Tribunal a quo exerceu a função que lhe foi atribuída pela Lei, no exercício da Justiça que está estritamente dependente com o princípio da descoberta da verdade.
     IV. E fê-lo com obediência das normas que regem a produção de prova, com total isenção e imparcialidade, exercendo o inquisitório nesse particular e bem.
     V. O Tribunal podia ir mesmo mais além, na medida em que em resultado da diligência probatória, o Tribunal a quo, recebeu mais informação útil para os presentes autos e que mais ajudou a desmascarar a mentira que as Recorrentes queriam que ficasse a constar do processo!
     VI. O Autor requereu em 29 de Setembro de 2013 ao Tribunal a quo uma diligência de prova, qual seja, a de que o Tribunal oficiasse a Direcção dos Serviços de Finanças para vir aos autos informar quais os rendimentos declarados pelas 1ª, 2ª e 3ª Rés durante os anos de 2007 a 2012, por tal informação se mostrar essencial para a boa decisão da causa, nomeadamente para prova dos quesitos 17°, 18° e 19° da Douta Base Instrutória.
     VII. Se atentarmos ao teor dos referidos quesitos, é evidente que o interesse do Autor com a referida informação foi e é o de demonstrar que as referidas entidades não tinham qualquer actividade ou fonte de rendimento que as possibilitasse realizar uma compra com a envergadura como a que implica a aquisição de 105 fracções autónomas!!
     VIII. O Autor, ora Recorrido demonstrou, o que alegou no seu requerimento, que tentou antecipadamente obter informação directamente junto da Direcção dos Serviços de Finanças.
     IX. Tendo tal pedido tido insucesso na medida em que os referidos serviços recusaram por falta de legitimidade para pedir tal informação, por se considerar tratar de matéria sujeita a sigilo fiscal.
     X. Tal justificação é quanto baste para que o requerimento não se julgue inoportuno ou extemporâneo á luz da Lei processual Civil, na medida em que o Recorrido não dispunha de outro meio para obter a referida informação, senão através do Tribunal, o que deveras fez.
     XI. Na audiência de julgamento do dia 27 de Setembro de 2013, o Autor, ora Recorrido, requereu, no seguimento do depoimento da testemunha E: "Para melhor esclarecimento do Tribunal, e por tal se mostrar essencial para a boa decisão de causa, requer a V. Exa se digne oficiar a autoridade monetária de Macau para pedir às instituições bancárias da RAEM para vir aos autos informar o seguinte: 1. Quais as transacções bancárias efectuadas pelas Rés no período compreendido entre o dia 01/07/2008 a 31/10/2008, e 2.Para vir informar qual a entidade requisitante das "cashier-orders" juntas pela 1ª ré com a sua contestação sobre os doc. 433 a 461"
     XII. O requerimento do Recorrido não foi extemporâneo, desde logo porque o Recorrido fez o seu requerimento na sequência de múltiplas dúvidas que se suscitaram com depoimento da testemunha E.
     XIII. Às dúvidas resultantes do depoimento da referida testemunha acresceu o facto de resultar das escrituras de compra e venda dos dias 12/09/2008 e 16/09/2008, que os respectivos preços globais foram já recebidos, e estavam em manifesta contradição com as datas de algumas "cashier-orders" juntas aos autos, nomeadamente doe. n° 434 com a data de 18 de Setembro. Bem assim, relativamente à escritura de 12 de Setembro e ainda os doc. nºs 439, 442, 443, 445 e 447 da contestação da 1ª ré referente à escritura de 16/09/2008.
     XIV. As diligências probatórias que se pediram não foram, por isso extemporâneas nem poderiam ser consideradas inúteis.
     XV. O que está em causa nos presentes autos é se as diligências de prova ordenadas (não só as requeridas) são legítimas e legais no quadro do direito processual de Macau.
     XVI. Tal análise implica uma avaliação dos poderes do Tribunal na descoberta da verdade, dos deveres processuais dos demais sujeitos com intervenção no processo e, bem assim, na ponderação dos interesses em causa por parte do Tribunal.
     XVII. Com todo o devido respeito, também não pode proceder, por ininteligível, o argumento de que as Recorrentes ficaram impossibilitadas ou diminuídas no exercício do contraditório, sendo a tese, aliás, absurda.
     XVIII. Os meios de prova requeridos referem-se a factos do conhecimento pessoal das próprias Recorrentes! Ou seja, toda a informação em causa estava sob o seu controle, e pelas mesmas guardadas ou antes escondidas ...
     XIX. Se se tratasse de facto sob o controlo de terceiro e fora do conhecimento das Recorrentes, ainda valeria o argumento que as Recorrentes precisariam de mais tempo para organizarem a sua posição processual.
     XX. As informações fiscais das próprias Recorrentes deverão ser pelas mesmas conhecidas e nem eram muitas, na medida em que se revelou não terem grande actividade (o mesmo acontecendo com as informações bancárias).
     XXI. As próprias Recorrentes bem saberiam ex ante, se tinham ou não usado das referidas cashier orders ou ordens de caixa para proceder aos referidos pagamentos.
     XXII. Se ficaram prejudicadas pela surpresa, só pode significar que ficaram atrapalhadas por terem alegado factos que as diligências realizadas mostraram não serem verdadeiros, pelo que não poderá proceder, pois, tal argumento.
     XXIII. Nos termos do artigo 8° do Código do Processo Civil de Macau, todos os sujeitos intervenientes num processo estão obrigados a uma relação de cooperação.
     XXIV. No que toca ao direito probatório, o Código de Processo Civil é claro em fazer reflectir esses deveres de cooperação e o poder/dever do juiz em remover quaisquer obstáculos que prejudiquem a composição do litígio e à descoberta da verdade.
     XXV. O legislador uma vez mais concretizou esse dever de cooperação no âmbito da produção de prova, desta feita no artigo 442º do Código de Processo Civil, ao consagrar que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
     XXVI. Da mesma forma, o legislador teve o cuidado de antever os obstáculos que poderão ocorrer no âmbito da produção de prova, como acontece aos obstáculos resultantes do sigilo, seja ele o sigilo referente tanto a dados tributários, como o que se refere a dados bancários.
     XXVII. Na sequência do supra exposto, o Código de Processo Civil de Macau estabelece várias normas que atribuem ao Tribunal poderes especiais no âmbito da obtenção de prova.
     XXVIII. Vejamos o caso das informações pedidas à Direcção de Serviços de Finanças e que se destinava a apurar a existência ou não de actividade das Rés e da sua capacidade para, de per si, poderem adquirir as fracções em causa.
     XXIX. Estabelece o artigo 443.° do Código de Processo Civil, sob a epígrafe de Dispensa da confidencialidade, que a confidencialidade de dados que se encontrem na disponibilidade de organismos oficiais e que se refiram à identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora ou que permitam o apuramento da situação patrimonial de alguma das partes, não obsta a que o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, determine a prestação de informações essenciais para o regular andamento do processo ou para a justa composição do litígio.
     XXX. A Direcção dos Serviços de Finanças é um organismo oficial...
     XXXI. O mesmo preceito é claro em atribuir ao juiz o poder de oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, determinar a prestação de informações essenciais para o regular andamento do processo ou para a justa composição do litígio.
     XXXII. Foi o que fez o Tribunal a quo, com sucesso, tendo resultado da informação obtida que: a 2ª não pode gerar rendimento capaz de suportar, por si só, e sem recurso a qualquer financiamento ou suprimento dos sócios, a aquisição das fracções autónomas a que os autos se referem; e que à 3ª Ré não é conhecido o exercício de qualquer actividade comercial em Macau - vide decisão de matéria de facto.
     XXXIII. Alega a Recorrente que a informação prestada pela entidade bancária foi prestada "por pensarem tratar-se de um mandado legítimo emitido em processo penal"
     XXXIV. Para cimentar a sua alegação invoca a Recorrente que o levantamento de sigilo só é possível através de mandado judicial; e só é possível em processo penal.
     XXXV. Antes de se tecer a resposta a semelhante tese, desde logo nos perguntamos o que seria das diligências levadas a cabo todos os dias nos tribunais cíveis da RAEM para obtenção de informações de instituições bancárias em centenas de processos de execução, de providências cautelares de arresto, de falências, etc, etc.?!
     XXXVI. Da letra do art. 80º do RJSF não decorre a conclusão de que apenas em processo penal será possível aos tribunais conceder a dispensa do dever de segredo que impende sobre as instituições financeiras.
     XXXVII. O que antes resulta da referida norma é que os requisitos e termos em que tal dispensa do dever de segredo poderá ser levantada (nomeadamente perante a recusa da entidade bancária em prestar as informações solicitadas) se processa nos mesmos termos previstos na lei penal ou processual penal,
     XXXVIII. O que é bem diferente de se dizer que apenas se poderá processar nos termos da lei penal ou processual penal.
     XXXIX. A entidade bancária não se recusou a prestar a informação, tendo sido prestada voluntariamente, bem sabendo que o requisitante é um Tribunal com o dever de exigir apenas a informação que se mostre essencial atendendo aos interesses em causa.
     XL. Quanto a esse facto alega a Recorrente que "[...] os documentos juntos pelas instituições bancárias destinatárias daquele despacho o foram na convicção de a isso estarem obrigadas, por pensarem tratar-se de um mandado legitimo emitido em processo penal.", implicando que que o ofício era ilegítimo.
     XLI. A Recorrente viola e deturpa todo o regime da prova no processo civil de Macau.
     XLII. O primeiro princípio de que nos fala o código é o princípio da licitude da prova, dispondo o artigo 435º que não poderão ser usadas em juízo provas obtidas mediante ofensa da integridade física ou moral das pessoas ou intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nos outros meios de comunicação.
     XLIII. Este artigo 435º tem um alcance enorme no regime da validade ou licitude da prova, devendo ser considerada lícita toda a prova que não seja obtida pelos meios elencados no referido preceito.
     XLIV. A informação bancária em causa foi obtida por ofício do Tribunal, ou seja a solicitação da mesma entidade soberana, não resultando de nenhuma carta do banco extraviada ilegitimamente por outrem nem resultou de nenhum furto de correspondência, e também não nos parece que tenha sido assacada sob tortura ou outro meio de coação...
     XLV. Dito de outro modo, a informação bancária resulta, isso sim, de uma solicitação do Tribunal e fornecida pela respectiva entidade voluntariamente.
     XLVI. Desde logo se conclui pela validade e licitude de toda a prova providenciada pelo banco oficiosamente solicitada pelo Tribunal.
     XLVII. As Recorrente também não indicam em que factos se baseiam para afirmarem que as entidades tivessem sido enganadas.
     XLVIII. Só em caso de exercício do direito de escusa com fundamento na alínea c) do n.º 3 do artigo 442º do Código do processo Civil é que o Tribunal ficaria sujeito ao exercício do poder especial de levantamento do sigilo.
     XLIX. Poder esse que se encontra regulado no artigo 4 do mesmo preceito, nos seguintes termos: "Pedida escusa número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto na lei processual penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo invocado."
     L. No presente caso, bastará ler com cautela o despacho recorrido para constatar que o Tribunal a quo não deferiu o requerimento probatório do Recorrido, tendo exercido, ao invés, o seu próprio poder inquisitório para ordenar a prestação da referida informação bancária.
     LI. Resulta do mesmo despacho que, em antecipação da ordem, o Tribunal a quo fez uma avaliação dos interesses em causa, tendo ainda restringido o âmbito da diligência requerida pelo Recorrido.
     LII. Foi precisamente em ponderação dos interesses em causa que o tribunal a quo, exerceu o inquisitório, ou melhor, decidiu-se que, "Quanto à utilidade das diligências, julga-se que para os quesitos em questão podem ser úteis para a apreciação dos quesitos acima referidos.
     LIII. Nos termos do artigo 6°, n° 3, do CPC, "Incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todos as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer" ou seja, em antecipação, o que é de boa prática processual quando é sabido que a diligência pode, por constituir matéria sujeita a segredo, o Tribunal delimitou a diligência na parte essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
     LIV. É este o entendimento da jurisprudência que se debruçou sobre a matéria em causa, que desde já se indica como mera referência de direito comparado e que especialmente se debruça sobre a necessidade de se levantar o sigilo bancário:
     LV. Por todos vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/23/2006, cujo sumário é lapidar: "O respeito pela privacidade do depositante subjacente ao sigilo bancário tem de compaginar-se com a realização dos direitos subjectivos através da acção jurisdicional, devendo ceder na medida necessária ao êxito dessa finalidade. Estando controvertidos factos relacionados com movimentos ocorridos numa conta bancária do Autor e que, segundo este, teriam sido feitos pelo Banco Réu sem sua autorização e conhecimento, deve dispensar-se o sigilo bancário para efeitos de prestação de depoimento testemunhal por parte de funcionários do Banco."
     LVI. Nos presentes autos, discute-se, entre outros, os factos que determinem a nulidade, por simulação das compras e vendas de 105 fracções autónomas, por sua vez, o Tribunal a quo, como se viu, ficou com dúvidas quanto ao destino e função das cashier orders ou ordens de caixa que foram juntas pelas Rés como constituindo o modo usado pelas mesmas para proceder ao pagamento dos valores dos negócios que deveras simularam.
     LVII. O resultado não podia ter sido outro, tendo concluído o Tribunal a quo "que as ordens de pagamento juntos para comprovar o pagamento alegadamente feito pela 2a Ré não se destinavam a este pagamento."
     LVIII. O Tribunal a quo exerceu pois, e bem o princípio do inquisitório, intrinsecamente ligado ao princípio da colaboração na realização da Justiça, consagrado pelo Legislador de Macau, no âmbito do qual o Juiz poderá e deverá usar do Imperium sempre que se afigure necessário para composição do litígio.
     LIX. Esse poder/dever ficou melhor consagrado no artigo 6° do Código do Processo Civil, melhor transcrito pelo Tribunal a quo, sendo a Doutrina unânime em reconhecer ao juiz o direito de, ex oficio diligenciar na descoberta da verdade:
     LX. Por todos, vejamos os ensinamentos do Prof Antunes Varela, "Se, no hibridismo do um tal sistema, o que interessa acima de tudo é a verdade (material) sobre os factos alegados pelas partes, qualquer que seja o farol donde irradia a luz da verdade, nada impedirá que a prova de um facto se faça sobre elementos carreados para o processo, mas pela parte contrária (a quem o facto prejudica). Como nada obstará que o juiz desencadeie, por iniciativa própria, todas as diligências necessárias ao esclarecimento da verdade sobre os factos alegados pelas partes." Antunes Varela, J. Miguel Bizerra, Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil: 2ª ed., pág. 449
     LXI. Quanto ao sigilo bancário, a Doutrina também é clara, no sentido de exigir apenas a ponderação de interesses que, como é manifesto e resulta do texto da decisão, foi feita pelo Tribunal a quo: " Quer no plano penal quer no plano civil parece resultar, hoje, da jurisprudência portuguesa, a tendência para, na boa fórmula de MENEZES CORDEIRO, "a necessidade duma concreta ponderação de interesses, nunca devendo a quebra do sigilo ir além do necessário" (103). Este caminho da "ponderação de interesses", parece resultar, inevitavelmente da evolução do regime do segredo bancário. Mas serão necessárias permanentes cautelas para que ele não conduza à sua drástica redução, senão mesmo ... ao final desaparecimento prático da sua eficácia." Augusto de Athayde, in Curso de Direito Bancário, Volume I, Coimbra Editora, pago 509.
     LXII. De tudo o exposto resulta que a prova obtida pelo Tribunal a quo, quer a resultante do requerimento oportunamente apresentado pelo Recorrido, e respeitante à situação fiscal das Recorrentes, quer à identidade do requisitante destes cashier orders e a favor de quem as respectivas quantias foram pagas é legal e legítima.
*
    SEXTA PARTE:
    Recurso interlocutório interposto pela 2ª Ré:
    
    C, Limitada (C有限公司) (2ª Ré), Recorrente, com os sinais identificativos nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 04/04/2014 (fls. 5633 a 5635), veio, em 19/06/2014, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 5659 a 5669, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. As sentenças e os despachos judiciais devem especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão,
     2. A falta de fundamentação de facto e de direito quando é absoluta implica a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 571 º do CPC.
     3. Nos termos do disposto no artigo 451 º do CPC as partes podem oferecer documentos em qualquer estado do processo.
     4. Esses documentos só podem ser retirados do processo em condições excepcionais, a que o douto despacho recorrido não aludiu.
     5. Em princípio, os documentos só podem ser retirados do processo depois de transitar em julgado a decisão que põe termo à causa.
     6. O indeferimento de um determinado requerimento não tem como efeito imediato a recusa da junção dos documentos juntos com esse requerimento.
     7. O douto despacho recorrido ordena o desentranhamento dos documentos juntos pela 2ª Ré mas não ordena o desentranhamento dos documentos juntos pelo Autor na resposta a esse requerimento,
     8. O douto despacho recorrido deveria ter incorporado os documentos juntos pela 2ª Ré com a invocação da falsidade.
     9. Quer o Tribunal Colectivo quer o próprio despacho recorrido fazem um exercício de reconhecimento da origem e autoria do documento de fls. 5036 a 5041, como pertencendo a "uma autoridade do interior da China".
     10. Nos termos do disposto no artigo 370º/1 do Código Civil, pode ser arguida e provada a falsidade dos documentos particulares.
     11. O douto despacho em crise deveria, após a classificação do documento de fls. 5036 a 5041 como mero documento particular, ter aceite o incidente da falsidade nos termos do disposto no artigo 370º/1 do CC.
     12. A parte contra quem seja apresentado um documento, mesmo que se trate de documento particular, pode deduzir o incidente de falsidade
     13. O despacho recorrido violou as normas constantes dos artigos 366º, 370º/1 do Código Civil e artigos 4º, 436º, 451º, 467º e 468º, 471º/1, 473º do Código de Processo Civil.
*
    A (Autor), Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 5691 a 5706, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. No recurso a que ora se responde veio a Recorrente recorrer do despacho de fls. 5633 a 5635 que não admitiu o incidente de falsidade de documento de fls. 5036 a 5041 por si apresentado.
     II. A Recorrente deduziu a fls. 5605 e seguintes o incidente de falsidade do documento de fls. 5036 a 5041 porquanto, alegadamente, no processo que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV3-04-0011-CAO encontra-se um documento que "…contradiz o que se escreve…" no documento cuja falsidade invoca, mais alegando que esse documento é falso ao abrigo do disposto no art. 366°, nº 2 do Código Civil.
     III. O documento de fls. 5036 a 5041 trata-se de um documento que constitui um relatório que veio a ser elaborado por profissionais encarregues de acompanhar os investimentos do Governo da RPC em Macau, nomeadamente os investimentos concretizados pelos contratos promessa de compra e venda referentes às fracções em causa nos presentes autos, pelo que não passa de um mero documento particular.
     IV. Porque se trata de um documento particular secundado pelos depoimentos testemunhais dos seus autores, o incidente da falsidade deduzido pela Recorrente ao abrigo do disposto no art. 366° do Código Civil não é aplicável in casu, porquanto tal norma se refere tão só e apenas aos documentos autênticos.
     V. As pessoas que elaboraram o relatório cuja falsidade se invocou foram arroladas como testemunhas nos presentes autos, e essas mesmas pessoas vieram a prestar o seu depoimento em sede de audiência de discussão de julgamento, tendo vindo a confirmar não só a autoria do documento, bem assim como in totum os factos que nesse documento vieram descritos.
     VI. Está por demais comprovada a genuidade do referido documento, e assim sendo, o referido documento nunca será tido como falso, fazendo, nos termos do disposto no artigo 370.º, n.º 1 prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.
     VII. Outra coisa será a veracidade das declarações prestadas no referido documento, e estas estão, como estiveram, sujeitas à contraprova em sede de audiência de discussão e julgamento e sujeitas à livre apreciação do douto Tribunal.
     VIII. Não pode a Recorrente lançar mão do expediente que agora vem querer usar como forma de lançar a confusão ao Tribunal e de tentar alterar a decisão de facto.
     IX. É inequívoco que estamos perante um documento particular e que, quanto a estes, conforme decidido no despacho recorrido, não é admissível o incidente de falsidade tal como é aliás entendimento maioritário da jurisprudência portuguesa.
     X. Aquilo que a Recorrente vem dizer é tão só e apenas que os factos descritos no documento em causa não correspondem à realidade e nada é alegado quanto à falsidade do documento no que diz respeito ao processo de fabricação do mesmo contra a vontade do seu declarante, nem tal poderia ser, dado que os autores do documento em questão vieram aos autos, em sede de audiência de discussão e julgamento, confirmar o teor do documento e a sua veracidade.
     XI. Desta forma, tratando-se este de um documento particular, a força probatória quanto à realidade dos factos nele atestados é apreciada livremente pelo Tribunal... como o foi!
     XII. O Recorrente apenas pretende "entupir" o processo com documentos muito para além do prazo legalmente permitido para o efeito, procurando desesperadamente a renovação da instância probatória e através de expedientes manifestamente inadmissíveis como o incidente de falsidade de um documento particular.
     XIII. Aceitar que os documentos que acompanham um incidente da instância, não admitido por manifestamente improcedente, permaneçam nos autos seria aceitar uma subversão das disposições legais que se ocupam do momento da apresentação dos documentos.
     XIV. O Tribunal a quo não tem de se pronunciar sobre a pertinência ou necessidade dos documentos ou fazer um qualquer juízo sobre o respectivo conteúdo para se poder aferir sobre a sua admissibilidade ou não.
     XV. Tendo os documentos sido juntos apenas e tão só como prova de um incidente de falsidade, e não tendo esse incidente de falsidade sido sequer admitido por manifestamente improcedente, o Tribunal a quo, para além do acidente suscitado, nada tinha a apreciar e valorar.
     XVI. Não admitir-se a bondade da decisão que determina o desentranhamento dos documentos de fls 5609 a 5611 como consequência directa e necessária da decisão de indeferimento do incidente de falsidade, seria aceitar que nos autos pudessem ser juntos documentos para lá do prazo legal de junção, bastando para tanto que as partes deduzissem um qualquer incidente, mesmo manifestamente improcedente, e o instruísse com documentação diversa.
*
    SÉTIMA PARTE:
    Recursos interpostos pelas 1ª, 2ª e 3ª Rés contra a sentença final:
    
    B, Limitada (1ª Ré), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 25/11/2014 (fls. 5712 e ss.), dela veio, em 09/03/2015, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 5773 a 5887, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. A narração apresentada pelo Autor na sua petição inicial não tem qualquer relação com os factos constantes da sentença recorrida nem se detecta qualquer identidade entre o dito num lado e o dado como provado no outro;
     2. Na petição inicial, deve o autor apresentar os fundamentos de facto e de direito da pretensão que vem formular ao tribunal (artigo 389º do CPC), o que manifestamente não aconteceu nos autos;
     3. O contrato de compra e venda comporta os seguintes elementos (art. 869º do Código Civil):
     a. A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
     b. A obrigação de entregar a coisa;
     c. A obrigação de pagar o preço.
     4. Na elaboração da Base Instrutória, deve ser feita a selecção da matéria de facto escolhendo, a partir dos factos articulados pelas partes, os factos relevantes, que correspondem a todos os possíveis enquadramentos jurídicos da causa (artigo 430º do CPC).
     5. Porém, o tribunal a quo não quesitou qualquer dos factos alegados pelas Rés para sustentar a validade do negócio e fazer a contraprova da simulação, apoiadas nomeadamente na verificação dos elementos mencionados na Conclusão 4ª a. e 4ª b.
     6. A Recorrente alegou um conjunto de factos que consubstanciavam o exercício que vinha fazendo do seu direito de propriedade até à data das escrituras de compra e venda - nomeadamente, o pagamento das despesas, zelar pela segurança e limpeza das fracções, protegeu-as do mau tempo e de intrusos, entre outros.
     7. A partir do momento das escrituras, foram as 2ª e 3ª Rés quem, respectivamente, passaram a exercer estes actos materiais de propriedade sobre as fracções, para tanto alegando os factos nas suas Contestações.
     8. Acompanharam as Rés a realização do negócio de vários indícios da verdade do mesmo: celebração dos contratos-promessa, visita do administrador da 2ª Ré e da 3ª Ré às instalações, tendo levado fitas métricas e perguntado da possibilidade de arrendamento de parques de estacionamento.
     9. Esta matéria deveria ter sido trazida à Base Instrutória, dando-se como provada a verificação da transmissão da propriedade;
     10. Por outro lado, alegaram ainda as Rés terem sido dadas as chaves de cada fracção, bem como colocados os nomes das compradoras na porta de cada fracção, colocado o nome no directório do prédio localizado no rés-do-chão, bem como a 2ª Ré chegou a alugar um painel publicitário no referido edifício.
     11. Passaram a 2ª e 3ª Rés a pagar as despesas de condomínio, renda e obrigações fiscais.
     12. Actos e factos que reflectem a entrega das fracções e que deveriam ter sido trazidos para a Base Instrutória.
     13. Estes factos são constitutivos do direito do Recorrido - cabia-lhe a ele alegar que não houve transmissão da propriedade nem entrega das fracções, sob pena de não se conseguir concluir, a final, que o negócio foi simulado.
     14. Bem como não foram incluídos na base instrutória os factos relativos à interpelação ao Recorrido, pelo que não podia na douta sentença recorrida concluir-se que "não existem elementos nos autos".
     15. A selecção da matéria de facto desdobra-se em duas operações diversas: a primeira é a escolha, a partir do mole de factos articulados pelas partes, dos factos relevantes, i.e., dos factos que correspondem a todos os possíveis enquadramentos jurídicos da causa (artº 430º nº 1 do CPC); a segunda é a separação, no conjunto factos julgados relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, daqueles que devem considerar-se assentes e dos que se mostram controvertidos, i.e., dos que devem constituir objecto da prova e, como tal, devem figurar na base instrutória.
     16. O quesito relativo à realização do preço das fracções, por outro lado, reporta-se ao alegado pelo Autor na p.i. e menciona: "Não tendo a 2ª nem a 3ª Ré pago, naquela data ou anteriormente, a título de preço quaisquer quantias à 1ª Ré?";
     17. Porém, resultava da Contestação das Rés que o preço não foi pago antes mas na sequência da realização das escrituras, o que também deveria ter sido quesitado, para cabal esclarecimento da verdade.
     18. O artigo 875º/2 do Código Civil permite que no contrato de compra e venda o preço seja pago diferidamente.
     19. A Recorrente alegou também ter colocado as fracções no mercado antes da data da realização das escrituras, o que seria mais um indício da sua vontade real de vender, o que não foi trazido para a Base Instrutória,
     20. Estes factos não eram essenciais para a prova da simulação per se, mas são sem dúvida factos que, a serem provados, impedem a conclusão de que não houve vontade da Recorrente de vender as fracções.
     21. A prova da transmissão da propriedade e da entrega da coisa pode ser feita através das atitudes de um normal proprietário e que se prolongam no tempo, que vão para além do exacto momento da conclusão formal do negócio.
     22. Foram estes factos que foram ignorados na Base Instrutória e que impediram às Rés demonstrar em sede de instrução a verdade.
     23. Um caso em que o Tribunal de Segunda Instância pode ser chamado a censurar o julgamento da matéria de facto realizado na 1ª instância respeita à infracção das regras relativas à selecção da matéria de facto - trata-se de controlar a exactidão da operação de selecção da matéria de facto.
     24. Esta selecção deve incidir sobre todos os factos que sejam relevantes segundo todos os possíveis enquadramentos jurídicos do objecto da acção.
     25. Qualquer facto não deve deixar de ser seleccionado, ainda que ele só possa ser relevante se, em relação a uma questão controversa na doutrina ou na jurisprudência, o tribunal vier a adoptar um determinado entendimento ou a preferir uma certa solução: ao juiz da causa não cabe, no momento da selecção dos factos relevantes, antecipar qualquer solução jurídica e, menos ainda, excluir da escolha os factos que não forem relevantes segundo esse enquadramento.
     26. O despacho que decida a reclamação contra a matéria de facto não tem o efeito de caso julgado que torne indiscutível a exactidão do procedimento quer da escolha dos factos relevantes quer da sua repartição entre os que devem desde logo considerar-se assentes e os que devem reputar-se controvertidos.
     27. Sempre que considere deficiente obscura ou contraditória a decisão sobre determinados pontos de facto ou quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto - por se ter omitido o julgamento de um facto relevante, designadamente por não constar da base instrutória - o Tribunal de Segunda Instância deve anular, mesmo ex-officio, a decisão da 1ª instância e reenviar-lhe o processo para que proceda a novo julgamento (artº 629º/4, 1ª parte, do CPC).
     28. A Base Instrutória deveria ter incluído os factos alegados nos artigos 96º a 104º, 108º a 111º, 113º a 122º e 138º, 147º e 151º da Contestação da 1ª Ré; os que foram alegados pela 2ª Ré nos artigos 47º a 58º e 68º da Contestação; e os alegados pela 3ª Ré nos artigos 47º a 57º e 67º da Contestação.
     29. Fundamentou-se a decisão da matéria de facto, nomeadamente, no relatório de fls. 5036 a 5041 e no depoimento de três testemunhas.
     30. Porém, as três testemunhas do Autor depuseram ter como razão de ciência:
     a. A 1ª testemunha: em relação aos factos passados antes de 2005 “ter ouvido dizer";
     b. A 2ª testemunha: tem apenas conhecimento indirecto que lhe adveio de documentos escritos por terceiros desconhecidos e que não se encontram nos autos e do que a 3ª testemunha lhe disse;
     c. A 3ª testemunha: apenas tem conhecimento indirecto dos factos ocorridos depois de 2006, dos restantes alguém lhe contou.
     31. Nenhuma das testemunhas teve conhecimento directo e pessoal dos factos passados até ao ano 2005.
     32. Foram incorrectamente julgados os pontos sob os artigos 12º, 13º, 14º, 20º, 23º, 30º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º da Base Instrutória.
     33. Existem nos autos concretos meios probatórios e registos que impunham sobre estes quesitos as seguintes repostas:
     34. Quesitos 12º, 13º, 14º, 20º, 23º, 41º, 42º, 43º e 44º - Não provados.
     35. Quesitos 30º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º - Provados.
     36. As sociedades comerciais são representadas pelos seus administradores e é nestes pessoalmente que deve ser feita qualquer exigência de cumprimento de obrigações.
     37. Na decisão da matéria de facto podem ocorrer várias situações, contando-se entre elas a de respostas aos quesitos com conteúdo restritivo ou explicativo.
     38. Com uma resposta explicativa concretiza-se um facto com utilidade para a decisão da causa, mantendo-se a mesma dentro da pergunta formulada, mas explicitando o seu conteúdo, sem que, no entanto, a mesma amplie a factualidade articulada pelas partes.
     39. A possibilidade excepcional de serem considerados factos que apenas resultaram da discussão da causa em audiência não se verifica neste caso.
     40. Com a resposta meramente afirmativa ao quesito 23º, negou-se a possibilidade de sindicância posterior do juízo denotativo, necessariamente resultante do raciocínio lógico-indutivo, que o tribunal a quo fez quando decidiu sobre a matéria de facto.
     41. O mínimo descritivo há-de encontrar-se, pelo menos, na indicação correcta dos sujeitos de uma determinada acção.
     42. Quando o Recorrido alega na p.i. que fez determinada coisa e a Recorrida impugna o facto porque sabe que ele não o fez porque disso não teve notícia, está vedado que possa, a posteriori, o Recorrido, através das suas testemunhas, que não ele próprio, relatar uma situação que não tem qualquer correspondência com o originalmente alegado.
     43. O tribunal a quo não deu a possibilidade à Recorrente de se pronunciar sobre a versão dos factos trazida pelas testemunhas do Recorrido para a audiência de discussão e julgamento, fundamentalmente diferente do alegado na p.i., pelo que existiu excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório - artigos 5º e 567º do CPC.
     44. O Recorrido indicou no cabeçalho da petição inicial residir em Macau na morada para a qual a Recorrente enviou os convites para a celebração dos contratos prometidos (Artigo 389.º/1-a) do CPC).
     45. A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente (artigo 351º do CC).
     46. Nessa mesma morada o tribunal tentou, em vão, convocar o Recorrido para o seu depoimento de parte.
     47. Mesmo após três tentativas de contactar o Recorrido para prestar o seu depoimento de parte, nunca o Recorrido recebeu qualquer notificação.
     48. O tribunal recorrido deveria ter considerado que o Recorrido não age de boa-fé quando indica a sua morada e que agiu em violação do princípio da cooperação (artigo 8º do CPC) e em violação do dever de cooperação do artigo 442º/2 do CPC.
     49. Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, confissão ou falta de impugnação. (artigo 549º do CPC).
     50. Se, porém, no questionário, estiverem contidas algumas questões de direito que incindindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito, as respostas do tribunal colectivo considerar-se-ão como não escritas.
     51. Há certos juízos que contêm subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que são de uso corrente na linguagem, como "pagar", "emprestar", "vender", "arrendar", "dar em penhor" e que são de equiparar a factos - Poderão figurar na selecção dos factos, apenas no caso de não constituírem o objecto do quesito, quando não constituam questões controversas.
     52. Atendendo a que só os factos concretos - não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, directamente, o sentido da decisão final do litígio - podem ser objecto de prova, tem-se considerado que o artigo 549º tem o seu campo de aplicação alargado às asserções de natureza conclusiva
     53. Mesmo que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.
     54. Dado que os presentes autos tratam, a título principal, da declaração de nulidade por simulação de contratos de compra e venda, forçoso é concluir que as expressões "vender", "não vendeu", "comprar", "a título de preço" e "enganar" devem ter-se por conceitos normativos que integram o thema decidendum - encontram-se plasmados nas específicas normas que respectivamente regulam o contrato de compra e venda (artigo 869º do CC) e a simulação (artigo 232º do CC).
     55. Quando uma proposição pressupõe o apuramento de factos concretos susceptíveis de preencher a vacuidade da expressão que comporta a ideia de manifestação de interesse de outorgar as escrituras correspondentes aos contratos prometidos, esse preenchimento implica a formulação de um juízo de valor sobre realidades factuais - as declarações, através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de manifestação de vontade, ou actos equivalentes.
     56. É "à administração das sociedades compete gerir e representar a sociedade, nos termos fixados para cada tipo de sociedade." - artigo 235.º do Código Comercial.
     57. Ao tribunal está vedado formular um juízo de valor jurídico - o de que a sociedade se considera interpelada na pessoa da ex-gerente - porque o mesmo não foi alegado pelo Autor.
     58. Se queria o Autor valer-se desses contactos tinha o ónus de alegar os factos correspondentes, pois deles não pode o tribunal conhecer oficiosamente.
     59. A consequência da representação sem poderes é a de ineficácia em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado - art. 261º, nº. 1, do Cód. Civil.
     60. A resposta do tribunal colectivo aos quesitos 12º, 13º, 14º, 20º, 23º e 24º da base instrutória deve considerar-se não escrita por conter matéria de direito, proposições conclusivas e juízos de valor.
     61. Os únicos factos alegados pelo Recorrido para sustentar a simulação dos contratos de compra e venda foram os relativos ao pagamento do preço.
     62. O autor não pode limitar-se a formular o pedido, a indicar o direito que pretende fazer reconhecer, tem de especificar a causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto ou acto, de que o direito procede.
     63. O ónus de alegação da matéria de facto integradora da causa de pedir está conexionado com os limites que o artigo 567º do C.P. Civil impõe à actividade decisória do tribunal, que, em princípio deve limitar-se aos factos alegados pelas partes, de modo que a falta de alegação de determinados factos constitutivos do direito do autor compromete o reconhecimento do direito de que seja eventualmente titular.
     64. A conclusão de que o negócio foi simulado apenas com o intuito de não cumprir o contrato promessa, anteriormente assinado, agindo assim em prejuízo do A. implica que as partes quiseram efectivamente realizar uma compra e venda.
     65. Na tese da sentença recorrida, a realização da venda a terceiro correspondeu à vontade da Recorrente para obstar a que as fracções fossem parar ao Recorrido.
     66. O facto de o Recorrido ter intentado uma acção de execução específica sobre as fracções, por via de reconvenção, não pode valer como sinalização inequívoca da vontade do Recorrido de haver para si as fracções.
     67. Pois, o Recorrido no primeiro processo onde requereu a execução específica das fracções em causa não obteve provimento e desistiu do respectivo recurso.
     68. A desistência do recurso, aliada ao facto de a Recorrente ter sido absolvida da instância (artigo 34º da base instrutória) pode ser interpretada como desistência do Recorrido de exercício do seu direito.
     69. Não consta dos autos matéria de facto que permita concluir pela alegada simulação dos negócios.
     70. A sanção legal para a declaração de nulidade é a falta de produção de quaisquer efeitos jurídicos, com efeito retroactivo à data da realização do negócio simulado.
     71. A Recorrida fez valer o direito a notificar o Recorrido no domicílio por este livremente escolhido - o ónus da prova da notificação à Recorrente da alteração de morada teria sempre necessariamente que recair sobre o Recorrido pois trata-se de um facto modificativo do direito da Recorrente.
     72. A alteração de morada do Recorrido não é oponível à Recorrente, por falta de notificação.
     73. Dentro dos limites da liberdade contratual pode estipular-se domicílio particular para determinados negócios - contanto que seja reduzida a escrito.(arts. 399º e 85º do CC)
     74. Na douta sentença recorrida foram impostos critérios diferentes para a prova e reconhecimento dos direitos no que concerne à efectivação das interpelações alegadas pela Recorrente e pelo Recorrido - a este foi reconhecida uma interpelação à Recorrente na pessoa de terceiro sem poderes para a receber; àquela foi sancionado o abuso de direito por ter accionado uma cláusula contratual - mesmo depois da dificuldade demonstrada nos autos em saber a morada do Recorrido.
     75. Por via da mora, o Recorrido constituiu-se na obrigação de indemnizar a Recorrente pelos danos causados pelo atraso no seu cumprimento, pois a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
     76. Era lícito à Recorrente exigir ao Recorrido o pagamento das despesas tidas com a coisa se essas despesas lhe são imputáveis a título de mora.
     77. Os factos constitutivos deste direito de indemnização, consubstanciados no facto de o Recorrido ter tornado irremediavelmente impossível a subsistência da relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrido constituíram o cerne da perda do interesse da Recorrente na realização das vendas com o Recorrido.
     78. A situação de incumprimento definitivo que proporciona ao credor o direito potestativo de resolução pode resultar da constatação de que o "programa contratual" sofreu modificação relevante ou de que a outorga do contrato, nas condições acordadas em determinado momento, em termos objectivos, já não conseguirá proporcionar ao credor as vantagens que por ele foram perspectivadas e cuja produção era possível se o contrato tivesse sido cumprido dentro de um plano de razoabilidade, ou seja, dentro de um lapso de tempo que não fosse excessivo.
     79. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.
     80. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares assinados pelos seus autores, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
     81. O domicílio electivo é especialmente talhado para obviar à indefinição resultante da falta de um domicílio fixo.
     82. Porém, o Recorrido só pode ser encontrado quando lhe convém.
     83. A douta sentença recorrida menciona a intervenção do Recorrido num processo anterior para justificar que o Recorrido podia ser encontrado, porém não menciona que nesse processo foi indicada a mesma morada de residência constante dos contratos promessa, da petição inicial que o próprio subscreveu nos presentes autos e a única que lhe era conhecida pela Recorrente.
     84. O Recorrido nem sequer alega que a Recorrente sabia o seu paradeiro, apenas que a Recorrente sabia que ele não vivia em Macau - pelo que não deveria o tribunal a quo ter concluído que era possível à Recorrente saber onde se encontrava o Recorrido.
     85. O Recorrido tinha o ónus de ter formulado no processo um pedido de anulação ou de declaração de nulidade da mencionada cláusula 5ª caso quisesse ver destruídos os efeitos da última parte da mencionada cláusula.
     86. A cláusula que estipula um domicílio electivo para um determinado contrato só pode ser afastada por acordo escrito entre as partes (art. 85º do CC);
     87. A boa-fé contratual impõe que no caso de alteração da morada constante de contrato, o contra ente notifique a contraparte dessa alteração, sob pena de lhe ser oponível a declaração negocial enviada para a morada original.
     88. A falta da indicação de nova morada é um incumprimento contratual que se presume culposo.
     89. A declaração contratual que por culpa do destinatário não é recebida considera-se eficaz. (artigo 216º/2 do Código Civil)
     90. As formalidades necessárias para que alguém fique numa situação de incumprimento definitivo não exigem que se sacralize a forma em detrimento da substância.
     91. Não devem os Tribunais exigir interpelações de quem não pretende ser interpelado!
     92. Perante as manifestações de recusa do Recorrido em cumprir, deve considerar-se imediatamente incumprida, em termos definitivos, a obrigação contratual.
     93. É fundamento para a resolução do contrato-promessa a conduta do promitente comprador traduzida no silêncio e respostas evasivas, no sentido de protelar a outorga da escritura, conduta que se manteve durante anos, pautada pela falta de colaboração exigível para fixar ele próprio a data da escritura.
     94. A douta sentença recorrida deveria ter considerado o Recorrido notificado da data, hora e local da realização das escrituras e que a sua falta injustificada conduziu à conversão da mora em incumprimento definitivo.
     95. Por outro lado, quanto ao incumprimento dos contratos promessa pela Recorrente, o Recorrido não alegou nem se deu como provado que tivesse fixado um prazo para o cumprimento,
     96. Não há interpelação se a promitente vendedora nunca foi notificada para comparecer no notário a fim de celebrar o contrato prometido.
     97. A mora é o incumprimento culposo de uma obrigação; porém à Recorrente não foi assacada a culpa nesse incumprimento.
     98. Cabia ao Recorrido o ónus de fixar uma data para o cumprimento e, no caso de desacordo em relação à data ou por falta imputável à Recorrente, tentar a respectiva marcação por via judicial, circunstância necessária de fazer operar a mora da Recorrente e pressuposto da execução específica
     99. A execução específica deixa de ser possível a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento, como sucede no caso de o bem prometido vender já ter sido alienado a um terceiro.
     100. A razão invocada pela Recorrente para a actualização do preço das fracções prometidas vender não foi a valorização dos imóveis, mas tão-só o decurso do tempo e as despesas que a Recorrente teve com as fracções.
     101. A douta sentença recorrida interpretou mal a causa de pedir alegada pela Recorrente / reconvinda ao determinar que essa causa de pedir assentava na valorização das fracções.
     102. O apelo à equidade apelava apenas ao simples decurso do tempo e às despesas duradouras com que a Recorrente arcou ao longo dos anos.
     103. Foram violadas as normas jurídicas constantes nos artigos 5º, 8º, 389º, 430º, 442º/2, 549º, 567º e 629º/4 do Código de Processo Civil; nos artigos 85º, 216º, 232º, 261º/1, 326º, 351º, 399º, 400º, 431º/1, 752º/2, 820º/3, 869º, 875º/2 do Código Civil; e nos artigos 235º e 236º do Código Comercial.
     104. O artigo 232º do Código Civil tem que ser interpretado por referência a todos os elementos constitutivos do negócio, designadamente na compra e venda, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a entrega da coisa e o pagamento do preço.
     105. O artigo 442º do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de que a falta de fornecimento de morada onde pode o Autor ser notificado para prestação do depoimento de parte equivale a falta de colaboração.
     106. O artigo 430º do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de garantir que toda a matéria de facto relevante, segundo as várias soluções possíveis de direito, deve incluir a matéria indicada na Contestação dos réus.
     107. O artigo 549º/4 do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de que todas as questões de direito, bem como as expressões que possam ser matéria de direito e que constituam o thema decidendum, bem como proposições conclusivas e juízos de valor devem ser tidas por não escritas.
*
    C, Limitada (C有限公司) (2ª Ré), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 25/11/2014 (fls. 5712 e ss.), dela veio, em 10/03/2015, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 6079 a 6173, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1) O Recorrido nunca pagou o imposto de selo referente aos contratos promessa celebrados com a 1.ª Ré.
     2) Diz-nos o Artigo 67.º do Regulamento do Imposto de Selo que: "Nenhum documento, papel ou acto, que não seja selado em conformidade com os preceitos deste regulamento e da Tabela a ele anexa poderá, respectivamente, ser atendido em juízo ou apresentado a qualquer funcionário, autoridade ou em serviço público, ou produzir qualquer efeito, sem que seja pago o selo devido, com ou sem multa, conforme houver ou não transgressão.".
     3) O Tribunal a quo não poderia nunca ter valorado tais contratos promessa, nomeadamente, não poderia ter dado como assente os factos D, E, F, G, H, I, J e O.
     4) Mais, ao não poderem ser atendidos em juízo ou sequer apresentados, os contratos promessa celebrados entre Recorrido e a 1.ª Ré são necessariamente nulos por falta de forma.
     5) A narração apresentada pelo Autor na sua petição inicial não tem qualquer relação com os factos constantes da sentença recorrida nem se detecta qualquer identidade entre o dito num lado e o dado como provado no outro.
     6) Na petição inicial, deve o autor apresentar os fundamentos de facto e de direito da pretensão que vem formular ao tribunal, o que manifestamente não aconteceu nos autos.
     7) O contrato de compra e venda comporta os seguintes elementos (art. 869º do Código Civil):
     i) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
     ii) A obrigação de entregar a coisa;
     iii) A obrigação de pagar o preço.
     8) Na elaboração da Base Instrutória, deve ser feita a selecção da matéria de facto escolhendo, a partir dos factos articulados pelas partes, os factos relevantes, que correspondem a todos os possíveis enquadramentos jurídicos da causa, cfr. Art. 430.° do C.P.C.
     9) Porém, o Tribunal a quo descurou completamente os factos alegados pelas Rés para sustentar a validade do negócio e fazer a contraprova da simulação, apoiadas nomeadamente na verificação dos elementos mencionados na Conclusão VII.
     10) A 1.ª Ré alegou um conjunto de factos que consubstanciavam o exercício que vinha fazendo do seu direito de propriedade até à data das escrituras de compra e venda - nomeadamente, o pagamento das despesas, zelar pela segurança e limpeza das fracções, protegeu-as do mau tempo e de intrusos, entre outros.
     11) A partir do momento das escrituras, foram a 2.ª e 3.ª Rés quem, respectivamente, passou a exercer estes actos materiais de propriedade sobre as fracções, para tanto alegando os factos nas suas Contestações.
     12) Acompanharam as Rés a realização do negócio de vários indícios da verdade do mesmo: celebração dos contratos-promessa, visita do administrador da 2ª Ré e da 3ª Ré às instalações, tendo levado fitas métricas e perguntado da possibilidade de arrendamento de parques de estacionamento.
     13) Esta matéria deveria ter sido trazida à Base Instrutória, dando-se como provada a verificação da transmissão da propriedade.
     14) Por outro lado, alegaram ainda as Rés terem sido dadas as chaves de cada fracção, bem como colocados os nomes das compradoras na porta de cada fracção, colocado o nome no directório do prédio localizado no rés-do-chão, bem como a 2ª Ré chegou a alugar um painel publicitário no referido edifício.
     15) Passaram a 2ª e 3ª Rés a pagar as despesas de condomínio, renda e obrigações fiscais.
     16) Actos e factos que reflectem a entrega das fracções e que deveriam ter sido trazidos para a Base Instrutória.
     17) A selecção da matéria de facto desdobra-se em duas operações diversas: a primeira é a escolha, a partir do mole de factos articulados pelas partes, dos factos relevantes, i.e., dos factos que correspondem a todos os possíveis enquadramentos jurídicos da causa (artº 430° n° 1 do CPC); a segunda é a separação, no conjunto factos julgados relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, daqueles que devem considerar-se assentes e dos que se mostram controvertidos, i.e., dos que devem constituir objecto da prova e, como tal, devem figurar na base instrutória.
     18) O quesito relativo à realização do preço das fracções, por outro lado, reporta-se ao alegado pelo Autor na p.i. e menciona que Não tendo a 2ª nem a 3ª Ré pago, naquela data ou anteriormente, a título de preço quaisquer quantias à 1ª Ré?"
     19) Porém, resultava da Contestação das Rés que o preço não foi pago antes mas na sequência da realização das escrituras, o que também deveria ter sido quesitado, para cabal esclarecimento da verdade.
     20) O artigo 875º/2 do Código Civil permite que no contrato de compra e venda o preço seja pago diferidamente.
     21) A 1.ª Ré alegou também ter colocado as fracções no mercado antes da data da realização das escrituras, o que seria mais um indício da sua vontade real de vender, o que não foi trazido para a Base Instrutória.
     22) Estes factos não eram essenciais para a prova da simulação per se, mas são sem dúvida factos que, a serem provados, impedem a conclusão de que não houve vontade da 1.ª Ré de vender as fracções.
     23) A prova da transmissão da propriedade e da feita através das atitudes de um normal proprietário e que se prolongam no tempo, que vão para além do exacto momento da conclusão formal do negócio.
     24) Foram estes factos que foram ignorados na Base Instrutória e que impediram às Rés demonstrar em sede de instrução a verdade.
     25) Um caso em que o Tribunal de Segunda Instância pode ser chamado a censurar o julgamento da matéria de facto realizado na 1ª instância respeita à infracção das regras relativas à selecção da matéria de facto - trata-se de controlar a exactidão da operação de selecção da matéria de facto.
     26) Esta selecção deve incidir sobre todos os factos que sejam relevantes segundo todos os possíveis enquadramentos jurídicos do objecto da acção.
     27) Qualquer facto não deve deixar de ser seleccionado, ainda que ele só possa ser relevante se, em relação a uma questão controversa na doutrina ou na jurisprudência, o tribunal vier a adoptar um determinado entendimento ou a preferir uma certa solução: ao juiz da causa não cabe, no momento da selecção dos factos relevantes, antecipar qualquer solução jurídica e, menos ainda, excluir da escolha os factos que não forem relevantes segundo esse enquadramento.
     28) O despacho que decida a reclamação contra a matéria de facto não tem o efeito de caso julgado que torne indiscutível a exactidão do procedimento quer da escolha dos factos relevantes quer da sua repartição entre os que devem desde logo considerar-se assentes e os que devem reputar-se controvertidos.
     29) Sempre que considere deficiente obscura ou contraditória a decisão sobre determinados pontos de facto ou quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto - por se ter omitido o julgamento de um facto relevante, designadamente por não constar da base instrutória - o Tribunal de Segunda Instância deve anular, mesmo ex-officio, a decisão da 1ª instância e reenviar-lhe o processo para que proceda a novo julgamento (Art. 629.° n° 4, 1ª parte, do CPC).
     30) A Base Instrutória deveria ter incluído os factos alegados nos artigos 96° a 104°, 108° a 111º, 113° a 122° e 138°, 147° e 151° da Contestação da 1ª Ré; os que foram alegados pela 2ª Ré nos artigos 47° a 58° e 68° da Contestação; e os alegados pela 3ª Ré nos artigos 47° a 57° e 67° da Contestação.
     31) Fundamentou-se a decisão da matéria de facto, nomeadamente, no relatório de fls. 5036 A 5041 e no depoimento de três testemunhas.
     32) Porém, as três testemunhas do Autor depuseram ter como razão de ciência:
     i) A 1ª testemunha: em relação aos factos passados antes de 2005 "ter ouvido dizer";
     ii) A 2ª testemunha: tem apenas conhecimento indirecto que lhe adveio de documentos escritos por terceiros desconhecidos e que não se encontram nos autos e do que a 3ª testemunha lhe disse;
     iii) A 3ª testemunha: apenas tem conhecimento indirecto dos factos ocorridos depois de 2006, dos restantes alguém lhe contou.
     33) Nenhuma das testemunhas teve conhecimento directo e pessoal dos factos passados até ao ano 2005.
     34) Foram incorrectamente julgados os quesitos 1°, 13°, 14°, 20°, 23°, 30°, 36°, 37°, 38°, 39°, 40°, 41º, 42°, 43°, 44° da Base Instrutória.
     35) Existem nos autos concretos meios probatórios e registos que impunham sobre estes quesitos as seguintes repostas:
     36) Quesitos 12°, 13°, 14°, 20°, 23°, 41º, 42°, 43° e 44° - Não provados.
     37) Quesitos 30°, 36°, 37°, 38°, 39°, 40° - Provados.
     38) As sociedades comerciais são representadas pelos seus administradores e é nestes pessoalmente que deve ser feita qualquer exigência de cumprimento de obrigações.
     39) Na decisão da matéria de facto podem ocorrer várias situações, contando-se entre elas a de respostas aos quesitos com conteúdo restritivo ou explicativo.
     40) Com uma resposta explicativa concretiza-se um facto com utilidade para a decisão da causa, mantendo-se a mesma dentro da pergunta formulada, mas explicitando o seu conteúdo, sem que, no entanto, a mesma amplie a factualidade articulada pelas partes.
     41) A possibilidade excepcional de serem considerados factos que apenas resultaram da discussão da causa em audiência, não se verifica neste caso.
     42) Com a resposta meramente afirmativa ao quesito 23°, negou-se a possibilidade de sindicância posterior do juízo denotativo, necessariamente resultante do raciocínio lógico-indutivo, que o tribunal a quo fez quando decidiu sobre a matéria de facto.
     43) O mínimo descritivo há-de encontrar-se, pelo menos, na indicação correcta dos sujeitos de uma determinada acção.
     44) Quando o Recorrido alega na p.i. que fez determinada coisa e a Recorrida impugna o facto porque sabe que ele não o fez porque disso não teve notícia, está vedado que possa, a posteriori, o Recorrido, através das suas testemunhas, que não ele próprio, relatar uma situação que não tem qualquer correspondência com o originalmente alegado.
     45) O Tribunal a quo não deu a possibilidade à Recorrente de se pronunciar sobre a versão dos factos trazida pelas testemunhas do Recorrido para a audiência de discussão e julgamento, fundamentalmente diferente do alegado na p.i., pelo que existiu excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório - artigos 5º e 567º do CPC.
     46) O Recorrido indicou no cabeçalho da petição inicial residir em Macau e na morada para a qual a Recorrente enviou os convites para a celebração dos contratos prometidos (Artigo 389.º/1-a) do CPC).
     47) A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente (artigo 351º do CC).
     48) Nessa mesma morada o tribunal tentou, em vão, convocar o Recorrido para o seu depoimento de parte.
     49) Mesmo após três tentativas de contactar o Recorrido para prestar o seu depoimento de parte, nunca o Recorrido recebeu qualquer notificação.
     50) O tribunal recorrido deveria ter considerado que o Recorrido não age de boa-fé quando indica a sua morada e que agiu em violação do princípio da cooperação (artigo 8º do CPC) e em violação do dever de cooperação do artigo 442º/2 do CPC.
     51) Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, confissão ou falta de impugnação. (artigo 549º do CPC).
     52) Se, porém, no questionário, estiverem contidas algumas questões de direito que incindindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito, as respostas do tribunal colectivo considerar-se-ão como não escritas.
     53) Há certos juízos que contêm subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que são de uso corrente na linguagem, como "pagar", "emprestar", "vender", "arrendar", "dar em penhor" e que são de equiparar a factos - Poderão figurar na selecção dos factos, apenas no caso de não constituírem o objecto do quesito, quando não constituam questões controversas.
     54) Atendendo a que só os factos concretos - não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, directamente, o sentido da decisão final do litígio - podem ser objecto de prova, tem-se considerado que o artigo 549º tem o seu campo de aplicação alargado às asserções de natureza conclusiva.
     55) Mesmo que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.
     56) É "à administração das sociedades compete gerir e representar a sociedade, nos termos fixados para cada tipo de sociedade."- artigo 235.º do Código Comercial.
     57) Ao tribunal está vedado formular um juízo de valor jurídico - o de que a sociedade se considera interpelada na pessoa da ex-gerente - porque o mesmo não foi alegado pelo Autor.
     58) Se queria o Autor valer-se desses contactos tinha o ónus de alegar os factos correspondentes, pois deles não pode o tribunal conhecer oficiosamente.
     59) A consequência da representação sem poderes é a de ineficácia em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado - art. 261º, n°. 1, do Cód. Civil.
     60) A resposta do tribunal colectivo aos quesitos 12º, 13º, 14º, 20º, 23º e 24º da base instrutória deve considerar-se não escrita por conter matéria de direito, proposições conclusivas e juízos de valor.
     61) Os únicos factos alegados pelo Recorrido para sustentar a simulação dos contratos de compra e venda foram os relativos ao pagamento do preço.
     62) O Recorrido não pode limitar-se a formular o pedido, a indicar o direito que pretende fazer reconhecer, tem de especificar a causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto ou acto, de que o direito procede.
     63) O ónus de alegação da matéria de facto integradora da causa de pedir está conexionado com os limites que o artigo 567º do C. P. Civil impõe à actividade decisória do tribunal, que, em princípio deve limitar-se aos factos alegados pelas partes, de modo que a falta de alegação de determinados factos constitutivos do direito do autor compromete o reconhecimento do direito de que seja eventualmente titular.
     64) A conclusão de que o negócio foi simulado apenas com o intuito de não cumprir o contrato promessa, anteriormente assinado, agindo assim em prejuízo do A. implica, mesmo assim, que as partes quiseram efectivamente realizar uma compra e venda.
     65) O facto de o Recorrido ter intentado uma acção de execução específica sobre as fracções, por via de reconvenção, não pode valer como sinalização inequívoca da vontade do Recorrido de haver para si as fracções.
     66) Pois, o Recorrido no primeiro processo onde requereu a execução específica das fracções em causa não obteve provimento e desistiu do respectivo recurso.
     67) A desistência do recurso, aliada ao facto de a Recorrente ter sido absolvida da instância (artigo 34° da base instrutória) pode e deve ser interpretada como desistência do Recorrido de exercício do seu direito.
     68) Não consta dos autos matéria de facto que permita concluir pela alegada simulação dos negócios.
     69) A sanção legal para a declaração de nulidade é a falta de produção de quaisquer efeitos jurídicos, com efeito retroactivo à data da realização do negócio simulado.
     70) A alteração de morada do Recorrido não é oponível a nenhuma das Rés, nem a ora Recorrente, por falta de notificação.
     71) Dentro dos limites da liberdade contratual pode estipular-se domicílio particular para determinados negócios - contanto que seja reduzida a escrito. (arts. 399° e 85° do CC)
     72) No Acórdão recorrido foram impostos critérios diferentes para a prova e reconhecimento dos direitos no que concerne à efectivação das interpelações alegadas pela Recorrente e pelo Recorrido - a este foi reconhecida uma interpelação à Recorrente na pessoa de terceiro sem poderes para a receber; àquela foi sancionado o abuso de direito por ter accionado uma cláusula contratual - mesmo depois da dificuldade demonstrada nos autos em saber a morada do Recorrido.
     73) É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares assinados pelos seus autores, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
     74) O domicílio electivo é especialmente talhado para obviar à indefinição resultante da falta de um domicílio fixo.
     75) Porém, o Recorrido só pode ser encontrado quando lhe convém.
     76) O Acórdão sob censura menciona a intervenção do Recorrido num processo anterior para justificar que o Recorrido podia ser encontrado, porém não menciona que nesse processo foi indicada a mesma morada de residência constante dos contratos promessa, da petição inicial que o próprio subscreveu nos presentes autos e a única que lhe era conhecida pela 1.ª Ré.
     77) O Recorrido nem sequer alega que a Ré sabia o seu paradeiro, apenas que esta sabia que ele não vivia em Macau - pelo que não deveria o tribunal a quo ter concluído que era possível à 1.ª Ré saber onde se encontrava o Recorrido pois, nem o Tribunal nem os Ilustres Mandatários do Recorrido sabem o seu paradeiro.
     78) O Recorrido tinha o ónus de ter formulado no processo um pedido de anulação ou de declaração de nulidade da mencionada cláusula 5ª caso quisesse ver destruídos os efeitos da última parte da mencionada cláusula.
     79) A cláusula que estipula um domicílio electivo para um determinado contrato só pode ser afastada por acordo escrito entre as partes (art. 850 do CC).
     80) A boa-fé contratual impõe que no caso de alteração da morada constante de contrato, o contraente notifique a contraparte dessa alteração, sob pena de lhe ser oponível a declaração negocial enviada para a morada original.
     81) A falta da indicação de nova morada é um incumprimento contratual que se presume culposo.
     82) A declaração contratual que por culpa do destinatário não é recebida considera-se eficaz. (artigo 216º/2 do Código Civil)
     83) As formalidades necessárias para que alguém fique numa situação de incumprimento definitivo não exigem que se sacralize a forma em detrimento da substância.
     84) Perante as manifestações de recusa do Recorrido em cumprir, deve considerar-se imediatamente incumprida, em termos definitivos, a obrigação contratual.
     85) É fundamento para a resolução do contrato-promessa a conduta do promitente comprador traduzida no silêncio e respostas evasivas, no sentido de protelar a outorga da escritura, conduta que se manteve durante anos, pautada pela falta de colaboração exigível para fixar ele próprio a data da escritura.
     86) O Acórdão recorrido deveria ter considerado o Recorrido notificado da data, hora e local da realização das escrituras e que a sua falta injustificada conduziu à conversão da mora em incumprimento definitivo.
     87) Por outro lado, quanto ao incumprimento dos contratos promessa pela 1.ª Ré, o Recorrido não alegou nem se deu como provado que tivesse fixado um prazo para o cumprimento.
     88) Não há interpelação se a promitente vendedora nunca foi notificada para comparecer no notário a fim de celebrar o contrato prometido.
     89) A mora é o incumprimento culposo de uma obrigação; porém à 1.ª Ré não foi assacada a culpa nesse incumprimento.
     90) Cabia ao Recorrido o ónus de fixar uma data para o cumprimento e, no caso de desacordo em relação à data ou por falta imputável à 1.ª Ré, tentar a respectiva marcação por via judicial, circunstância necessária de operar a mora da 1.ª Ré da procedência da execução específica.
     91) A execução específica deixa de ser possível a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento, como sucede no caso de o bem prometido vender já ter sido alienado a um terceiro.
     92) A razão invocada pela 1.ª Ré para a actualização do preço das fracções prometidas vender não foi a valorização dos imóveis, mas tão-só o decurso do tempo e as despesas que a 1.ª Ré teve com as fracções.
     93) O Acórdão recorrido interpretou mal a causa de pedir alegada pela Recorrente / reconvinda ao determinar que essa causa de pedir assentava na valorização das fracções.
     94) O apelo à equidade apelava apenas ao simples decurso do tempo e às despesas duradouras com que a 1.ª Ré arcou ao longo dos anos.
     95) O Tribunal a quo violou as normas jurídicas constantes nos artigos 67.° do Regulamento do Imposto de Selo, 5°, 8°, 389°, 430º, 442º/2, 549º, 567º e 629º/4 do Código de Processo Civil; nos artigos 85°, 216°, 232º, 261°/1, 326°, 351°, 399°, 400°, 404.° n.º 1 e 2, 752°/2, 869°, 875°/2 do Código Civil; e nos artigos 235° e 236° do Código Comercial.
*
    D (3ª Ré), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 25/11/2014 (fls. 5712 e ss.), dela veio, em 09/03/2015, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 5891 a 5974, tendo formulado as seguintes conclusões :
     I. O Recorrido nunca pagou o imposto de selo referente aos contratos promessa celebrados com a 1.ª Ré.
     II. Diz-nos o Artigo 67.º do Regulamento do Imposto de Selo que: "Nenhum documento, papel ou acto, que não seja selado em conformidade com os preceitos deste regulamento e da Tabela a ele anexa poderá, respectivamente, ser atendido em juízo ou apresentado a qualquer funcionário, autoridade ou em serviço público, ou produzir qualquer efeito, sem que seja pago o selo devido, com ou sem multa, conforme houver ou não transgressão."
     III. O Tribunal a quo não poderia nunca ter valorado tais contratos promessa, nomeadamente, não poderia ter dado como assente os factos D, E, F, G, H, I, J e O.
     IV. Mais, ao não poderem ser atendidos em juízo ou sequer apresentados, os contratos promessa celebrados entre Recorrido e a 1.ª Ré são necessariamente nulos por falta de forma.
     V. A narração apresentada pelo Autor na sua petição inicial não tem qualquer relação com os factos constantes da sentença recorrida nem se detecta qualquer identidade entre o dito num lado e o dado como provado no outro;
     VI. Na petição inicial, deve o autor apresentar os fundamentos de facto e de direito da pretensão que vem formular ao tribunal, o que manifestamente não aconteceu nos autos;
     VII. O contrato de compra e venda comporta os seguintes elementos (art. 869º do Código Civil):
     - A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
     - A obrigação de entregar a coisa;
     - A obrigação de pagar o preço.
     VIII. Na elaboração da Base Instrutória, deve ser feita a selecção da matéria de facto escolhendo, a partir dos factos articulados pelas partes, os factos relevantes, que correspondem a todos os possíveis enquadramentos jurídicos da causa, cfr. Art. 430.º do C.P.C;
     IX. Porém, o Tribunal a quo descurou completamente os factos alegados pelas Rés para sustentar a validade do negócio e fazer a contraprova da simulação, apoiadas nomeadamente na verificação dos elementos mencionados na Conclusão VII.
     X. A 1.ª Ré alegou um conjunto de factos que consubstanciavam o exercício que vinha fazendo do seu direito de propriedade até à data das escrituras de compra e venda - nomeadamente, o pagamento das despesas, zelar pela segurança e limpeza das fracções, protegeu-as do mau tempo e de intrusos, entre outros.
     XI. A partir do momento das escrituras, foram a 2.ª e 3.ª Rés quem, respectivamente, passou a exercer estes actos materiais de propriedade sobre as fracções, para tanto alegando os factos nas suas Contestações.
     XII. Acompanharam as Rés a realização do negócio de vários indícios da verdade do mesmo: celebração dos contratos-promessa, visita do administrador da 2ª Ré e da 3ª Ré às instalações, tendo levado fitas métricas e perguntado da possibilidade de arrendamento de parques de estacionamento.
     XIII. Esta matéria deveria ter sido trazida à Base Instrutória, dando-se como provada a verificação da transmissão da propriedade;
     XIV. Por outro lado, alegaram ainda as Rés terem sido dadas as chaves de cada fracção, bem como colocados os nomes das compradoras na porta de cada fracção, colocado o nome no directório do prédio localizado no rés-do-chão, bem como a 2ª Ré chegou a alugar um painel publicitário no referido edifício.
     XV. Passaram a 2ª e 3ª Rés a pagar as despesas de condomínio, renda e obrigações fiscais.
     XVI. Actos e factos que reflectem a entrega das fracções e que deveriam ter sido trazidos para a Base Instrutória.
     XVII. A selecção da matéria de facto desdobra-se em duas operações diversas: a primeira é a escolha, a partir do mole de factos articulados pelas partes, dos factos relevantes, i.e., dos factos que correspondem a todos os possíveis enquadramentos jurídicos da causa (artº 430º nº 1 do CPC); a segunda é a separação, no conjunto factos julgados relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, daqueles que devem considerar-se assentes e dos que se mostram controvertidos, i.e., dos que devem constituir objecto da prova e, como tal, devem figurar na base instrutória
     XVIII. O quesito relativo à realização do preço das fracções, por outro lado, reporta-se ao alegado pelo Autor na p.i. e menciona que Não tendo a 2ª nem a 3ª Ré pago, naquela data ou anteriormente, a título de preço quaisquer quantias à 1ª Ré?";
     XIX. Porém, resultava da Contestação das Rés que o preço não foi pago antes mas na sequência da realização das escrituras, o que também deveria ter sido quesitado, para cabal esclarecimento da verdade.
     XX. O artigo 875º/2 do Código Civil permite que no contrato de compra e venda o preço seja pago diferidamente.
     XXI. A 1.ª Ré alegou também ter colocado as fracções no mercado antes da data da realização das escrituras, o que seria mais um indício da sua vontade real de vender, o que não foi trazido para a Base Instrutória,
     XXII. Estes factos não eram essenciais para a prova da simulação per se, mas são sem dúvida factos que, a serem provados, impedem a conclusão de que não houve vontade da 1.ª Ré de vender as fracções.
     XXIII. A prova da transmissão da propriedade e da entrega da coisa pode ser feita através das atitudes de um normal proprietário e que se prolongam no tempo, que vão para além do exacto momento da conclusão formal do negócio.
     XXIV. Foram estes factos que foram ignorados na Base Instrutória e que impediram às Rés demonstrar em sede de instrução a verdade.
     XXV. Um caso em que o Tribunal de Segunda Instância pode ser chamado a censurar o julgamento da matéria de facto realizado na 1ª instância respeita à infracção das regras relativas à selecção da matéria de facto - trata-se de controlar a exactidão da operação de selecção da matéria de facto.
     XXVI. Esta selecção deve incidir sobre todos os factos que sejam relevantes segundo todos os possíveis enquadramentos jurídicos do objecto da acção.
     XXVII. Qualquer facto não deve deixar de ser seleccionado, ainda que ele só possa ser relevante se, em relação a uma questão controversa na doutrina ou na jurisprudência, o tribunal vier a adoptar um determinado entendimento ou a preferir uma certa solução: ao juiz da causa não cabe, no momento da selecção dos factos relevantes, antecipar qualquer solução jurídica e, menos ainda, excluir da escolha os factos que não forem relevantes segundo esse enquadramento.
     XXVIII. O despacho que decida a reclamação contra a matéria de facto não tem o efeito de caso julgado que torne indiscutível a exactidão do procedimento quer da escolha dos factos relevantes quer da sua repartição entre os que devem desde logo considerar-se assentes e os que devem reputar-se controvertidos.
     XXIX. Sempre que considere deficiente obscura ou contraditória a decisão sobre determinados pontos de facto ou quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto - por se ter omitido o julgamento de um facto relevante, designadamente por não constar da base instrutória - o Tribunal de Segunda Instância deve anular, mesmo ex-officio, a decisão da 1ª instância e reenviar-lhe o processo para que proceda a novo julgamento (Art. 629.º nº 4, 1ª parte, do CPC).
     XXX. A Base Instrutória deveria ter incluído os factos alegados nos artigos 96º a 104º, 108º a 111º, 113º a 122º e 138º, 147º e 151º da Contestação da 1ª Ré; os que foram alegados pela 2ª Ré nos artigos 47º a 58º e 68º da Contestação; e os alegados pela 3ª Ré nos artigos 47º a 57º e 67º da Contestação
     XXXI. Fundamentou-se a decisão da matéria de facto, nomeadamente, no relatório de fls. 5036 A 5041 e no depoimento de três testemunhas.
     XXXII. Porém, as três testemunhas do Autor depuseram ter como razão de ciência:
     a. A 1ª testemunha: em relação aos factos passados antes de 2005 "ter ouvido dizer";
     b. A 2ª testemunha: tem apenas conhecimento indirecto que lhe adveio de documentos escritos por terceiros desconhecidos e que não se encontram nos autos e do que a 3ª testemunha lhe disse;
     c. A 3ª testemunha: apenas tem conhecimento indirecto dos factos ocorridos depois de 2006, dos restantes alguém lhe contou.
     XXXIII. Nenhuma das testemunhas teve conhecimento directo e pessoal dos factos passados até ao ano 2005.
     XXXIV. Foram incorrectamente julgados os quesitos 1º, 13º, 14º, 20º, 23º, 30º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41 º, 42º, 43º, 44º da Base Instrutória.
     XXXV. Existem nos autos concretos meios probatórios e registos que impunham sobre estes quesitos as seguintes repostas:
     XXXVI. Quesitos 12º, 13º, 14º, 20º, 23º, 41º, 42º, 43º e 44º - Não provados.
     XXXVII. Quesitos 30º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º - Provados.
     XXXVIII. As sociedades comerciais são representadas pelos seus administradores e é nestes pessoalmente que deve ser feita qualquer exigência de cumprimento de obrigações.
     XXXIX. Na decisão da matéria de facto podem ocorrer várias situações, contando-se entre elas a de respostas aos quesitos com conteúdo restritivo ou explicativo.
     XL. Com uma resposta explicativa concretiza-se um facto com utilidade para a decisão da causa, mantendo-se a mesma dentro da pergunta formulada, mas explicitando o seu conteúdo, sem que, no entanto, a mesma amplie a factualidade articulada pelas partes.
     XLI. A possibilidade excepcional de serem considerados factos que apenas resultaram da discussão da causa em audiência, não se verifica neste caso.
     XLII. Com a resposta meramente afirmativa ao quesito 23º, negou-se a possibilidade de sindicância posterior do juízo denotativo, necessariamente resultante do raciocínio lógico-indutivo, que o tribunal a quo fez quando decidiu sobre a matéria de facto.
     XLIII. O mínimo descritivo há-de encontrar-se, pelo menos, na indicação correcta dos sujeitos de uma determinada acção.
     XLIV. Quando o Recorrido alega na p.i. que fez determinada coisa e a Recorrida impugna o facto porque sabe que ele não o fez porque disso não teve notícia, está vedado que possa, a posteriori, o Recorrido, através das suas testemunhas, que não ele próprio, relatar uma situação que não tem qualquer correspondência com o originalmente alegado.
     XLV. O Tribunal a quo não deu a possibilidade à Recorrente de se pronunciar sobre a versão dos factos trazida pelas testemunhas do Recorrido para a audiência de discussão e julgamento, fundamentalmente diferente do alegado na p.i., pelo que existiu excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório - artigos 5º e 567º do CPC.
     XLVI. O Recorrido indicou no cabeçalho da petição inicial residir em Macau e na morada para a qual a Recorrente enviou os convites para a celebração dos contratos prometidos (Artigo 389.º/1-a) do CPC).
     XLVII. A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente (artigo 351º do CC).
     XLVIII. Nessa mesma morada o tribunal tentou, em vão, convocar o Recorrido para o seu depoimento de parte.
     XLIX. Mesmo após três tentativas de contactar o Recorrido para prestar o seu depoimento de parte, nunca o Recorrido recebeu qualquer notificação.
     L. O tribunal recorrido deveria ter considerado que o Recorrido não age de boa-fé quando indica a sua morada e que agiu em violação do princípio da cooperação (artigo 8º do CPC) e em violação do dever de cooperação do artigo 442º/2 do CPC.
     LI. Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, confissão ou falta de impugnação. (artigo 549º do CPC).
     LII. Se, porém, no questionário, estiverem contidas algumas questões de direito que incindindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito, as respostas do tribunal colectivo considerar-se-ão como não escritas.
     LIII. Há certos juízos que contêm subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que são de uso corrente na linguagem, como "pagar", “emprestar", "vender", "arrendar", "dar em penhor" e que são de equiparar a factos - Poderão figurar na selecção dos factos, apenas no caso de não constituírem o objecto do quesito, quando não constituam questões controversas.
     LIV. Atendendo a que só os factos concretos - não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, directamente, o sentido da decisão final do litígio - podem ser objecto de prova, tem-se considerado que o artigo 549º tem o seu campo de aplicação alargado às asserções de natureza conclusiva
     LV. Mesmo que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.
     LVI. É "à administração das sociedades compete gerir e representar a sociedade, nos termos fixados para cada tipo de sociedade." - artigo 235.º do Código Comercial.
     LVII. Ao tribunal está vedado formular um juízo de valor jurídico - o de que a sociedade se considera interpelada na pessoa da ex-gerente - porque o mesmo não foi alegado pelo Autor.
     LVIII. Se queria o Autor valer-se desses contactos tinha o ónus de alegar os factos correspondentes, pois deles não pode o tribunal conhecer oficiosamente.
     LIX. A consequência da representação sem poderes é a de ineficácia em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado - art. 261º, nº. 1, do Cód. Civil.
     LX. A resposta do tribunal colectivo aos quesitos 12º, 13º, 14º, 20º, 23º e 24º da base instrutória deve considerar-se não escrita por conter matéria de direito, proposições conclusivas e juízos de valor.
     LXI. Os únicos factos alegados pelo Recorrido para sustentar a simulação dos contratos de compra e venda foram os relativos ao pagamento do preço.
     LXII. O Recorrido não pode limitar-se a formular o pedido, a indicar o direito que pretende fazer reconhecer, tem de especificar a causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto ou acto, de que o direito procede.
     LXIII. O ónus de alegação da matéria de facto integradora da causa de pedir está conexionado com os limites que o artigo 567º do C.P. Civil impõe à actividade decisória do tribunal, que, em princípio deve limitar-se aos factos alegados pelas partes, de modo que a falta de alegação de determinados factos constitutivos do direito do autor compromete o reconhecimento do direito de que seja eventualmente titular.
     LXIV. A conclusão de que o negócio foi simulado apenas com o intuito de não cumprir o contrato promessa, anteriormente assinado, agindo assim em prejuízo do A. implica, mesmo assim, que as partes quiseram efectivamente realizar uma compra e venda.
     LXV. O facto de o Recorrido ter intentado uma acção de execução específica sobre as fracções, por via de reconvenção, não pode valer como sinalização inequívoca da vontade do Recorrido de haver para si as fracções.
     LXVI. Pois, o Recorrido no primeiro processo onde requereu a execução específica das fracções em causa não obteve provimento e desistiu do respectivo recurso.
     LXVII. A desistência do recurso, aliada ao facto de a Recorrente ter sido absolvida da instância (artigo 34º da base instrutória) pode e deve ser interpretada como desistência do Recorrido de exercício do seu direito.
     LXVIII. Não consta dos autos matéria de facto que permita concluir pela alegada simulação dos negócios.
     LXIX. A sanção legal para a declaração de nulidade é a falta de produção de quaisquer efeitos jurídicos, com efeito retroactivo à data da realização do negócio simulado.
     LXX. A alteração de morada do Recorrido não é oponível a nenhuma das Rés, nem à ora Recorrente, por falta de notificação.
     LXXI. Dentro dos limites da liberdade contratual pode estipular-se domicílio particular para determinados negócios - contanto que seja reduzida a escrito. (arts. 399º e 85º do CC)
     LXXII. No Acórdão recorrido foram impostos critérios diferentes para a prova e reconhecimento dos direitos no que concerne à efectivação das interpelações alegadas pela Recorrente e pelo Recorrido - a este foi reconhecida uma interpelação à Recorrente na pessoa de terceiro sem poderes para a receber; àquela foi sancionado o abuso de direito por ter accionado uma cláusula contratual - mesmo depois da dificuldade demonstrada nos autos em saber a morada do Recorrido.
     LXXIII. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares assinados pelos seus autores, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
     LXXIV. O domicílio electivo é especialmente talhado para obviar à indefinição resultante da falta de um domicílio fixo.
     LXXV. Porém, o Recorrido só pode ser encontrado quando lhe convém.
     LXXVI. O Acórdão sob censura menciona a intervenção do Recorrido num processo anterior para justificar que o Recorrido podia ser encontrado, porém não menciona que nesse processo foi indicada a mesma morada de residência constante dos contratos promessa, da petição inicial que o próprio subscreveu nos presentes autos e a única que lhe era conhecida pela 1.ª Ré.
     LXXVII. O Recorrido nem sequer alega que a Ré sabia o seu paradeiro, apenas que esta sabia que ele não vivia em Macau - pelo que não deveria o tribunal a quo ter concluído que era possível à 1.ª Ré saber onde se encontrava o Recorrido pois, nem o Tribunal nem os Ilustres Mandatários do Recorrido sabem o seu paradeiro.
     LXXVIII. O Recorrido tinha o ónus de ter formulado no processo um pedido de anulação ou de declaração de nulidade da mencionada cláusula 5ª caso quisesse ver destruídos os efeitos da última parte da mencionada cláusula.
     LXXIX. A cláusula que estipula um domicílio electivo para um determinado contrato só pode ser afastada por acordo escrito entre as partes (art. 85º do CC);
     LXXX. A boa-fé contratual impõe que no caso de alteração da morada constante de contrato, o contraente notifique a contraparte dessa alteração, sob pena de lhe ser oponível a declaração negocial enviada para a morada original.
     LXXXI. A falta da indicação de nova morada é um incumprimento contratual que se presume culposo.
     LXXXII. A declaração contratual que por culpa do destinatário não é recebida considera-se eficaz. (artigo 216º/2 do Código Civil)
     LXXXIII. As formalidades necessárias para que alguém fique numa situação de incumprimento definitivo não exigem que se sacralize a forma em detrimento da substância.
     LXXXIV. Perante as manifestações de recusa do Recorrido em cumprir, deve considerar-se imediatamente incumprida, em termos definitivos, a obrigação contratual.
     LXXXV. É fundamento para a resolução do contrato-promessa a conduta do promitente comprador traduzida no silêncio e respostas evasivas, no sentido de protelar a outorga da escritura, conduta que se manteve durante anos, pautada pela falta de colaboração exigível para fixar ele próprio a data da escritura.
     LXXXVI. O Acórdão recorrido deveria ter considerado o Recorrido notificado da data, hora e local da realização das escrituras e que a sua falta injustificada conduziu à conversão da mora em incumprimento definitivo.
     LXXXVII. Por outro lado, quanto ao incumprimento dos contratos promessa pela 1.ª Ré, o Recorrido não alegou nem se deu como provado que tivesse fixado um prazo para o cumprimento,
     LXXXVIII. Não há interpelação se a promitente vendedora nunca foi notificada para comparecer no notário a fim de celebrar o contrato prometido.
     LXXXIX. A mora é o incumprimento culposo de uma obrigação; porém à 1.ª Ré não foi assacada a culpa nesse incumprimento.
     XC. Cabia ao Recorrido o ónus de fixar uma data para o cumprimento e, no caso de desacordo em relação à data ou por falta imputável à 1.ª Ré, tentar a respectiva marcação por via judicial, circunstância necessária de operar a mora da 1.ª Ré da procedência da execução específica.
     XCI. A execução específica deixa de ser possível a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento, como sucede no caso de o bem prometido vender já ter sido alienado a um terceiro.
     XCII. A razão invocada pela 1.ª Ré para a actualização do preço das fracções prometidas vender não foi a valorização dos imóveis, mas tão-só o decurso do tempo e as despesas que a 1.ª Ré teve com as fracções.
     XCIII. O Acórdão recorrido interpretou mal a causa de pedir alegada pela Recorrente / reconvinda ao determinar que essa causa de pedir assentava na valorização das fracções.
     XCIV. O apelo à equidade apelava apenas ao simples decurso do tempo e às despesas duradouras com que a 1.ª Ré arcou ao longo dos anos.
     XCV. O Tribunal a quo violou as normas jurídicas constantes nos artigos 67.º do Regulamento do Imposto de Selo, 5º, 8º, 389º, 430º, 442º/2, 549º, 567º e 629º/4 do Código de Processo Civil; nos artigos 85º, 216º, 232º, 261º/1, 326º, 351º, 399º, 400º, 404.º n.º 1 e 2, 752º/2, 869º, 875º/2 do Código Civil; e nos artigos 235º e 236º do Código Comercial.
*
    A (Autor), Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 6187 a 6306, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Nesta Resposta o Recorrido condensa a sua defesa face às três alegações de recurso apresentadas, alegações essas que são essencialmente semelhantes, com excepção da arguição peregrina da nulidade dos contratos promessa de compra e venda celebrados entre o Autor (ora Recorrido) e a 1ª Ré Recorrente, arguição essa feita pelas Recorrentes C, LIMITADA, e D;
     II. As 2ª e 3ª Rés, ora Recorrentes uma vez mais demonstram os seu conluio, pois, estando provado que não pagaram o valor escriturado pela compra das fracções à 1ª Ré as mesmas pleitam como amigas, como se nada devessem umas às outras, comportamento típico dos simuladores, que fica patente perante V. Exas.;
     III. A Meritíssima Juiz a quo efectivamente deu como provado grande parte dos factos alegados pelo Recorrido que suportaram a convicção do Tribunal no sentido de as Recorrentes terem simulado os contratos de compra e venda, ou seja, que as declarações constantes das escrituras públicas das respectivas compras e vendas não correspondiam à vontade das Rés ora Recorrentes;
     IV. Ficou provado que a 1ª Ré não teve qualquer vontade de vender os imóveis nem as 2ª e 3ª Rés, também Recorrentes, não tiveram qualquer vontade de os comprar;
     V. Muito doutamente, e como resultado da vasta actividade investigativa do Tribunal, a requerimento do Autor, o Tribunal a quo veio a apurar que as Recorrentes 2ª e 3ª Rés não tinham pago qualquer preço pelas compras e vendas, tendo as mesmas feito as declarações em questão para enganar e prejudicar o Autor;
     VI. O Tribunal a quo apreciou o facto de a 1ª Ré ter sabido que o Recorrido vivia no Interior da China e não receberia cartas de interpelação na morada constante dos contratos-promessa, morada esta indicada como mera referência e por indicação da ex-sócia da 1ª Ré, a qual é o endereço de uma casa pertencente a esta mesma sócia, tendo concluído que a 1ª Ré actuou manifestamente de má-fé;
     VII. O Tribunal concluiu bem que a 1ª Ré devia ter tentado outros meios ao seu alcance para proceder à notificação do Autor, nada constando dos autos de que essas tentativas tivessem sido feitas;
     VIII. O Tribunal a quo pôs a claro o facto de as partes estarem em pleno litígio no processo que correu termos sobre o número CV2-06-0055-CAO no qual o Autor (ora Recorrido), ali Réu, havia apresentado a sua contestação / pedido reconvencional de execução específica no dia 27 de Fevereiro de 2007, pelo que era evidente que estava contactável
     IX. Mais evidenciou o Tribunal o facto de a própria 1ª Ré ter alegado que, em finais de 2008, alguns representantes voluntários do Autor terem comparecido no edifício onde se encontram as fracções autónoma prometidas vender, não tendo a 1ª Ré aproveitado a ocasião, quando podia, para fixar um prazo para o Autor cumprir por forma a preencher o requisito previsto no artigo 797º, n° 1, b), do CC;
     X. Independentemente da invalidade das declarações de interpretação, resultante da má-fé do meio empregue, o Tribunal a quo considerou bem que a carta de 29 de Maio de 2006 que fixa a data de interpelação de 29 de Junho de 2006 como data para a celebração dos contratos prometidos, condiciona a outorga destes contratos ao pagamento prévio de MOP$7.000.000,00 correspondentes a alegadas despesas relacionadas com as fracções autónomas prometidas vender, nelas incluindo as despesas de condomínio, o foro e as despesas administrativas;
     XI. Muito doutamente entendeu o Tribunal a quo ter sido essa condição imposta ilegitimamente, por não se tratar de uma obrigação decorrente dos contratos-promessa;
     XII. Mas mais, e bem, o Tribunal a quo relevou: (ii) o facto de a relevância dessas despesas, para os efeitos do 797º, n° 1, a) do CC, pressupor a mora do Autor, ora Recorrido, o que não ocorreu; e ainda o facto de o valor das despesas indicado na carta de 29 de Maio de 2006 não terem sido efectivamente provadas;
     XIII. O Tribunal a quo entendeu assim, e bem, que não ficou demonstrado qualquer incumprimento contratual por parte do Autor, ora Recorrido, e ficou ainda provado que a 1ª Ré estava em mora porquanto não respondeu aos pedidos de celebração dos contratos prometidos feitos pelo Autor e incumpriu assim, definitivamente os contratos-promessa;
     XIV. Tendo o Tribunal a quo decidido julgar procedente o pedido de declaração de nulidade das vendas das fracções supra referidas para a 2ª e 3ª Rés (ora Recorrente), por força da nulidade do negócio simulado previsto no artigo 282º do CC, o Tribunal reconheceu o evidente, ou seja, que os imóveis se mantiveram na esfera jurídica da 1ª Ré, julgando assim procedente o pedido de execução específica.
     XV. A Recorrente, que a Meritíssima Juíza a quo pôs a descoberto na sua flagrante má fé, inicia as suas alegações insultando o Recorrido como mentiroso e elemento de uma "organização". O insulto é directo e a insinuação feita é vergonhosa e infundada;
     XVI. Afirma a Recorrente B, LIMITADA que as Rés alegaram um conjunto de factos através dos quais pretendiam provar a validade e realidade das compras e vendas tituladas pelas escrituras públicas mencionadas na alínea D) dos factos assentes;
     XVII. Os princípios que enformam a selecção da matéria de facto na fase de condensação são extensíveis à selecção que se efectua quando, no momento de decidir a matéria de facto, há necessidade de o juiz se deter sobre os factos;
     XVIII. A selecção da matéria de facto foi mais do que a suficiente para a prova da simulação;
     XIX. O que pretendem os Recorrentes, como simuladores que são, é tentar reverter os efeitos resultantes do facto de lhes ter sido exposto o facto de tentarem enganar o tribunal com a apresentação de pagamentos que alegaram ter feito, mas que as entidades bancárias terem confirmado que essas transacções não ocorreram;
     XX. O juiz apenas deve responder aos factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis de direito;
     XXI. Os factos constantes das perguntas constantes do questionário são claros, podendo as partes, nomeadamente as vítimas da simulação, como é o caso do Recorrido, apresentar os meios de prova que o Tribunal possa valorar no âmbito da livre apreciação da prova;
     XXII. As partes tiveram a oportunidade de deduzir reclamação ao despacho saneador que procedeu à condensação, dela resultando a Base Instrutória a que o Julgamento ajudou a responder;
     XXIII. A Recorrente apresentou a sua reclamação, tendo sugerido a inclusão de outros factos na Base Instrutória, tendo o Tribunal respondido devidamente, demonstrando que já se havia quesitado factos com o mesmo conteúdo e com a mesma natureza;
     XXIV. Mais nenhum facto foi aduzido pela Recorrente em sede de reclamação que fosse pertinente para a boa decisão da causa, pelo que não podem ora fazer reflectir para o passado omissão que pudessem e devessem impugnar;
     XXV. A decisão da Meritíssima Juiz a quo não poderia ter sido mais correcta, na medida em que o que estava em causa é a existência da simulação, estando para o efeito quesitados os factos que pudessem salvaguardar todas os factos essenciais elencados pelas partes em sede de articulados;
     XXVI. Os factos que ora a Recorrente pugna pela inclusão na Base Instrutória não são factos essenciais cuja prova, se a houvesse, pudesse conduzir a uma solução diferente de direito;
     XXVII. Da resposta positiva dada aos quesitos 12.° e 13.° da base instrutória infere-se necessariamente a existência de divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelas Rés, isto porque nem a 1ª Ré quis vender, e não vendeu, e nem as 2.ª e 3.ª Rés quiseram comprar, e não compraram;
     XXVIII. A decisão que seleccionou a matéria de facto não merece qualquer reparo;
     XXIX. Vem a Recorrente alegar que foram incorrectamente julgados os factos vertidos nos quesitos 12°, 13º, 14º, 20°, 23°, 30°, 36°, 37°, 38°, 39°, 40°, 41°,42°,43° e 44° da Base Instrutória;
     XXX. O recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como o julgador apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, devendo ter-se ainda em linha de conta que os erros da decisão terão que ser pontuais, concretos e excepcionais;
     XXXI. A garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação das provas inserto no art. 558° do CPC;
     XXXII. Por mais fiel que as gravações das audiências de julgamento possam ser, na formação da convicção do Juiz entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova as incidências concretas da audiência, como sejam a postura da testemunha durante o seu depoimento, as suas reacções corporais, as suas hesitações, os seus silêncios, etc.;
     XXXIII. A Recorrente não cumpre com o ónus que lhe impõe o art. 599° do CPC, pois não especifica nem fundamenta de que forma os meios probatórios que identifica têm a virtualidade de formar uma outra convicção no julgador;
     XXXIV. Em momento algum o facto de serem representantes do Governo da China impediu as testemunhas arroladas pelo Recorrido de relatarem em audiência de julgamento com toda a coerência todos os factos em questão, nem lhes retirou qualquer credibilidade no que ao relato dos factos diz respeito. Tal resulta aliás plasmado no Douto Acórdão que decidiu a matéria de facto;
     XXXV. As testemunhas arroladas pelo Recorrido não estão legalmente impedidas de prestar o seu depoimento pela circunstância de terem algum interesse ter na resolução do caso já que o art. 518° do CPC apenas impede de depor como testemunha quem possa depor como parte, isto é, quem seja sujeito da relação material controvertida, o que não é o caso;
     XXXVI. Os "anúncios mandados publicar", a "inscrição predial", os "comprovativos do pagamento de imposto de selo" jamais poderiam servir para dar uma resposta negativa ao quesito 12°;
     XXXVII. As "fotografias do directório do lobby", as "fotografias do rés-do-chão", "o nome das 2ª e 3ª Rés na porta das fracções", "os comprovativos do pagamento do imposto de seio", os contratos de gestão das fracções”, "os recibos de condomínio" jamais poderiam servir para dar uma resposta negativa ao quesito 13º;
     XXXVIII. As ordens de caixa e recibos de fls. 3058 a 3080 identificados pela Recorrente jamais poderão ser entendidas como prova bastante do pagamento do preço das escrituras de compra e venda e jamais poderão servir para justificar respostas negativas aos quesitos 12°, 13° e 14º da Base Instrutória;
     XXXIX. O acordo simulatório entre as Rés resulta das próprias Ordens de Caixa juntas pela próprias Rés, em conjugação com as informações prestadas pelo Banco F e pelo Banco G a fls. 5114, e 5198 a 5206, e ainda com as certidões comerciais de fls. 50, 4898, 4997 e 5018;
     XL. Quanto à 2ª Ré - C, as ordens de caixa apenas dizem respeito ao montante de 61,500,900.00 quando o valor declarado na escritura é de 79,563,000.00; e das mesmas ordens de caixa resulta que na data da escritura - 12/09/2008 - a Recorrente teria alegadamente recebido apenas o montante de 42.5 milhões num preço total de mais de 79 milhões, mas não obstante, declarou na escritura ter já recebido a totalidade do preço, ou seja, confiou o montante remanescente de 37 milhões nas mãos de alguém que alegadamente não conhecia;
     XLI. Da informação prestada pelo Banco H a fls. 5122 resulta que o Cashier Order nº 154106, emitido por essa instituição bancária em 18/09/2008, no valor de HKD$19,000,900.00, e junta pela 1ª Ré na sua contestação a fls. 3053 (aparentemente para prova do pagamento por parte da 2ª Ré de parte do preço da escritura) foi requisitado por I, sócio e administrador da sociedade 2ª Ré;
     XLII. Resultou provado em sede de julgamento que o Sr. I, sócio e administrador da 2ª Ré, é um colaborador directo da 1ª Ré e da Sra. J, sócia e administradora da 1ª Ré, sendo que estes foram os autores e peças chave de todo este negócio simulado;
     XLIII. E ficou claramente demonstrado que a sociedade 2ª Ré é também não é uma sociedade estranha à 1ª Ré nem à Sra. J;
     XLIV. O I era pessoa muito próxima e colaborador directo da J pelo menos, que se saiba documentalmente, desde 2003, como se comprova através das certidões de fls. fls. 50, 4898 a 5009 e 5018, e através das testemunhas arroladas pelo Recorrido;
     XLV. O I e a J, usando como escudo a sociedade 2ª Ré, engendraram um esquema de venda simulada das fracções em questão.
     XLVI. A aquisição da quota da 2ª Ré por parte do I 8 meses antes das compras simuladas tratou-se de um acto preparatório do esquema engendrado em conjunto com a J, sendo manifesto o conluio entre a 1ª e a 2ª Ré;
     XLVII. Quanto à 3ª Ré - D, As ordens de caixa apenas comprovam o pagamento de 57,926,650.00 quando valor declarado na escritura é de 74,939,700.00;
     XLVIII. Na data da escritura - 16/09/2008 - a 1ª Ré teria alegadamente recebido apenas o montante de 32 milhões num preço total de mais de 74 milhões, mas não obstante, declarou na escritura ter já recebido a totalidade do preço, ou seja, não se pode conceder que pudesse confiar o montante remanescente de 16.9 milhões nas mãos de alguém que não conhece;
     XLIX. Resulta inequívoco das informações prestadas pelos pelo Banco F e Banco G a fls. 5114, e 5198 a 5206 que os Cashier Orders juntos pela 1ª Ré a fls. 3058, 3061, 3062, 3064 e 3066 foram requisitados e sacados pela própria J, sócia e administradora da 1ª Ré, em datas posteriores à celebração da escritura de compra e venda;
     L. Da sua conta pessoal a Sra. J requisitou a emissão dos cheques que depois veio a depositar na conta da 1ª Ré, sendo que depois, na sua qualidade de sócia e administradora da 1ª Ré, procedeu ao levantamento ou à transferência do mesmo dinheiro novamente para a conta pessoal a fim de voltar a requerer a emissão de novos cashier orders, como veio comprovadamente a fazer;
     LI. Não foi feita assim qualquer prova de qualquer pagamento por parte das 2ª e 3ª Ré, tendo antes ficado provado que foi a J quem procedeu à requisição dos cashier orders e respectivos depósitos dos mesmos, e que as 2ª e 3ª Rés apenas acederam entrar em conluio com a J e dar o seu nome e prestar uma declaração falsa numa escritura que teve como fim simular a venda das fracções;
     LII. Não houve qualquer pagamento entre as Rés porque efectivamente não pretenderam as partes fazer qualquer venda, lendo ludo ficado na mesma, ou seja, nas mãos da J, isto é, nas mãos da 1ª Ré;
     LIII. A resposta aos quesitos 12°, 13° e 14° da Base Instrutória não merece qualquer censura;
     LIV. O trecho do depoimento testemunhal transcrito pela Recorrente nas suas alegações não poderia servir para influenciar a resposta positiva ou negativa ao quesito 20° da base instrutória;
     LV. Percebe-se que a Recorrente não aponte qualquer meio probatório que afaste o conluio entre as Rés e a intenção de enganar e prejudicar o Recorrido com a simulada celebração das escrituras em causa, porquanto não foi produzida qualquer prova que abalasse esses mesmos factos;
     LVI. Ficou por demais provada a efectiva vontade do Recorrido em celebrar as escrituras de compra e venda, como se comprova através dos depoimentos prestados pelas testemunhas K, e L, (Recorded on 16-Sep-2013 at 11.42.07 (0XDF6F$102711270) e Recorded on 16-Sep-2013 at 15.37.27 (0XDN04IG02711270) respectivamente)
     LVII. O Recorrido era o titular dos direitos decorrentes dos contratos promessa em causa e este, desde sempre, manifestou junto da 1ª Ré, na pessoa da J, a vontade em celebrar as escrituras de compra e venda, e que na impossibilidade posterior em interpelar a J para a efectivação das referidas escrituras, viu-se obrigado a recorrer aos tribunais para efectivar esse seu direito;
     LVIII. O Recorrido demonstrou à saciedade que, por varias ocasiões, contactou com a 1ª Ré para que fossem celebradas as escrituras de compra e venda, como se comprova através dos depoimentos prestados pelas testemunhas K, L e M, (Recorded on 16-Sep-2013 at 11.42.07 (0XDF6F$102711270).WAV, Recorded on 16-Sep-2013 at 15.44.10 e Recorded 16/09/2013 - 16.29.28 respectivamente), ainda no pedido reconvencional deduzido em 27/02/2007 contra a 1ª Ré no processo CV2-06-0055-CAO - alínea N) dos Factos Assentes e em 20/04/2007 o Autor interpela novamente a 1ª Ré para celebrar as escrituras - cfr. Fls. 2484;
     LIX. Não obstante as insistências do Autor e dos representantes do Governo da China para celebrar as escrituras, nunca houve posteriormente qualquer colaboração por parte da J;
     LX. O quesito 23° da base instrutória não merecerá assim outra resposta que não seja a resposta positiva;
     LXI. Ficou claramente demonstrado nos autos que há uma justificação para o Recorrido nunca ter recebido a interpelação da Recorrente, e que a Recorrente bem sabia que o Recorrido não residia em Macau como resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas K, e L, Recorded on 16-Sep-2013 at 12.00.28 (0XDG!KIG02711270) e Recorded on 16-Sep-2013 at 15.58.59;
     LXII. As testemunhas explicaram em sede de audiência de julgamento que na morada indicada nos contratos promessa havia sido instalado o escritório do Governo da RPC que serviria de apoio aos investimentos que estavam a ser feitos e por essa razão, sendo a J responsável por todo esse projecto, e que a Sra. J sabia perfeitamente que essa morada servia apenas para mera referência, e que tal carta nunca haveria de ser recebida pelo Autor nessa morada, pois estamos a falar de uma morada cuja propriedade estava e está registada no nome da própria J - cfr. Fls. 5035;
     LXIII. A J sabia que o Recorrido estava na China e que não residia naquela morada;
     LXIV. Resulta provado que a J sabia como contactar directamente o Autor e os representantes do Governo da RPC, até porque o pai dela é da província e funcionário do Governo, mas não obstante, não o fez;
     LXV. Outras respostas não poderiam merecer os quesitos 36°, 38°, 39°, 41º, 42°, 43° e 44° da base instrutória;
     LXVI. Dos depoimentos das testemunhas K, L e M (Recorded on 16-Sep-2013 at 11.54.16 (0XDFLO3G02711270), Recorded on 16-Sep-2013 at 15.44.10 e Recorded on 16/09/2013 - 16.29.28 respectivamente) demonstram claramente que o Recorrido pretendia celebrar as escrituras, que a J tinha perfeito conhecimento dessa intenção, e por isso tinha assumido o compromisso com o Recorrido para celebrar as escrituras, pelo que não houve qualquer perda de interesse por parte desta;
     LXVII. Por essa razão, a resposta negativa ao quesito 40° não merece qualquer reparo;
     LXVIII. Insurge-se a Recorrente contra o facto de terem sido incluídos na Base Instrutória conceitos jurídicos, matéria conclusiva e juízos de valor;
     LXIX. A intenção de enganar é um facto, …e grave, da mesma forma que não ter intenção de vender, não ter intenção de comprar, e não ter vendido, e ter declarado falsamente vender;
     LXX. Mas a conclusão de direito desse facto chama-se uma diferença entre a vontade real e a vontade declarada com um animos nocendi e que se conceptualiza do CÓDIGO pelo nome de SIMULAÇÃO. (esta sim uma conclusão própria e devida);
     LXXI. A intenção, o convencimento, enquanto realidades do mundo psicológico, fazem parte das realidades de facto, tendo a Doutrina e a Jurisprudência suportado largamente esse entendimento;
     LXXII. Diz a Recorrente que as Rés apenas poderiam prejudicar o Autor se realmente também quisessem efectivar as compras e vendas,
     LXXIII. Sabendo-se que a simulação consiste na própria diferença entre a vontade real e a vontade declarada, feita com o intuito de prejudicar terceiro, é manifesto que o Tribunal a quo fez constar da decisão de que a Recorrente quis declarar a venda… apesar de não querido nem querer ter vendido;
     LXXIV. O interesse que a Recorrente teve foi na declaração falsa de venda, e a declaração falsa de compra, por parte das 2ª e 3ª Rés, ora Recorrentes;
     LXXV. O Tribunal a quo apreciou o facto de a 1ª Ré ter sabido que o Autor vivia no Interior da China e não receberia cartas de interpelação na morada constante dos contratos-promessa, morada esta indicada como mera referência e por indicação da ex-sócia da 1ª Ré a qual é o endereço de uma casa pertencente a esta mesma sócia, tendo concluído que a 1ª Ré actuou manifestamente de má fé;
     LXXVI. Esqueceu-se a Recorrente desta matéria de facto que consta da sentença e que constitui fundamento dela;
     LXXVII. A 1ª Ré devia ter tentado outros meios ao seu alcance para proceder à notificação do Autor, nada constando dos autos de que essas tentativas tivessem sido feitas;
     LXXVIII. Ficou demonstrado o abuso desta conduta declaradamente de má fé e que constitui a modalidade mais primitiva e mais grave do instituto: o acto emulativo (a aemulatio romana), ou seja o que é desferido com o exclusivo propósito de prejudicar outrem;
     LXXIX. A própria 1ª Ré alegou que em finais de 2008 alguns representantes voluntários do Autor compareceram no edifício onde se encontram as fracções autónomas prometidas vender, não tendo nessa altura aproveitado a ocasião, quando podia, para fixar um prazo para o Autor cumprir por forma a preencher o requisito previsto no artigo 797º, n° 1, b), do CC.
     LXXX. A carta de 29 de Maio de 2006 que fixa a data de interpelação de 29 de Junho de 2006 como data para a celebração dos contratos prometidos, condiciona a outorga destes contratos ao pagamento prévio de MOP$7.000.000,00 correspondentes a despesas relacionadas com as fracções autónomas prometidas vender, nelas incluindo as despesas de condomínio, o foro e as despesas administrativas, condição essa que é imposta ilegitimamente por não se tratar de uma obrigação: o decorrente dos contratos-promessa;
     LXXXI. A relevância dessas despesas, para os efeitos do 797º, n° 1, a) do CC, pressupões a mora do Autor, ora Recorrido, o que não ocorreu, e o valor das despesas indicado na carta de 29 de Maio de 2006 não foram efectivamente provadas;
     LXXXII. A invocação de perda do interesse por parte do promitente vendedor que recebeu a totalidade do preço não pode deixar de ser qualificada como abusiva e ilícita!
     LXXXIII. A perda do interesse deve ser afastada no caso dos autos, na medida em que, tendo o Autor / Recorrido pago à Recorrente a totalidade do preço, e tendo esta recebido o benefício do pagamento antecipado do preço final, nem tampouco pode pugnar pelo manifesto prejuízo;
     LXXXIV. A 1ª Ré estava em mora porque não respondeu aos pedidos de celebração dos contratos prometidos feitos pelo Autor;
     LXXXV. Ficou demonstrado que a 1ª Ré incumpriu definitivamente os contratos-promessa, pois, provada que está a venda invocada pelo Autor e afastado o incumprimento contratual prévio que a 1ª Ré imputa ao Autor, o único enquadramento só pode ser o da impossibilidade culposa prevista no artigo 790º, n° 1, do CC;
     LXXXVI. Ainda que dúvidas houvessem, o que não se concede, parece-nos manifesto que a execução de uma escritura de compra e venda, simulada e celebrada com o objectivo único de prejudicar o Autor, sendo provada nestas instâncias, deverá impor a conclusão que a Recorrente manifestamente o seu desiderato de não querer cumprir com a obrigação, recaindo em incumprimento definitivo;
     LXXXVII. Insurge-se a Recorrente pelo facto de na sentença se dizer que: "Pede a 1ª Ré a modificação dos contratos-promessa por alegadamente os imóveis terem valorizado bastante com o decurso do tempo" dizendo que não foi nada disso que pediu, usando a letra constante do articulado;
     LXXXVIII. A 1ª Ré não logrou demonstrar a mora do Autor, nem nenhum facto provado indica qual é o montante e que tipo de despesas estão em causa, pelo que, o pedido de modificação não pode deixar de improceder;
     LXXXIX. Se se tratassem de despesas materiais e concretas, a Recorrente teria sempre o dever de descriminar as mesmas, pelo que não se pode bastar por um pedido de modificação do contrato por equidade, facto que não se encontra no âmbito do poder dos Tribunais, sendo exclusivo das partes.
     XC. Depois de lidas as alegações da Recorrente C, Limitada a mesma aduz o teor das alegações de Recurso apresentadas pela B, LIMITADA.
     XCI. As únicas diferenças restringem-se à invocação de um novo argumento, qual seja o da pretensa nulidade dos contratos promessa celebrados entre a 1ª Ré e o Autor (Recorrido) e a sua oposição à execução específica dos contratos promessa de compra e venda, por não lhe ser aplicável;
     XCII. Atento o exposto, dão-se por reproduzidas as respostas que se deram supra às alegações da B, LIMITADA em todas as matérias que lhe são comuns, incluindo a respeitante à matéria de facto;
     XCIII. Vem a Recorrente C, Limitada alegar, nesta fase de recurso de uma decisão que lhe foi desfavorável, o facto de o imposto de selo relativo ao contrato promessa celebrado entre Autor e a Recorrente não ter sido devidamente pago tirando daí uma consequência jurídica, qual seja, a de o “Tribunal a quo não poderia nunca ter valorado tais contratos promessa";
     XCIV. E mais diz que são necessariamente nulos por falta de forma;
     XCV. Os contratos promessa sub judice foram celebrados em 8 de Fevereiro de 1999;
     XCVI. É por referência à data da celebração do contrato que o imposto, seja ele qual for, é devido;
     XCVII. Cada um dos contratos encontra-se devidamente selado;
     XCVIII. O pagamento foi efectuado de forma correcta nos termos da Lei n.º 17/88/M de 27 de Junho, que aprovou o Regulamento do Imposto de Selo, bem como as taxas e formas de pagamento do mesmo imposto;
     XCIX. O imposto de selo foi pago com estampilhas aprovadas pelo Regulamento Administrativo n.º 15/2000;
     C. Nos termos do artigo 5°, n.º 1 do da Lei n.º 17/88/M de 27 de Junho, que aprovou o regulamento do imposto de selo: "o imposto do selo é arrecadado por meio de estampilhas, selo de verba ou selo especial”, selo esse que era devido pela celebração dos contratos celebrados por escrito particular, nos termos do artigo 23° da Tabela Geral do Imposto de Selo.
     CI. As partes colocaram devidamente as estampilhas no documento, conforme disposto no artigo 9° do referido diploma, e fizeram-no antes de apresentar em qualquer juízo;
     CII. A lei é clara quanto ao âmbito temporal de aplicação. Reza o artigo 3°, n.º1 da mesma que: "1. A presente lei só se aplica aos factos tributários ocorridos após a sua entrada em vigor."
     CIII. O facto tributário é o acto, actividade ou situação que dá origem ao imposto, e in casu, o facto é aquele que vem descrito na alínea b) do n.º 3 do artigo 48-A do mencionado diploma, ou seja, o contrato-promessa de compra e venda;
     CIV. A referida Lei só entrou em vigor no primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação - vide artigo 8° do mesmo diploma - ou seja, no dia 1 de Agosto de 2001, e por isso, apenas os contratos promessa celebrados após 1 de Agosto de 2001 é que estão sujeitos ao referido imposto de verba;
     CV. O artigo 67.º do Regulamento do Imposto de Selo invocado pelos Recorrentes não se encontrava em vigor aquando da ocorrência do facto tributário;
     CVI. Os Recorrentes bem sabem que os contratos promessa em causa não estavam sujeitos ao imposto de verba à taxa 3%, o que só veio a ocorrer em 2001;
     CVII. Os Recorrentes pretendem enganar o Tribunal dando a aparência da ilicitude, ou deveras se enganaram colectivamente (ou singularmente) nas suas alegações de recurso.
     CVIII. Sem conceder, o legislador não estabelece como consequência para o não pagamento do imposto de selo a nulidade dos actos em causa, antes impõe um requisito de atendibilidade, como a norma expressamente o diz, no âmbito da qual o Tribunal poderá obrigar a todo o tempo a parte a cumprir com a obrigação fiscal respectiva;
     CIX. Independentemente de ter havido ou não o pagamento de imposto de selo os contratos celebrados entre o Autor e a 1ª Ré são válidos e eficazes;
     CX. Ainda sem conceder, a alegação é extemporânea;
     CXI. Os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor deveriam ter sido alegados pela Ré em sede de contestação e por via de excepção;
     CXII. Segundo o princípio do dispositivo a adução do material de facto a utilizar pelo juiz para a decisão da causa só compete, em princípio, às partes e a estas corresponde o dever de proporcionarem ao juiz, mediante as suas afirmações de facto a base da decisão, com excepção dos factos notórios, cabendo a cada uma das partes o ónus da alegação;
     CXIII. Segundo o princípio da concentração da defesa toda a defesa deve ser deduzida na contestação;
     CXIV. Não tendo os Recorrentes alegado esse facto, o conhecimento dele nesta fase do processo não só é extemporâneo como é ilegal, porquanto o direito de o arguir já precludiu;
     CXV. Depois de lidas as alegações da Recorrente D, a mesma alega ipsis verbis, o teor das alegações de Recurso apresentadas pelas suas parceiras simuladoras, em especial da Recorrente C, Limitada.
     CXVI. Dão-se por reproduzidas as respostas que se deram supra às alegações da Recorrente C, Limitada em todas as matérias que lhe são comuns, incluindo a respeitante à matéria de facto.
     CXVII. A junção com as alegações de Recurso da ora Recorrente D de uma certidão emitida pelo Tribunal Judicial de Base em 3 de Abril de 2014, referente a uma informação do Corpo de Policia de Segurança Pública prestada em 13/09/2004, é manifestamente extemporânea;
     CXVIII. A 3ª Ré justificou a sua junção com vista a abalar a autenticidade do relatório de fls. 5036 a 5041 na parte em que diz que o Autor se deslocou a Macau durante o ano de 2003, dizendo que o que ali se diz “…trata-se de uma verdadeira falsidade."
     CXIX. A Recorrente, em nítida conjugação de esforços com as 1ª e 2ª Rés, continuam a brincar com o Tribunal, fazendo um uso de meios processuais manifestamente dilatório e ilegais, como é o caso;
     CXX. É que a certidão que se pretende juntar já foi junta aos autos pela 2ª Ré por requerimento de fls. 5605 a 5611, apresentado em momento posterior às alegações de direito, com vista a instruir um mesmo incidente de falsidade sobre o referido Relatório de fls. 5036 a 5041;
     CXXI. A questão que ora se levanta para justificar a junção do referido documento - abalar a autenticidade do conteúdo do Relatório de fls. 5036 a 5041 - foi já levantada e apreciada nos presentes autos por despacho de fls. 5633 a 5635, tendo sido julgado improcedente e ordenado o desentranhamento da referida certidão judicial;
     CXXII. A Recorrente não justifica a superveniência desse documento, nem tem como justificar, atenta a data da emissão da referida certidão;
     CXXIII. A referida certidão não tem, só por si, a virtualidade de abalar o que se diz no Relatório de fls. 5036 a 5041, ou de ter qualquer influência na resposta ao quesito 23°;
     CXXIV. Por isso, não deverá ser admitida a junção aos autos do documento junto com as alegações da Recorrente sob o nº 1, por ser manifestamente extemporâneo;
     CXXV. Nenhum dos argumentos aduzidos pelas Recorrente pode ter o efeito de alterar o conteúdo da decisão recorrida, nem pode criar a Injustiça que recairia na sua revogação.
     CXXVI. São três os requisitos, cumulativos, para que haja simulação, a saber: a) Divergência entre a vontade real e a vontade declarada das partes; b) Conluio que determine a falsidade dessa declaração – acordo simulatório (pactum simulationis); c) Intuito de enganar terceiros (animus decipiendi);
     CXXVII. Quando o acordo simulatório se dirige à celebração de um negócio e as partes não querem na realidade celebrar esse negócio, nem qualquer outro, estamos perante a simulação absoluta.
     CXXVIII. Na simulação absoluta os simuladores fingem realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade não querem realizar negócio jurídico algum - há apenas um negócio simulado ("colorem habet, substantiam vero nullam”). Já na simulação relativa o conteúdo da vontade real das partes é outro negócio jurídico diferente daquele que celebrou.
     CXXIX. Comum a ambas as modalidades de simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o que consiste no facto de o declarante saber que a declaração emitida não corresponde à sua vontade real, é diversa da emitida, mas mesmo assim, quer emiti-la;
     CXXX. ln casu, ficou assente que, não obstante as declarações constantes nas escrituras públicas celebradas entre a 1ª Ré e a 2ª Ré, e a 1ª Ré e a 3ª Ré, em 12 e 16 de Setembro de 2008, respectivamente, a 1ª Ré não tinha qualquer intenção de vender as fracções em causa às 2ª e 3ª Rés, e não as vendeu, e nem as 2ª e 3ª Rés tinham intenção de as comprar! (cfr. resposta aos quesitos 12° e 13° da Base Instrutória);
     CXXXI. Da resposta positiva dada aos quesitos 12.° e 13.° da base instrutória infere-se necessariamente a existência de divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelas Rés, isto porque nem a 1ª Ré quis vender, e não vendeu, e nem as 2.ª e 3.ª Rés quiseram comprar, e não compraram;
     CXXXII. Dos factos provados retira-se que no presente caso estamos perante uma situação de simulação absoluta, já que para além de as Rés não quererem vender e nem comprar, não pretenderam celebrar qualquer outro tipo de negócio que tivesse por objecto as 105 fracções em causa nos presentes autos;
     CXXXIII. Mais resulta assente nos autos que as declarações constantes nas ajuizadas escrituras de compra e venda foram proferidas por conluio entre as Rés (cfr. resposta ao quesito 20° da Base Instrutória);
     CXXXIV. As 2ª e 3ª Rés (pretensas compradoras) não pagaram qualquer quantia à 1ª Ré, pretensa vendedora a título de preço (cfr. resposta ao quesito 14º da Base instrutória);
     CXXXV. As Rés compradoras não têm capacidade financeira para adquirir tão avultado número de fracções autónomas destinadas a escritório sem recorrer a qualquer financiamento bancário (cfr. resposta ao quesito 15º da Base Instrutória);
     
     CXXXVI. A 2ª Ré não pode gerar rendimentos capazes de suportar a aquisição de 54 fracções autónomas sem recurso a qualquer tipo de financiamento ou suprimento dos sócios, a que acresce o facto de não ser conhecido o exercício de qualquer actividade comercial em Macau à 3ª Ré. (cfr. Resposta aos quesitos 17° e 18º da Base Instrutória);
     CXXXVII. O preço declarado nas escrituras corresponde exactamente aos valores matriciais das fracções em questão (cfr. alínea M) dos Factos Assentes), quando é por demais consabido que os valores matriciais atribuídos pelos Serviços de Finanças se mostram sempre bem abaixo do valor real do mercado, seguindo-se por critérios determinativos bem distintos;
     CXXXVIII. Os valores matriciais estavam já naquela altura desajustados à realidade (cfr. Resposta ao quesito 21° da Base Instrutória) e algumas das fracções foram inclusive já sujeitas a reavaliação das Finanças - cfr. Certidões matriciais de fls. 4946 seguintes e fls. 5088 e 5089;
     CXXXIX. As Recorrentes sabiam que o Autor pretendia dar cumprimento aos contratos promessa de compra e venda que havia celebrado com a 1ª Ré, não só porque o Autor, por diversas vezes, contactou com a 1ª Ré para exigir o cumprimento dos contratos promessa, (cfr. Resposta ao quesito 23° da Base Instrutória), como também manifestou expressamente no processo judicial com o nº CV2-06-0055-CAO a sua intenção e vontade de cumprir o acordado nos respectivos contratos promessa através do pedido reconvencional de execução específica, o qual foi levado a registo (cfr. Alínea N) dos Factos Assentes e resposta ao quesito 33° da Base Instrutória);
     CXL. As 2ª e 3ª Recorrentes, promitentes compradoras, tinham pleno conhecimento desta vontade do Autor manifestado no pedido reconvencional. (Alínea O) dos Factos Assentes);
     CXLI. E é sabido que pessoa diligente nunca se envolveria num negócio desta dimensão sabendo existir sobre as fracções um ónus como o pedido reconvencional, nem compraria as fracções sabendo que o vendedor era já uma pessoa incumpridora, ou sabendo que mais tarde poderia ficar sem as mesma já que a procedência do pedido reconvencional de execução especifica, porque devidamente registado em data anterior à das vendas às 2ª e 3ª Rés, determinaria a ineficácia destas vendas, e por força do registo do pedido reconvencional não poderiam as terceiras adquirentes invocar em sua defesa a presunção da boa fé;
     CXLII. As compras e vendas celebradas entre as Rés não foram precedidas de qualquer contrato promessa, o que é também claramente demonstrativo dos esforços conjuntos levados a cabo pelas Rés para ficcionar os negócios jurídicos ora impugnados;
     CXLIII. É de concluir, sem margem para quaisquer dúvidas, que se mostra preenchido o segundo requisito do instituto jurídico da simulação, qual seja o conluio que determine a falsidade dessa declaração – acordo simulatório (pactum simulationis);
     CXLIV. Ficou claramente demonstrada a simulação fraudulenta (animus nocendi) na medida em que ficou demonstrada a intenção das Recorrentes em prejudicar os interesses do Recorrido, nomeadamente, impedindo-o de vir a celebrar as escrituras de compra e venda das 105 fracções em cumprimento dos contratos promessa, pelo que se encontra preenchido o terceiro requisito da simulação, isto é, o intuito de enganar terceiros e o acordo simulatório;
     CXLV. Verificando-se assim preenchidos os requisitos legais para que seja declarada a simulação da venda de imóveis, o negócio simulado é nulo, operando a declaração de nulidade eficácia retroactiva (eficácia "ex-tunc") - art° 282°, nº 1 do Código Civil;
     CXLVI. Nos termos do n.º 2 do artigo 232°, 279° e 282° do Código Civil, e aplicando o direito aos factos, outra conclusão não poderia resultar da decisão recorrida que não fosse a de ser declarada a nulidade das vendas as efectuadas pela 1ª Ré a favor da 2ª e 3ª Rés através das escrituras públicas de compra e venda de 12 e 16 de Setembro de 2008, respectivamente, e consequentemente, nos termos dos arts. 14° e 8° do Código de Registo Predial, cancelados os respectivos registos de aquisição efectuadas na Conservatória do Registo Predial a favor da 2ª R. C, LDA. mediante inscrição n.º 176604, do Livro G, e a favor da 3ª R. D mediante inscrição n.º 176641, do Livro G;
     CXLVII. Não é possível a execução específica quando o bem tiver passado para a esfera jurídica de outrem, - caso em que ele já não está na posse e titularidade do transmitente - nas situações em que o contrato de promessa não tiver tido eficácia real (cfr. art. 407°, do C.C.) e, portanto, "erga omnes", a menos que o terceiro seja de má-fé;
     CXLVIII. Porque os adquirentes estavam de má-fé, já que ambos os casos a transmissão sucessiva assentou em simulação, nada obsta à execução específica;
     CXLIX. A Douta decisão recorrida não merece qualquer censura pelo que deverão improceder assim os argumentos aduzidos pelas Recorrentes nas suas alegações de recurso;

*
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     Da Matéria de Facto Assente:
     - A 1ª Ré B, LIMITADA é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto comercial a actividade de fomento predial e construção civil (alínea A) dos factos assentes).
     - A 2ª Ré C, LIMITADA é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto comercial a actividade de publicidade com capital socieal de MOP$25.000,00 (alínea B) dos factos assentes).
     - O prédio denominado por “XX – Lote XX”, sito em Macau, RAE, com os números XX da Rua de XX, XX da Rua de XX, XX da Dr. N, e XX da Avenida do XX, encontram-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21XX4 a fls. XX do Livro XX, inscritas na matriz predial sob o n.º 73XX9 (alínea C) dos factos assentes).
     - No dia 8 de Fevereiro de 1999, a 1ª Ré e o autor celebraram 105 contratos-promessa de compra e venda, nos termos do qual aquela prometeu vender e este pometeu comprar as fracções autónomas “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, todos do 8° a 12° andar e “A”, “B”, “C”, “D”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L” “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, todos do 13° andar, para escritório, do prédio identificado em C) dos factos assente, conforme o teor dos documentos a fls. 2058 a 2373, que aqui se dão por integralmente reproduzido (alínea D) dos factos assentes).
     - Pelos preços seguintes (alínea E) dos factos assentes):
     • Por cada fracção autónoma designada por “A”, “E”, “J”, “N”, o preço de HKD$660.920,00, equivalente a MOP$682.069,00;
     • Por cada fracção autónoma designada por “B”, “C”, “D”, “K”, “L” e “M” o preço de HKD$501.840,00, equivalente a MOP$517.899,00;
     • Por cada fracção autónoma designada por “F”, “I”, “O” e “R”, o preço de HKD$524.800,00, equivalente a MOP$541.594,00;
     • Por cada fracção autónoma designada por “G” e “Q”, o preço de HKD$530.950,00, equivalente a MOP$547.940,00;
     • Por cada fracção autónoma designada por “H” e “P”, o preço de HKD$514.550,00 , equivalente a MOP$531.016,00.
     - Nos termos dos contratos-promessa referidos em D), a 1ª Ré declarou receber do autor o preço acordado e deu a respectiva quitação (alínea F) dos factos assentes).
     - Nos termos dos contratos-promessa referidos em D), a 1ª Ré, prometeu vender, livres de ónus e encargos e devolutas, as referidas fracções autónomas ali mencionadas (alínea G) dos factos assentes).
     - Até à presente data não foi realizada a escritura da compra e venda sobres as fracções autónomas a que se mencionam os contratos-promessa referidos na alínea D) (alínea H) dos factos assentes).
     - Por escritura pública lavrada em 12 de Setembro de 2008, a fls. 86 do Livro 11 do Catório do Notário Privado R, a 1ª Ré declarou vender a favor da 2ª Ré, que por seu turno declarou comprar, pelo preço global já pago de MOP$79,563,000.00, as fracções autónomas “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, todos do 8 a 10 andares do prédio referido em C) dos factos assentes (alínea I) dos factos assentes).
     - Pela inscrição nº 176604 de 12/09/2008 da Conservatória do Registo Predial, foram registadas a favor da 2ª Ré as fracções autónomas mencionadas na alínea I) (alínea J) dos factos assentes).
     - Por escritura pública lavrada em 16 de Setembro de 2008, a fls. 92 do Livro 11 do mesmo Cartório do Notário Privado R, a 1ª Ré declarou vender a favor da 3ª Ré que por seu turno declarou comprar, pelo preço global já pago de MOP$74,939,700.00, as fracções autónomas “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, todos do 11 e 12 andares e “A”, “B”, “C”, “D”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R” , todos do 13 andar do prédio referido em C) dos factos assentes (alínea K) dos factos assentes).
     - Por inscrição provisória sob o nº 17XXX1G de 16/09/2008 da Conservatória do Registo Predial, foram registadas a favor da 3ª Ré as fracções autónomas mencionadas na alínea K) (alínea L) dos factos assentes).
     - Os preços globais das vendas mencionadas em I) e K) correspondem exactamente aos valores matriciais do conjunto das fracções autónomas em causa (alínea M) dos factos assentes).
     - Por inscrição provisória nº 31XXXF da Conservatória do Registo Predial, foi registada a reconvenção deduzida pelo reconvinte A, ora auotr, no processo nº CV2-06-0055-CAO (alínea N) dos factos assentes).
     - A 2ª e a 3ª Rés tinham conhecimento, pelo menos na data da outorga das respectivas escrituras, da existência dos contratos promessa celebrados entre o Autor e a 1ª Ré, bem como sobre os imóveis objecto das vendas referidas em I) e K) incide uma inscrição provisória referida na alínea N) (alínea O) dos factos assentes).
     - Nos contratos-promessa aludidos na alínea D), foi estipulado que o Autor assumiu a obrigação de comunicar a 1ª Ré qualquer alteração de morada (alínea P) dos factos assentes).
     - À data da celebração dos contratos promessa mencionada na alínea D), era titular do direito resultante da concessão por arrendamento do prédio mencionado na C), a sociedade “O, LIMITADA” (alínea Q) dos factos assentes).
     - Por inscrição nº 26788F datada em 18/02/2002 da C.R.P., foi registada a favor da 1ª Ré a transmissão do direito resultante da concessão por arrendamento a qual foi convertida em definitiva em 22 de Abril de 2002 (alínea R) dos factos assentes).
     - Por inscrição nº 16XX0 de 12/04/1997 da C.R.P., a Sociedade O, Limitada, constituiu uma hipoteca sobre todo o prédio referido em C) a favor de P e mulher e Q e mulher como garantia de um empréstimo de HKD$75,000,000.00 concedido a favor da 1ª Ré (alínea S) dos factos assentes).
     - O registo dessa hipoteca foi cancelada, sob apresentação nº 32 de 23/10/2003 (alínea T) dos factos assentes).
     - Por inscrição nº 36XXC de 25/05/1998 da C.R.P., a Sociedade O, Lda. constituiu uma hipoteca sobre todo o prédio referido em C) a favor do Banco G S.A.R.L., para garantia de uma abertura de crédito em concessão de facilidades bancárias gerais a favor da 1ª ré até ao limite de HKD$10,000,000.00 (alínea U) dos factos assentes).
     -
     -
     -
     -
     -
     -
     -
     -
     -
     -
     -
     -
     -
     -
     - O registo dessa hipoteca foi canceladas sob apresentação nº 68º de 12/11/2002 (alínea U) dos factos assentes).
     - Em 28 de Novembro de 2002, a 1ª Ré constituiu uma outra hipoteca, a favor do Banco H para garantia de um crédito em concessão de facilidades bancárias gerais até ao limite de MOP$23.000.000,00, a seu favor, sobre várias das fracções autónomas do prédio, entre as quais, as fracções A8, B8, C8, D8, E8, F8, G8, H8, I8, J8, K8, L8, M8, N8, O8, P8, Q8, R8, A9, B9, C9, D9, E9, F9, G9, H9, I9, J9, K9, L9, M9, N9, O9, P9, Q9, R9 (alínea V) dos factos assentes).
     - Por escritura de 26 de Maio de 1996, a Sociedade “Macau – Obras Aterro, Limitada” confere à 1ª Ré os poderes constantes de procuração a fls. 4005 cujo teor se dá por integralmente reproduzido (alínea W) dos factos assentes).
     **
     Da Base Instrutória:
     - O Autor teve conhecimento dos factos referidos em I) e K) dos factos assentes em 8 de Outubro de 2008 (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
     - Apesar das declarações constantes nas escrituras referidos em I) e K) dos factos assentes, a 1ª Ré. não tinha qualquer intenção de vender, e não vendeu, as fracções em causa a 2ª e 3ª Rés (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
     - Nem as 2ª e 3ª Rés tinham intenção de as comprar (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
     - Não tendo a 2ª Ré nem a 3ª Ré pago, naquela data ou anteriormente, a título de preço, quaisquer quantias à 1ª Ré (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
     - Não tinham as 2ª e 3ª Rés recorrido a um empréstimo bancário ou outro que implicasse uma hipoteca sobre os imóveis em causa (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
     - A 2ª Ré não pode gerar rendimentos capazes de suportar, por si só, e sem recurso a qualquer tipo de financiamento ou suprimento dos sócios, a aquisição das fracções autónomas referidas em I) (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
     - Não é conhecido o exercício de qualquer actividade comercial em Macau à 3ª Ré (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
     - As declarações constantes das escrituras públicas referidas em I) e K) foram proferidas por conluio entre as 1ª e 2ª Rés e entre 1ª e 3ª Rés, com o intuito de enganar e prejudicar o Autor (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
     - Os valores matriciais referidos em M) dos factos assentes estavam desajustados à realidade (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
     - À data da celebração das escritura públicas referidas em I) e K) dos facto assentes, o conjunto das fracções autónomas mencionadas em D) dos factos assentes valia, pelo menos, MOP$281.500.000,00 (resposta ao quesito da 22º da base instrutória).
     - O Autor contactou, por várias vezes, com a 1ª Ré para lhe exigir o cumprimento do que havia sido acordado (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
     - Todas as suas tentativas foram infrutíferas (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
     - A 1ª Ré enviou uma carta datada de 28 de Maio de 2004, cujo teor consta o documento a fls. 2492 para a morada indicada nos contratos promessa referidos em D) dos factos assentes (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
     - A qual foi devolvida pelos CTT por falta de reclamação (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
     - Em 29 de Maio de 2006, a 1ª Ré enviou novamente uma carta ao Autor para a celebração das escrituras de compra e venda, no dia 30 de Junho de 2006, pelas 12 horas, no escritório do Notário privado R, na Avenida da XX, n.º XX, Edifício XX, XXº andar XX, conforme o teor do documento a fls. 2495 e 2496, que segui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
     - O Autor não compareceu e nem se fez representar no Cartório Notarial para celebração dos contratos definitivos (resposta ao quesito da 29º da base instrutória).
     - Por as fracções autónomas serem registadas em seu nome, a 1ª Ré pagou os respectivos impostos e contribuições prediais (resposta ao quesito da 31º da base instrutória).
     - No processo CV2-06-0055-CAO do 2º Juízo Cível, pelo Autor foi deduzida contra a 1ª Ré uma reconvenção na qual aquele formulou um pedido de execução específico que tem por objecto as fracções autónomas mencionadas nos contratos-promessa referidos em D) dos factos assentes (resposta ao quesito da 33º da base instrutória).
     - Por decisão transitada em julgada, a 1ª Ré foi absolvida da instância da reconvenção (resposta ao quesito da 34º da base instrutória).
     - A inscrição referida na alínea N) dos factos assentes foi cancelada nos termos constantes a fls. 4160 (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
     - O Autor não recebeu as cartas enviadas pela 1ª Ré para morada indicada nos contratos-promessa (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).
     - Em 16 de Setembro de 2008, a 1ª Ré já sabia que o Autor não residia já em Macau (resposta ao quesito da 38º da base instrutória).
     - A 1ª Ré sabia que o Autor vive na China e não receberia cartas na morada constante nos contratos promessa (resposta aos quesitos das 41º e 42º da base instrutória).
     - A morada para onde a 1ª Ré enviou as referidas cartas nas respostas aos quesitos 26º e 28º é o endereço duma casa pertencente a uma ex-sócia gerente da 1ª Ré, a J (resposta ao quesito da 43º da base instrutória).
     - A qual era indicada nos contratos-promessa como mera referência e por indicação da J (resposta ao quesito da 44º da base instrutória).
     - Na carta datada de 29 de Maio de 2006, a 1ª Ré submete a outorga das escrituras e efectiva entrega das fracções a condição de pagamento de todas as despesas com a administração das mesmas, no valor aproximado de MOP$7.000.000,00 (resposta ao quesito da 45º da base instrutória).
     - O registo da hipoteca a que se refere na alínea V) dos factos assentes foi cancelado em 8 de Outubro de 2003 relativamente às fracções A9, B9, C9, D9, E9, F9, G9, H9, I9, J9, K9, L9, M9, N9, O9, P9, Q9 e R9 e em 1 de Julho de 2005 relativamente às fracções A8, B8, C8, D8, E8, F8, G8, H8, I8, J8, K8, L8, M8, N8, O8, P8, Q8 e R8 (resposta ao quesito da 46º da base instrutória).
     - No mercado imobiliário, a prática usual é a celebração simultânea da escritura do distrate da hipoteca e de compra e venda (resposta ao quesito da 47º da base instrutória).

* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Ao começarmos a análise dos recursos, convém lembrar-se o que está consignado no artigo 628º do CPC quanto à ordem do conhecimento dos recursos:
(Julgamento dos recursos que sobem conjuntamente)
    1. Os recursos que tenham subido conjuntamente são apreciados pela ordem da sua interposição.
    2. Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa e que tenham sido interpostos pelo recorrido em recurso de decisão sobre o mérito só são apreciados se a sentença não for confirmada.
    3. Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o recorrente.
    Pelo que, os seguintes recursos interpostos pelo Autor só serão conhecidos, se a sentença não for confirmada (que é favorável ao Autor), ou seja, só depois de conhecermos dos recursos contra a sentença final é que saberemos se se justifica ou não o conhecimento dos recursos interlocutórios interpostos pelo Autor, relegando nós, por isso, para momento posterior o conhecimento dos seguintes recursos:
    - O recurso referido na 1ª Parte do Relatório deste acórdão – fls. 4 a 8;
    - O recurso referido na 3ª Parte do Relatório deste acórdão – fls. 12 a 16;
    - O recurso referido na 4ª Parte do Relatório deste acórdão – fls.17 a 27.
*
    Comecemos pelo recurso contra despachos interlocutórios interpostos pelas Rés.
- Parte A -
    Recurso interlocutório interposto pela 1ª Ré (que corresponde à 2ª Parte do Relatório deste acórdão acima indicada)
    O objecto do recurso é o despacho proferido em 31/10/2011 (fls. 4480 a 4481 dos autos): o Tribunal recorrido indeferiu PARCIALMENTE o pedido de depoimento de parte, sobre a matéria constante dos artigos 1.º, 2.º, 6.º, 7.º, 8.º, 23.º e 24.º da Base Instrutória, requerido pela 1ª Ré.
    O despacho atacado tem o seguinte teor:
*
     (…)
     Fls.4269:
     A 1ª Ré requer o depoimento de parte do autor sobre os factos identificados nos 1º, 2º, 6º, 7º, 8º, 23º, 24º, 29º, 30º, 31º, 36º e 37º da Base Instrutória.
     O depoimento de parte constitui um meio processual de provocar a confissão judicial, só é admissível quando recai sobre factos pessoais e desfavoráveis ao depoente.
     Os factos constantes dos artº 1, 2°, 6°, 7°, 8°, 23º, 24º não são factos desfavoráveis ao autor, assim, fica indeferido o depoimento do autor sobre esses factos.
     Admito o depoimento do autor sobre os factos constantes do 29º, 30°, 31º, 36° e 37° da base instrutória.
*
     
     (…)
     Nos termos do artº462° do C.P.C.M., oficie aos Serviços de Migração, solicitando-lhe a fornecer as informações requeridas.
*
     Defiro a gravação da audiência de discussão e julgamento.
     A secção preste atenção.
*
    Ora, conforme as alegações deste recurso, contantes de fls. 4639 a 4654 dos autos, mormente as conclusões constantes de fls. 4651 a 4654, que delimitam o âmbito cognotivo do Tribunal ad quem, no entender da Recorrente/1ª Ré, o depoimento devia ser deferido no seu âmbito todo, e não apenas sobre a matéria constante dos quesitos 29º a 31º, 36º e 37º tal como o Tribunal a quo decidiu.
    A esta decisão a Recorrente/1ª Ré imputa o vício da violação dos artigos 334º, 339º, 345º. 346º e 354º do CCM, e dos artigos 477º a 479º do CPC.
    Para sustentar a sua posição, a Recorrente/1ª Ré veio com uma tese muito sui geris:
    “(…)
     4. A circunstância de o questionário se cingir aos factos articulados pelas partes e de a testemunha só poder ser interrogada sobre os factos (incluídos no questionário) articulados pela parte que a ofereceu não significa que no questionário devam ser formalmente separados os factos articulados pelo autor e pelo réu;
     5. O questionário é um todo único e indiviso, e deve conter a formulação sintética de cada facto, independentemente da autoria e da forma da sua invocação - com o fim de evitar o perigo das respostas contraditórias.
     6. O depoimento de parte do Autor pode destinar-se a fazer a contraprova, por mera cautela de patrocínio, para precaver a situação de se conseguir prova testemunhal que confirme aqueles factos, falsos;
     7. A prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da existência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
     8. Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de qualquer meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que fez contraprova;
     9. Como princípio geral, todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, (sic) auxiliarem a descoberta da verdade, ressalvando-se apenas os casos de incapacidade natural e a incapacidade por motivo de ordem moral - limitações processuais que se fundam na razão simples, de que de certas pessoas não é de exigir depoimento sincero e, portanto, útil, entre as quais se destaca as que mantêm com a causa determinada posição vinculada ao desfecho do litígio.
     10. Apesar da estreita afinidade, não pode confundir-se a confissão com o depoimento de parte, pois, na maioria dos casos o depoente não confessa, limitando-se a confirmar os factos que lhe são favoráveis e negar os alegados pelo seu oponente que o desfavorecem.
     11. Quem requer o depoimento de parte pretende obter a confissão de factos desfavoráveis ao depoente e a respectiva admissibilidade pauta-se por essa limitação.
     12. Porém, o depoimento de parte e a confissão são, conceptualmente, realidades diferentes, sendo o depoimento de parte apenas uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão.
     13. O sistema da prova livre e da livre apreciação do julgador que nos norteia, admite que o depoimento de parte embora não confessório formalmente, possa, em determinadas circunstâncias concretas convencer o julgador da realidade de um facto desfavorável ao depoente.
     14. Não se deve, por atitude regra, restringir a admissão do depoimento de parte ao meio de prova para confissão.”

    Os artigos, cujo depoimento de parte requerido foi negado, têm o seguinte teor:

     Na data da celebração dos contratos promessa aludidos em D) dos factos assentes, a 1ª Ré entregou as chaves de cada uma das fracções autónomas ao Autor?

     Desde então, o Autor tomou conta das referidas fracções autónomas? ou arrendar?

     E mostrando-se por várias vezes a potenciais compradores?

     Comportando-se relativamente às respectivas fracções autónomas como seu único e verdadeiro proprietário?

     O Autor fê-lo por sua conta e na convicção de estar a cuidar dos seus imóveis?
    
23º
     O Autor contactou, por várias vezes, com a 1ª Ré para lhe exigir o cumprimento do que havia sido acordado?
24º
     Todas as suas tentativas foram infrutíferas?

    Ora a propósito da matéria de depoimento de parte, o artigo 477º do CPC estipula:
(Noção)
     1. O juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa.
     2. Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, indicam-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair.
    Repare-se, no número 1, o legislador utiliza o verbo “pode” e não “deve”, com o que confere o poder discricionário ao julgador para decidir esta matéria. Compreende-se que assim seja, visto que é o julgador que está numa posição privilegiada de ponderar todos os elementos disponíveis e opta por uma solução acertada e justa para instruir o processo com vista à justa composição do litígio entre as partes.
*
    Ora, o depoimento de parte é um dos meios de prova admitidos em Processo Civil, e tem em vista possibilitar a obtenção de confissão de factos, em juízo, pela parte a quem são desfavoráveis.
    Ao requerer-se o depoimento da parte, devem ser discutidos os factos sobre que há-de recair, devendo aqueles ser pessoais ou ser daqueles que ela deva ter conhecimento. Em princípio, o depoimento da parte deve ser prestado na audiência de julgamento, a menos que a parte resida fora de Macau.
    O que se pretende com o depoimento de parte é a confissão de determinada realidade favorável à outra parte, pois o artigo 345º do Código Civil de Macau (CCM) estabelece:
(Noção)
Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
    Por outro lado, o artigo 479º do CPC manda:
(Factos sobre que pode recair)
1. O depoimento só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.
2. Não é, porém, admissível o depoimento sobre factos criminosos ou torpes, de que a parte seja arguida
    Nesta óptica, conforme o teor dos factos constantes dos artigos 1.º, 2.º, 6.º, 7.º, 8.º, 23.º e 24.º da Base Instrutória, cujo depoimento de parte foi requerido pela 1ª Ré, não comportam um conteúdo de conhecimento pessoal por parte do Autor, isto por um lado; por outro, alguns também não permitem ter respostas desfavoráveis ao Autor, pois, os factos quesitados em si são favoráveis ao Autor.
    Imagine-se que, admitindo-se o depoimento de parte, o Autor viesse a responder “SIM” a todos os quesitos formulados perante o Tribunal, pois só as respostas positivas é que lhe eram favoráveis porque é parte do processo e tem interesse directo no objecto do mesmo!
    Em que ficaríamos? Violar-se-ia sem dúvida o disposto no artigo 345º do CCM e no artigo 479º do CPC. Não é este objectivo subjacente ao instituto de depoimento de parte!

    A propósito de confissão resultante de depoimento de parte, ensinava o Prof. Antunes Varela:
    “Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 554º , o depoimento só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento. É ao juiz que naturalmente compete decidir, segundo o sue prudente arbítrio, se o facto, não sendo pessoal, deve ou não (no aspecto da probabilidade psicológica e não no da conduta ética) ser do conhecimento da parte.” (Cfr. Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 568).
    Não preenchidos os requisitos fixados no artigo 345º do CCM e no artigo 479º do CPC, bem andou o Exmo. Juiz de primeira instância, ao negar o pedido formulado sobre os quesitos acima indicados. Pelo que, não há violação dos artigos 334º, 339º, 345º. 346º e 354º do CCM, nem dos artigos 477º a 479º do CPC.

    Nesta óptica, não merece censura o despacho atacado e como tal é de julgar improcedente o recurso interposto pela 1ª Ré nesta parte.
*
- Parte B -

    Recursos interpostos pelas 1ª, 2ª e 3ª Rés:
    Os recursos incidem sobre o despacho de fls. 5103 a 5107, proferido em 27/09/2013, que tem o seguinte teor:
審判聽證議事錄
通常宣告案第CV2-08-0073-CAO
日期及地點:二零一三年九月二十七日,上午十時二十分於本法院十八樓十三號審判庭
主審法官:梁祝麗(Drª. Teresa Leong)
助審法官:張婉媚(Drª. Cheong Un Mei)
助審法官:羅睿恒(Dr. Jerónimo Santos)
首席書記員:XX
初級書記員:XX
翻譯 :XX、XX及XX
原告之訴訟代理人:XX、XX及XX律師
第一被告之訴訟代理人:XX律師。
第二被告之訴訟代理人: XX律師。
第三被告之訴訟代理人: XX律師。
出席人士:原告、被告之訴訟代理人及被告之證S、T、U及V。
缺席人士:被告之證人W及X。
*
     主審法官按法律規定宣告審判聽證開始並命令將聽證過程製成視聽資料。
     接著,被告之訴訟代理人就原告第5083至5089頁之文件提交答覆。
     就被告於9月24日提交之文件,原告表示不反對,但不放棄相關期限。
     就原告於9月24日提交之文件,被告表示不反對且放棄相關期限。
     隨後,主審法官作批示如下:
     就被告之文件:本院根據《民事訴訟法典》第450條2款之規定,接納相關文件,但判處被告2UC之罰款。
     就原告提交之文件:本院接納相關文件,但考慮到文件日期,本院不科處罰款。
     著令將文件附入卷宗。
     就原告於第5084頁之申請:鑑於有關申請有助證實調查基礎第17及19點之事實,本院批準其申請,但判處原告6UC之罰款。
     著令去函財政局提供卷宗第5084頁要求之資料。
     所有出席人士均獲告知本批示內容,各人並表示對其清楚了解。
*
     接著,被告之訴訟代理表示放棄聽取缺席證人之證言及申請更改證人順序:S、T、V及U。
     原告之訴訟代理人表示不反對。
     主審法官批準有關申請。
     隨後,聽取以下證人:
     (……)
*
     隨後,原告之訴訟代理人向法庭申請如下:
     No seguimento do depoimento da testemunha E não resultou esclarecida a questão dos alegados pagamentos efectuados pelas 2ª e 3ª rés à 1ª ré na data das respectivas escrituras de compra e venda.
     Importa nos presentes autos que o Tribunal seja devidamente esclarecido face à confusão manifestada pela testemunha, seja esclarecido quanto aos documentos juntos na contestação da 1ª ré sobre os n.os 433 a 461, nomeadamente esclarecer se efectivamente as transacções bancárias aqui referidas foram efectivamente efectuadas pelas 2ª e 3ª rés e se as mesmas foram efectivamente depositadas nas contas da 1ª ré.
     Mais considerando que das escrituras de compra e venda dos dias 12/09/2008 e 16/09/2008, que resulta das escrituras que os respectivos preços globais foram já recebidos, o que está em manifesta contradição com as datas de algumas “cashier-orders” juntas aos autos, nomeadamente doc. nº 434 com a data de 18 de Setembro. Relativamente à escritura de 12 de Setembro e bem assim os doc. nºs 439, 442, 443, 445 e 447 da contestação da 1ª ré referente à escritura de 16/09/2008.
     Face ao seu pressuposto, e para melhor esclarecimento do Tribunal, e por tal se mostra essencial para a boa decisão de causa, requer a V. Exª se digne oficiar a autoridade monetária de Macau para pedir às instituições bancárias da RAEM para vir aos autos informar o seguinte:
     1. Quais as transacções bancárias efectuadas pelas 1ª, 2ª e 2ª rés no período compreendido entre o dia 01/07/2008 a 31/10/2008.
     2. Para vir informar qual a entidade requisitante das “cashier-orders” juntas pela 1ª ré com a sua contestação sobre os doc. 433 a 461. (Sublinhado nosso)
     第一被告之訴訟代理人發表如下:
     A 1ª ré opõe-se ao requerimento formulado pelo autor nos seguintes termos:
     Os documentos a que se refere destinam-se à prova do quesito nº 14 da B.I. A testemunha que respondeu foi arrolada pelas próprias rés nos termos do disposto no artº 437º do CPC, “a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”. Por outro lado, nos termos do disposto no artº 370º do CC, “o documento particular cuja autoria seja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor”. Ora, não tendo sido os documentos juntos aos autos com a contestação da 1ª ré impugnados pelo autor nomeadamente o funcionário do banco que assinou a respectiva “cashier-order” e no caso dos recibos o manuscrito com a respectiva referência da “cashier-order” a que respeita.
     No caso de haver alguma dúvida quanto às declarações constantes desses documentos, essa dúvida resolve-se por força do princípio atrás citado contra a parte onerada ao ónus da mesma. Por isso o argumento apresentado pelo autor de que é necessário o esclarecimento das declarações da testemunha é uma diligência desnecessária e inútil.
     Quanto ao pedido formulado sobre o nº 1 também parece não há qualquer relação com a B.I. e com a matéria de facto alegada na P.I. Pelo que requer a V. Ex.ª se digne indeferir o requerimento do autor e condená-lo uma multa exemplar.
     第二被告之訴訟代理人發表如下:
     A 2ª ré opõe-se ao requerimento apresentado pelo autor pelas razões já expostas pela 1ª ré que subscreve ainda porque em tal requerimento não foi aventada qualquer disposição legal para o mesmo e ainda porque o requerimento é feito com base no que o autor entende ser uma confusão criada pela última testemunha.
     Não há qualquer confusão. Há dois documentos autênticos cujo valor probatório resulta da lei. Há ainda documentos particulares juntos aos autos há mais de 4 anos que não foram impugnados pelo autor e por fim pedir esclarecimento à testemunha das rés sobre as datas constantes nesses documentos, a testemunha sem qualquer equívoco limitou-se a dizer que não foi ela que os elaborou, limitando-se a arquivá-lo. Pelo que os documentos valem aquilo que o Tribunal quiser, cumprida a lei.
     Deve ainda o requerimento ser indeferido, porque mesmo que a AMCM prestar-se a informação requerida, outra informação não seria que não a constante dos documentos que já juntados, com as precisas datas dos documentos já juntos. Não se percebendo ainda o porque de o prazo a estender a 01/07/2008.
     Mais, tal informação a ser recolhido pela AMCM junto das entidades bancárias, a que reterá com certeza uma demora e um atraso considerável que os autos não justifica.
     É tudo isto acresce que o autor pretende de forma injustificada e extemporânea fazer prova de factos com as testemunhas arroladas pela ré. Devendo por estes razões ser o requerimento indeferido.
     第三被告之訴訟代理人發表如下:
     A 3ª ré faz sua oposição ao requerido elaborada pela 2ª e 3ª rés e acrescenta que a testemunha referida no requerimento do autor afirmou ser apenas trabalhadora em part-time da 1ª ré. A testemunha não é autora, receptora, emissora, destinatária, subscritora ou tem qualquer relação com os documentos apresentados pelas rés. A testemunha confirmou não estar presente no momento da outorga da escritura, tendo apenas arquivado os documentos de pagamento em data que não soube precisar, por isso entende a 3ª ré que o requerimento se destina na realidade a impugnar directamente os documentos juntos com a contestação, pelo que é extemporâneo nos termos do artº 469º nº 1 e 471º nº 1 e 3 do CPC. Pelo que deverá ser indeferido sob pena de nulidade.
     接著,主審法官作出以下批示:
     本院定於下午二時三十分繼續本聽證。
     所有出席人士均獲告知本批示內容,各人並表示對其清楚了解。
     本聽證於下午一時十分結束。
     為備作據,特繕立本議事錄。經宣讀後,簽妥如下。
   


審判聽證議事錄
通常宣告案第CV2-08-0073-CAO
日期及地點:二零一三年九月二十七日,下午三時二十分於本法院十八樓十三號審判庭
主審法官:梁祝麗(Drª. Teresa Leong)
助審法官:張婉媚(Drª. Cheong Un Mei)
助審法官:羅睿恒(Dr. Jerónimo Santos)
首席書記員:XX
初級書記員:XX
翻譯 :XX、XX及XX
原告之訴訟代理人:XX、XX及XX律師
被告之訴訟代理人:XX及XX律師。
出席人士:原告、被告之訴訟代理人。
*
     主審法官按法律規定宣告審判聽證開始並命令將聽證過程製成視聽資料。
     隨後,主審法官作批示如下:
     Na sequência das declarações prestadas pela última testemunha das Rés, vem o Autor pedir que sejam obtidas informações acerca das transacções bancárias efectuadas pelas Rés durante o período compreendido entre 1 de Julho de 2008 a 31 de Outubro de 2008 e da entidade requisitante dos cashier orders juntos com os documentos de fls 3052 a 3080.
     Fundamenta o seu pedido no facto de a testemunha acima referida não ter conseguido esclarecer como é que as datas constantes de alguns dos cashier orders serem posteriores às datas da celebração das escrituras públicas referidas nas alíneas I) e K) dos factos assentes.
     As Rés opõem-se ao pedido com os fundamentos invocados na exposição já feita.
     Tendo em conta o teor do pedido, conclui-se que as diligências requeridas destinam-se a provar, a título principal, o facto constante do quesito 14º da base instrutória e, a título secundário, os factos constantes dos quesitos 12º e 13º da base instrutória.
     Assim, desde já se verifica que é totalmente impertinente a 1ª diligência pedida porque o que interessa saber é se os cashier orders foram efectivamente utilizados no pagamento dos preços das compras e vendas impugnadas.
     Resta, agora, apreciar a 2ª diligência pedida.
No que concerne aos seus fundamentos, não se julga que as declarações da última testemunha por si justificam a diligência requerida visto que a mesma julga que o preço das compras e vendas tinha sido pago pela 2ª e 3ª Rés porque chegou a ver cópias de cashier orders agrafadas aos documentos dessas compras e vendas quando fez o arquivamento desses documentos. (Sublinhado nosso) Quanto à questão das datas das escrituras públicas e de alguns dos cashier orders, a mesma declara que nem sequer tomou atenção a elas. (Sublinhado nosso)
Uma vez que a testemunha esclareceu que era apenas porque as cópias dos cahsier orders estavam agrafados aos documentos das mencionadas compras e vendas que teve acesso quando procedeu ao seu arquivamento que a levou a entender que o preço estava pago, nenhuma razão existe para estabelecer qualquer ligação entre as declarações prestadas pela testemunha e a questão das datas de alguns dos cashier orders serem posteriores à data da celebração das escrituras públicas destes negócios. (Sublinhado nosso)
É verdade que o Autor não impugnou os documentos juntos a fls 3052 a 3080 dentro do prazo legal. No entanto, a 2ª diligência requerida não se destina a impugnar os documentos, mas sim procurar impedir que se considere que os cashier orders foram entregues pelas 2ª e 3ª Rés para pagamento do preço. (Sublinhado nosso)
No que se refere ao valor probatório dos recibos juntos a fls 3052, 3054, 3056 a 3058, 3062, 3063, 3065, 3067, 3068, 3071 a 3073, 3075 a 3077 e 3079, o artigo 370º, nº 1, do CC, refere-se aos casos em que o documento é emitido pela pessoa contra quem o documento é apresentado. Ora, no presente caso, os recibos não foram emitidos pelo Autor e como tal não fazem prova plena contra o mesmo quanto ao seu teor. (Sublinhado nosso)
No que se refere à extemporaneidade do pedido, já assiste inteira razão às Rés visto que as diligências fundam-se nas datas dos cashier orders facto que o Autor já teve conhecimento quando lhe foi notificada a contestação há 4 anos atrás.
Quanto à utilidade das diligências, julga-se que para os quesitos em questão podem ser úteis para a apreciação dos quesitos acima referidos.
Nos termos do artigo 6º, nº 3, do CPC, “ Incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todos as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
No entanto, também reconhece que as diligências podem efectivamente causar atrasos nos autos.
Apesar do pedido ser extemporâneo, dada a utilidade da 2ª diligência, vai deferido o pedido e por força do disposto no artigo 6º, nº 1, do CPC, determina-se que a informação seja prestada em 10 dias.
Oficie às entidades bancárias dos cashier orders juntos a fls 3053, 3058, 3061, 3062, 3064 e 3066 para informar quem era o requisitante destes cashier orders e a favor de quem as respectivas quantias foram pagas. (Sublinhado nosso)
Notifique as entidades bancárias de que estão dispensadas do dever de sigilo bancário.
2UCs pelo indeferimento da 1ª diligência e 6UCs de multa pela extemporaneidade do pedido relativo à 2ª diligência, todos a cargo do Autor.
     本院定於二零一三年十月十一日下午三時三十分繼續本聽證。
     所有出席人士均獲告知本批示內容,各人並表示對其清楚了解。
     本聽證於下午四時十分結束。
     為備作據,特繕立本議事錄。經宣讀後,簽妥如下。

    Contra este despacho vieram as 1ª, 2ª, e 3ª Rés interpor o recurso mediante o requerimento de fls. 5195, datado de 08/10/2013, que foi admitido por despacho de fls. 5197, com efeito devolutivo e subida diferida.
    
    Ora, o despacho posto em crise foi proferido pelo Tribunal em 27/09/2013, pelo qual o Tribunal ordenou que fossem prestadas as seguintes informacões pelas instituições bancárias e pela DSF:
    - Quem era o requsitante dos cashier orders e a favor de quem as respectivas quantias foram pagas!
    - As informações sobre a situação contributiva das Rés relativas aos anos 2007 a 2012, a fornecer pela DSF.

    Esta diligência foi executada mediante ofícios de fls. 5108 a 5110 dos autos.
    
    Na sequência da admissão do recurso interposto e dentro do prazo para apresentar alegações, em 12/11/2013, vieram as Rés apresentar as suas alegações do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A. O A., através dos seus mandatários requereu à Direcção dos Serviços de Finanças certidões das declarações de rendimentos das 1ª e 2ª RR. Relativas aos anos 2007 a 2012 no dia 16 de Setembro de 2013.
     B. Ou seja, o Autor não cumpriu o prazo de 15 dias a que se refere o Artigo 431º/1 do Código de Processo Civil e pelo contrário apenas diligenciou pela obtenção de prova de factos alegados, 4 anos antes, apenas já após o início do julgamento da matéria de facto pelo tribunal.
     C. Os dados requisitados referem-se a anos anteriores à data da elaboração do próprio despacho saneador, pelo que a iniciativa de os requisitar deveria ter sido tomada nessa altura, para que as Recorridas tivessem oportunidade de, em tempo útil, poder eficazmente exercer o direito do contraditório e apresentar a sua própria prova.
     
    Relativamente a esta parte de argumentação, obviamente as Recorrentes não têm razão, pois:
    1) – O artigo 431º do CPC não se aplica aqui porque a fase de condensação do processo e da elaboração do saneador já passou;
    2) – Não se trata de uma situação em que releva apenas o pedido da parte, mas sim, é uma situação em que o Tribunal recorrido exerce o seu poder e manda realizar tais diligências! São duas realidades diferentes! Até, mesmo depois de audiência de julgamento, se o Tribunal entendesse que se justificasse realizar ainda mais diligências probatórias, podia mandar realizá-las, desde que ainda não tenha dado respostas aos quesitos (artigo 553º/-f) do CPC).
    
    Prosseguindo, as Recorrentes/Rés invocacarm ainda os seguintes argumentos:

     D. O requerimento de certidões ao abrigo do artigo 462º do CPC é um procedimento que só deve ser deferido em caso de estarem esgotados os meios normais à disposição das partes para a obtenção da prova, além disso, não alega o Autor qualquer justificação para a apresentação do requerimento à D.S.F, apenas, na data da segunda sessão marcada para a audiência de julgamento!
     E. Mais, a certidão sobre a situação tributária passada pelos Serviços de Finanças revela, apenas, a regularização ou não dos pagamentos de dívidas fiscais, que não provam qualquer dos artigos da Base Instrutória indicados pelo Autor, constituindo, ainda, uma clara intromissão ilícita na vida das Rés.
     F. O despacho recorrido viola o disposto no Artigo 435.º do Código de Processo Civil que dispõe que: "Não podem ser utilizadas em juízo as provas obtidas mediante ofensa da integridade física ou moral das pessoas ou intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nos outros meios de comunicação." e ainda, em relação à 3ª R., o Artigo 5º da Lei de Protecção de dados pessoais, nomeadamente o seu número "1. Os dados pessoais ser: […] 2) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e directamente relacionadas com o exercício da actividade do responsável pelo tratamento, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades; […]"
     G. Além disso, trata-se do pedido de informação sujeita a confidencialidade fiscal que retrata a capacidade contributiva dos titulares desses dados à qual apenas estes têm direito, nos termos do disposto nos artigos 63º e 67º do Código do Procedimento Administrativo. Facto esse que terá sido determinante na recusa da DSF em passar aquelas certidões ao A.
     H. O rendimento mencionado na Certidão dos Serviços de Finanças é o resultado entre a diferença do lucro líquido e o lucro repartido pelos sócios, sendo, para além disso, às sociedades comerciais permitido um conjunto de operações financeiras e fiscais, designadamente o reinvestimento ou amortizações.
     I. Ou seja, a informação requisitada aos Serviços de Finanças é absolutamente inútil para provar que não se realizou a venda das fracções em causa.
     J. Mais, o próprio Autor, quando elaborou o seu requerimento, pretendia obter a prova dos artigos 17º, 18º e 19º da B.I., resposta que não pode ser dada pela certidão requisitada, por força da indefinição do conceito de "rendimento declarado" que não se confunde com receitas, cash-flow, lucro ou qualquer outro indicador de actividade comercial da empresa.
     K. O douto despacho recorrido deveria assim ter desde logo indeferido o pedido do A. por ser extemporâneo e impertinente para a descoberta da verdade.
     L. Quanto ao despacho de Fls. 5106 foi proferido no último dia de produção de prova testemunhal, após terem sido ouvidas todas as testemunhas arroladas pelas Rés. Testemunhas, essas, que não tendo os documentos inicialmente apresentados em 2009 sido impugnados, dos mesmos nada sabiam.
     M. Foram, assim, pedidos documentos e informações a entidades terceiras, após o final da produção da prova pelas Rés, apanhando as Rés de surpresa e sem qualquer justificação, porquanto dos documentos já juntos pelas Rés resultava claramente que a data dos meios de pagamento, bem como a dos recibos era posterior à data da realização das escrituras.
     N. Ou seja, os documentos juntos aos autos pela 1ª Ré provavam que a resposta ao quesito 14º teria que ser forçosamente positiva, pois era verdade que o pagamento do preço não foi efectuado nem antes nem naquela data [a data das escrituras].
     O. Ora, o artigo 6º/3 do Código de Processo Civil não pode afastar a responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem, nos momentos para tal processualmente previstos, os meios de prova, de acordo com o definido nos artigos 431º e 432º do CPC.
     P. Pode ler-se no Ac. Da Relação de Lisboa de 9/5/2013: "O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes. A inquirição por iniciativa do tribunal constitui um poder-dever complementar de investigação oficiosa dos factos, que pressupõe, no mínimo, que foram indicadas provas cuja produção implica a realização de uma audiência, assim, v.g., se o autor omitiu culposamente a apresentação em tempo útil, do requerimento probatório ... não havendo lugar a actos de instrução, nos termos do art. 621 º, não incumbe naturalmente ao juiz ouvir, ao abrigo deste preceito, as pessoas que o autor "sugere" que sejam inquiridas.”
     Q. A mesma posição é perfilhada por Nuno Lemos Jorge, para quem, se a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz "não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outro diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse.”
     R. Se é verdade que assiste ao juiz o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias à justa composição do litígio, este poder não se pode confundir com uma excepção ao regime do artigo 95º/5 do CPC: "O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, salvo no caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte."
     S. Ora, não há dúvidas que o prazo para o requerimento de diligências probatórias é o que se encontra fixado no artigo 431º do CPC: 15 dias após a notificação do despacho saneador ou da decisão das respectivas reclamações.
     T. ln casu o Tribunal foi a reboque do requerimento do Recorrido, que julgou extemporâneo, tendo a parte sido condenada em multa, para depois vir afinal, na prática, dar merecimento ao pedido do Recorrido.
     U. O despacho recorrido subverteu a ordem natural da produção da prova e, com isso, diminuiu consideravelmente as hipóteses de defesa das Recorrentes. Pois, conforme acabou por se verificar, foi com base nos documentos à última da hora juntos pelas entidades bancárias que o tribunal decidiu a resposta aos quesitos 12º, 13º e 14º da base instrutória.
     V. O teor do quesito 14º da base instrutória é "Não tendo a 2ª Ré nem a 3ª Ré pago, naquela data ou anteriormente, a título de preço, quaisquer quantias à 1ª Ré?”
     W. Ora, entre os documentos juntos pela 1ª Ré, aqui Recorrente, encontravam-se recibos de pagamento com datas posteriores à da escritura de compra e venda pelo que, a resposta ao quesito 14º estava já dada nos autos, sendo perfeitamente inútil proceder a qualquer outra iniciativa probatória relacionada com este quesito, pois a resposta sempre seria “provado”.
     X. É que o quesito não se refere ao pagamento posterior do preço, matéria que, como tal, fica fora do objecto da instrução.
     Y. Ora, tendo sido o facto articulado pelo Recorrido que as 2ª e 3ª RR. não pagaram qualquer preço antes ou na altura da outorga das escrituras qualquer quantia a título de preço, foi com base neste facto que as RR. elaboraram a sua contestação e prepararam e organizaram a sua defesa.
     Z. Tendo junto aos autos os documentos comprovativos do preço em data posterior, ficaram "descansadas" em relação a este ponto da matéria de facto, que não consideraram ser importante, por deixar entreaberta a hipótese de o pagamento poder ter sido feito alguns dias depois, como foi o caso.
     AA. Se o facto articulado pelo Recorrente como indiciador da simulação foi a falta de pagamento do preço numa determinada data anterior à das escrituras, não pode o tribunal indagar sobre o pagamento feito a posteriori, invocado pelas RR., sem antes o incluir na base instrutória.
     BB. Só assim se respeitaria o princípio dispositivo, bem como seria dada oportunidade às Rés de exercerem cabalmente o seu direito de defesa, o que de outro modo se tornou, na prática, impossível, por falta de oportunidade.
     CC. Através de mandado judicial só é possível o levantamento do sigilo bancário em processo penal. A disposição legal constante do Artigo 79º do RJSF é imperativa e o despacho em crise violou o Artigo 80º do RJSF e influiu no exame e na decisão da causa, porquanto os documentos juntos pelas instituições bancárias destinatárias daquele despacho o foram na convicção de a isso estarem obrigadas, por pensarem tratar-se de um mandado legítimo emitido em processo penal.
     DD. Sendo que, fora do quadro da autorização expressa do cliente, a revelação dos elementos cobertos pelo segredo depende da existência de outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.
     EE. Além do mais, o dever de segredo bancário previsto no artº 78º do RJSF constitui uns dos corolários do "direito (de personalidade) à reserva sobre a intimidade da vida privada" previsto no artº 30º da Lei de Bases da RAEM e artº 74º do Código Civil.
     FF. O segredo bancário só pode cessar em casos limitadíssimos, perante uma "justa causa", cujo objectivo único seja a salvaguarda de interesses manifestamente superiores.
     GG. ln casu, é patente que não existe qualquer colisão entre o interesse público de administrar Justiça, designadamente de o Tribunal decidir em conformidade com a Verdade, e o interesse privado dos emissores de cashier orders em verem garantida a confidencialidade da respectiva emissão.
     HH. Em primeiro lugar por estar em causa um litígio civil (entre particulares), não tendo o Recorrido considerado útil ou conveniente o recurso a tal expediente por sua própria vontade no prazo que para tal lhe foi conferido.
     II. Em segundo lugar, pelas circunstâncias em que foi proferido o despacho em crise, após a produção da prova, depois de ouvidas todas as testemunhas das Rés, que ficaram sem a oportunidade de explicarem ao tribunal o modo concreto como se processou o pagamento do preço, que era o que estava em causa.
     JJ. Trata-se, assim, de informação bancária que, para além de ser impossível poder responder à questão de se saber se as cashier orders foram efectivamente utilizadas no pagamento dos preços das compras e vendas impugnadas implica intromissão na vida privada e violação do segredo profissional que, nos termos do art. 442º, nº3 do Código de Processo Civil justificariam pedido de escusa e cessação do dever de cooperação do Banco em causa.
     K. Isto é o levantamento do sigilo bancário no que se refere àquelas cashier orders foi e sempre seria inidóneo para a prova dos quesitos 14, 12 ou 13.
     LL. Cumpria ao tribunal determinar com isenção em que medida a informação bancária seria instrumentalmente necessária à determinação de saber se houve quantias pagas na data das escrituras ou anteriormente à 1ª R., sabendo-se que a data dos pagamentos cujas informações se pediu eram posteriores.
     MM. O tribunal deve facilitar a posição processual de cada uma das partes, em pé de igualdade, sem favorecimento, nem estorvo de nenhuma delas em relação à outra. Mas no caso, ao dar “ajuda processual" ao A. veio substituir-se a este, extemporaneamente e sem qualquer fundamento lógico, tendo em conta os quesitos que fundamentaram a decisão.
     NN. Atendendo ainda ao esquema apertadíssimo e à falta de fundamento legal que legitime o levantamento do sigilo bancário, não é de admitir a possibilidade de o tribunal, motu próprio, decidir o levantamento do sigilo, quando a parte onerada com a prova não tomou qualquer iniciativa probatória nesse sentido durante mais de quatro anos.
     OO. Nos termos do disposto no artigo 147º do CPC, a prática de um acto que a lei não admita produz a sua nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
     PP. Os despachos recorridos violam as normas constantes dos artigos 30.º da Lei de Bases da RAEM, 74.º do C.C, 63.º e 67.º do C.P.A, 5.º da Lei da Protecção de Dados Pessoais, 78.º, 79.º n.º 2 e 80 do Regime Jurídico Sistema Financeiro e 6.º n.º 3, 95.º n.º 5, 147.º, 430.º, 431.º, 432.º, 435.º, 462.º, 556.º e 567.º do Código de Processo Civil.
     
    Que oferecemos a dizer perante estas conclusões tão vagas e impertinentes em algumas passagens? As questões levantadas aqui são em si simples!
    1) – Antes de tudo, importa relembrar o que está estipulado no artigo 567º do CPC, que manda:
(Relação entre a actividade das partes e a do juiz)
     O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º
    2) – As Recorrentes/Rés limitaram-se a indicar um bloco de normas alegadamente violadas, sem especificar qual ou quais sentidos que devessem ser atribuídos a tais normas!
    3) – Ora, quando se recorre de uma decisão com base na sua violação de preceitos legais, há-de observar o disposto no artigo 598º (Ónus de alegar e formular conclusões) do CPC que estipula:

     1. Ao recorrente cabe apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
     2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
     a) As normas jurídicas violadas;
     b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
     c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
     3. Na falta de alegação, o recurso é logo julgado deserto.
     4. Quando as conclusões faltem, sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o recorrente é convidado a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
     5. A parte contrária é notificada da apresentação do aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder-lhe no prazo de 10 dias.
     6. O disposto nos n.os 1 a 4 deste artigo não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.

    4) - Na maior parte das conclusões das Recorrentes, estas não cumpriram o que está fixado na alínaeas b) e c) do no nº 2 do artigo citado, limitando-se a indicar em bloco as normas alegadamente violadas!
    Deitar lama para paredes para saber se acertar alguma!
     5) - Pegando no exemplo do CPC, as Recorrentes defendem que foram violados os seguintes artigos:
     - Artigo 6.º n.º 3; (Poder de direcção do processo e princípio do inquisitório)
     - Artigo 95.º n.º 5, (Modalidades do prazo)
     - Artigo 147.º, (Regras gerais sobre a nulidade dos actos)
     - Artigo 430.º, (Selecção da matéria de facto)
     - Artigo 431.º, (Indicação das provas)
     - Artigo 432.º, (Rol de testemunhas)
     - Artigo 435.º, (Princípio da licitude das provas)
     - Artigo 462.º, (Requisição de documentos pelo tribunal)
     - Artigo 556.º (Julgamento da matéria de facto)
     - Artigo 567.º, (Relação entre a actividade das partes e a do juiz) todos do Código de Processo Civil.

    Estes artigos comportam vários números, com esta forma de alegar e concluir, ficamos sem saber qual norma ou parte da norma que foi violada e qual sentido que deverá valer para o caso concreto.
    6) - Em bom rigor das coisas, esta forma genérica de alegar e concluir equivale à falta de conclusão, o que conduziria à rejeição do recurso.
    7) - Na óptica das Recorrentes, todos os elementos probatórios possuídos por terceiros ou pelo organismo público, contra a sua posição, não podem ser utilizados, nem por ordem do Tribunal, nem a pedido da parte contrária.
    
    8) – Aqui, é pertinente recordar o que o Colectivo afirmou ao decidir a questão em causa:
     No que concerne aos seus fundamentos, não se julga que as declarações da última testemunha por si justificam a diligência requerida visto que a mesma julga que o preço das compras e vendas tinha sido pago pela 2ª e 3ª Rés porque chegou a ver cópias de cashier orders agrafadas aos documentos dessas compras e vendas quando fez o arquivamento desses documentos. Quanto à questão das datas das escrituras públicas e de alguns dos cashier orders, a mesma declara que nem sequer tomou atenção a elas.
     Uma vez que a testemunha esclareceu que era apenas porque as cópias dos cahsier orders estavam agrafados aos documentos das mencionadas compras e vendas que teve acesso quando procedeu ao seu arquivamento que a levou a entender que o preço estava pago, nenhuma razão existe para estabelecer qualquer ligação entre as declarações prestadas pela testemunha e a questão das datas de alguns dos cashier orders serem posteriores à data da celebração das escrituras públicas destes negócios. (Sublinhado nosso)
     É verdade que o Autor não impugnou os documentos juntos a fls 3052 a 3080 dentro do prazo legal. No entanto, a 2ª diligência requerida não se destina a impugnar os documentos, mas sim procurar impedir que se considere que os cashier orders foram entregues pelas 2ª e 3ª Rés para pagamento do preço.
     No que se refere ao valor probatório dos recibos juntos a fls 3052, 3054, 3056 a 3058, 3062, 3063, 3065, 3067, 3068, 3071 a 3073, 3075 a 3077 e 3079, o artigo 370º, nº 1, do CC, refere-se aos casos em que o documento é emitido pela pessoa contra quem o documento é apresentado. Ora, no presente caso, os recibos não foram emitidos pelo Autor e como tal não fazem prova plena contra o mesmo quanto ao seu teor.
     No que se refere à extemporaneidade do pedido, já assiste inteira razão às Rés visto que as diligências fundam-se nas datas dos cashier orders facto que o Autor já teve conhecimento quando lhe foi notificada a contestação há 4 anos atrás.
     Quanto à utilidade das diligências, julga-se que para os quesitos em questão podem ser úteis para a apreciação dos quesitos acima referidos.
     Nos termos do artigo 6º, nº 3, do CPC, “ Incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todos as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
     No entanto, também reconhece que as diligências podem efectivamente causar atrasos nos autos.
     Apesar do pedido ser extemporâneo, dada a utilidade da 2ª diligência, vai deferido o pedido e por força do disposto no artigo 6º, nº 1, do CPC, determina-se que a informação seja prestada em 10 dias.
     Oficie às entidades bancárias dos cashier orders juntos a fls 3053, 3058, 3061, 3062, 3064 e 3066 para informar quem era o requisitante destes cashier orders e a favor de quem as respectivas quantias foram pagas.
     Notifique as entidades bancárias de que estão dispensadas do dever de sigilo bancário.
     2UCs pelo indeferimento da 1ª diligência e 6UCs de multa pela extemporaneidade do pedido relativo à 2ª diligência, todos a cargo do Autor.
     本院定於二零一三年十月十一日下午三時三十分繼續本聽證。


    9) - Ora, em matéria de produção de provas, segue-se a regra de que, quem invoca o direito, compete-lhe provar os factos constitutivos desse mesmo direito, à parte contrária cabe invocar e provar os factos modificativos ou extintivos.
    
    10) - Sendo este o quadro legal que às partes cabe observar e ao juiz fazer cumprir, especialmente no uso dos poderes conferidos pela lei, com ele têm, ainda assim, de se compatibilizar todas aquelas hipóteses de diligências complementares de obtenção e produção de prova que, seja na sequência de requerimento (meramente sugestivo) das partes, seja por iniciativa (facultativa) daquele, podem, fora do mesmo, ter lugar oficiosamente.
    11) - Com efeito, além do dever de gestão processual (no que sobressai o de dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório) consagrado no artº 6º do CPC, pode o juiz ouvir as partes em qualquer altura (artº 8º do CPC), incumbe-lhe realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
    12) - Incumbe-lhe, ainda, requisitar documentos necessários ao esclarecimento da verdade, conforme artigo 6º/3, podendo executar várias diligências:
    - Artigo 477º do CPC: ordenar depoimento de parte;
    - Artigo 460º do CPC: Entrega de documento do Tribunal por terceiro;
    - Artigo 462º do CPC: Requisitar documentos pertinentes;
    - Artigo 500º do CPC: Ordenar oficiosamente perícia;
    - Artigo 548º do CPC: Inquirir pessoas por iniciativa do Tribunal (sempre que, no decurso da acção haja razões para presumir que determinada pessoa (não oferecida pelas partes como testemunha) tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, ordenar que seja notificada para depor).
    13) - Mesmo depois de encerrada a audiência final, pode esta ainda ser reaberta para audição das pessoas que o juiz entender ou realizar as diligências que considerar necessárias – artigo 553º/-f) do CPC.
    
    Ora, em face disto e vistos os fundamentos do recurso nesta parte, não merece qualquer censura – adiante-se já – a decisão ora posta em crise.
    14) - Mesmo a considerar-se esta como sindicável, a verdade é que o juízo que à mesma subjaz prende-se com o fundado e bom uso dos poderes oficiosos do tribunal, não propriamente com a relação processual interpartes e o exercício dos poderes destas.
    15) - Logo, situando-se aqueles em tal domínio e cabendo ao tribunal a decisão de os desencadear, não se vislumbrando qualquer espécie de ilegalidade, mesmo à luz do regime decorrente do artigo 6º, o despacho é de sustentar.
*
    Depois, as Recorrentes vieram a invocar a violação do artigo 431º do CPC.
    Obviamente não foi a situação do artigo 431º do CPC que está em causa, esta fase já passou, o que sucedeu foi na sequência de ouvir as testemunhas, quer o Autor, quer o Colectivo, ficaram sem saber como passaram as coisas, então o Autor pediu e bem, o Colectivo decidiu também correctamente, requisitar as informações pertinentes junto da DSF e das instituições bancárias!
    a) - Quanto à situação tributária da 1ª Ré, mesmo que se entenda ser de matéria de carácter reservado, cede perante o interesse de descoberta da verdade material à ordem do órgão judicial, porque ela está envolvida num negócio simulado que prejudica o interesse de outras pessoas, para além de falsificar documentos para esta finalidade.
    Pois, o artigo 443º do CPC manda:
(Dispensa da confidencialidade)
     A confidencialidade de dados que se encontrem na disponibilidade de organismos oficiais e que se refiram à identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora ou que permitam o apuramento da situação patrimonial
    b) - O artigo 430º manda que sejam seleccionados factos segundo várias soluções plausíveis de Direito, e toda a prova é produzida em torno deles. O que se discute nos autos é saber se a 1ª Ré simulou ou não negócios com a 2ª e a 3ª Rés.
    Nesta óptica, tem razão quando se escreveu:
     “Sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (negócio dissimulado), a prova destes requisitos pode ser feita de forma directa e expressa, mediante a quesitação da pertinente matéria de facto, ou de forma menos ostensiva com recurso a presunções judiciais.
     Isto porque a prova da simulação é difícil. Provar-se o que reside no intelecto das pessoas é tarefa que exige grande esforço e minúcia. Por isso, muitas vezes, só é possível demonstrar que alguém desejou algo ou declarou coisa diversa, através da prova de factos indiciários, ou seja, de factos que se situam na periferia da própria alegação da simulação. É o campo ideal para o funcionamento das presunções naturais ou judiciais, as quais se inspiram nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.
     Este tipo de presunção não é um facto, mas um processo mental, uma forma de raciocinar, por meio da qual o juiz parte da prova de um facto indiciário para, por dedução, chegar a uma conclusão sobre o facto principal”3.
    Não oferece dúvidas ser muito rara e difícil a prova directa da simulação.
     “Em regra, portanto, não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções” 4.
    c) - É precisamente por causa disto que, em alguns casos, as presunções judiciais assumem particular importância na formação da convicção quanto à fixação da matéria de facto, embora condicionadas sempre a uma utilização prudente e sensata.
    Atendendo às palavras do Prof. Beleza dos Santos – citado no Ac. do STJ de 19/01/2017 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. –, «aqueles que efectuam contratos simulados ocultam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade de simular, antes se esforçando em tornar verosímil o que há de aparente e fictício no acto que praticam». Por essa razão, «há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do acto jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados. Destes factos, que se conhecem, se deduzirá a simulação que se pretende demonstrar. Dentre esses factos constituirão indícios aproveitáveis aqueles que, segundo o que ensina a experiência comum, segundo o que normalmente acontece na vida, em regra só se verificam, quando se praticam actos simulados».

    d) - O artigo 442º do CPC, estatui o princípio geral de que todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, etc.
    O nº3, alínea c), do mesmo preceito, legitima, porém, a recusa de prestação de tal colaboração, se esta importar a violação do sigilo profissional.
    Mas, quando esta recusa ocorre, prevê o nº4 do mesmo inciso que o tribunal dispense, do dever de sigilo invocado, aquele que o invoque.
    Ou seja, apenas quando e se a entidade, a quem foi ordenado que se oficiasse, invocar o sigilo bancário, se porá a questão da dispensa ou não de tal dever, valendo, antes disso, o dito princípio geral, nenhuma censura merecendo o despacho recorrido, que actuou sob a sua égide.
    e) - Não é nem deve ser o mandatário da parte que invoca a confidencialidade dos dados requisitados pelo Tribunal, mas sim a instituição bancária visada. No caso esta nunca invoca a confidencialidade, pelo contrário, os bancos visados deram a sua colaboração, enviando informações ao Tribunal, embora tais não fossem completas a nosso ver!
    Por este caminho e pelos argumentos acima tecidos, o despacho em causa não merece reparo.
*
    Depois, as Recorrentes invocaram ainda vários artigos do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, aprovado pelo DL nº 32/93/M, de 5 de Julho, nomeadamente os artigos 78º, 79º e 80º, que estipulam:
Segredo profissional
Artigo 78.º
(Dever de segredo)
     1. Os membros dos órgãos sociais das instituições de crédito, os seus trabalhadores, auditores, peritos, mandatários e outras pessoas que lhes prestem serviços, a título permanente ou acidental, não podem revelar ou utilizar, em proveito próprio ou alheio, as informações sobre factos cujo conhecimento lhes tenha advindo do exercício das suas funções.
     2. Estão nomeadamente sujeitos a segredo os nomes e outros dados relativos a clientes, contas de depósito e seus movimentos, aplicações de fundos e outras operações bancárias.
     3. O dever de segredo profissional subsiste mesmo depois de terminadas as funções referidas no n.º 1.
     4. As pessoas que exerçam ou tenham exercido funções na AMCM, bem como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços a título permanente ou ocasional, ficam sujeitas ao dever de segredo sobre factos cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício dessas funções ou da prestação desses serviços e não poderão divulgar nem utilizar as informações obtidas.
     5. Os dados referidos nos números anteriores continuam sujeitos a segredo ainda que, por virtude de disposição legal específica, sejam transmitidos a quaisquer outras entidades.
     6. As informações prestadas à AMCM por entidades supervisoras do exterior estão igualmente protegidas pelo segredo bancário, não podendo ser reveladas nem utilizadas para quaisquer efeitos diferentes do exame das condições de acesso e actividade das instituições financeiras ou da respectiva supervisão.
Artigo 79.º
(Excepções)
     1. O disposto no artigo anterior não prejudica:
     a) Os deveres de informação para efeitos estatísticos ou de supervisão a que se encontram sujeitas as instituições financeiras;
     b) A troca de informações entre a AMCM e outras autoridades de supervisão, desde que continuem sujeitos a segredo profissional e não sejam utilizados para efeitos diferentes dos da supervisão;
     c) O uso dos elementos necessários para defesa dos actos praticados ao abrigo da competência conferida por este diploma que tenham sido objecto de recurso;
     d) A possibilidade de as instituições de crédito organizarem um sistema de informações recíprocas, com o fim de reduzir o risco e aumentar a segurança das operações;
     e) O direito de as instituições de crédito, ou os seus mandatários, usarem os dados em seu poder para accionarem os meios necessários ao ressarcimento de direitos sobre clientes faltosos;
     f) A possibilidade de as instituições de crédito cederem os seus créditos ou confiarem a respectiva cobrança a terceiros que por sua vez ficam também obrigados a segredo;
     g) A prudente utilização da informação necessária à obtenção de pareceres técnicos;
     h) A utilização de informações confidenciais relativas a instituições de crédito no âmbito de providências extraordinárias de recuperação ou de liquidação, excepto tratando-se de informações relativas a pessoas que tenham participado no plano de recuperação da instituição;
     i) A divulgação de informações em forma sumária ou agregada e que não permita identificação individualizada de pessoas ou instituições, designadamente para efeitos estatísticos.
     2. Fora dos casos previstos no número anterior, o dever de segredo apenas pode ser afastado por disposição legal específica.
Artigo 80.º
(Dispensa do dever de segredo)
     A dispensa do dever de segredo sobre factos ou elementos das relações do cliente com a instituição apenas pode ser concedida por autorização do próprio cliente ou por mandato judicial nos termos previstos na lei penal ou processual penal.

    É infundado o argumento das Recorrentes quando estas afirmaram que nem o Tribunal pode ter acesso às informações bancárias da 1ª Ré, por entender que se trata de matéria de carácter reservado e só pode aceder a elas no processo-crime!
    Que seja dita a verdade, não encontramos doutrina que defenda esta “brilhante” ideia!
    Tal como referimos anteriormente, e, em nome de descoberta da verdade material, usando-se as faculdades conferidas pelo artigo 443º do CPC, acima citado, a requisição de tais informações fiscais por parte do Tribunal está bem fundamentada e bem realizada! Com esta informação obtida, fica provadíssimo que a 1ª Ré não chegou a concretizar os negócios de venda de fracções autónomas referidos nos autos!
*
    Ora, de realçar que o sigilo bancário não é um direito absoluto, podendo ceder perante outros direitos assegurados pelo poder público do, designadamente o de acesso, administração e realização da justiça. Por isso, não só nos casos em que o juiz pode dispensar a confidencialidade, relativamente aos elementos de identificação, residência, profissão, entidade empregadora ou qualquer outro elemento que permita identificar a situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente (artigo 8º/4 do CPC), mas também em todos os casos em que esteja em causa a necessidade de administração da justiça, designadamente por tal informação ou elemento ser essencial à descoberta da verdade, à produção de prova que por outra forma não seja possível e à decisão da causa, pode tal sigilo ser dispensado.

    Estas ideias estão sedimentadas quer no ordenamento jurídico de Macau, quer no de Portugal, tendo em conta a proximidade destes dois sistemas jurídicos. Cita-se aqui de propósito e em nome do direito comparado, alguma jurisprudência para reforçar a nossa convicção nesta matéria:
1) - Ac. RC, 06.07.1994, CJ, IV, p.46 ‒ “O interesse da “boa administração da justiça” prevalece sobre o interesse sobre o interesse da “protecção da posição do consumidor de serviços financeiros” ou mesmo da manutenção do clima de confiança na banca”.
2) - Ac. RL, 22.10.1996, BMJ, 460, p.799 ‒ “Quando a informação solicitada ao banco é necessária e adequada para que o interesse público da realização da justiça se sobreponha claramente ao interesse privado, verificam-se os requisitos legais para a quebra do sigilo bancário”.

3) - Ac. RL, 05.03.2002, proc. 00123417, www.dgsi.pt ‒ “O sigilo bancário não é um direito absoluto. Daí que deve ceder perante o direito de acesso à Justiça e o dever que lhe é inerente ‒ o de ser administrada pelos Tribunais. É que, estado em causa dois valores, ambos constitucionalmente consagrados, deve sempre prevalecer aquele que tem em vista a salvaguarda do interesse geral face a interesses meramente particulares”.

4) - Ac. RL, 04.10.2001, CJ, IV, p.116 ‒ “A informação por um banco da residência de um seu cliente, a solicitação de um tribunal, não viola o sigilo bancário e, mesmo que violasse, estava a violação justificada pelo dever de cooperação do artigo 519.º do CPC”.
    
    Pelo que, não temos a mínima dúvida que o Tribunal recorrido agiu bem ao mandar requisitar tais dados bancários em nome da realização da justiça material e da necessidade de descoberta da verdade material.
*

    Depois, aa Recorrentea/Réa vieram a invocar ainda dois artigos do
CPA, que têm o seguinte conteúdo:
    
    O artigo 63º do CPA estabelece:
(Direito dos interessados à informação)
     1. Os particulares têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam directamente interessados, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
     2. As informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o processo se encontra, os actos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adoptadas e quaisquer outros elementos solicitados.
     3. Não podem ser prestadas informações sobre peças ou elementos:
     a) Que, nos termos legais, estejam classificados como secretos ou confidenciais, enquanto essa classificação não for retirada pela entidade competente;
     b) Cujo conhecimento pelos interessados possa comprometer o fim principal do procedimento ou direitos fundamentais de outras pessoas.
     4. As informações solicitadas ao abrigo deste artigo devem ser fornecidas no prazo máximo de dez dias úteis.
     5. A recusa da prestação de informações é sempre fundamentada e, se o interessado o solicitar, formulada por escrito.

    Por seu turno, o artigo 67º do CPA manda:
(Princípio da administração aberta)
     1. Os particulares têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito.
     2. O direito de acesso aos documentos nominativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal.
     3. O acesso aos arquivos e registos administrativos pode ser recusado, mediante decisão fundamentada, em matérias relativas à segurança do Território, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
     4. O acesso aos arquivos e registos administrativos faz-se em regra mediante a passagem de certidões ou fotocópias autenticadas dos elementos que os integram, sendo possível a consulta directa dos documentos arquivados ou registados quando a lei a permita ou quando o órgão competente a autorize.
     5. A consulta directa ou a passagem de certidões ou fotocópias, quando permitidas ou autorizadas, devem ser asseguradas aos interessados no prazo máximo de dez dias úteis.

    Não se percebe por que razão é que foram chamados estes dois artigos do CPA, sendo certo que estamos perante um processo cível e as informações fornecidas pela DSF com base no artigo 443º do CPC, e à ordem do Tribunal.
    Neste ponto, importa realçar o seguinte:
    Em 1º lugar, em relação às informações solicitadas, o legislador não lhe confere o carácter absoluto ao nível de protecção, cedem perante certos interesses de ordem superior, é o caso da realização da justiça;
    Em 2º lugar, a DSF, enquanto entidade pública com competência para guardar tais dados, entende que há fundamento legal para fornecer tais dados e assim agiu, e bem a nosso ver;
    Em 3º lugar, os artigos 6º e 443º do CPC dão perfeita cobertura legal à situação em análise.
    
    Se o Tribunal não podia obter tais informações, pergunta-se, quem podia fazer?
    O que está em causa é interesse público, é o da realização da justiça, tal diligência não visa satisfazer curiosidade!
*
    As Recorrentes/Rés não ficaram por aí, vieram ainda a invocar também o regime de protecção de dados pessoais, constante da Lei de Protecção de Dados Pessoais (Lei nº 8/2005, de 22 de Agosto), nomeadamente o seu artigo 5º que estipula:

     1. Os dados pessoais devem ser:
     1) Tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa fé e dos princípios gerais enunciados no artigo 2.º;
     2) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e directamente relacionadas com o exercício da actividade do responsável pelo tratamento, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades;
     3) Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados;
     4) Exactos e, se necessário, actualizados, devendo ser tomadas as medidas adequadas para assegurar que sejam apagados ou rectificados os dados inexactos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente;
     5) Conservados de forma a permitir a identificação dos seus titulares apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior.
     2. Mediante requerimento do responsável pelo tratamento, e caso haja interesse legítimo, a autoridade pública pode autorizar a conservação de dados para fins históricos, estatísticos ou científicos por período superior ao referido na alínea 5) do número anterior.
    Ora, não se percebe por que razão é que é chamado aqui este regime de dados pessoais!
    Ora, sem dúvida, qualquer litígio mexe com dados pessoais, porque é preciso identificar concretamente as pessoas com legitimidade para intervir no processo, e também para identificar as pessoas que eventualmente tenham um dever de colaborar com o Tribunal na realização da justiça.
    Não é preciso fazer um grande exercício racional e lógico, a obtenção por parte do Tribunal de certos dados para decidir questões que lhe sejam colocadas, em nome de justiça, está sempre justificada! Pois, tais informações não servem para fazer publicidade nem para revelar a terceiros.
    Por isso, não há violação de nenhum preceito legal do regime jurídico de protecção de dados pessoais. Muito menos a violação do artigo 18º (Sigilo profissional ) da citada Lei manda:
     1. Os responsáveis pelo tratamento de dados pessoais, bem como as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados, ficam obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termo das suas funções.
     2. Os funcionários, agentes ou técnicos que exerçam funções de assessoria ou consultoria à autoridade pública estão sujeitos à mesma obrigação de sigilo profissional.
     3. O disposto nos números anteriores não exclui o dever do fornecimento das informações obrigatórias, nos termos legais, excepto quando constem de ficheiros organizados para fins estatísticos.
    Pelo que, são MANIFESTAMENTE INFUNDADOS os argumentos invocados pelas Recorrentes/Rés nesta parte do recurso, julgando-se improcedente deste modo os recursos em apreço.
*
- Parte C -
    C, Limitada (C有限公司) (2ª Ré), Recorrente, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 04/04/2014 (fls. 5633 a 5635), veio, em 19/06/2014, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 5659 a 5669, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. As sentenças e os despachos judiciais devem especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão,
     2. A falta de fundamentação de facto e de direito quando é absoluta implica a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 571 º do CPC.
     3. Nos termos do disposto no artigo 451 º do CPC as partes podem oferecer documentos em qualquer estado do processo.
     4. Esses documentos só podem ser retirados do processo em condições excepcionais, a que o douto despacho recorrido não aludiu.
     5. Em princípio, os documentos só podem ser retirados do processo depois de transitar em julgado a decisão que põe termo à causa.
     6. O indeferimento de um determinado requerimento não tem como efeito imediato a recusa da junção dos documentos juntos com esse requerimento.
     7. O douto despacho recorrido ordena o desentranhamento dos documentos juntos pela 2ª Ré mas não ordena o desentranhamento dos documentos juntos pelo Autor na resposta a esse requerimento,
     8. O douto despacho recorrido deveria ter incorporado os documentos juntos pela 2ª Ré com a invocação da falsidade.
     9. Quer o Tribunal Colectivo quer o próprio despacho recorrido fazem um exercício de reconhecimento da origem e autoria do documento de fls. 5036 a 5041, como pertencendo a "uma autoridade do interior da China".
     10. Nos termos do disposto no artigo 370º/1 do Código Civil, pode ser arguida e provada a falsidade dos documentos particulares.
     11. O douto despacho em crise deveria, após a classificação do documento de fls. 5036 a 5041 como mero documento particular, ter aceite o incidente da falsidade nos termos do disposto no artigo 370º/1 do CC.
     12. A parte contra quem seja apresentado um documento, mesmo que se trate de documento particular, pode deduzir o incidente de falsidade
     13. O despacho recorrido violou as normas constantes dos artigos 366º, 370º/1 do Código Civil e artigos 4º, 436º, 451º, 467º e 468º, 471º/1, 473º do Código de Processo Civil.
*
    A (Autor), Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 5691 a 5706, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. No recurso a que ora se responde veio a Recorrente recorrer do despacho de fls. 5633 a 5635 que não admitiu o incidente de falsidade de documento de fls. 5036 a 5041 por si apresentado.
     II. A Recorrente deduziu a fls. 5605 e seguintes o incidente de falsidade do documento de fls. 5036 a 5041 porquanto, alegadamente, no processo que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV3-04-0011-CAO encontra-se um documento que "…contradiz o que se escreve…" no documento cuja falsidade invoca, mais alegando que esse documento é falso ao abrigo do disposto no art. 366°, nº 2 do Código Civil.
     III. O documento de fls. 5036 a 5041 trata-se de um documento que constitui um relatório que veio a ser elaborado por profissionais encarregues de acompanhar os investimentos do Governo da RPC em Macau, nomeadamente os investimentos concretizados pelos contratos promessa de compra e venda referentes às fracções em causa nos presentes autos, pelo que não passa de um mero documento particular.
     IV. Porque se trata de um documento particular secundado pelos depoimentos testemunhais dos seus autores, o incidente da falsidade deduzido pela Recorrente ao abrigo do disposto no art. 366° do Código Civil não é aplicável in casu, porquanto tal norma se refere tão só e apenas aos documentos autênticos.
     V. As pessoas que elaboraram o relatório cuja falsidade se invocou foram arroladas como testemunhas nos presentes autos, e essas mesmas pessoas vieram a prestar o seu depoimento em sede de audiência de discussão de julgamento, tendo vindo a confirmar não só a autoria do documento, bem assim como in totum os factos que nesse documento vieram descritos.
     VI. Está por demais comprovada a genuidade do referido documento, e assim sendo, o referido documento nunca será tido como falso, fazendo, nos termos do disposto no artigo 370.º, n.º 1 prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.
     VII. Outra coisa será a veracidade das declarações prestadas no referido documento, e estas estão, como estiveram, sujeitas à contraprova em sede de audiência de discussão e julgamento e sujeitas à livre apreciação do douto Tribunal.
     VIII. Não pode a Recorrente lançar mão do expediente que agora vem querer usar como forma de lançar a confusão ao Tribunal e de tentar alterar a decisão de facto.
     IX. É inequívoco que estamos perante um documento particular e que, quanto a estes, conforme decidido no despacho recorrido, não é admissível o incidente de falsidade tal como é aliás entendimento maioritário da jurisprudência portuguesa.
     X. Aquilo que a Recorrente vem dizer é tão só e apenas que os factos descritos no documento em causa não correspondem à realidade e nada é alegado quanto à falsidade do documento no que diz respeito ao processo de fabricação do mesmo contra a vontade do seu declarante, nem tal poderia ser, dado que os autores do documento em questão vieram aos autos, em sede de audiência de discussão e julgamento, confirmar o teor do documento e a sua veracidade.
     XI. Desta forma, tratando-se este de um documento particular, a força probatória quanto à realidade dos factos nele atestados é apreciada livremente pelo Tribunal... como o foi!
     XII. O Recorrente apenas pretende "entupir" o processo com documentos muito para além do prazo legalmente permitido para o efeito, procurando desesperadamente a renovação da instância probatória e através de expedientes manifestamente inadmissíveis como o incidente de falsidade de um documento particular.
     XIII. Aceitar que os documentos que acompanham um incidente da instância, não admitido por manifestamente improcedente, permaneçam nos autos seria aceitar uma subversão das disposições legais que se ocupam do momento da apresentação dos documentos.
     XIV. O Tribunal a quo não tem de se pronunciar sobre a pertinência ou necessidade dos documentos ou fazer um qualquer juízo sobre o respectivo conteúdo para se poder aferir sobre a sua admissibilidade ou não.
     XV. Tendo os documentos sido juntos apenas e tão só como prova de um incidente de falsidade, e não tendo esse incidente de falsidade sido sequer admitido por manifestamente improcedente, o Tribunal a quo, para além do acidente suscitado, nada tinha a apreciar e valorar.
     XVI. Não admitir-se a bondade da decisão que determina o desentranhamento dos documentos de fls 5609 a 5611 como consequência directa e necessária da decisão de indeferimento do incidente de falsidade, seria aceitar que nos autos pudessem ser juntos documentos para lá do prazo legal de junção, bastando para tanto que as partes deduzissem um qualquer incidente, mesmo manifestamente improcedente, e o instruísse com documentação diversa.
*
    Ora, o documento de fls. 5036 a 5041 é um documento particular, que historiou os acontecimentos ligados aos investimentos em Macau, nomeadamente os investimentos concretizados pelos contratos-promessa de compra e venda referentes às fracções referidas nos presentes autos.
    Porque se trata de um documento particular secundado pelos depoimentos testemunhais dos seus autores, o incidente da falsidade deduzido pela Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 366° do Código Civil não é aplicável in casu, porquanto tal norma se refere tão só e apenas aos documentos autênticos.
    Decidiu-se (in RL, 20-3-1997; BMJ, 465º -629):
    “O incidente de falsidade não é admissível quanto a documentos meramente particulares, sem reconhecimento notarial”.
    
    No caso, as pessoas que elaboraram o relatório cuja falsidade se invocou foram arroladas como testemunhas nos presentes autos, e essas mesmas pessoas vieram a prestar o seu depoimento em sede de audiência de discussão de julgamento, tendo vindo a confirmar não só a autoria do documento, bem assim como in totum os factos que nesse documento vieram descritos.
    Está por demais comprovada a genuidade do referido documento, e assim sendo, o referido documento não pode ser tido como falso. A propósito desta matéria, decidiu-se (STJ, 21-4-2005; Proc. 05B492.dgsi.Net):
    “A força probatória conferida pelo nº 2 do artigo 376º do CC aos documentos particulares não impugnados só vale nas relações entre as partes. Os documentos não impugnados escritos e assinados pro terceiros não gozam desse força probatória, sendo de apreciação livre pelo tribunal, nos termos do artigo 366º do CC.”
    Cremos que este raciocínio vale, mutatis mutandis, para o ordenamento jurídico de Macau tendo em conta a semelhança dos códigos civis dos dois sistemas jurídico-civis.
    No caso, em rigor, tal documento é dispensável, pois não contribui muito para a descoberta da verdade material, relata apenas factos instrumentais ligados aos principais problemas em discussão neste processo. Que seja dita a verdade, não é por motivo da admissão de tal documento que o estatuto jurídico das Rés se altera substancialmente.
    Pelo que, carece de fundamentos o recurso interposto pela 2ª Ré nesta parte, não há violação dos artigos invocado pela Recorrente.
    Julga-se deste modo improcedente o recurso nesta parte.
*

- Parte D -
    Finalmente, é tempo para ver o mérito da decisão.
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este fundamentou a sua douta decisão nos seguintes termos:
     
     I – Relatório :
     A, solteiro, maior, titular do passaporte da República Popular da China, nº P3XXXX10, residente em Macau, na Rua XX, Edifício XX, Bloco XX, XXº anda XX, Taipa,
     veio intentar a presente
     Acção Ordinária
     contra
     1ª – B, Lda., sociedade comercial com sede em Macau, XX大馬路XX號XX花園第XX座XX, registada na Conservatória dos Registos comercial e de Bens Móveis sob o nº 5XX2,
     2ª – C, Lda. (C有限公司), sociedade comercial com sede em Macau, na Alameda XX, nº XX, XX Centro Comercial, XXº andar XX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº 2XX65 (SO),
     3ª – D, divorciada, de nacionalidade chinesa, com residência em Taiwan, em XX市XX街XX號, portadora do Passaporte de Taiwan nº 2XXXXX84,
     com os fundamentos constantes da p.i., de fls. 2 a 39,
     concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência:
     1. Julgar-se nula por simulação e de nenhum efeito as compras e vendas das 105 fracções autónomas designadas por A8, B8, C8, D8, E8, F8, G8, H8, I8, J8, K8, L8, M8, N8, O8, P8, Q8, R8, A9, B9, C9, D9, E9, F9, G9, H9, I9, J9, K9, L9, M9, N9, O9, P9, Q9, R9, A10, B10, C10, D10, E10, F10, G10, H10, I10, J10, K10, L10, M10, N10, O10, P10, Q10, R10, A11, B11, C11, D11, E11, F11, G11, H11, I11, J11, K11, L11, M11, N11, O11, P11, Q11, R11, A12, B12, C12, D12, E12, F12, G12, H12, I12, J12, K12, L12, M12, N12, O12, P12, Q12, R12, A13, B13, C13, D13, H13, I13, J13, K13, L13, M13, N13, O13, P13, Q13, R13, para escritório, do prédio denominado por “XX – Lote XX”, sito em Macau, RAE, com os números XX da Rua de XX, XX da Rua de XX, XX da XX, e XX da Avenida do XX, descritas na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 21XX4 a fls XX do Livro XX, inscritos na matriz predial sob o nº 73XX9, celebradas entre a 1ª R. B, Lda e a 2ª R C, Lda., e 1ª R B, Lda, e 3ª R D, formalizadas pelas escrituras públicas outorgada em 12 e 16 de Setembro de 2008, respectivamente, no Cartório do Notário Privado Dr. R a fls XX e de fls XX, ambas do Livro XX;
     2. Mandar-se cancelar na Conservatória do Registo Predial os registos de aquisição fundados nas referidas e simuladas compras e vendas efectuados pelas inscrições números 17XXX4 e 17XXX1 do Livro XX, e bem assim de todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos na sequência daqueles, ou
     subsidiariamente
     3. ser julgadas ineficazes, em relação ao Autor, as compras e vendas celebradas entre as 1ª, 2ª e 3ª RR, no que respeita às 105 fracções autónomas referidas acimas, e em consequência, serem restituídas tais fracções ao património da 1ª R., ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição das mesmas a favor da 2ª R e 3ª R. e todos os registos sucessivos destas dependentes.
     e em qualquer caso
     4. Declarar-se que a 1ª R. incumpriu culposamente os contratos-promessa e proferir-se sentença constitutiva que produza os efeitos da declaração negocial de venda da 1ª Ré e transmitindo-se por esta via ao Autor, a propriedade dos imóveis, pelos preços já pagos e nos precisos termos acordados nos contratos-promessa.
     Subsidiariamente, e apenas no caso de nenhum dos pedidos anteriores ser procedente
     5. Devem declarar-se resolvidos os contratos-promessa celebrados, por incumprimento definitivo e culposo da 1ª R, e consequentemente, condenar-se esta a pagar ao Autor, a título de indemnização, a quantia de MOP$118.376.290,00, correspondente ao sinal em dobro.
     e em qualquer das alternativas referidas acima
     6. Deverá ser reconhecido o direito de retenção do Autor no que concerne às 105 fracções autónomas referidas acimas, e em consequência serem as RR. condenadas a respeitar esse mesmo direito de retenção.
*
     A 1ª Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 2459 a 2483 dos autos.
     Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor e que seja condenada nos pedidos reconvencionais por si formulados.
*
     As 2ª e 3ª Rés contestaram a acção com os fundamentos constantes de fls. 3087 a 3099 e 3377 a 3388 dos autos.
     Concluiram pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
*
     Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
     As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
     O processo é o próprio.
     Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
*
     Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
     II – Factos:
     Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
     (…)
***
     III – Fundamentos:
     Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
     Contra as 1ª e 2ª Rés, pretende o Autor que:
     1. seja declarado nulo o contrato de compra e venda celebrado entre essas Rés, em 12 de Setembro de 2008, através do qual a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré 54 fracções autónomas anteriormente prometidas vender ao Autor; ou
     2. seja declarado esse mesmo contrato ineficaz perante o Autor; e
     3. tanto no caso de procedência do pedido nº 1 como no de procedência do pedido nº 2, que o registo feito com base nas compras e vendas acima referidas e todos os que hajam sido feitos na sequência deles sejam cancelados; e
     4. seja proferida as declarações de vontade que a 1ª Réu prometera emitir no sentido de vender essas 54 fracções autónomas ao Autor; ou
     5. no caso de improcedência de qualquer um dos pedidos anteriores, que sejam declarados resolvidos os 54 contratos-promessa alegadamente celebrados entre o Autor e a 1ª Ré, em 8 de Fevereiro de 1999, por culpa da 1ª Ré, e esta seja condenada a pagar ao Autor o dobro do sinal pago; e, em qualquer dos casos,
     6. que seja reconhecido ao Autor o direito de retenção sobre as mesmas fracções autónomas.
     Contra as 1ª e 3ª Ré o Autor formulou idênticos pedidos mas referindo-os a 51 contratos-promessa de compra e venda de 51 fracções autónomas, alegadamente prometidas vender pela 1ª Ré ao Autor, mas que vieram a ser posteriormente vendidas pela 1ª Ré à 3ª Ré.
     Para o efeito, alega que:
     a. celebrou com a 1ª Ré 105 contratos-promessa de compra e venda das aludidas 105 fracções autónomas tendo o Autor pago a totalidade do preço à 1ª Ré e esta entregue as fracções autónomas ao Autor;
     b. depois dessa entrega, o Autor passou a tomar conta dos imóveis como se fossem propriedade sua e com a convicção de o ser;
     c. apesar das suas sucessivas interpelações para a celebração das respectivas escrituras públicas de compra e venda, as mesmas nunca vieram a ser outrogadas tendo o Autor dado conta em 8 de Outubro de 2008 que a 1ª Ré vendera os imóveis em questão às Rés, 54 à 2ª Ré e 51 à 3ª Ré;
     d. não obstante a formalização dessas compras e vendas, as mesmas eram simuladas porque nem a 1ª Ré quis vender nem as Rés quiseram comprar as quais nem sequer tinham meios para o efeito ou pagos os respectivos preços, preços estes bastantes inferiores ao valor real dos imóveis, tudo apenas com o fim de prejudicar terceiros nomeadamente o Autor; e
     e. antes da propositura da presente acção e da celebração das compras e vendas impugnadas, o Autor pediu a execução específica dos seus contratos-promessa contra a 1ª Ré numa outra acção, pedido este registado na Conservatória do Registo Predial e de que as 2ª e 3ª Rés tinham pleno conhecimento aquando da outorga dos contratos de compra e venda impugnados.
*
     Contestando a acção, a 1ª Ré impugna grande parte dos factos alegados pelo Autor reconhecendo, porém, a celebração 105 dos contratos-promessa de compra e venda e dos 2 contratos de compra e venda invocados pelo Autor bem como a existência do registo do pedido de execução específica na data da celebração destes últimos 2 contratos.
     Assaca, porém, a responsabilidade pela não celebração do contrato prometido ao Autor facto que, segundo a 1ª Ré, a levou a resolver, em 30 de Junho de 2006, os contratos-promessa celebrados com aquele.
     Com base nos factos por si alegados pede, em reconvenção, que seja reconhecida a resolução do contrato, a culpa do Autor e o seu direito de fazer seu o sinal prestado pelo Autor ou, subsidiariamente, que o Autor seja condenado a pagar o valor correspondente à diferença dos preços verificados.
*
     Também as 2ª e 3ª Rés impugnam quase todos os factos invocados pelo Autor reconhecendo, contudo, a celebração dos 2 contratos de compra e venda de que são respectivamente partes e a existência do registo do pedido de execução específica na data da celebração destes contratos.
*
     De acordo com os factos alegados pelo Autor e os pedidos formulados na presente acção, o que este pretende é, no fundo, a execução específica dos contratos-promessa de compra e venda, contratos estes, segundo o Autor, definitivamente incumpridos pela 1ª Ré e, a título subsidiário, a resolução dos mesmos. Porém, as 2ª e 3ª Rés são também aqui demandadas porque a 1ª Ré alienou àquelas os imóveis, objecto das promessas, alienação esta, também segundo o Autor, simulada ou ineficaz.
     Tendo em conta a sequência dos pedidos formulados, apreciam-se, antes de mais, os factos relativos à alegada invalida ou ineficácia dos contratos celebrados entre a 1ª Ré e as 2ª e 3ª Rés começando pelos respeitantes à simulação. Depois de decididos os respectivos pedidos segue-se a apreciação dos pedidos de execução específica, de resolução dos contratos-promessa de compra e venda, de pagamento do dobro do sinal e de reconhecimento do direito de retenção.
**
     Simulação dos contratos de compra e venda
     Entende o Autor que as Rés celebraram os dois contratos de compra e venda sem ter qualquer vontade de vender por parte da 1ª Ré e de comprar por parte das 2ª e 3ª Rés nem ter pago ou recebido o respectivo preço mas tão só com o intuito de dar uma falsa aparência para prejudicar terceiros inclusivamente o Autor.
      Feito o julgamento da matéria de facto, o tribunal deu como provado grande parte dos factos alegados pelo Autor para esse respeito. Em especial, considerou provado que as declarações constantes das escrituras públicas das respectivas compras e vendas não correspondiam à vontade das Rés não tendo a 1ª Ré vontade de vender os imóveis nem as 2ª e 3ª Rés vontade de os comprar, estas não tinham pago qualquer preço pelas compras e vendas e as Rés tinham feito as declarações em questão para enganar e prejudicar o Autor.
     Nos termos do artigo 2232º do CC “1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo.”
     Tendo em conta os factos dados por assentes e a norma acima transcrita, as compras e vendas feitas entre a 1ª Ré e a 2ª Ré e aquela e a 3ª Ré, respectivamente em 12 e 16 de Setembro de 2008, não podem deixar de ser consideradas simuladas e, como tal, nulas.
     Pelo que, é de julgar procedente pedido nº 1 referido na parte inicial da presente sentença.
**
     Concelamento do registo
     Pede o Autor que sejam cancelados os registos de aquisição fundados nas referidas compras e vendas bem como de todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos na sequência daqueles.
     Tendo as compras e vendas em questão sido consideradas nulas, é manifesto que os registos feitos com base nestes negócios jurídicos não podem manter-se.
     No que se refere a registos posteriores, é já de julgar improcedentes visto que das certidões prediais juntos aos autos não consta outro registo feito na sequência dos registos referidos no parágrafo anterior.
     Além disso, dado o princípio do contraditório, não se pode ordenar o cancelamento de registos sem a prévia intervenção nestes autos dos titulares que pudessem ver a sua posição jurídica afectada com tal cancelamento.
     Pelo que, é apenas de ordenar o cancelamento dos registos feitos com base nas compras e vendas consideradas nulas.
**
     Ineficácia dos contratos de compra e venda
     Pede o Autor, subsidariamente ao pedido de declaração de nulidade dos contratos de compra e venda, que os mesmos contratos sejam considerados ineficazes perante si e o subsequente cancelamento do registo.
     Uma vez que o pedido de declaração de nulidade e de cancelamento do registo predial foram considerados como procedentes, fica precludida a necessidade de se debruçar sobre os factos respeitante à alegada ineficácia e, isto, independentemente do acerto dos fundamentos jurídicos invocados.
**
     Contratos-promessa
     Resolvidas as questões relativas à validade e eficácia dos contratos de compra e venda, segue-se, como foi já referido, a análise dos factos respeitantes aos contratos-promessa alegadamente celebrados entre o Autor e a 1ª Ré.
     Relativamente a esses contratos, o Autor pede, a título principal, a sua execução específica por entender que a 1ª Ré os incumpriu definitivamente, a título subsidiário, a resolução destes contratos, a condenação da Ré no pagamento do dobro do sinal e, em qualquer dos casos, o reconhecimento ao Autor do direito de retenção sobre os imóveis prometidos vender pela 1ª Ré.
     No que a esses pedidos dizem respeito, o Autor alega que celebrou os aludidos contratos com a 1ª Ré, pagou a totalidade do preço e passou a tomar conta das fracções autónomas a si imediatamente entregues como se fosse seu proprietário. Mais sustenta que apesar de, por várias vezes, ter exigido à 1ª Ré a celebração dos contratos prometidos, os mesmos nunca foram outorgados tendo a 1ª Ré, entretanto, vendido os imóveis prometidos vender às 2ª e 3ª Rés.
     A 1ª Ré, por sua vez, pede o reconhecimento da resolução dos contratos em questão ocorrida em 30 de Junho de 2006 ou, a título subsidiário, a modificação dos mesmos.
     No plano dos factos, defende que, por duas vezes, pediu ao Autor para celebrar os contratos definitivos mas em vão porque este se recusou a receber a 1ª carta e não compareceu na data designada na 2ª carta para a outorga dos contratos prometidos e que com o decurso do tempo o valor das fracções aumentou.
     Produzida a prova apresentada pelas partes, apurou-se que, em 8 de Janeiro de 1992, o Autor e a 1ª Ré tinham celebrado 105 contratos-promessa através dos quais aquele prometera comprar e esta prometera vender as 105 fracções autónomas a que os presentes autos dizem respeito, pelo preço total de MOP$57.352.850,00. Além disso, está assente que dos documentos que titulam esses contratos consta a declaração da 1ª Ré de que recebeu do Autor os preços acordados e dava quitação.
     Conclui-se, portanto, que entre o Autor e a 1ª Ré foram celebrados 105 contratos-promessa tendo este pago a totalidade do preço.
*
     Direito de retenção
     Contudo, o Autor não logrou demonstrar que as citadas fracções autónomas lhe foram entregues depois da celebração dos contratos-promessa.
     Uma vez que o direito de retenção que alega ter sobre os imóveis tem por base a entrega das fracções autónomas ao Autor feita na sequência dos contratos-promessa, nos termos do artigo 745º, nº 1, f), do CC, o pedido de reconhecimento deste direito não pode deixar de improceder.
*
     Incumprimento dos contratos-promessa e resolução
     Segue-se, então, a apreciação dos factos relativos ao incumprimento dos contratos-promessa.
     No que a isso se refere, alega o Autor que a 1ª Ré vendeu os imóveis às 2ª e 3ª Rés em vez de cumprir a sua obrigação contratual de os vender ao Autor não obstante este ter, por diversas vezes, pedido à 1ª Ré para honrar os seus compromissos.
     A 1ª Ré, por sua vez, defende que foi o Autor quem deixou de responder às suas interpelações para a celebração dos contratos prometidos.
*
     Está provado que a 1ª Ré vendeu às 2ª e 3ª Rés os 105 imóveis prometidos vender ao Autor apesar de este ter contactado a 1ª Ré, por várias vezes, para lhe exigir o cumprimento dos contratos-promessa, tentativas essas em vão.
     Com a venda feita às 2ª e 3ª Rés, a prestação a que a 1ª Ré estava sujeita deixou de ser possível.
     Será, então, que a 1ª Ré incumpriu definitivamente os contratos-promessa nos termos do artigo 790º do CC?
     Ora, a resposta depende do que se apurou no que diz respeito ao incumprimento contratual que a 1ª Ré imputa ao Autor. É que, a 1ª Ré defende que, por força desse incumprimento, os contratos-promessa ficaram resolvidos em 30 de Junho de 2006 o que preclude a possibilidade de execução específica ou de resolução peticionada pelo Autor.
*
     Sobre essa matéria, há que ter em conta que o Autor não conseguiu demonstrar que as partes tinham combinado que os contratos prometidos seriam celebrados logo que possível. Nem consta das cópias dos contratos-promessa a data fixada para o efeito ou a forma para a sua fixação.
     Está-se, portanto, perante obrigações puras.
     Dispõe o artigo 766º, nº 1, do CC que “Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.”
     Assim, o primeiro passo a dar nessa nossa indagação é o de ver se a 1ª Ré alguma vez interpelou o Autor para cumprir as suas obrigações contratuais visto que só com a interpelação é que estas obrigações se vencem e se coloca a questão da mora do Autor como prevê o artigo 794º, nº 1, do CC.
     No caso de se provar a mora do Autor, é ainda necessário aquilatar se houve incumprimento definitivo. É que, para a almejada resolução dos contratos, não basta uma qualquer violação das obrigações contratuais. “É que, embora a mora lhe confira o direito a ser indemnizado dos danos sofridos, tal como o não cumprimento definitivo, só a falta (definitiva) de cumprimento legitima a resolução do contrato.” – cfr. Antunes Varela, ob. cit., pg 123.
     De facto, estipula o artigo 793º, nº 1, do CC, que “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.” e o artigo 797º, nº 1, do CC, que “Considera-se para os efeitos constantes do artigo 790º, como não cumprida a obrigação a obrigação se, em consequência da mora: a) O credor perder interesse que tinha na prestação: ou b) A prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor.”
     Pelo que, o incumprimento assacado ao Autor pressupõe, num primeiro momento, a mora deste e, numa fase posterior, a verificação de qualquer das hipóteses indicadas nas normas acima transcrita.
*
     Ora bem, está assente que a 1ª Ré enviou duas cartas ao Autor, uma em 28 de Maio de 2004 e outra em 29 de Maio de 2006, para a morada indicada pelo Autor nos contratos-promessa, cartas estas que o Autor não recebeu. A isso acresce que está provado que o Autor comprometeu-se a comunicar à 1ª Ré de qualquer alteração da morada. Mais consta dos contratos-promessa uma cláusula segundo a qual as cartas enviadas à última morada registada do Autor consideram-se entregues no 3º dia contados a partir do envio (cfr. cláusula 5ª dos contratos-promessa).
     Apesar de a 1ª Ré não ter logrado demonstrar que o Autor nunca a notificou de qualquer alteração da morada, o certo é que o risco de não recebimento das cartas continuava, em princípio, a correr por conta do Autor por força da convenção livremente estabelecida.
*
     Contudo, não é de menosprezar a seguinte circunstância constante dos factos assentes: a 1ª Ré sabia que o Autor vivia no Interior da China e não receberia cartas na morada constante dos contratos-promessa, morada esta indicada como mera referência e por indicação da ex-sócia da 1ª Ré a qual é o endereço de uma casa pertencente a esta mesma sócia.
     Nos termos do artigo 326º do CC “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
     A citada cláusula 5ª faz, de facto, recair sobre o Autor o ónus de notificar a 1ª Ré da alteração da sua morada sob pena de se considerarem recebidas as cartas enviadas por esta para a morada constante dos contratos-promessa e de ter que arcar com as eventuais consequências negativas do não recebimento das cartas. Ou seja, a culpa será do Autor se este não receber as cartas enviadas para essa morada.
     Essa cláusula destina-se, pois, a garantir que a comunicação que a 1ª Ré tiver que fazer ao Autor possa chegar ao destinatário sem transtornos nem encargos injustificados para aquela. Tem manifestamente um fim económico, pois serve para regular a normal execução dos contratos-promessa.
     Ora, estando provado que a 1ª Ré sabia que o Autor não vivia na morada para onde foram enviadas as cartas e não as receberia, com a agravante de esta mesma morada ter sido indicada apenas como mera referência por indicação da ex-sócia da 1ª Ré e ser a morada de uma casa pertencente a esta mesma sócia, é manifesto que a 1ª Ré não fez uso do direito constante da cláusula sub judice com a finalidade nela prevista: tornar fácil e expedito para a 1ª Ré a comunicação que esta tem que fazer ao Autor. Com efeito, a 1ª Ré sabia muito bem que o Autor não iria responder às eventuais solicitações feitas nessas cartas porque este, não vivendo aí, não teria conhecimento das mesmas. Logo à partida estava arredado o efeito útil do envio das cartas tendo a 1ª Ré pleno conhecimento deste facto. No entanto, ainda assim, enviou as cartas para essa morada para cumprir uma mera formalidade alegando depois que foi por culpa do Autor que as mesmas não foram recebidas, fazendo-o incorrer em mora e em incumprimento contratual. A 1ª Ré actuou manifestamente de má fé.
*
     Nem se diga que, por força da cláusula em análise, o Autor tinha que dar conta da morada onde podia ser contactado. É que, a proibição do exercício abusivo do direito tem por base o princípio da boa fé previsto no artigo 752º, nº 2, do CC segundo o qual “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.”
     É certo que o Autor nem sequer alegou que tinha notificado a 1ª Ré da nova morada onde podia ser encontrado. Isto é, o Autor não cumpriu o ónus decorrente da cláusula 5ª dos contratos-promessa. Mas não é menos verdade que, à data em que foram expedidas as referidas cartas, o Autor não podia ser contactado aí, facto que era do perfeito conhecimento da 1ª Ré. Por força desse conhecimento, a actuação da 1ª Ré nunca pode ser considerada de boa fé, pois esta devia ter tentado outros meios ao seu alcance para proceder à notificação do Autor. Ora, nada consta dos autos de que essas tentativas foram feitas. Isso mesmo depois de as partes estarem em pleno litígio no processo CV2-06-0055-CAO no qual o Autor, ali Réu, interveio apresentando a sua contestação/pedido reconvencional de execução específica no dia 27 de Fevereiro de 2007 (cfr. certidão de registo predial donde consta o registo da reconvenção, designadamente a fls 68 dos presentes autos). Frisa-se, pedido de execução específica, ou seja, cumprimento contratual para o qual a 1ª Ré pretendia do Autor nas duas cartas em discussão. A isso acresce que a própria 1ª Ré alega que, em finais de 2008, alguns representantes voluntários do Autor compareceram no edifício onde se encontram as fracções autónoma prometidas vender (cfr. artigos 90º e 144º da contestação da 1ª Ré). Novamente, a 1ª Ré não aproveitou a ocasião, quando podia, para fixar um prazo para o Autor cumprir por forma a preencher o requisito previsto no artigo 797º, nº 1, b), do CC.
     Por força dessas circunstâncias, não se pode deixar de considerar ilegítimo o exercício do direito que essa cláusula contratual atribuiu à 1ª Ré, com o que se deve seguir o regime geral relativo à perfeição das declarações negociais.
*
     Preceitua o artigo 216º, nº 1, do CC “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chaga ao seu poder ou é dele conhecida; … .”
     Por estar provado que o Autor não recebeu as cartas e nenhum facto da matéria assente demonstra que o Autor tinha conhecimento do teor das cartas, nada resta senão considerar não regularmente transmitidas as declarações constantes das cartas ao Autor.
     Fica, portanto, afastado o alegado pela 1ª Ré de que o Autor foi interpelado para cumprir, o que impede a verificação da mora e do incumprimento a este imputados.
*
     Mesmo que assim não se entenda, ainda assim, o envio da carta de 29 de Maio de 2006 não produz o efeito pretendido pela 1ª Ré.
     Se é verdade que o teor da carta do dia 28 de Maio de 2004 demonstra claramente que a mesma se destinava a pedir ao Autor para cumprir a sua obrigação, ou seja, que se tratava de uma interpelação extrajudicial destinada a fazer vencer a obrigação bem como fazer o Autor incorrer em mora se este não respondesse ao pedido, o apelo feito na carta de 29 de Maio de 2006 já não permitia converter a mora em incumprimento definitivo nos termos previstos no artigo 797º, nº 1, b), do CC como pretende a 1ª Ré.
     Se bem atentarmos no teor da carta de 29 de Maio de 2006 junta a fls 2495 a 2496, verifica-se que a 1ª Ré, ao fixar a data de 29 de Junho de 2006 como data para a celebração dos contratos prometidos, condicionou a outorga destes contratos ao pagamento prévio de MOP$7.000.000,00 correspondentes a despesas relacionadas com as fracções autónomas prometidas vender, nelas incluindo as despesas de condomínio, o foro e as despesas administrativas, despesas estas ainda não pagas pelo Autor, segundo a 1ª Ré.
     Porém, a condição foi imposta ilegitimamente.
     Olhando de novo às relações contratuais estabelecidas entre o Autor e a 1ª Ré, através dos 105 contratos-promessa, constata-se que a obrigação recíproca das partes era a de celebrar os respectivos contratos definitivos de compra e venda. Tendo o Autor pago a totalidade do preço, a única prestação ao mesmo exigível é a emissão da declaração prometida.
     Contrariamente ao que defende a 1ª Ré nas suas alegações de direito, a obrigação de pagar as despesas de condomínio, foro e despesas administrativas do passado mencionadas na carta, a existir, não resulta dos contratos-promessa ora em análise nem interfere nesta relação contratual estabelecida entre o Autor e a 1ª Ré.
     É certo que a cláusula 8º desses contratos prevê a obrigação de pagamento das despesas de condomínio e de ar condicionado das fracções autónoma. Tal obrigação pressupõe obviamente a entrega das fracções autónomas ao Autor ou a celebração das escrituras públicas de compra e venda.
     A própria 1ª Ré tem vindo a defender que nunca houve entrega das fracções autónoma ao Autor. Também não está provado que houve essa entrega. Por outra banda, as partes ainda não celebraram as escrituras públicas de compra e venda.
     Ora, não sendo uma obrigação decorrente dos contratos-promessa, não podia a 1ª Ré condicionar a celebração dos contratos prometidos ao pagamento dessas despesas. Vistas as coisas do lado da 1ª Ré, esta não podia excepcionar o seu não cumprimento com o não pagamento citadas despesas. Com efeito, a excepção de incumprimento pressupõe o sinalagma entre as obrigações em jogo como decorre do artigo 422º, nº 1, do CC.
     Pelo que, a interpelação feita com a carta do dia 29 de Maio de 2006 não pode ser enquadrada como correspondente à situação prevista no artigo 797º, nº 1, b), do CC.
*
     Nem o decorrer do tempo mesmo aliado à necessidade de a 1ª Ré suportar as despesas de administração, foro, etc das fracções autónoma prometidas vender tem o efeito de fazer a 1ª Ré perder interesse na prestação do Autor como sustenta aquela no artigo 155º da sua contestação.
     É que, tendo o Autor pago a totalidade do preço, dos contratos-promessa, por si, não pode resultar nenhum prejuízo designadamente o de a 1ª Ré ficar vinculada aos contratos sem ter a disponibilidade do preço ou boa parte do preço durante esse tempo todo.
     A existência de despesas que a 1ª Ré alegadamente tem vindo a suportar tem primordialmente a ver com a responsabilidade com que a parte que deu causa ao atraso tem que arcar.
     A relevância dessas despesas, para os efeitos do 797º, nº 1, a) do CC, pressupõe a mora do Autor. Como decorre da análise acima feita, não houve mora por parte do Autor. A isso acresce que nenhum facto permite afirmar que essas despesas efectivamente existiram no valor indicado na carta de 29 de Maio de 2006. Nem o montante nela invocado face ao valor do preço já integralmente pago pelo Autor faz concluir que é fundada a perda de interesse por parte da 1ª Ré na prestação do Autor, perda esta aferida em termos objectivos como preceitua o artigo 797º, nº 2, do CC.
*
     Uma vez que nenhum outro facto permite considerar que se verificou alguma das situações previstas no artigo 797, nº 1, do CC acima transcrito, não se pode dizer que houve incumprimento contratual por parte do Autor.
     Improcede necessariamente o pedido de resolução dos contratos-promessa formulado pela 1ª Ré.
*
     Execução específica dos contratos-promessa de compra e venda
     Afastado o incumprimento contratual imputado ao Autor, resta o facto objectivo de a 1ª Ré ter entretanto vendido os imóveis às 2ª e 3ª Rés apesar de o Autor ter contactado a 1ª Ré, por várias vezes, para lhe exigir o cumprimento dos contratos-promessa, tentativas essas em vão.
     Para obstar a procedência da pretensão do Autor, a 1ª Ré, nas suas alegações de direito, defende que nunca foi invocada a mora da 1ª Ré, pressuposto indispensável para o pedido de execução específica.
     Por parte das 2ª e 3ª Rés, também nas suas alegações de direito, concluíram que o Autor não logrou provar que houve mora por parte da 1ª Ré no cumprimento da sua obrigação contratual porque ficou apenas provado que o Autor contactou, por várias vezes, com a 1ª Ré para lhe exigir o cumprimento do que havia sido acordado.
*
     Nada de mais incorrecto.
     Flui da parte inicial da exposição das pretensões e da matéria de facto invocada pelo Autor que este alegou que, apesar das suas sucessivas interpelações para a celebração das respectivas escrituras públicas de compra e venda, as mesmas nunca vieram a ser outorgadas. O Autor alegou os respectivos factos nos artigos 31º e 32º da petição inicial.
     Isto quanto ao que defende a 1ª Ré.
     Relativamente às 2ª e 3ª Rés, estando provado que o Autor pediu à Ré para cumprir o acordado sem que os contratos definitivos tivessem sido outorgados (cfr. facto constante da alínea H) dos factos assentes e respostas aos quesitos 23º e 24º da base instrutória), não se compreende como é que se pode dizer que não houve mora.
     Pergunta-se, tendo as normas dos artigos 766º, nº 1, e 794º, nº 1, do CC presente, o que é preciso mais para fazer vencer uma obrigação pura para poder considerar o contraente relapso como tendo entrado em mora?
     Conclui-se, pois, que a 1ª Ré estava em mora porque não respondeu aos pedidos de celebração dos contratos prometidos feitos pelo Autor.
*
     Para além da mora, os factos provados demonstram que a 1ª Ré incumpriu definitivamente os contratos-promessa.
     É que, provada a venda invocada pelo Autor e afastado o incumprimento contratual prévio que a 1ª Ré imputa ao Autor, o único enquadramento só pode ser o da impossibilidade culposa prevista no artigo 790º, nº 1, do CC como foi já aventado mais acima.
*
     Assente a mora e o incumprimento contratual por parte da 1ª Ré, urge agora analisar se o pedido de execução específica pode proceder.
     Dispõe o artigo 820º, nº 1, do CC que “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.”
     Desse preceito vê-se que a execução específica almejada pelo Autor pressupõe o não cumprimento da promessa por parte da 1ª Ré e a possibilidade da sua realização coerciva.
     No que se refere ao não cumprimento, pode-se colocar a questão de saber se a norma em questão está a referir-se à mora ou ao incumprimento definitivo.
     Segundo o Acórdão da Relação de Porto, de 27 de Setembro de 1999, BMJ, 489º, 403, “É possível o recurso à execução específica de um contrato-promessa tanto no caso de simples mora, como nas hipóteses em que a obrigação se considere definitivamente não cumprida em consequência do contraente faltoso não ter realizado a prestação no prazo para tal fixado pelo contraente fiel, desde que este último continue a ter interesse na prestação e esta ainda seja física e legalmente possível.”
     Assim, em vão foram os esforços das 2ª e 3ª Rés ao defenderem nas suas alegações de direito que apenas a mora é que legitima a execução específica.
     Bem vistas as coisas, a questão suscitada pelas 2ª e 3ª Rés tem a ver com o segundo requisito previsto no artigo 820º, nº 1, do CC acima transcritos: o da possibilidade de realização coerciva.
     É que, está provado que a 1ª Ré vendeu os imóveis discutidos nos presentes autos às 2ª e 3ª Rés facto que fez sair os bens do património da 1ª Ré. Assim, se os respectivos negócios jurídicos mantivessem incólumes, a realização coerciva deixar-se-ia de ser possível.
     Uma vez que mais acima se decidiu julgar procedente o pedido de declaração de nulidade desses negócios, por força dos efeitos jurídicos da nulidade previstos no artigo 282º do CC, os bens em questão voltam a integrar a esfera jurídica da 1ª Ré, com o que deixou de ter o obstáculo referido no parágrafo anterior.
     Por todo o expendido, é de julgar procedente o pedido de execução específica.
*
     Incumprimento dos contratos-promessa, resolução, pagamento do dobro do sinal
     A título subsidiário em relação ao pedido de execução específica, pede o Autor que seja declarada a resolução dos contratos-promessa e que a 1ª Ré seja condenada a pagar-lhe o dobro do sinal.
     Uma vez que o pedido de execução específica foi julgado procedente, fica precludida a necessidade de se debruçar sobre esses pedidos subsidiários.
*
     Modificação dos contratos-promessa
     Pede a 1ª Ré a modificação dos contratos-promessa por alegadamente os imóveis terem valorizado bastante com o decurso do tempo.
     Nos termos do artigo 431º, nº 1, do CC “Se as circunstância em que aas partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contratos.”
     Tendo em conta a teor dessa norma e os factos alegados pela 1ª Ré, é manifesto que esse pedido não pode proceder.
     Em primeiro lugar, a valorização dos imóveis, por si, não consubstancia qualquer alteração anormal. Por outra banda, nada foi alegado quanto às circunstâncias em que ocorreu a valorização dos imóveis o que impede que se afirme que as circunstâncias existentes à data da celebração dos contratos-promessa sofreram uma alteração anormal.
     Em segundo lugar, não se excogita qualquer razão para dizer que essa valorização pôs em causa a justiça contratual estabelecida entre as partes. É que, o decurso do tempo não trouxe qualquer risco acrescido à 1ª Ré relativamente à prestação a que está sujeita, pois o atraso na celebração das escrituras públicas de compra e venda não lhe pode causar nenhum prejuízo tendo em conta que já recebeu todo o preço e as despesas pelas formalidades são normalmente suportadas pelo comprador.
     A ter em conta as despesas relacionadas com os imóveis que a 1ª Ré alega ter vindo a suportar, o que estará em causa é a responsabilidade pela mora no cumprimento da obrigação de celebrar os contratos definitivos imputada ao Autor. Está-se, então, perante uma questão relacionada com a responsabilidade contratual e não a modificação do contratos por força da alteração das superveniente das circunstancias. E para esse efeito, o montante das despesas é que é o ponto de referência e não a diferença de preço como pretende a 1ª Ré. Ora, no que a isso diz respeito, a 1ª Ré não logrou demonstrar a mora do Autor, como foi já referido, nem nenhum facto provado indica qual é o montante e que tipo de despesas estão em causa.
     Pelo que, o pedido de modificação não pode deixar de improceder.
*
     Litigância de má fé
     Pedem as 2ª e 3ª Rés a condenação do Autor como litigante de má fé.
     Para o efeito alega que não corresponde à verdade o invocado pelo Autor de que as fracções autónomas discutidas nos presentes autos tenham sido entregues ao Autor nem este alguma vez exerceu actos de posse sobre as mesmas.
     Nos termos do artigo 385º, nº 2, do CPC, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) … ; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; … .”
     Feito o julgamento da matéria de facto, o tribunal deu por não provada a matéria relativa à entrega das fracções autónomas ao Autor e aos actos de posse praticados pelo Autor.
     No entanto, o facto de o alegado não ser acolhido pelo tribunal também não significa necessariamente que o contrário seja verdade ou que o Autor alterou a verdade dos factos.
     Para o efeito, é preciso que haja outros factos para demonstrar que a situação dos autos corresponde à previsão da norma acima transcrita.
     Por nada nos autos demonstra que a situação é o caso, indefere-se o pedido de condenação do Autor como litigante de má fé.
***
     IV – Decisão:
     Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente a acção e improcedente a reconvenção, em consequência, e decide:
     1. Declarar nulas as compras e vendas das 105 fracções autónomas designadas por A8, B8, C8, D8, E8, F8, G8, H8, I8, J8, K8, L8, M8, N8, O8, P8, Q8, R8, A9, B9, C9, D9, E9, F9, G9, H9, I9, J9, K9, L9, M9, N9, O9, P9, Q9, R9, A10, B10, C10, D10, E10, F10, G10, H10, I10, J10, K10, L10, M10, N10, O10, P10, Q10, R10, A11, B11, C11, D11, E11, F11, G11, H11, I11, J11, K11, L11, M11, N11, O11, P11, Q11, R11, A12, B12, C12, D12, E12, F12, G12, H12, I12, J12, K12, L12, M12, N12, O12, P12, Q12, R12, A13, B13, C13, D13, H13, I13, J13, K13, L13, M13, N13, O13, P13, Q13, R13, para escritório, do prédio denominado por “XX – Lote XX”, sito em Macau, RAE, com os números XX da Rua de XX, XX da Rua de XX, XX da Alameda XX, e XX da Avenida do XX, descritas na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 21XX4 a fls XX do Livro XX, inscritos na matriz predial sob o nº 73XX9, celebradas entre a 1ª Ré, B, Lda., e a 2ª Ré, C, Lda., e 1ª Ré, B, Lda., e a 3ª Ré, D, formalizadas, respectivamente, pelas escrituras públicas outorgada em 12 e 16 de Setembro de 2008, no Cartório Notarial do Notário Privado Dr. R a fls XX e de fls XX, ambas do Livro XX;
     2. Ordenar o cancelamento dos registos de aquisição fundados nas referidas compras e vendas efectuados pelas inscrições números 17XXX4 e 17XXX1 do Livro XX, na Conservatória do Registo Predial;
     3. Substituir a 1ª Ré e emite a declaração de vontade desta no sentido de vender as 105 fracções autónomas referidas acimas ao Autor, A;
     4. Absolver as Rés do pedido de cancelamento de quaisquer registos que porventura hajam sido feitos na sequência dos registos de aquisição acima referida;
     5. Absolver as Rés do pedido de reconhecimento do direito de retenção sobre as fracções autónoma acima referidas formulado pelo Autor;
     6. Absolver o Autor dos pedidos reconvencionais formulados pela 1ª Ré.
     Custas da acção pelo Autor e as Rés na proporção de 85% e 15% respectivamente e custas da reconvenção pela 1ª Ré.
     Registe e Notifique.
***

    Quid Juris?
    Vamos ver os recursos parte por parte.

    Apesar de cada uma das Rés apresentar uma peça individual de recurso, os argumentos por elas tecidos são basicamente idênticos, tirando um ou dois aspectos. Pelo que, os recursos interpostos sobre o mérito da decisão são decididos em conjunto.
*
    A 1ª Ré, nas conclusões do recurso (1ª parte, enumeração nossa), argumentou da seguinte forma:
     4. Na elaboração da Base Instrutória, deve ser feita a selecção da matéria de facto escolhendo, a partir dos factos articulados pelas partes, os factos relevantes, que correspondem a todos os possíveis enquadramentos jurídicos da causa (artigo 430º do CPC).
     5. Porém, o tribunal a quo não quesitou qualquer dos factos alegados pelas Rés para sustentar a validade do negócio e fazer a contraprova da simulação, apoiadas nomeadamente na verificação dos elementos mencionados na Conclusão 4ª a. e 4ª b.
     6. A Recorrente alegou um conjunto de factos que consubstanciavam o exercício que vinha fazendo do seu direito de propriedade até à data das escrituras de compra e venda - nomeadamente, o pagamento das despesas, zelar pela segurança e limpeza das fracções, protegeu-as do mau tempo e de intrusos, entre outros.
     7. A partir do momento das escrituras, foram as 2ª e 3ª Rés quem, respectivamente, passaram a exercer estes actos materiais de propriedade sobre as fracções, para tanto alegando os factos nas suas Contestações.
     8. Acompanharam as Rés a realização do negócio de vários indícios da verdade do mesmo: celebração dos contratos-promessa, visita do administrador da 2ª Ré e da 3ª Ré às instalações, tendo levado fitas métricas e perguntado da possibilidade de arrendamento de parques de estacionamento.
     9. Esta matéria deveria ter sido trazida à Base Instrutória, dando-se como provada a verificação da transmissão da propriedade;
     10. Por outro lado, alegaram ainda as Rés terem sido dadas as chaves de cada fracção, bem como colocados os nomes das compradoras na porta de cada fracção, colocado o nome no directório do prédio localizado no rés-do-chão, bem como a 2ª Ré chegou a alugar um painel publicitário no referido edifício.
     11. Passaram a 2ª e 3ª Rés a pagar as despesas de condomínio, renda e obrigações fiscais.
     12. Actos e factos que reflectem a entrega das fracções e que deveriam ter sido trazidos para a Base Instrutória.
     13. Estes factos são constitutivos do direito do Recorrido - cabia-lhe a ele alegar que não houve transmissão da propriedade nem entrega das fracções, sob pena de não se conseguir concluir, a final, que o negócio foi simulado.
     14. Bem como não foram incluídos na base instrutória os factos relativos à interpelação ao Recorrido, pelo que não podia na douta sentença recorrida concluir-se que "não existem elementos nos autos".
     15. A selecção da matéria de facto desdobra-se em duas operações diversas: a primeira é a escolha, a partir do mole de factos articulados pelas partes, dos factos relevantes, i.e., dos factos que correspondem a todos os possíveis enquadramentos jurídicos da causa (artº 430º nº 1 do CPC); a segunda é a separação, no conjunto factos julgados relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, daqueles que devem considerar-se assentes e dos que se mostram controvertidos, i.e., dos que devem constituir objecto da prova e, como tal, devem figurar na base instrutória.
     16. O quesito relativo à realização do preço das fracções, por outro lado, reporta-se ao alegado pelo Autor na p.i. e menciona: "Não tendo a 2ª nem a 3ª Ré pago, naquela data ou anteriormente, a título de preço quaisquer quantias à 1ª Ré?";
     17. Porém, resultava da Contestação das Rés que o preço não foi pago antes mas na sequência da realização das escrituras, o que também deveria ter sido quesitado, para cabal esclarecimento da verdade.
     18. O artigo 875º/2 do Código Civil permite que no contrato de compra e venda o preço seja pago diferidamente.
     19. A Recorrente alegou também ter colocado as fracções no mercado antes da data da realização das escrituras, o que seria mais um indício da sua vontade real de vender, o que não foi trazido para a Base Instrutória,
     20. Estes factos não eram essenciais para a prova da simulação per se, mas são sem dúvida factos que, a serem provados, impedem a conclusão de que não houve vontade da Recorrente de vender as fracções.
     21. A prova da transmissão da propriedade e da entrega da coisa pode ser feita através das atitudes de um normal proprietário e que se prolongam no tempo, que vão para além do exacto momento da conclusão formal do negócio.
     22. Foram estes factos que foram ignorados na Base Instrutória e que impediram às Rés demonstrar em sede de instrução a verdade.

    Estas conclusões correspondem exactamente às apresentadas pela 2ª Ré – sob os nºs 7 a 24 -, e às apresentadas pela 3ª Ré – sob os nºs VII a XXV.
    
    Como as Recorrentes/Rés iniciaram no recurso por impugnar a matéria de facto, principiamos por este ponto.
    
    Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
    É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
    No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio5.
    É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
    Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
*
    Ora, em selecção de factos pertinentes para o saneador, o legislador manda através do artigo 430º (Selecção da matéria de facto) o CPC:
     1. Se o processo tiver de prosseguir e a acção tiver sido contestada, o juiz, no próprio despacho a que se refere o artigo anterior ou, não havendo a ele lugar, no prazo fixado para o proferir, selecciona a matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, indicando:
     a) Os factos que considera assentes;
     b) Os factos que, por serem controvertidos, integram a base instrutória.
     2. As partes podem reclamar contra a selecção da matéria de facto considerada assente ou integrada na base instrutória, com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade.
     3. O despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final.

    Primeiro, devem seleccionar os factos essenciais em torno dos pedidos formulados pelas partes.
    Segundo, só em caso de necessidade é que se seleccionam os factos instrumentais.
    O que se discute nos autos é, na sequência da celebração dos contratos-promessa de compra e venda que têm por objecto 105 fracções autónomas identificadas nos autos, não foram outorgados os respectivos contratos prometidos (escrituras públicas), não obstante a promitente-vendedora já ter recebido a totalidade dos preços referente às tais 105 fracções autónomas, veio, no entanto, ela a vender tais imóveis às 2ª e 3ª Rés.
    
    Esta Recorrente/1ª Ré, veio a alegar que os factos da sua defesa não foram quesitados e como tal não lhe foi assegurado o direito de defesa, nomeadamente para defender a tese de que a 2ª venda foi uma verdadeira venda e houve entrega dos preços.
    Ora, esta afirmação não corresponde de todo em todo à verdade!
    Compulsados dos elementos dos autos, é fácil verificar-se o seguinte:
    Os quesitos 26º a 49º são factos alegados pelas Rés:
26º
A 1ª Ré enviou uma carta datada de 28 de Maio de 2004, cujo teor consta o documento a fls. 2492 para a morada indicada pelo Autor aquando da celebração dos contratos-promessa?
27º
A qual foi devolvida pelos CTT por falta de reclamação?
28º
Por carta datada de 29 de Maio de 2006, a 1ª Ré interpelou novamente o autor para a celebração das escrituras de compra e venda, no dia 30 de Junho de 2006, pelas 12 horas, no escritório do Notário privado Dr. R, na Avenida da XX, n.º XX, Edifício XX, XXº andar XX, conforme o teor do documento a fls. 2495 e 2496, que segui se dá por integralmente reproduzido?
29º
O Autor não compareceu e nem se fez representar no Cartório Notarial para celebração dos contratos definitivos?
30º
Por as fracções autónomas serem registada a seu favor, a 1ª Ré pagou as despesas de electricidade, água e condomínio das fracções autónomas referidas em D) dos factos assentes?
31º
Bem como os respectivos impostos e contribuições prediais?
32º
Para se livrar das fracções e dos encargos referidos, a 1ª Ré decidiu colocar as fracções em causa no mercado para as vender?
33º
No processo CV2-06-0055-CAO do 2° Juízo Cível, pelo autor foi deduzida contra a 1ª Ré uma reconvenção na qual aquele formulou um pedido de execução específico que tem por objecto as fracções autónomas mencionadas nos contratos-promessa referidos em D) dos factos assentes?
34º
Por decisão transitada em julgada, a 1ª ré foi absolvida da instância da reconvenção?
35º
A inscrição referida na alínea N) dos factos assentes foi cancelada?
36º
O autor não recebeu as cartas enviadas pela 1ª Ré para morada indicada nos contratos-promessa nem apresentou qualquer justificação?
37º
O Autor não notificou a 1ª Ré de qualquer alteração de morada?
38º
A partir do dia 16 de Setembro de 2008, a 1ª Ré ficou a saber que o Autor não residia já em Macau?
39º
A 1ª Ré tentou informar-se do seu paradeiro, mas tudo se resultou infrutífero?
40º
Com o decurso do tempo e na impossibilidade de contactar com o autor, a 1ª Ré deixou de ter interesse na realização dos contratos de compra e venda a que se refere os contratos-promessa em D) dos factos assentes?
41º
A 1ª Ré sabia que o Autor vive na China e que não possui qualquer documento que lhe permita permanecer em Macau?
42º
Por isso, não poderia receber a carta na morada constante nos contratos promessa?
43º
A morada para onde a 1ª Ré enviou as referidas cartas é o endereço duma casa pertencente a uma ex-sócia gerente da 1ª Ré, a Sra. J?
44º
A qual era indicada nos contratos-promessa como mera referência e com indicação da Sra. J?
45º
Na carta datada de 29/05/2006, a 1ª Ré submete a outorga das escrituras e efectiva entrega das fracções a condição de pagamento de todas as despesas com a administração das mesmas, no valor aproximado de MOP$7,000,000.00?
46º
O registo da hipoteca a que se refere na alínea V) dos factos assentes foi cancelado em 8 de Outubro de 2003 relativamente às fracções A9, B9, C9, D9, E9, F9, G9, H9, I9, J9, K9, L9, M9, N9, O9, P9, Q9 e R9 e em 1 de Julho de 2005 relativamente às fracções A8, B8, C8, D8, E8, F8, G8, H8, I8, J8, K8, L8, M8, N8, O8, P8, Q8, R8.
47º
No mercado imobiliário, a prática usual é a celebração simultânea da escritura do distrate da hipoteca e de compra e venda?
48º
A presente acção acarreta para a 2ª Ré um prejuízo superior a MOP$70.000,00 em honorários e outras despesas processuais?
49º
A presente acção acarreta para a 3ª Ré um prejuízo superior a MOP$70.000,00 em honorários e outras despesas processuais?

    Aqui, há-de fazer distinção entre duas coisas: uma é selecção dos factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, só que as partes não conseguiram provar tais factos quesitados! É justamente esta situação dos autos no que toca às Rés! Outra é a não selecção dos factos pertinentes ou selecção insuficiente dos factos necessários, não é o caso dos autos!
    O que a 1ª Ré se preocupa é o pagamento dos preços. Esta afirmou desde início até agora, mesmo nesta sede de recurso, ainda teima na sua versão contada: houve pagamento dos preços!
    Vejamos se ela conseguiu convencer-nos ou não mediante provas suficientes.
    Ora, este facto em vista deve provado por provas pré-constituídas!
    Porque o pagamento reporta-se ao momento da realização dos negócios em causa, e as provas nasceram (ou deviam nascer) naquele momento!
    Tal como ensinava o Prof. Antunes Varela: “as provas pré-constituídas são aquelas que existem antes de surgir a necessidade da sua apresentação no processo, é o caso dos documentos (artigo 523º/1 do CPC de 1961)” (cfr. Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 441).
    É de realçar que os elementos alegados pelas Rés referentes ao pagamento dos preços não batem certo com os dados mencionados nas escrituras públicas de compra e venda dos 105 imóveis em causa, ponto este que veremos melhor mais adiante.
    
    É uma cena engraçada e bem demonstra aquilo que se chama: Quem quer provar de mais, nada prova! (dito doutra forma: O montanhês, para defender uma tolice, dirá três!)

    Vejamos o que consta dos autos.
    No requerimento de fls. 5260, datado de 22/10/2013, as 3 Rés vieram a pedir o seguinte:
“(…)
31º
Ao abrigo do disposto nos artigos 4º, 6º/3 e 8º/4 do CPC, requer a V. Exa. se digne conceder o prazo suplementar de três dias para a junção de novos documentos relacionados com a forma de pagamento das quantias em causa e que estarão a caminho de Macau.”
    Na sequência disto, a 3ª Ré veio a juntar o documento de fls. 5271, que tem o seguinte teor:



    É de ver que tal documento não tem a ver com os alegados pagamentos!
    É uma “história” contada por uma terceira pessoa, J, que não é parte do processo, nem sequer veio a Macau para depor a fim de esclarecer as dúvidas existentes.
    Repare-se, estamos perante provas pré-constituídas, ou seja, se elas existissem, era fácil apresentá-las! Não conseguiram fazê-lo, porque elas não existem!
    Está em causa um valor elevadíssimo, se foi feito o pagamento, as provas existem e existirão! Mas a realidade diz que elas inexistem!
*
    Depois, esta Recorrente/1ª veio a tecer ainda os seguintes argumentos nas alegações do recurso:

     24. Esta selecção deve incidir sobre todos os factos que sejam relevantes segundo todos os possíveis enquadramentos jurídicos do objecto da acção.
     25. Qualquer facto não deve deixar de ser seleccionado, ainda que ele só possa ser relevante se, em relação a uma questão controversa na doutrina ou na jurisprudência, o tribunal vier a adoptar um determinado entendimento ou a preferir uma certa solução: ao juiz da causa não cabe, no momento da selecção dos factos relevantes, antecipar qualquer solução jurídica e, menos ainda, excluir da escolha os factos que não forem relevantes segundo esse enquadramento.
     26. O despacho que decida a reclamação contra a matéria de facto não tem o efeito de caso julgado que torne indiscutível a exactidão do procedimento quer da escolha dos factos relevantes quer da sua repartição entre os que devem desde logo considerar-se assentes e os que devem reputar-se controvertidos.
     27. Sempre que considere deficiente obscura ou contraditória a decisão sobre determinados pontos de facto ou quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto - por se ter omitido o julgamento de um facto relevante, designadamente por não constar da base instrutória - o Tribunal de Segunda Instância deve anular, mesmo ex-officio, a decisão da 1ª instância e reenviar-lhe o processo para que proceda a novo julgamento (artº 629º/4, 1ª parte, do CPC).
     28. A Base Instrutória deveria ter incluído os factos alegados nos artigos 96º a 104º, 108º a 111º, 113º a 122º e 138º, 147º e 151º da Contestação da 1ª Ré; os que foram alegados pela 2ª Ré nos artigos 47º a 58º e 68º da Contestação; e os alegados pela 3ª Ré nos artigos 47º a 57º e 67º da Contestação.

    Ora, é do entendimento uniforme que nem todos os factos alegados pelas partes têm de ser seleccionados para o saneador, ao Tribunal compete seleccionar os pertinentes e necessários à resolução do litígio.
    A este propósito, ensinava o Prof. Antunes Varela:
“(…)
Nem todos os factos articulados pelas partes devem figurar no questionário (ou na especificação), porque nem todos eles interessam, as mais das vezes, à decisão da causa.
E é precisamente nesta distinção, entre factos que interessam e factos que não interessam à apreciação do litígio, a fim de prevenir a instrução e discussão inútil destes últimos, que reside o ponto alto da condensação do processo. (sublinhado nosso)
(…)

No questionário, acrescenta a parte final do n.º 1 do artigo 511.°, devem ser incluídos «os pontos de facto controvertidos que devam ser provados»
Trata-se do terceiro critério selectivo da matéria de facto abrangida pelo questionário.
Neste cabem apenas os factos articulados: de entre os factos articulados, os que interessem realmente à decisão da causa; e, entre os factos articulados e relevantes, os que, tendo sido controvertidos, necessitem de ser provados. (sublinhado nosso)
Estamos assim perante uma outra face do fenómeno do saneamento do processo, a que corresponde uma forma peculiar de realização.
A selecção básica da matéria de facto em face da matéria de direito opera-se, em regra, mediante uma espécie de decantação lógica: o juiz deve deixar decantar para o questionário as ocorrências concretas que decorrem da aplicação das normas envolvidas pelas partes e pelo tribunal no litígio.
A limitação do questionário aos factos articulados traduz-se essencialmente num dever de abstenção ou omissão: o juiz não deve incluir no questionário factos que não constem das peças escritas apresentadas pelas partes na introdução da acção em juízo, sem prejuízo da ressalva aplicável aos factos instrumentais.
A selecção dos factos relevantes envolve já um acto lógico de eliminação: na elaboração do questionário, bem como da especificação, devem ser eliminados pura e simplesmente (como que arremessados para o cesto dos papéis, por inúteis) os factos que, apesar de articulados, não interessem às soluções plausíveis da questão de direito.
A redução do questionário aos factos controvertidos já não visa um fim de eliminação, mas apenas de separação ou de escolha: os factos controvertidos vão para o canal do questionário, sujeitos ao exame da prova, porque os não controvertidos se destinam ao depósito da especificação, onde ficam aguardando o teste a que os restantes vão ser submetidos.
Por ser esta a ratio da parte final do preceito contido no n.º 1 do artigo 511.º, há que entendê-la em termos hábeis (In Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 418 e seg.).

    O que se discute nos autos são as seguintes questões:
    - Para o Autor, o que ele quer é a execução específica dos contratos-promessa referentes aos 105 imóveis, uma vez que já pagou os preços totais;
    - Para as Rés, entendem que a promessa não foi cumprida por culpa do Autor/promitente-comprador porque não compareceu para outorgar os contratos-prometidos, e como tal a 1ª Ré voltou a vender tais imóveis à 2ª Ré e à 3ª Ré,
    De entre os factos alegados pelas partes, só os que tenham interesse para resolver os problemas acima indicados é que devem ser seleccionados para a BI, e não todos!
    Nesta óptica, os seguintes factos são ABSOLUTAMENTE IMPERTINENTES E DISPENSÁVEIS:
    1-) Os factos alegados nos artigos 96º a 104º, 108º a 111º, 113º a 122º e 138º, 147º e 151º da Contestação da 1ª Ré: que, para além de conter matéria de direito e matéria conclusiva, nada tem a ver com o objecto desta acção (artigo 96º a 104º da contestação da 1ª Ré (fls. 2472 a 2473 dos autos), pois:
    - Ou tais factos consistem na defesa da tese da efectiva compra e venda entre as 3 Rés (artigo 108º a 111º, cfr. 2473 a 2474); ou insistem na revenda – artigos 113º a 122º da contestação (cfr. 474 a 2475 dos autos); ou insistem no alegado efectivo pagamento do preço – artigo 138º do contestação da 1ª Ré; ou insistem na alegada interpelação extrajudicial do Autor para celebrar os contratos prometidos (artigo 147º e 151º da contestação da 1ª Ré);
    2- ) Relativamente aos factos alegados pela 2ª Ré nos artigos 47º a 58º e 68º da Contestação e os alegados pela 3ª Ré nos artigos 47º a 57º e 67º da Contestação:
     – Ou se referem aos recibos de pagamento de imposto de selo e ao facto de a 1ª Ré ter entregue as chaves de fracções autónomas à 2ª Ré (adquirente). Ora, uma coisa é pagar o imposto de selo, outra é pagar os preços efectivamente. É este facto relevante para averiguar e esclarecer no presente pleito.
    É de verificar que as Rés pretendem lançar areias aos olhos do julgador. Tais factos, para além de não serem principais, não ajudam (pelo contrário, complicam) o Tribunal a resolver o litígio em causa.
    Sendo certo que a 1ª Ré chegou a formular pedido reconvencional, pedindo ao Tribunal reconhecer que os contrato-promessa foram resolvidos a partir de 30/06/2006 (fls. 2482), só que tal pedido improcedeu, não porque os factos para esta finalidade alegados pela 1ª Ré não foram seleccionados, mas sim, os factos alegados não podem fundamentar o seu pedido, ponto este que veremos mais adiante com clareza. Aqui são duas realidades diferentes!
    Pelo que, bem andou o Tribunal recorrido, ao não seleccionar tais factos para a BI.
    Pelo expendido, julgam-se improcedentes os recursos interpostos pelas 3 Rés nesta parte.

*

    Depois, a Recorrente/1ª Ré avançou, nas suas conclusões do recurso, os seguintes argumentos, e ao mesmo tempo censurou, aproveitando a ocasião, o Tribunal a quo da seguinte forma (Estas conclusões correspondem exactamente às apresentadas pela 2ª Ré – sob os nºs 31 a 60 -, e às apresentadas pela 3ª Ré – sob os nºs XXXI a LX):
     29. Fundamentou-se a decisão da matéria de facto, nomeadamente, no relatório de fls. 5036 a 5041 e no depoimento de três testemunhas.
     30. Porém, as três testemunhas do Autor depuseram ter como razão de ciência:
     a. A 1ª testemunha: em relação aos factos passados antes de 2005 “ter ouvido dizer";
     b. A 2ª testemunha: tem apenas conhecimento indirecto que lhe adveio de documentos escritos por terceiros desconhecidos e que não se encontram nos autos e do que a 3ª testemunha lhe disse;
     c. A 3ª testemunha: apenas tem conhecimento indirecto dos factos ocorridos depois de 2006, dos restantes alguém lhe contou.
     31. Nenhuma das testemunhas teve conhecimento directo e pessoal dos factos passados até ao ano 2005.
     32. Foram incorrectamente julgados os pontos sob os artigos 12º, 13º, 14º, 20º, 23º, 30º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º da Base Instrutória.
     33. Existem nos autos concretos meios probatórios e registos que impunham sobre estes quesitos as seguintes repostas:
     34. Quesitos 12º, 13º, 14º, 20º, 23º, 41º, 42º, 43º e 44º - Não provados.
     35. Quesitos 30º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º - Provados.
     36. As sociedades comerciais são representadas pelos seus administradores e é nestes pessoalmente que deve ser feita qualquer exigência de cumprimento de obrigações.
     37. Na decisão da matéria de facto podem ocorrer várias situações, contando-se entre elas a de respostas aos quesitos com conteúdo restritivo ou explicativo.
     38. Com uma resposta explicativa concretiza-se um facto com utilidade para a decisão da causa, mantendo-se a mesma dentro da pergunta formulada, mas explicitando o seu conteúdo, sem que, no entanto, a mesma amplie a factualidade articulada pelas partes.
     39. A possibilidade excepcional de serem considerados factos que apenas resultaram da discussão da causa em audiência não se verifica neste caso.
     40. Com a resposta meramente afirmativa ao quesito 23º, negou-se a possibilidade de sindicância posterior do juízo denotativo, necessariamente resultante do raciocínio lógico-indutivo, que o tribunal a quo fez quando decidiu sobre a matéria de facto.
     41. O mínimo descritivo há-de encontrar-se, pelo menos, na indicação correcta dos sujeitos de uma determinada acção.
     42. Quando o Recorrido alega na p.i. que fez determinada coisa e a Recorrida impugna o facto porque sabe que ele não o fez porque disso não teve notícia, está vedado que possa, a posteriori, o Recorrido, através das suas testemunhas, que não ele próprio, relatar uma situação que não tem qualquer correspondência com o originalmente alegado.
     43. O tribunal a quo não deu a possibilidade à Recorrente de se pronunciar sobre a versão dos factos trazida pelas testemunhas do Recorrido para a audiência de discussão e julgamento, fundamentalmente diferente do alegado na p.i., (sic) pelo que existiu excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório - artigos 5º e 567º do CPC.
     44. O Recorrido indicou no cabeçalho da petição inicial residir em Macau na morada para a qual a Recorrente enviou os convites para a celebração dos contratos prometidos (Artigo 389.º/1-a) do CPC).
     45. A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente (artigo 351º do CC).
     46. Nessa mesma morada o tribunal tentou, em vão, convocar o Recorrido para o seu depoimento de parte.
     47. Mesmo após três tentativas de contactar o Recorrido para prestar o seu depoimento de parte, nunca o Recorrido recebeu qualquer notificação.
     48. O tribunal recorrido deveria ter considerado que o Recorrido não age de boa-fé quando indica a sua morada e que agiu em violação do princípio da cooperação (artigo 8º do CPC) e em violação do dever de cooperação do artigo 442º/2 do CPC.
     49. Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, confissão ou falta de impugnação. (artigo 549º do CPC).
     50. Se, porém, no questionário, estiverem contidas algumas questões de direito que incindindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito, as respostas do tribunal colectivo considerar-se-ão como não escritas.
     51. Há certos juízos que contêm subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que são de uso corrente na linguagem, como "pagar", "emprestar", "vender", "arrendar", "dar em penhor" e que são de equiparar a factos - Poderão figurar na selecção dos factos, apenas no caso de não constituírem o objecto do quesito, quando não constituam questões controversas.
     52. Atendendo a que só os factos concretos - não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, directamente, o sentido da decisão final do litígio - podem ser objecto de prova, tem-se considerado que o artigo 549º tem o seu campo de aplicação alargado às asserções de natureza conclusiva
     53. Mesmo que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.
     54. Dado que os presentes autos tratam, a título principal, da declaração de nulidade por simulação de contratos de compra e venda, forçoso é concluir que as expressões "vender", "não vendeu", "comprar", "a título de preço" e "enganar" devem ter-se por conceitos normativos que integram o thema decidendum - encontram-se plasmados nas específicas normas que respectivamente regulam o contrato de compra e venda (artigo 869º do CC) e a simulação (artigo 232º do CC).
     55. Quando uma proposição pressupõe o apuramento de factos concretos susceptíveis de preencher a vacuidade da expressão que comporta a ideia de manifestação de interesse de outorgar as escrituras correspondentes aos contratos prometidos, esse preenchimento implica a formulação de um juízo de valor sobre realidades factuais - as declarações, através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de manifestação de vontade, ou actos equivalentes.
     56. É "à administração das sociedades compete gerir e representar a sociedade, nos termos fixados para cada tipo de sociedade." - artigo 235.º do Código Comercial.
     57. Ao tribunal está vedado formular um juízo de valor jurídico - o de que a sociedade se considera interpelada na pessoa da ex-gerente - porque o mesmo não foi alegado pelo Autor.
     58. Se queria o Autor valer-se desses contactos tinha o ónus de alegar os factos correspondentes, pois deles não pode o tribunal conhecer oficiosamente.
     59. A consequência da representação sem poderes é a de ineficácia em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado - art. 261º, nº. 1, do Cód. Civil.
     60. A resposta do tribunal colectivo aos quesitos 12º, 13º, 14º, 20º, 23º e 24º da base instrutória deve considerar-se não escrita por conter matéria de direito, proposições conclusivas e juízos de valor.
    Começamos a ver os quesitos atacados e as respostas respectivas.
12º
     Apesar das declarações constantes nas escrituras referidos em I) e K) dos factos assentes, A 1ª Ré. não tinha qualquer intenção de vender, e não vendeu, as fracções em causa a 2ª e 3ª Ré?
13º
     Nem as 2ª e 3ª Rés tinhas intenção de as comprar?
14º
     Não tendo a 2ª Ré nem a 3ª Ré pago, naquela data ou anteriormente, a título de preço, quaisquer quantias à 1ª Ré?
20º
     As declarações constantes das escrituras públicas referidas em I) e K) foram proferidas por conluio entre as 1ª ré e 2ª ré e entre 1ª ré e 3ª Ré, com o intuito de enganar e prejudicar o Autor?
23º
     O Autor contactou, por várias vezes, com a 1ª Ré para lhe exigir o cumprimento do que havia sido acordado?
30º
     Por as fracções autónomas serem registada a seu favor, a 1ª Ré pagou as despesas de electricidade, água e condomínio das fracções autónomas referidas em D) dos factos assentes?
36º
     O autor não recebeu as cartas enviadas pela 1ª Ré para morada indicada nos contratos-promessa nem apresentou qualquer justificação?
37º
     O Autor não notificou a 1ª Ré de qualquer alteração de morada?
38º
     A partir do dia 16 de Setembro de 2008, a 1ª Ré ficou a saber que o Autor não residia já em Macau?
39º
     A 1ª Ré tentou informar-se do seu paradeiro, mas tudo se resultou infrutífero?
40º
     Com o decurso do tempo e na impossibilidade de contactar com o autor, a 1ª Ré deixou de ter interesse na realização dos contratos de compra e venda a que se refere os contratos-promessa em D) dos factos assentes?
41
     A 1ª Ré sabia que o Autor vive na China e que não possui qualquer documento que lhe permita permanecer em Macau?
42
     Por isso, não poderia receber a carta na morada constante nos contratos promessa?
43
     A morada para onde a 1ª Ré enviou as referidas cartas é o endereço duma casa pertencente a uma ex-sócia gerente da 1ª Ré, a Sra. J?
44
     A qual era indicada nos contratos-promessa como mera referência e com indicação da Sra. J?

    Os quesitos foram respondidos pelo Colectivo da seguinte forma:

QUESITO 12º:
PROVADO que apesar das declarações constantes nas escrituras referidos em I) e K) dos factos assentes, a 1ª Ré. não tinha qualquer intenção de vender, e não vendeu, as fracções em causa a 2ª e 3ª Rés.

QUESITO 13º:
PROVADO que nem as 2ª e 3ª Rés tinham intenção de as comprar.

QUESITO 14º:
PROVADO que não tendo a 2ª Ré nem a 3ª Ré pago, naquela data ou anteriormente, a título de preço, quaisquer quantias à 1ª Ré.

QUESITO 20º:
PROVADO que as declarações constantes das escrituras públicas referidas em I) e K) foram proferidas por conluio entre as 1ª e 2ª Rés e entre 1ª e 3ª Rés, com o intuito de enganar e prejudicar o Autor.


QUESITO 23º:
PROVADO que o Autor contactou, por várias vezes, com a 1ª Ré para lhe exigir o cumprimento do que havia sido acordado.

QUESITO 30º:
NÃO PROVADO.
QUESITO 35º:
PROVADO que a inscrição referida na alínea N) dos factos assentes foi cancelada nos termos constantes a fls. 4160.

QUESITO 36º:
PROVADO que o Autor não recebeu as cartas enviadas pela 1ª Ré para morada indicada nos contratos-promessa.

QUESITO 37º:
NÃO PROVADO.

QUESITO38º:
PROVADO que em 16 de Setembro de 2008, a 1ª Ré já sabia que o Autor não residia já em Macau.

QUESITO 39º:
NÃO PROVADO.

QUESITO 40º:
NÃO PROVADO.

QUESITOS 41º e 42º:
PROVADO que a 1ª Ré sabia que o Autor vive na China e não receberia cartas na morada constante nos contratos promessa.

QUESITO 43º:
PROVADO que a morada para onde a 1ª Ré enviou as referidas cartas nas respostas aos quesitos 26º e 28º é o endereço duma casa pertencente a uma ex-sócia gerente da 1ª Ré, a J.

QUESITO 44º:
PROVADO que a qual era indicada nos contratos-promessa como mera referência e por indicação da J.


    Ora, em relação a esta parte das conclusões do recurso interpostos pelas Rés, salvo o melhor respeito, padece ela de algumas confusões, porque por um lado, as Recorrentes/Rés defendem de que não devem ficar provados os quesitos 12º a 14º, 20º, 23º, 41º, 42º, 43º e 44º, depois, vêm a argumentar que tais factos devem considerar-se NÃO ESCRITOS, por conterem conclusões e matéria jurídica! Em que ficamos afinal de contas??
    
    Reanalisados com atenção todos os elementos probatórios constantes dos autos, é da nossa conclusão nesta parte:
    1) – As Recorrentes/Rés não chegaram a indicar concretamente quais os pontos fácticos que, face às provas produzidas, foram erradamente apreciados pelo Tribunal a quo;
    2) – As mesmas, em vez de cumprir o seu ónus impostos pelo artigo 628º/2 do CPC, vêm a insistir a sua versão dos factos, pretenderam impôr a sua resposta, não tendo trazido nenhuma “novidade” para este recurso;
    3) – A utilização de certos termos ou expressões jurídicas é frequente e admissível face à doutrina e jurisprudência dominantes, tal como afirma o Conselheiro António Abrantes Geraldes:
“(…) Se, em determinadas situações, de imediato podemos integrar uma determinada afirmação no campo a matéria de direito (v.g. má fé, abuso de direito, diligência do bom pai de família, culpa, imprevidência, inconsideração) ou no campo da matéria de facto (v.g. terreno, edifício, árvore, carta postal), já, com alguma frequência, se suscitam sérias dúvidas quanto ao estabelecimento da linha de demarcação entre os dois terrenos nos casos em que as expressões têm, simultaneamente, um sentido técnico-jurídico, de onde o legislador retira determinados efeitos, e um significado vulgar e corrente, facilmente captado pelas pessoas comuns (v.g. arrendamento, renda, inquilino, hóspede, proprietário, possuidor, preço, lucro, empréstimo, consentimento, etc.).
E não é despicienda a opção que o juiz tiver que tomar quanto à integração de determinada expressão ou afirmação no campo da matéria de facto ou na área da matéria de direito, já que dela pode depender o sucesso ou insucesso da pretensão deduzida pelo autor.
Numa aproximação à questão colocada, podemos já antecipar que a inclusão daquelas expressões numa ou noutra das categorias dependerá fundamentalmente do objecto da acção. (in Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, 1997, pág. 179)
    Também como refere Anselmo de Castro, “a linha divisória entre o facto e o direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é um juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes” ‒ in PCD, vol. III, pág. 270.


    4) – As provas devem ser analisadas no seu conjunto e não isoladamente, analisando criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada.
    5) – O Colectivo, ao fundamentar a sua decisão, expôs com lógica e clareza o seu raciocínio nos seguintes termos:
No que se refere aos restantes factos relacionados com a simulação, os relativos à situação financeira das 2ª e 3ª Rés estão objectivamente demonstradas pelos documentos de fls 5207.
Já os factos respeitantes ao não pagamento do preço indicado nas escritura públicas referidas nas alíneas I) e K) dos factos assentes, o tribunal deu-os como provados porque o valor total das ordens de pagamento juntos pelas Rés para demonstrar o pagamento era inferior ao valor indicado nas escrituras públicas, na ordem dos 18 milhões, para o caso da 2ª Ré, e na ordem dos 17 milhões para o caso da 3ª Ré. Nada foi alegado pelas Rés para justificar essa discrepância.
Além disso, das diligências encetadas para obter informações acerca de 10 das 24 ordens de pagamento, deparou-se que 1 das 3 ordens juntos para demonstrar o pagamento por parte da 2ª Ré, foi emitida a pedido de I, sócio-gerente da 2ª Ré desde 4 de Janeiro de 2008.
Ora, de acordo com os documentos juntos a fls 4430 a 4434 e 5018 a 5024, I é gerente da uma sociedade comercial, a Y, Limitada (sociedade que intentou a acção referidas na certidão de fls 4437 a 4444v contra o Autor para pedir o pagamento das despesas de condomínio das fracções autónomas sub judice), desde 17 de Setembro de 2003, sociedade esta de que a J era sócia-gerente desde 4 de Maio de 1999 até 17 de Setembro de 2003 e é sócio de uma outra sociedade comercial, a Z, Limitada, desde 25 de Julho de 2008 ate 10 de Março de 2010, sociedade esta de que o AA era sócio-gerente desde 25 de Agosto de 1999 até 25 de Julho de 2008.
Por outro lado, das declarações das testemunhas do Autor, o I era subordinado da J e das certidões comerciais da 1ª Ré bem como da Y, Limitada, juntas respectivamente a fls 5002 a 5017, conclui-se que tanto a J como o AA deixaram de ser sócios-gerentes destas sociedades em 17 de Setembro de 2013. Contudo, desses documentos vê-se que a J vendeu a sua quota nessas sociedades respectivamente a duas sociedades constituídas no mesmo país estrangeiro onde têm as mesmas sedes as quais são representadas pelo AA. O mesmo acontece com as quotas de AA, pois foram cedidas a outras duas sociedades constituídas também nesse mesmo país estrangeiro onde têm as mesmas sedes das duas sociedades referidas no período anterior as quais são representadas pela J.
Por força do expendido, conclui o tribunal que as ordens de pagamento juntos para comprovar o pagamento alegadamente feito pela 2ª Ré não se destinavam a este pagamento.
    (…)

Por outra banda, dado o papel da J, formalmente até 17 de Setembro de 2003 e, por via de uma das actuais sócias da 1ª Ré nos termos acima referidos, depois de 17 de Setembro de 2003, não se vislumbra razão para a J adiantar qualquer quantia à 3ª Ré sem aparente contrapartida.
Foi com base no expendido que o tribunal entendeu que não houve qualquer pagamento dos preços indicados nas escrituras públicas referidas na alínea I) e K) dos factos assentes.
No que se refere aos factos constantes dos quesitos 12º 13º e 20º da base instrutória, relativos à simulação, foi com base no contexto acima referido, em especial o litígio já existente entre o Autor e a 1ª Ré antes da data dos negócios impugnados bem como o envolvimento da J e I nas várias sociedades acima referidas, que o tribunal entendeu que os negócios em questão foram feitos nos termos indicados nesses quesitos.

    6) – Quanto aos preços alegadamente pagos pelas 2ª Ré e 3ª Ré à 1ª Ré, estando em causa a compra e vende de 105 imóveis em que envolvia quantia de avultado valor, se fosse verdadeira a compra e venda como é possível que o valor constante dos alegados recibos não batem certo com o preço total somados dos preços parcelares constantes das 105 escritura públicas? Estes factos, a provar-se, seriam favoráveis às Rés, mas estas não conseguiram fazê-lo! Não podem assim vir a dizer que lhe foi cortada a oportunidade de provar os factos. Uma afirmação estranha: o Tribunal não lhes deixa a oportunidade de provar a versão fáctica fornecida pelas testemunhas!! O que vale não é tanto a versão das testemunhas, mas sim a versão das partes, as testemunhas vêm para tentar provar a versão das partes ! E não ao contrário!
    7) – Mais, com tantas dúvidas subsistentes, ainda que se admitam que os recibos constantes de fls. 3052 a 3079 fossem verdadeiros, a soma dos valores aí mencionados também não batem certo com o valor mencionado na escritura pública de fls. 2380, e 2392, que mencionam que os preços foram MOP$79,563,000.00 e MOP$74,939,700.00, respectivamente. É muito estranha a situação, e para uma transacção com um valor pecuniário tão elevado os preços não batem certos???
    8) - Não só os preços totais que não batem certo com os alegados recibos juntos pelas Rés que suscitam dúvidas sérias:
    - Os recibos (fls. 3052 a 3080) só contêm o carimbo da 1ª Ré, não tinham assinatura do representante, nem empregadas da mesma;
    - As 2 escrituras públicas foram outorgadas em – 12/09/2008 e em 16/09/2008, respectivamente, mas dos recibos constam as datas diferentes:
    a) Em relação aos 11º, 12º e 13º andares do Edifício em causa, os “recibos” foram passados em datas diferentes:
    11/9/2008 - fls. 3072 a 3078;
    16/09/2008 – fls. 3067 a 3071;
    19/09/2008 – fls. 3063 a 3065;
    22/09/2008 – fls. 3059 a 3062;
    25/09/2008 – fls. 3058.
    b) Em relação aos 8º, 9º e 10º andares do Edifício em causa, os “recibos” foram passados em datas diferentes:
10/11/2008 – fls. 3054;
12/11/2008 – fls. 3056;
18/11/2008 – fls. 3052.
    9) - É um pouco estranho que, tratando-se de um negócio com valor tão elevado, depois da outorga das escritura públicas é que se ia pagando os preços??
    10) - Os alegados cheques (cashier orders) não foram passados por conta da 2ª Ré e 3ª Ré, ou seja, tais quantias constantes do cheques não provinham das contas bancárias da 2ª Ré nem da 3ª Ré (enquanto compradoras das 105 fracções autónomas). Isso não quer dizer o que não fosse possível, mas perante litígio, as Rés têm ónus de explicar, por que razão é que as coisas assim ocorreram. Neste ponto, e pela vista, as Rés não conseguiram dar uma resposta fundada e convincente.

    11) - Ora, conforme as informações fornecidas pelo Banco G S.A., constantes de fls. 5199 a 5206, tais cheques foram passados à ordem de uma senhora chamada J, a favor da 1ª Ré! Porquê? Para quê? Não se sabe!
    12) - Nem esta senhora chegou a explicar com franqueza e clareza quando ela mandou uma carta da Inglaterra para o mandatário da 1ª Ré, constante de fls. 5271, já acima transcrito!
    As respostas dadas são bastante esclarecedoras:
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    13) - Com isso não quer significar que os preços não podem ser pagos com dinheiro de um terceiro, pode assim ser, nomeadamente mediante empréstimos, só que tem de explicar com clareza a situação. Mas no caso, para além desta dúvida subsistente, cujo esclarecimento compete às Rés, existe ainda uma outra dúvida que as mesmas não conseguiram remover: porque a soma dos preços constantes dos alegados cheques não batem certo com o valor mencionado nas escritura públicas? Eis a falta da lógica das coisas.
    Perante este quadro de dúvidas, não resta dúvida há lugar à aplicação dos artigos 436º e 437º do CPC.
    
    14) - Por outro lado, se fosse verdadeira a compra e venda entre a 1ª Ré e a 2ª e 3ª Rés, porque é que 1ª Ré teve prejuízo no exercício da actividade comercial no ano económico de 2008 conforme os dados fornecidos pela DSF com base nas declarações fiscais da 1ª Ré??

Eis mais uma dívida que as Rés não conseguiram esclarecer!
    
    15) - Um outro ponto igualmente relevante: Segundo o preço constante de fls. 5036 a 5041, em 2008 o preço por pé quadro era de MOP$2300.00 aproximadamente, 6 andares têm cerca de 140,730 pés quadrados (para vender). Então o preço total resultante da venda rondava MOP$323,679000.00. Existe uma diferença abissal entre o preço de venda feita entre a 1ª Ré e a 2ª Ré e a 3ª Ré e o preço do mercado.
    Tem toda a razão o Colectivo, ao decidir a matéria de facto, afirmou:
    
Já os factos respeitantes ao não pagamento do preço indicado nas escritura públicas referidas nas alíneas I) e K) dos factos assentes, o tribunal deu-os como provados porque o valor total das ordens de pagamento juntos pelas Rés para demonstrar o pagamento era inferior ao valor indicado nas escrituras públicas, na ordem dos 18 milhões, para o caso da 2ª Ré, e na ordem dos 17 milhões para o caso da 3ª Ré. Nada foi alegado pelas Rés para justificar essa discrepância.
Além disso, das diligências encetadas para obter informações acerca de 10 das 24 ordens de pagamento, deparou-se que 1 das 3 ordens juntos para demonstrar o pagamento por parte da 2ª Ré, foi emitida a pedido de I, sócio-gerente da 2ª Ré desde 4 de Janeiro de 2008.
Ora, de acordo com os documentos juntos a fls 4430 a 4434 e 5018 a 5024, I é gerente da uma sociedade comercial, a Y, Limitada (sociedade que intentou a acção referidas na certidão de fls 4437 a 4444v contra o Autor para pedir o pagamento das despesas de condomínio das fracções autónomas sub judice), desde 17 de Setembro de 2003, sociedade esta de que a J era sócia-gerente desde 4 de Maio de 1999 até 17 de Setembro de 2003 e é sócio de uma outra sociedade comercial, a Z, Limitada, desde 25 de Julho de 2008 ate 10 de Março de 2010, sociedade esta de que o AA era sócio-gerente desde 25 de Agosto de 1999 até 25 de Julho de 2008.
Por outro lado, das declarações das testemunhas do Autor, o I era subordinado da J e das certidões comerciais da 1ª Ré bem como da Y, Limitada, juntas respectivamente a fls 5002 a 5017, conclui-se que tanto a J como o AA deixaram de ser sócios-gerentes destas sociedades em 17 de Setembro de 2013. Contudo, desses documentos vê-se que a J vendeu a sua quota nessas sociedades respectivamente a duas sociedades constituídas no mesmo país estrangeiro onde têm as mesmas sedes as quais são representadas pelo AA. O mesmo acontece com as quotas de AA, pois foram cedidas a outras duas sociedades constituídas também nesse mesmo país estrangeiro onde têm as mesmas sedes das duas sociedades referidas no período anterior as quais são representadas pela J.
Por força do expendido, conclui o tribunal que as ordens de pagamento juntos para comprovar o pagamento alegadamente feito pela 2ª Ré não se destinavam a este pagamento.
No que se refere à 3ª Ré, o tribunal teve ainda em conta o facto de das diligências encetadas resultou que todas as 9 ordens de pagamento com datas posteriores à data da celebração da escritura pública referida em K) dos factos assentes, foram emitidas a pedido da J. Por não se ter indagado sobre as restantes 12 ordens de pagamento juntas para comprovar o pagamento alegadamente feito pela 3ª Ré, não se sabe quem pediu a sua emissão. De qualquer maneira, perante essa certeza relativamente às 9 ordens de pagamento, as 1ª e 3ª Ré apenas juntaram o documento de fls 5271, documento este que não foi aceite pelo tribunal como meio de prova. Isto é, não apresentaram qualquer prova acerca da transferência ou reembolso das quantias constantes dessas ordens de pagamento nem justificação da falta desses dados, designadamente a existência de relações de crédito ou de empréstimo entre a 3ª Ré e a J sendo certo que as 1ª e 3ª Rés são as partes que melhor conseguem comprovar a existência dessas relações.
Por outra banda, dado o papel da J, formalmente até 17 de Setembro de 2003 e, por via de uma das actuais sócias da 1ª Ré nos termos acima referidos, depois de 17 de Setembro de 2003, não se vislumbra razão para a J adiantar qualquer quantia à 3ª Ré sem aparente contrapartida.
Foi com base no expendido que o tribunal entendeu que não houve qualquer pagamento dos preços indicados nas escrituras públicas referidas na alínea I) e K) dos factos assentes.
*

    16) – Por outro lado, a experiência diz que normalmente o preço real da transacção é superior ao declarado na escritura pública, mas no caso dos autos, o preços é o valor matricial dos imóveis! Neste ponto, o Colectivo, ao decidir a matéria de facto, afirmou:

    As respostas aos quesitos 21º e 22º da base instrutória foram dadas com base numa análise dos valores matriciais constantes das certidões dos dados matriciais juntos com a petição inicial bem como os juntos posteriormente a fls 4271 a 4357, 4952 a 4980 e 5088 em comparação com o valor constante do documento junto a fls 4445 a 4478, com tradução junta a fls 4516 a 4585, bem como com os valores constantes dos anúncios feitos em jornais.
    Desses documentos, sobressai o anúncio do jornal de fls 2458 por ser a prova mais objectiva. Ora, nesse anúncio vem indicado que o valor de mercado das fracções autónomas a que se referem os presentes autos era de HK$2.300,00 por pé quadrado, em 23 de Julho de 2008, sendo esta a data mais aproximada de entre todos as outras datas constantes dos jornais ou cópias de jornais juntos. Tendo isso em conta, entre o preço indicados nas escrituras públicas referidas em I) e K) dos factos assentes que era de cerca de MOP$1.000,00 por pé quadrado e o valor indicado no documento de fls 4445 a 4478 era de cerca de MOP$2.000,00 por pé quadrado, o tribunal considerou o valor constante deste último documento como a que mais correspondia ao valor de mercado à data da celebração das respectivas escrituras públicas.

    Verifica-se uma diferença nítida ao nível do preço do mercado e do declarado pelas Rés nas escrituras públicas.
    17) - Quanto à não recepção da carta pelo Autor enviada pela 1ª Ré para marcar a data de escrituras públicas, é mais do que evidente que tal mensagem não chegou ao poder do Autor, pois este não residia em Macau e a 1ª Ré sabia disto.
    18) – Quanto ao demais, remetemos para frente, quando analisamos o mérito da decisão em que voltaremos a tocar estes pontos conjuntamente com outas matérias.
    
    Pelo que, na falta de elementos probatórios para indicar os erros imputados ao Colectivo ao decidir a matéria de facto, é de julgar improcedente também esta parte do recurso interposto pelas Recorrentes/Rés.
*
    Prosseguindo,
    Na parte a seguir, as Recorrentes/Rés invocaram o seguinte (estas conclusões correspondem exactamente às apresentadas pela 2ª Ré – sob os nºs 61 a 103 -, e às apresentadas pela 3ª Ré – sob os nºs LXI a XCV):
     61. Os únicos factos alegados pelo Recorrido para sustentar a simulação dos contratos de compra e venda foram os relativos ao pagamento do preço.
     62. O autor não pode limitar-se a formular o pedido, a indicar o direito que pretende fazer reconhecer, tem de especificar a causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto ou acto, de que o direito procede.
     63. O ónus de alegação da matéria de facto integradora da causa de pedir está conexionado com os limites que o artigo 567º do C.P. Civil impõe à actividade decisória do tribunal, que, em princípio deve limitar-se aos factos alegados pelas partes, de modo que a falta de alegação de determinados factos constitutivos do direito do autor compromete o reconhecimento do direito de que seja eventualmente titular.
     64. A conclusão de que o negócio foi simulado apenas com o intuito de não cumprir o contrato promessa, anteriormente assinado, agindo assim em prejuízo do A. implica que as partes quiseram efectivamente realizar uma compra e venda.
     65. Na tese da sentença recorrida, a realização da venda a terceiro correspondeu à vontade da Recorrente para obstar a que as fracções fossem parar ao Recorrido.
     66. O facto de o Recorrido ter intentado uma acção de execução específica sobre as fracções, por via de reconvenção, não pode valer como sinalização inequívoca da vontade do Recorrido de haver para si as fracções.
     67. Pois, o Recorrido no primeiro processo onde requereu a execução específica das fracções em causa não obteve provimento e desistiu do respectivo recurso.
     68. A desistência do recurso, aliada ao facto de a Recorrente ter sido absolvida da instância (artigo 34º da base instrutória) pode ser interpretada como desistência do Recorrido de exercício do seu direito.
     69. Não consta dos autos matéria de facto que permita concluir pela alegada simulação dos negócios.
     70. A sanção legal para a declaração de nulidade é a falta de produção de quaisquer efeitos jurídicos, com efeito retroactivo à data da realização do negócio simulado.
     71. A Recorrida fez valer o direito a notificar o Recorrido no domicílio por este livremente escolhido - o ónus da prova da notificação à Recorrente da alteração de morada teria sempre necessariamente que recair sobre o Recorrido pois trata-se de um facto modificativo do direito da Recorrente.
     72. A alteração de morada do Recorrido não é oponível à Recorrente, por falta de notificação.
     73. Dentro dos limites da liberdade contratual pode estipular-se domicílio particular para determinados negócios - contanto que seja reduzida a escrito.(arts. 399º e 85º do CC)
     74. Na douta sentença recorrida foram impostos critérios diferentes para a prova e reconhecimento dos direitos no que concerne à efectivação das interpelações alegadas pela Recorrente e pelo Recorrido - a este foi reconhecida uma interpelação à Recorrente na pessoa de terceiro sem poderes para a receber; àquela foi sancionado o abuso de direito por ter accionado uma cláusula contratual - mesmo depois da dificuldade demonstrada nos autos em saber a morada do Recorrido.
     75. Por via da mora, o Recorrido constituiu-se na obrigação de indemnizar a Recorrente pelos danos causados pelo atraso no seu cumprimento, pois a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
     76. Era lícito à Recorrente exigir ao Recorrido o pagamento das despesas tidas com a coisa se essas despesas lhe são imputáveis a título de mora.
     77. Os factos constitutivos deste direito de indemnização, consubstanciados no facto de o Recorrido ter tornado irremediavelmente impossível a subsistência da relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrido constituíram o cerne da perda do interesse da Recorrente na realização das vendas com o Recorrido.
     78. A situação de incumprimento definitivo que proporciona ao credor o direito potestativo de resolução pode resultar da constatação de que o "programa contratual" sofreu modificação relevante ou de que a outorga do contrato, nas condições acordadas em determinado momento, em termos objectivos, já não conseguirá proporcionar ao credor as vantagens que por ele foram perspectivadas e cuja produção era possível se o contrato tivesse sido cumprido dentro de um plano de razoabilidade, ou seja, dentro de um lapso de tempo que não fosse excessivo.
     79. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.
     80. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares assinados pelos seus autores, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
     81. O domicílio electivo é especialmente talhado para obviar à indefinição resultante da falta de um domicílio fixo.
     82. Porém, o Recorrido só pode ser encontrado quando lhe convém.
     83. A douta sentença recorrida menciona a intervenção do Recorrido num processo anterior para justificar que o Recorrido podia ser encontrado, porém não menciona que nesse processo foi indicada a mesma morada de residência constante dos contratos promessa, da petição inicial que o próprio subscreveu nos presentes autos e a única que lhe era conhecida pela Recorrente.
     84. O Recorrido nem sequer alega que a Recorrente sabia o seu paradeiro, apenas que a Recorrente sabia que ele não vivia em Macau - pelo que não deveria o tribunal a quo ter concluído que era possível à Recorrente saber onde se encontrava o Recorrido.
     85. O Recorrido tinha o ónus de ter formulado no processo um pedido de anulação ou de declaração de nulidade da mencionada cláusula 5ª caso quisesse ver destruídos os efeitos da última parte da mencionada cláusula.
     86. A cláusula que estipula um domicílio electivo para um determinado contrato só pode ser afastada por acordo escrito entre as partes (art. 85º do CC);
     87. A boa-fé contratual impõe que no caso de alteração da morada constante de contrato, o contra ente notifique a contraparte dessa alteração, sob pena de lhe ser oponível a declaração negocial enviada para a morada original.
     88. A falta da indicação de nova morada é um incumprimento contratual que se presume culposo.
     89. A declaração contratual que por culpa do destinatário não é recebida considera-se eficaz. (artigo 216º/2 do Código Civil)
     90. As formalidades necessárias para que alguém fique numa situação de incumprimento definitivo não exigem que se sacralize a forma em detrimento da substância.
     91. Não devem os Tribunais exigir interpelações de quem não pretende ser interpelado!
     92. Perante as manifestações de recusa do Recorrido em cumprir, deve considerar-se imediatamente incumprida, em termos definitivos, a obrigação contratual.
     93. É fundamento para a resolução do contrato-promessa a conduta do promitente comprador traduzida no silêncio e respostas evasivas, no sentido de protelar a outorga da escritura, conduta que se manteve durante anos, pautada pela falta de colaboração exigível para fixar ele próprio a data da escritura.
     94. A douta sentença recorrida deveria ter considerado o Recorrido notificado da data, hora e local da realização das escrituras e que a sua falta injustificada conduziu à conversão da mora em incumprimento definitivo.
     95. Por outro lado, quanto ao incumprimento dos contratos promessa pela Recorrente, o Recorrido não alegou nem se deu como provado que tivesse fixado um prazo para o cumprimento,
     96. Não há interpelação se a promitente vendedora nunca foi notificada para comparecer no notário a fim de celebrar o contrato prometido.
     97. A mora é o incumprimento culposo de uma obrigação; porém à Recorrente não foi assacada a culpa nesse incumprimento.
     98. Cabia ao Recorrido o ónus de fixar uma data para o cumprimento e, no caso de desacordo em relação à data ou por falta imputável à Recorrente, tentar a respectiva marcação por via judicial, circunstância necessária de fazer operar a mora da Recorrente e pressuposto da execução específica
     99. A execução específica deixa de ser possível a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento, como sucede no caso de o bem prometido vender já ter sido alienado a um terceiro.
     100. A razão invocada pela Recorrente para a actualização do preço das fracções prometidas vender não foi a valorização dos imóveis, mas tão-só o decurso do tempo e as despesas que a Recorrente teve com as fracções.
     101. A douta sentença recorrida interpretou mal a causa de pedir alegada pela Recorrente / reconvinda ao determinar que essa causa de pedir assentava na valorização das fracções.
     102. O apelo à equidade apelava apenas ao simples decurso do tempo e às despesas duradouras com que a Recorrente arcou ao longo dos anos.
     103. Foram violadas as normas jurídicas constantes nos artigos 5º, 8º, 389º, 430º, 442º/2, 549º, 567º e 629º/4 do Código de Processo Civil; nos artigos 85º, 216º, 232º, 261º/1, 326º, 351º, 399º, 400º, 431º/1, 752º/2, 820º/3, 869º, 875º/2 do Código Civil; e nos artigos 235º e 236º do Código Comercial.
     104. O artigo 232º do Código Civil tem que ser interpretado por referência a todos os elementos constitutivos do negócio, designadamente na compra e venda, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a entrega da coisa e o pagamento do preço.
     105. O artigo 442º do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de que a falta de fornecimento de morada onde pode o Autor ser notificado para prestação do depoimento de parte equivale a falta de colaboração.
     106. O artigo 430º do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de garantir que toda a matéria de facto relevante, segundo as várias soluções possíveis de direito, deve incluir a matéria indicada na Contestação dos réus.
     107. O artigo 549º/4 do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de que todas as questões de direito, bem como as expressões que possam ser matéria de direito e que constituam o thema decidendum, bem como proposições conclusivas e juízos de valor devem ser tidas por não escritas.
    Ora, neste ponto, é da nossa conclusão:
    1) – Houve ou não compra e venda entre as Rés? Não bastam alegações abstractas, têm que ter substância material para o comprovar;
    2) – A figura de simulação visa justamente colmatar as situações em que se cria aparência (muitas vezes falsa) de negócio;
    3) – Os contratos-promessa foram celebrados em 1998 com pagamento de todos os preços, em 2003 numa outra acção o Autor já exigiu que fossem celebrados os contrato prometidos, mas tal não sucedeu por razões várias. Agora as Recorrentes/Rés, vieram a atirar a culpa ao Autor, dizendo que foi porque este estava numa situação de incontactável e logo tal ele é que violou o contrato. É uma afirmação ilógica e incrível! Em situações normais, o preço é um elemento fundamental para conclusão do negócio, se este está já pago, para o promitente-comprador, que custa celebrar os contratos prometidos? Até, poderia constituir um mandatário para outorgar as escrituras públicas! Agora, uma coisa certa e inadmissível é que a 1ª Ré, depois de receber a totalidade dos preços, veio a vender os mesmos imóveis às 2ª e 3ª Rés, alegando que o Autor não quis concluir os negócios!
    4) – Depois, as Rés vieram a dizer que o Autor chegou a desistir de instância noutro processo, o que pode concluir que o Autor não queria concluir o negócio em causa. A imaginação das Recorrentes é muito rica! Só que não temos nenhum facto concreto e objecto que seja capaz de sustentar tal conclusão. É uma presunção infundadas das Recorrentes. Por outro lado, as Recorrentes confundiram a noção de desistência de instância e desistência do pedido (artigo 237º do CPC). Na primeira situação, o desistente pode voltar a exercer o seu direito de acção, é justamente a situação dos autos.
    5) – Por último, é de recordar que a execução do contrato-promessa vigente em Macau inclina para defender preferencialmente os interesses do promitente-comprador, ideia facilmente captada pela leitura do artigo 820º do CCM.
    
    Pelo expendido, julga-se improcedente esta parte do recurso interposto pelas Recorrentes/Rés.
*

    Cingimos agora ao mérito da acção.
    Basicamente concordamos com os doutos argumentos expendidos na sentença recorrida, e acrescentamos ainda o seguinte:
    Relativamente à questão da mora e de eventual incumprimento da promessa alegada pelas Recorrentes/Rés, para além da análise feita pelo Tribunal recorrido, importa ainda realçar ainda o seguinte:
    
    É do entendimento uniforme:
    “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011).

    Aqui, há que referir subscrevermos a orientação dominante na doutrina6 e na jurisprudência7, de que, também no contrato promessa, por regra, só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato e a exigência do sinal em dobro (ou a perda do sinal, se o incumprimento for do promitente-comprador).
    Quando a prestação for ainda possível, a situação de mora poderá converter-se em incumprimento definitivo, nas seguintes situações:
    a) Quando, em consequência da mora, o credor perder o interesse na prestação, perda de interesse a apreciar objectivamente;
    b) Quando o devedor em mora não realizar a prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor;
    c) Quando o devedor declara, de forma expressa ou tácita, que não cumprirá ou não quer cumprir.
    O incumprimento referir-se-á directamente ao incumprimento da obrigação principal, que, no caso do contrato promessa se traduz na celebração da escritura definitiva – mediante a emissão da declaração negocial correspondente ao contrato prometido.
    “Se as partes nada tiverem convencionado, o regime sancionatório legalmente previsto para o sinal só tem aplicabilidade quando a obrigação incumprida for aquela ou aquelas (ou uma daquelas, se o contrato for bilateral) que constitui a relação obrigacional principal e tipificadora do contrato8”.
    “Os deveres principais de prestação constituídos através de um contrato promessa concretizam-se em obrigações de contratar: a promitente-compradora tem, como dever principal de prestação, a obrigação de comprar – de outorgar no contrato definitivo como compradora –; a promitente-vendedora tem, como dever principal de prestação, a obrigação de vender – de outorgar o contrato definitivo como vendedora 9”.
    Contudo, e uma vez que só a conclusão válida e eficaz do contrato prometido satisfará o interesse do credor, ao comportamento debitório principal encontrar-se-ão incindivelmente ligadas condutas debitórias acessórias, positivas e negativas e instrumentais da sua realização: a conservação do bem no estado em que se prometeu vender, o levantamento de um ónus ou encargo sobre ele incidente, a obtenção de documentos com vista à marcação da escritura, etc.
    Ou seja, no contrato promessa, para além da obrigação principal de celebrar o contrato final poderão emergir várias outras obrigações secundárias, levantando-se a questão de qual o regime a aplicar no caso de incumprimento de alguma delas.
    De entre as obrigações secundárias, a doutrina e a jurisprudência costumam distinguir entre:
    a) os deveres acessórios da prestação, que se destinam a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação principal;
    b) deveres secundários com obrigação autónoma.
    Por sua vez, Antunes Varela distingue ainda uma terceira subespécie, ao lado dos deveres primários e secundários de prestação, que são os deveres acessórios de conduta, “que, não interessando directamente à prestação principal, nem dando origem a qualquer acção autónoma de cumprimento (cfr., arts. 817º e ss.), são todavia essenciais ao correto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra10”.
    No seu entender, para além de muitos dos deveres acessórios de conduta, inerentes às mais variadas obrigações, se encontrarem dispersos pelo Código Civil e pela legislação avulsa11, os deveres acessórios de conduta estão hoje genericamente consagrados, na área das obrigações, através do principio geral do art. 762º, segundo o qual “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé12”.
    Também Mota Pinto reconhece esta terceira espécie de deveres, denominados de “deveres laterais”, “de comportamento ou de conduta”, “deveres de confiança ou de protecção”13 – estes deveres, contrariamente aos deveres acessórios, não autónomos da obrigação principal (ex. dever de guardar a coisa, de a embalar, transportar, etc.), não tendem a realizar aquela principal prestação, mas a tutelar outros interesses da contraparte, abrangidos no fim visado com a relação contratual14.
    A natureza dos deveres violados, a gravidade da violação e a influência da mesma na realização do fim contratual, ditarão o respectivo regime.
    Os deveres secundários, quando acessórios da obrigação principal não têm autonomia em relação ao dever principal de prestação nem atuam sobre ele, encontrando-se exclusivamente dirigidos à realização do interesse no crédito (interesse no cumprimento), constituindo-se como meros acessórios do dever primário de prestação15.
    Assim, segundo Ana Prata, se o dever incumprido for acessório ou instrumental do cumprimento da obrigação principal, os seus feitos são tipicamente absorvidos e consumidos pelo não cumprimento que ele provoca na obrigação principal16.
    Ou seja, a violação de um dever acessório da prestação principal, por se reflectir directamente no incumprimento da obrigação de contratar, podendo gerar a mora ou o incumprimento definitivo da obrigação principal, poderá acarretar a resolução do negócio.
    Já a violação de um dever secundário com prestação autónoma não acarretará, por regra, a mora da obrigação principal, nem justificará, por maioria de razão, a resolução do negócio (embora possa gerar a obrigação de indemnizar, pelos prejuízos emergentes)17.
    Como afirma Ana Sá, qualquer incumprimento de uma das várias obrigações que possam emergir do contrato promessa além da obrigação principal de celebrar o contrato final desencadeia a aplicabilidade do respectivo regime geral pertinente: “o que está excluído é que o inadimplemento de uma obrigação secundária que não se reflicta no incumprimento da obrigação de concluir o contrato principal desencadeie a aplicabilidade dos instrumentos de tutela desta ultima obrigação18”.
    Assim, segundo tal autora, “para determinar os efeitos de um qualquer incumprimento, questão essencial é, desde logo, qualificar a obrigação secundária não cumprida em função da obrigação principal, isto é, determinar a autonomia ou instrumentalidade dessa obrigação relativamente à obrigação de contratar que constitui a obrigação principal19”.
    E, segundo Mota Pinto, a violação culposa dos deveres laterais, implicando responsabilidade civil com fundamento em violação do contrato (art. 798º), podem dar à contraparte, sob certas circunstâncias, o direito de resolução, tal como se se tratasse do não cumprimento culposo do dever de prestação20.
    “Na medida em que tal violação de deveres constitui uma violação contratual positiva que ponha em perigo o fim do contrato, considerando todas as circunstâncias do caso, segundo a boa-fé, não pode ser exigida ao outro contraente a continuação do contrato e a execução das obrigações que lhe cabem, pode este recusar o cumprimento e pedir indemnização por perdas e danos pelo interesse positivo ou resolver o contrato21”.
    No caso, os factos relevantes e assentes com interesse para a decisão do assunto discutido são os seguintes:
     - O Autor contactou, por várias vezes, com a 1ª Ré para lhe exigir o cumprimento do que havia sido acordado (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
     - Todas as suas tentativas foram infrutíferas (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
     - A 1ª Ré enviou uma carta datada de 28 de Maio de 2004, cujo teor consta o documento a fls. 2492 para a morada indicada nos contratos promessa referidos em D) dos factos assentes (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
     - A qual foi devolvida pelos CTT por falta de reclamação (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
     - Em 29 de Maio de 2006, a 1ª Ré enviou novamente uma carta ao Autor para a celebração das escrituras de compra e venda, no dia 30 de Junho de 2006, pelas 12 horas, no escritório do Notário privado R, na Avenida da XX, n.º XX, Edifício XX, XXº andar XX, conforme o teor do documento a fls. 2495 e 2496, que segui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
     - O Autor não compareceu e nem se fez representar no Cartório Notarial para celebração dos contratos definitivos (resposta ao quesito da 29º da base instrutória).
    (…)
     - No processo CV2-06-0055-CAO do 2º Juízo Cível, pelo Autor foi deduzida contra a 1ª Ré uma reconvenção na qual aquele formulou um pedido de execução específico que tem por objecto as fracções autónomas mencionadas nos contratos-promessa referidos em D) dos factos assentes (resposta ao quesito da 33º da base instrutória).
     - Por decisão transitada em julgada, a 1ª Ré foi absolvida da instância da reconvenção (resposta ao quesito da 34º da base instrutória).
     - A inscrição referida na alínea N) dos factos assentes foi cancelada nos termos constantes a fls. 4160 (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
     - O Autor não recebeu as cartas enviadas pela 1ª Ré para morada indicada nos contratos-promessa (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).
     - Em 16 de Setembro de 2008, a 1ª Ré já sabia que o Autor não residia já em Macau (resposta ao quesito da 38º da base instrutória).
     - A 1ª Ré sabia que o Autor vive na China e não receberia cartas na morada constante nos contratos promessa (resposta aos quesitos das 41º e 42º da base instrutória).
     - A morada para onde a 1ª Ré enviou as referidas cartas nas respostas aos quesitos 26º e 28º é o endereço duma casa pertencente a uma ex-sócia gerente da 1ª Ré, a J (resposta ao quesito da 43º da base instrutória).
     - A qual era indicada nos contratos-promessa como mera referência e por indicação da J (resposta ao quesito da 44º da base instrutória).
     - Na carta datada de 29 de Maio de 2006, a 1ª Ré submete a outorga das escrituras e efectiva entrega das fracções a condição de pagamento de todas as despesas com a administração das mesmas, no valor aproximado de MOP$7.000.000,00 (resposta ao quesito da 45º da base instrutória).
    Perante este quadro fáctico, o Exmo. Julgador de primeira instância fez uma análise bem fundada sobre esta questão, que merece a nossa inteira concordância:
     Incumprimento dos contratos-promessa e resolução
     Segue-se, então, a apreciação dos factos relativos ao incumprimento dos contratos-promessa.
     No que a isso se refere, alega o Autor que a 1ª Ré vendeu os imóveis às 2ª e 3ª Rés em vez de cumprir a sua obrigação contratual de os vender ao Autor não obstante este ter, por diversas vezes, pedido à 1ª Ré para honrar os seus compromissos.
     A 1ª Ré, por sua vez, defende que foi o Autor quem deixou de responder às suas interpelações para a celebração dos contratos prometidos.
*
     Está provado que a 1ª Ré vendeu às 2ª e 3ª Rés os 105 imóveis prometidos vender ao Autor apesar de este ter contactado a 1ª Ré, por várias vezes, para lhe exigir o cumprimento dos contratos-promessa, tentativas essas em vão.
     Com a venda feita às 2ª e 3ª Rés, a prestação a que a 1ª Ré estava sujeita deixou de ser possível.
     Será, então, que a 1ª Ré incumpriu definitivamente os contratos-promessa nos termos do artigo 790º do CC?
     Ora, a resposta depende do que se apurou no que diz respeito ao incumprimento contratual que a 1ª Ré imputa ao Autor. É que, a 1ª Ré defende que, por força desse incumprimento, os contratos-promessa ficaram resolvidos em 30 de Junho de 2006 o que preclude a possibilidade de execução específica ou de resolução peticionada pelo Autor.
*
     Sobre essa matéria, há que ter em conta que o Autor não conseguiu demonstrar que as partes tinham combinado que os contratos prometidos seriam celebrados logo que possível. Nem consta das cópias dos contratos-promessa a data fixada para o efeito ou a forma para a sua fixação.
     Está-se, portanto, perante obrigações puras.
     Dispõe o artigo 766º, nº 1, do CC que “Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.”
     Assim, o primeiro passo a dar nessa nossa indagação é o de ver se a 1ª Ré alguma vez interpelou o Autor para cumprir as suas obrigações contratuais visto que só com a interpelação é que estas obrigações se vencem e se coloca a questão da mora do Autor como prevê o artigo 794º, nº 1, do CC.
     No caso de se provar a mora do Autor, é ainda necessário aquilatar se houve incumprimento definitivo. É que, para a almejada resolução dos contratos, não basta uma qualquer violação das obrigações contratuais. “É que, embora a mora lhe confira o direito a ser indemnizado dos danos sofridos, tal como o não cumprimento definitivo, só a falta (definitiva) de cumprimento legitima a resolução do contrato.” – cfr. Antunes Varela, ob. cit., pg 123.
     De facto, estipula o artigo 793º, nº 1, do CC, que “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.” e o artigo 797º, nº 1, do CC, que “Considera-se para os efeitos constantes do artigo 790º, como não cumprida a obrigação a obrigação se, em consequência da mora: a) O credor perder interesse que tinha na prestação: ou b) A prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor.”
     Pelo que, o incumprimento assacado ao Autor pressupõe, num primeiro momento, a mora deste e, numa fase posterior, a verificação de qualquer das hipóteses indicadas nas normas acima transcrita.
*
     Ora bem, está assente que a 1ª Ré enviou duas cartas ao Autor, uma em 28 de Maio de 2004 e outra em 29 de Maio de 2006, para a morada indicada pelo Autor nos contratos-promessa, cartas estas que o Autor não recebeu. A isso acresce que está provado que o Autor comprometeu-se a comunicar à 1ª Ré de qualquer alteração da morada. Mais consta dos contratos-promessa uma cláusula segundo a qual as cartas enviadas à última morada registada do Autor consideram-se entregues no 3º dia contados a partir do envio (cfr. cláusula 5ª dos contratos-promessa).
     Apesar de a 1ª Ré não ter logrado demonstrar que o Autor nunca a notificou de qualquer alteração da morada, o certo é que o risco de não recebimento das cartas continuava, em princípio, a correr por conta do Autor por força da convenção livremente estabelecida.
*
     Contudo, não é de menosprezar a seguinte circunstância constante dos factos assentes: a 1ª Ré sabia que o Autor vivia no Interior da China e não receberia cartas na morada constante dos contratos-promessa, morada esta indicada como mera referência e por indicação da ex-sócia da 1ª Ré a qual é o endereço de uma casa pertencente a esta mesma sócia.
     Nos termos do artigo 326º do CC “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
     A citada cláusula 5ª faz, de facto, recair sobre o Autor o ónus de notificar a 1ª Ré da alteração da sua morada sob pena de se considerarem recebidas as cartas enviadas por esta para a morada constante dos contratos-promessa e de ter que arcar com as eventuais consequências negativas do não recebimento das cartas. Ou seja, a culpa será do Autor se este não receber as cartas enviadas para essa morada.
     Essa cláusula destina-se, pois, a garantir que a comunicação que a 1ª Ré tiver que fazer ao Autor possa chegar ao destinatário sem transtornos nem encargos injustificados para aquela. Tem manifestamente um fim económico, pois serve para regular a normal execução dos contratos-promessa.
     Ora, estando provado que a 1ª Ré sabia que o Autor não vivia na morada para onde foram enviadas as cartas e não as receberia, com a agravante de esta mesma morada ter sido indicada apenas como mera referência por indicação da ex-sócia da 1ª Ré e ser a morada de uma casa pertencente a esta mesma sócia, é manifesto que a 1ª Ré não fez uso do direito constante da cláusula sub judice com a finalidade nela prevista: tornar fácil e expedito para a 1ª Ré a comunicação que esta tem que fazer ao Autor. Com efeito, a 1ª Ré sabia muito bem que o Autor não iria responder às eventuais solicitações feitas nessas cartas porque este, não vivendo aí, não teria conhecimento das mesmas. Logo à partida estava arredado o efeito útil do envio das cartas tendo a 1ª Ré pleno conhecimento deste facto. No entanto, ainda assim, enviou as cartas para essa morada para cumprir uma mera formalidade alegando depois que foi por culpa do Autor que as mesmas não foram recebidas, fazendo-o incorrer em mora e em incumprimento contratual. A 1ª Ré actuou manifestamente de má fé.
*
     Nem se diga que, por força da cláusula em análise, o Autor tinha que dar conta da morada onde podia ser contactado. É que, a proibição do exercício abusivo do direito tem por base o princípio da boa fé previsto no artigo 752º, nº 2, do CC segundo o qual “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.”
     É certo que o Autor nem sequer alegou que tinha notificado a 1ª Ré da nova morada onde podia ser encontrado. Isto é, o Autor não cumpriu o ónus decorrente da cláusula 5ª dos contratos-promessa. Mas não é menos verdade que, à data em que foram expedidas as referidas cartas, o Autor não podia ser contactado aí, facto que era do perfeito conhecimento da 1ª Ré. Por força desse conhecimento, a actuação da 1ª Ré nunca pode ser considerada de boa fé, pois esta devia ter tentado outros meios ao seu alcance para proceder à notificação do Autor. Ora, nada consta dos autos de que essas tentativas foram feitas. Isso mesmo depois de as partes estarem em pleno litígio no processo CV2-06-0055-CAO no qual o Autor, ali Réu, interveio apresentando a sua contestação/pedido reconvencional de execução específica no dia 27 de Fevereiro de 2007 (cfr. certidão de registo predial donde consta o registo da reconvenção, designadamente a fls 68 dos presentes autos). Frisa-se, pedido de execução específica, ou seja, cumprimento contratual para o qual a 1ª Ré pretendia do Autor nas duas cartas em discussão. A isso acresce que a própria 1ª Ré alega que, em finais de 2008, alguns representantes voluntários do Autor compareceram no edifício onde se encontram as fracções autónoma prometidas vender (cfr. artigos 90º e 144º da contestação da 1ª Ré). Novamente, a 1ª Ré não aproveitou a ocasião, quando podia, para fixar um prazo para o Autor cumprir por forma a preencher o requisito previsto no artigo 797º, nº 1, b), do CC.
     Por força dessas circunstâncias, não se pode deixar de considerar ilegítimo o exercício do direito que essa cláusula contratual atribuiu à 1ª Ré, com o que se deve seguir o regime geral relativo à perfeição das declarações negociais.
*
     Preceitua o artigo 216º, nº 1, do CC “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chaga ao seu poder ou é dele conhecida; … .”
     Por estar provado que o Autor não recebeu as cartas e nenhum facto da matéria assente demonstra que o Autor tinha conhecimento do teor das cartas, nada resta senão considerar não regularmente transmitidas as declarações constantes das cartas ao Autor.
     Fica, portanto, afastado o alegado pela 1ª Ré de que o Autor foi interpelado para cumprir, o que impede a verificação da mora e do incumprimento a este imputados.
*
     Mesmo que assim não se entenda, ainda assim, o envio da carta de 29 de Maio de 2006 não produz o efeito pretendido pela 1ª Ré.
     Se é verdade que o teor da carta do dia 28 de Maio de 2004 demonstra claramente que a mesma se destinava a pedir ao Autor para cumprir a sua obrigação, ou seja, que se tratava de uma interpelação extrajudicial destinada a fazer vencer a obrigação bem como fazer o Autor incorrer em mora se este não respondesse ao pedido, o apelo feito na carta de 29 de Maio de 2006 já não permitia converter a mora em incumprimento definitivo nos termos previstos no artigo 797º, nº 1, b), do CC como pretende a 1ª Ré.
     Se bem atentarmos no teor da carta de 29 de Maio de 2006 junta a fls 2495 a 2496, verifica-se que a 1ª Ré, ao fixar a data de 29 de Junho de 2006 como data para a celebração dos contratos prometidos, condicionou a outorga destes contratos ao pagamento prévio de MOP$7.000.000,00 correspondentes a despesas relacionadas com as fracções autónomas prometidas vender, nelas incluindo as despesas de condomínio, o foro e as despesas administrativas, despesas estas ainda não pagas pelo Autor, segundo a 1ª Ré.
     Porém, a condição foi imposta ilegitimamente.
     Olhando de novo às relações contratuais estabelecidas entre o Autor e a 1ª Ré, através dos 105 contratos-promessa, constata-se que a obrigação recíproca das partes era a de celebrar os respectivos contratos definitivos de compra e venda. Tendo o Autor pago a totalidade do preço, a única prestação ao mesmo exigível é a emissão da declaração prometida.
     Contrariamente ao que defende a 1ª Ré nas suas alegações de direito, a obrigação de pagar as despesas de condomínio, foro e despesas administrativas do passado mencionadas na carta, a existir, não resulta dos contratos-promessa ora em análise nem interfere nesta relação contratual estabelecida entre o Autor e a 1ª Ré.
     É certo que a cláusula 8º desses contratos prevê a obrigação de pagamento das despesas de condomínio e de ar condicionado das fracções autónoma. Tal obrigação pressupõe obviamente a entrega das fracções autónomas ao Autor ou a celebração das escrituras públicas de compra e venda.
     A própria 1ª Ré tem vindo a defender que nunca houve entrega das fracções autónoma ao Autor. Também não está provado que houve essa entrega. Por outra banda, as partes ainda não celebraram as escrituras públicas de compra e venda.
     Ora, não sendo uma obrigação decorrente dos contratos-promessa, não podia a 1ª Ré condicionar a celebração dos contratos prometidos ao pagamento dessas despesas. Vistas as coisas do lado da 1ª Ré, esta não podia excepcionar o seu não cumprimento com o não pagamento citadas despesas. Com efeito, a excepção de incumprimento pressupõe o sinalagma entre as obrigações em jogo como decorre do artigo 422º, nº 1, do CC.
     Pelo que, a interpelação feita com a carta do dia 29 de Maio de 2006 não pode ser enquadrada como correspondente à situação prevista no artigo 797º, nº 1, b), do CC.
*
     Nem o decorrer do tempo mesmo aliado à necessidade de a 1ª Ré suportar as despesas de administração, foro, etc das fracções autónoma prometidas vender tem o efeito de fazer a 1ª Ré perder interesse na prestação do Autor como sustenta aquela no artigo 155º da sua contestação.
     É que, tendo o Autor pago a totalidade do preço, dos contratos-promessa, por si, não pode resultar nenhum prejuízo designadamente o de a 1ª Ré ficar vinculada aos contratos sem ter a disponibilidade do preço ou boa parte do preço durante esse tempo todo.
     A existência de despesas que a 1ª Ré alegadamente tem vindo a suportar tem primordialmente a ver com a responsabilidade com que a parte que deu causa ao atraso tem que arcar.
     A relevância dessas despesas, para os efeitos do 797º, nº 1, a) do CC, pressupõe a mora do Autor. Como decorre da análise acima feita, não houve mora por parte do Autor. A isso acresce que nenhum facto permite afirmar que essas despesas efectivamente existiram no valor indicado na carta de 29 de Maio de 2006. Nem o montante nela invocado face ao valor do preço já integralmente pago pelo Autor faz concluir que é fundada a perda de interesse por parte da 1ª Ré na prestação do Autor, perda esta aferida em termos objectivos como preceitua o artigo 797º, nº 2, do CC.
*
     Uma vez que nenhum outro facto permite considerar que se verificou alguma das situações previstas no artigo 797, nº 1, do CC acima transcrito, não se pode dizer que houve incumprimento contratual por parte do Autor.
     Improcede necessariamente o pedido de resolução dos contratos-promessa formulado pela 1ª Ré.

    Antes de acrescentarmos aqui alguns argumentos jurídicos adicionais, não é supérfluo ver o conteúdo das 2 cartas referidas, enviadas pela 1ª Ré ao Autor:
*
    A primeira carta tem o seguinte teor:

A先生大鑒:
本律師是B, Limitada之代表律師。
根據閣下與B, Limitada於一九九九年二月訂立之承諾樓宇買賣合約內容,閣下應繳納所承諾購入位於澳門XX地LOTE XX之“XX商業中心”XX樓XX座及XX樓XX座、XX座寫字樓用途單位,上述樓宇立契手續已開始辦理多時,惟閣下却一直拖延,迄今仍未辦理有關手續。請閣下儘快與本律師樓聯絡安排簽契手續。
另外,請於本函發出日起計15天之期限內支付予B, Limitada該公司為閣下墊支之政府地租及房屋稅、有關過期利息及一切行政開支,否則,一切法律後果將全部由閣下承擔,本律師將循一切法律途徑追討。
耑此奉達,順頌
財祺﹗

XX大律師
二零零四年五月二十八日

    É do teor da segunda carta:

A先生
新口岸XX街XX大廈
第二期六樓N座

事項:催促辦理簽契手續
尊敬的徐先生 閣下,
本人代表“B, Limitada”即XX商業中心,現稱“XX商業中心”之大業主,就上述事項致函 閣下。
閣下與我們的當事人於1999年2月8日就XX商業中心105個寫字樓單位(八至十二樓“A”,“B”,“C”,“D”,“E”,“F”,“G”,“H”,“I”,“J”,“K”,“L”,“M”,“N”,“O”,“P”,“Q”,“R”座及十三樓“A”,“B”,“C”,“D”,“H”,“I”,“J”,“K”,“L”,“M”,“N”,“O”,“P”,“Q”,“R”座)簽立了105份承諾買賣合約,但至今 閣下仍然未向我們的當事人提出上述單位簽訂買賣契約的日期。
故此,本信旨在通知 閣下,我們的當事人要求閣下於本年六月三十日,上午十二時於R私人立契處 - XX大馬路XX號XX大廈XX樓XX座簽訂上述單位之買賣契約。請於收到本信後十五天內,書面通知本人,閣下是否願在上述日期簽立有關單位之契約,同時繳付上述單位欠交之所有款項。當中除了欠交管理公司之管理費外,閣下仍需向我們的當事人繳付欠交之政府地租及其他行政費用,約澳門幣柒佰萬元正。因為所有欠交款項必須在立契前繳付,以便閣下履行有關承諾買賣合約之規定。
若屆時,本人沒有收到閣下之任何回覆,我們的當時人將對 閣下缺席簽契理解為閣下無意履行有關承諾買賣合約之規定,並採取相應之法律行動,不作另行通知。
對上述事項如有任何垂詢,請於辦工時間內與本人聯絡。
順頌
安康

R律師
2006年5月29日
抄送:B, Lda.
    Ora, delas podemos tirar as seguintes conclusões:
    1) – Na primeira carta a 1ª Ré pediu ao Autor pagar as despesas adicionais ligadas aos imóveis “vendidos”;
    2) – Na segunda carta, a 1ª Ré não chegou a dizer expressamente a resolução dos contratos, limitando-se a dizer que iria adoptar diligências necessárias de natureza jurídica. Mas o que eram??
    3) – Pelo que, não pode concluir que a 2ª carta continha uma interpelação admonitória nos termos legalmente fixados.
    4) – Mais, tais cartas foram devolvidas, ou seja, as mensagens não chegaram ao poder do Autor.
*
    Ao nível de direito, é da nossa conclusão:
    A denominada “interpelação admonitória” consiste na concessão de um prazo suplementar razoável ao devedor, com a advertência de que, caso não cumpra, se considerará definitivamente incumprida a obrigação (artigo 797º/1 do CCM).
    Ou seja, incorrendo o devedor em mora, a lei atribui ao credor a faculdade de fixar ao devedor um prazo suplementar razoável – mas peremptório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio.
    A interpelação admonitória deve conter três elementos:
    a) Intimação para o cumprimento;
    b) Fixação de um termo peremptório;
    c) Admonição ou cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.
    No caso não foi feita interpelação legalmente fundada.
    
    João Batista Machado adverte22 não valer para o efeito a interpelação em que o credor se limite a ameaçar o devedor com uma compra de cobertura ou o convide a declarar-se pronto a cumprir dentro do prazo fixado. Também não é suficiente para o efeito em causa a declaração pela qual o credor se reserve o direito de resolver o contrato, na hipótese de ele não ser cumprido dentro do novo prazo.
    Este raciocínio vale perfeitamente para o caso dos autos.
    Pelo expendido, o recurso nesta parte será de improceder.
*
    Quanto à simulação, é de realçar ainda o seguinte para além do dito na douta sentença recorrida:

    Secundando o explicitado pelas Recorrentes, é indubitável que a acção declarativa da qual este recurso emerge tem como fundamento a simulação do negócio de compra e venda dos imóveis, objecto das escrituras públicas celebradas entre a 1ª Ré e a 2ª Ré e a 3ª Ré.
    Nesta matéria, o artigo 232º do CCM dispõe:
1. Se, por acordo entre declarante e declaratário e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.
    O negócio simulado, diz-nos o n.º 2 do art. 232º do CCM, é nulo.
    Nestes termos, a simulação é a divergência intencional entre o que se quer (a vontade) e o que se diz (a declaração), procedente de um acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros.
    São requisitos cumulativos da simulação:
    1º - A divergência intencional entre a declaração negocial e a vontade real (o declarante não só tem consciência da divergência entre a vontade declarada e a real, mas quer ainda, de uma forma livre e propositada, emiti-la nesses termos);
    2º - A existência de um conluio simulatório (pactum simulationis) em que as partes declaram ter realizado um acto que, na verdade, não quiseram realizar;
    3º - O intuito de enganar ou iludir terceiros (o animus decipiendi), que não se confunde com o intuito de prejudicar, isto é, de causar um dano ilícito (animus nocendi).
    O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação (art.º 335.º, n.º 1, do CCM).
    Se, em determinado caso concreto, não ocorrer o circunstancialismo fáctico integrador dos requisitos enunciados, poderá verificar-se qualquer falta ou vício de vontade, mas não, seguramente, o da simulação.
    Quanto às formas ou modalidades que a simulação pode revestir importa fazer duas distinções:
    Uma primeira, com relevância em sede de legitimidade para a acção de simulação, é a que se estabelece entre a simulação inocente e a simulação fraudulenta, que se distinguem pelos propósitos que animam os simuladores (cfr. art. 234º, n.º 2, in fine do CCM).
    Quanto só houve o intuito de enganar ou ludibriar terceiros, sem os prejudicar, a simulação diz-se inocente; quando feita com o intuito não só de enganar mas também de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar qualquer disposição legal, a simulação apelida-se de fraudulenta.
    Uma segunda distinção, bastante mais relevante, é a que se estabelece entre simulação absoluta e simulação relativa.
    A simulação diz-se absoluta quando os simuladores fingem realizar um certo negócio jurídico e, na verdade, não querem realizar negócio jurídico algum. Será relativa quando as partes pretendem realizar, de facto, um negócio, mas para iludir terceiros encobrem-no com um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por outras palavras, os simuladores fingem celebrar um negócio jurídico diverso daquele que na realidade querem concluir.
    Enquanto que na simulação absoluta há um só negócio jurídico, o negócio simulado, na simulação relativa, além do negócio simulado, também designado por aparente ou fictício, existe um negócio oculto ou real, o negócio dissimulado.
    Esta distinção é muito importante, pois enquanto em caso de simulação absoluta o negócio é nulo (art. 232º, n.º 2 do CCM), à simulação relativa aplica-se o princípio do aproveitamento do negócio jurídico: invalidado o negócio simulado, pode ser que fique a valer entre as partes o negócio dissimulado ou real (cfr. art. 233º do CCM).
    A prova do acordo simulatório (e do negócio dissimulado) por terceiros é livre, dado que a lei não admite qualquer restrição, podendo ser feita por qualquer dos meios normalmente admitidos na lei: confissão, documentos, testemunhas, presunções.
    
    Conforme resulta dos argumentos profusamente explicitados pelas Recorrentes, as suas objecções centram-se essencialmente no alegados pagamentos feitos (de forma abstracta).
    Certo é que, em termos alegatórios, o processo comporta duas versões fácticas distintas sobre a mesma realidade:
    - De um lado, temos a versão do A, os quais alegam que os negócios impugnados são nulos, por simulação, na medida em que, entre outras objecções, não obstante o declarado pelas intervenientes na formalização dos negócios, as mesmas não envolveram o pagamento de qualquer contrapartida monetária, ou seja, nem o preço declarado, nem qualquer outro valor.
    - De outro lado, está a versão apresentada pelas Rés, as quais, impugnando os factos que são susceptíveis de retractar a verificação de negócios simulados, pugnam pela validade de tais negócios, mais afirmando que os respectivos pagamentos foram feitos, mas não tem provas, até alegaram que chegaram a pagar “várias quantias” (sic) (vidé o artigo 68º da contestação da 2ª Ré).
    Ora, tendo presente esta realidade processual, e à semelhança do propugnado pelo tribunal recorrido, perante os documentos requisitados pelo Tribunal junto da DSF (fls. 5207) e os próprios documentos apresentados pelas Rés (fls.5271), a conclusão só poderá ser a seguinte: não foram feitos pagamentos dos preços respectivos tal como estão fixados nas escrituras públicas respectivas.
    Neste ponto, a Exma colega de primeira instância fez uma análise exaustiva e bem fundamentada nos seguintes termos:
     Execução específica dos contratos-promessa de compra e venda
     Afastado o incumprimento contratual imputado ao Autor, resta o facto objectivo de a 1ª Ré ter entretanto vendido os imóveis às 2ª e 3ª Rés apesar de o Autor ter contactado a 1ª Ré, por várias vezes, para lhe exigir o cumprimento dos contratos-promessa, tentativas essas em vão.
     Para obstar a procedência da pretensão do Autor, a 1ª Ré, nas suas alegações de direito, defende que nunca foi invocada a mora da 1ª Ré, pressuposto indispensável para o pedido de execução específica.
     Por parte das 2ª e 3ª Rés, também nas suas alegações de direito, concluíram que o Autor não logrou provar que houve mora por parte da 1ª Ré no cumprimento da sua obrigação contratual porque ficou apenas provado que o Autor contactou, por várias vezes, com a 1ª Ré para lhe exigir o cumprimento do que havia sido acordado.
*
     Nada de mais incorrecto.
     Flui da parte inicial da exposição das pretensões e da matéria de facto invocada pelo Autor que este alegou que, apesar das suas sucessivas interpelações para a celebração das respectivas escrituras públicas de compra e venda, as mesmas nunca vieram a ser outorgadas. O Autor alegou os respectivos factos nos artigos 31º e 32º da petição inicial.
     Isto quanto ao que defende a 1ª Ré.
     Relativamente às 2ª e 3ª Rés, estando provado que o Autor pediu à Ré para cumprir o acordado sem que os contratos definitivos tivessem sido outorgados (cfr. facto constante da alínea H) dos factos assentes e respostas aos quesitos 23º e 24º da base instrutória), não se compreende como é que se pode dizer que não houve mora.
     Pergunta-se, tendo as normas dos artigos 766º, nº 1, e 794º, nº 1, do CC presente, o que é preciso mais para fazer vencer uma obrigação pura para poder considerar o contraente relapso como tendo entrado em mora?
     Conclui-se, pois, que a 1ª Ré estava em mora porque não respondeu aos pedidos de celebração dos contratos prometidos feitos pelo Autor.
*
     Para além da mora, os factos provados demonstram que a 1ª Ré incumpriu definitivamente os contratos-promessa.
     É que, provada a venda invocada pelo Autor e afastado o incumprimento contratual prévio que a 1ª Ré imputa ao Autor, o único enquadramento só pode ser o da impossibilidade culposa prevista no artigo 790º, nº 1, do CC como foi já aventado mais acima.
*
     Assente a mora e o incumprimento contratual por parte da 1ª Ré, urge agora analisar se o pedido de execução específica pode proceder.
     Dispõe o artigo 820º, nº 1, do CC que “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.”
     Desse preceito vê-se que a execução específica almejada pelo Autor pressupõe o não cumprimento da promessa por parte da 1ª Ré e a possibilidade da sua realização coerciva.
     No que se refere ao não cumprimento, pode-se colocar a questão de saber se a norma em questão está a referir-se à mora ou ao incumprimento definitivo.
     Segundo o Acórdão da Relação de Porto, de 27 de Setembro de 1999, BMJ, 489º, 403, “É possível o recurso à execução específica de um contrato-promessa tanto no caso de simples mora, como nas hipóteses em que a obrigação se considere definitivamente não cumprida em consequência do contraente faltoso não ter realizado a prestação no prazo para tal fixado pelo contraente fiel, desde que este último continue a ter interesse na prestação e esta ainda seja física e legalmente possível.”
     Assim, em vão foram os esforços das 2ª e 3ª Rés ao defenderem nas suas alegações de direito que apenas a mora é que legitima a execução específica.
     Bem vistas as coisas, a questão suscitada pelas 2ª e 3ª Rés tem a ver com o segundo requisito previsto no artigo 820º, nº 1, do CC acima transcritos: o da possibilidade de realização coerciva.
     É que, está provado que a 1ª Ré vendeu os imóveis discutidos nos presentes autos às 2ª e 3ª Rés facto que fez sair os bens do património da 1ª Ré. Assim, se os respectivos negócios jurídicos mantivessem incólumes, a realização coerciva deixar-se-ia de ser possível.
     Uma vez que mais acima se decidiu julgar procedente o pedido de declaração de nulidade desses negócios, por força dos efeitos jurídicos da nulidade previstos no artigo 282º do CC, os bens em questão voltam a integrar a esfera jurídica da 1ª Ré, com o que deixou de ter o obstáculo referido no parágrafo anterior.
     Por todo o expendido, é de julgar procedente o pedido de execução específica.
    Quanto ao demais, mantêm-se os argumentos constantes da sentença recorrida, uma vez que os factos assentes não permitem sustentar a tese defendida pelas Rés.
    Pelo que, a decisão recorrida merece, assim, plena confirmação, não obstante com argumentos acrescentados (artigo 631º/5 do CPC), improcedendo as conclusões das Recorrentes/Rés.
*
    OUTRAS QUESTÕES DE NATUREZA PROCEDIMENTAL:
I
    Uma outra questão lateral que a 2ª e 3ª Rés invocaram é a de que o Autor, ao celebrar os contratos-promessa em causa, não cumpriu a lei do imposto do selo, e como tal os contratos não podem ser atendidos no Tribunal (cfr. artigo 49º do Imposto do Selo). .
    Ora, é uma questão inútil, porque o artigo 66º da Lei do Imposto do Selo fixou um prazo de prescrição de 5 anos, como tais contratos foram celebrados em 1998, já passou o prazo do exercício do poder tributário pela Fazendo Pública.
    Pelo que, torna-se inútil apreciar esta questão invocada pelas Recorrentes/Rés, julgando-se, deste modo, improcedente este argumento invocado pela 2ª e 3ª Rés.
    Aliás, nem se diga quanto às procurações forenses (com valildade de um ano ou menos tempo) passadas pela 3ª em Taiwan a favor do seu mandatário (advogado de Macau), que padeciam do mesmo vício, não tendo cumprido o disposto na lei de imosto de selo de Macau!!!
II
    Na sequência da confirmação da sentença de primeira instância, fica prejudicado o conhecimento dos recursos interlocutórios interpostos pelo Autor por força do disposto no artigo 628º/2 do CPC.
    O mesmo se diga em relação ao recurso subordinado interposto pela 1ª Ré contra o despacho de fls. 4228, por força do disposto no artigo 587º/3 do CPC.
*
III
    Uma nota final sobre o despacho proferido pelo ex-relator deste processo, constante de fls. 6397/v, que tem o seguinte teor:
O requerimento da juncão dos documentos a fls.6377 e s.s. e as questões suscitadas e ao pedido formulado pelo Autor mediante o requerimento a fls.6386 serão objecto da apreciação em sede do Acórdão que se debruça sobre os recursos.


    Ora, depois de subirem os autos a este TSI, as Rés vieram a juntar documentos aos autos (fls. 6378 a 6383) mediante o requerimento de fls. 6377, que foram notificados ao Autor, tendo este vindo a profunciar-se mediante o requerimento de fls.6386 a 6391, pugnando pelo indeferimento do pedido e destrenhamento dos documentos em causa, já que os mesmos já se encontram juntos aos autos.
    Ora, compulsados os elementos dos autos, verifca-se que tais documentos já foram juntos autos na fase da instrução do processo – fls. 3052 a 3057 dos autos. Não se trata de documentos supervenientes, nem servem para provar factos supervenientes, falta por isso fundamento legal para os juntar no momento da decisão dos recursos.
    Pelo que, tais documentos não podem ser admitidos, por não reunirem os pressupostos do 616º do CPC, e como tal devem ser devolvidos.
    
    Pelo expendido, vai indeferido o pedido da Recorrente/2ª Ré, procedendo ao desentrenhamento desses documentos de fls. 6377 a 6383 e à sua devolução à apresentante, condenando-se esta na multa em 4 UCs (artigo 616º e 468º do CPC).
*
    Quanto ao demais, mantém-se o decidido pelo Tribunal recorrido.
*
    Síntese conclusiva:
    I - O depoimento de parte é um dos meios de prova admitidos em Processo Civil, e tem em vista possibilitar a obtenção de confissão de factos, em juízo, pela parte a quem são desfavoráveis. Ao requerer-se o depoimento da parte, devem ser discutidos os factos sobre que há-de recair, devendo aqueles ser pessoais ou ser daqueles que ela deva ter conhecimento. O que se pretende com o depoimento de parte é a confissão de determinada realidade favorável à outra parte nos termos do artigo 345º do Código Civil de Macau. Não reunindo estes requisitos, deve ser indeferido o pedido nestes termos formulados.
    II - O sigilo bancário não é um direito absoluto, podendo ceder perante outros direitos assegurados pelo poder público, designadamente o de acesso à administração e realização da justiça. Por isso, não só nos casos em que o juiz pode dispensar a confidencialidade, relativamente aos elementos de identificação, residência, profissão, entidade empregadora ou qualquer outro elemento que permita identificar a situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente (artigo 8º/4 do CPC), mas também em todos os casos em que esteja em causa a necessidade de administração da justiça, designadamente por tal informação ou elemento ser essencial à descoberta da verdade, à produção de prova que por outra forma não seja possível e à decisão da causa, pode tal sigilo ser dispensado. O mesmo se diga em relação às informações tributárias das partes do processo, quando reputadas como essenciais à descoberta da verdade material, o que justifica a requisição feita pelo Tribunal junto da DSF.
    III - Nos contratos-promessa, para além da obrigação principal de celebrar o contrato final poderão emergir várias outras obrigações secundárias. De entre as obrigações secundárias, a doutrina e a jurisprudência costumam distinguir entre:
    a) Os deveres acessórios da prestação, que se destinam a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação principal;
    b) Deveres secundários com obrigação autónoma.
    Os deveres secundários, quando acessórios da obrigação principal não têm autonomia em relação ao dever principal de prestação nem atuam sobre ele, encontrando-se exclusivamente dirigidos à realização do interesse no crédito (interesse no cumprimento), constituindo-se como meros acessórios do dever primário de prestação.
    IV - A violação de um dever secundário com prestação autónoma não acarretará, por regra, a mora da obrigação principal, nem justificará, por maioria de razão, a resolução do negócio (embora possa gerar a obrigação de indemnizar, pelos prejuízos emergentes).
    V - A denominada “interpelação admonitória” consiste na concessão de um prazo suplementar razoável ao devedor, com a advertência de que, caso não cumpra, se considerará definitivamente incumprida a obrigação (artigo 797º/1 do CCM). A interpelação admonitória deve conter três elementos:
    a) Intimação para o cumprimento;
    b) Fixação de um termo peremptório;
    c) Admonição ou cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.
    VI - Não valer para o efeito a interpelação em que o credor se limite a ameaçar o devedor com uma compra de cobertura ou o convide a declarar-se pronto a cumprir dentro do prazo fixado. Também não é suficiente para o efeito a declaração pela qual o credor se reserve o direito de resolver o contrato, na hipótese de ele não ser cumprido dentro do novo prazo. Acresce ainda que a 1ª Ré sabia que o Autor residia na China e a morada mencionada nos contratos-promessa servia de mera referência e foi aposta por uma ex-administradora da 1ª Ré, e consequentemente a carta foi devolvida. Ou seja, a declaração não chegou ao poder do seu destinatário.
    VII - São requisitos cumulativos da simulação:
    1º - A divergência intencional entre a declaração negocial e a vontade real (o declarante não só tem consciência da divergência entre a vontade declarada e a real, mas quer ainda, de uma forma livre e propositada, emiti-la nesses termos);
    2º - A existência de um conluio simulatório (pactum simulationis) em que as partes declaram ter realizado um acto que, na verdade, não quiseram realizar;
    3º - O intuito de enganar ou iludir terceiros (o animus decipiendi), que não se confunde com o intuito de prejudicar, isto é, de causar um dano ilícito (animus nocendi).
    O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação (art.º 335.º, n.º 1, do CCM).
    VIII - Tendo presente esta realidade processual, e à semelhança do propugnado pelo tribunal recorrido, perante os documentos requisitados pelo Tribunal junto da DSF (fls. 5207) e os próprios documentos apresentados pelas Rés (fls.5271), a conclusão só poderá ser a seguinte: não foram feitos pagamentos dos preços respectivos tal como estão fixados nas escrituras públicas respectivas.
    IX - Uma vez que foi julgado procedente o pedido de declaração de nulidade dos negócios por simulação, por força dos efeitos jurídicos da nulidade previstos no artigo 282º do CC, os bens em questão voltam a integrar a esfera jurídica da 1ª Ré, com o que deixou de ter o obstáculo para decretar a execução específica dos 105 contratos-promessa pedida pelo Autor. Pelo que, bem andou o Tribunal recorrido ao julgar procedente o pedido nestes termos formulados e consequentemente é de manter a decisão recorrida.

*
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *

V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*
    Custas pelas Recorrentes.
*
    Registe e Notifique.
*
RAEM, 16 de Dezembro de 2019.
_________________________
Fong Man Chong
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
José Maria Dias Azedo




    


1 Processo redistribuído em 11/04/2019, conforme a deliberação do CMJ, de 04/04/2019

2 Antunes Varela et al., Manual de Processo Civil, 2ª Ed. Coimbra Editora, 1985, p 245.
3 Ana Prata, “O Contrato Promessa e o seu Regime Civil”, Almedina, pp. 780-781
4 Cfr., Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Promessa de Contrato, Promessa de Sinal e Resolução”, anotação ao Ac. do TRC de 12.02.2008, in Cadernos de Direito Privado, nº 25, Janeiro/Março 2009, p. 45
5 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
6 Cfr., entre outros, João Calvão da Silva, “Sinal e Contrato Promessa”, 11ª ed., Almedina 2006, pág. 123 a 128, e “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 4ª ed., pag. 299, Ana Prata, “O Contrato Promessa e o se Regime Civil”, Almedina, pp. 780-781, Manuel Januário da Costa Gomes, “Em Tema de Contrato Promessa”, 6ª reimpressão, p. 27, nota 4, e pp. 48 e 49, José Carlos Brandão Proença, “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, A Dualidade Execução Específica – Resolução”, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. António Ferrer Correia, 1984, Coimbra 1987., p. 115, e 117 a 1126, em especial, pp. 125, e 154 e 155.
7 Cfr., entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 03.10.2010, de 28.06.2011, relatados por Moreira Alves, e de 12.11.2009, relatado por Garcia Calejo, 06.10.2011, relatado por Lopes do Rego, e 06.07.2011, relatado por Granja da Fonseca, disponíveis in http://www.dgsi.pt.jstj.
8 Ana Prata, obra citada, p. 777.
9 Cfr., Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Promessa de Contrato, Promessa de Sinal e Resolução”, anotação ao Ac. do TRC de 12.02.2008, in Cadernos de Direito Privado, nº 25, Janeiro/Março 2009, p. 45.
10 Cfr., “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª ed., Almedina, p. 126.
11 Como ex. de tais deveres acessórios de conduta, Antunes Varela aponta: o dever do depositário de dar conhecimento da privação ao depositante (art. 1188º, nº1, do CC), e o dever do locatário de “avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador” (al. h), do art. 1038º do CC). No seu entender, trata-se de um dever de que não respeita diretamente, nem à preparação nem à perfeita (correta) realização da prestação debitória (principal), mas que interessa ao regular desenvolvimento da relação locatícia, nos termos em que ela deve processar-se entre contraentes que agem honestamente e de boa-fé nas suas relações recíprocas – obra citada, pp. 126-127.
12 Obra citada, pp. 128-129.
13 Compreendendo deveres de informação (sobre as qualidades, o uso da coisa, etc.), de notificação (p. ex., do sinistrado no seguro, do arrendatário na locação), de consideração e de deferência, de custódia e conservação, de cuidado para com a pessoa (p. ex., condições de segurança do trabalhador), de colaboração com a contraparte para lhe evitar possíveis prejuízos, como o manejo de uma arma de fogo que se vende.
14 “Cessão da Posição Contratual”, Colecção Teses, Almedina, 1982, pp. 264-265.
15 Neste sentido, Mota Pinto, “Cessão da Posição Contratual”, p. 337.
16 Cfr., “O Contrato Promessa e o seu Regime Civil”, Almedina, Agosto 2001, pag. 657.
17 Cfr., neste sentido, Acórdão do STJ de 09.03.2010, relatado por Moreira Alves, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
18 Obra citada, p. 655.
19 Obra citada, pp. 656.
20 “Cessão da Posição Contratual”, pp. 341 e 342.
21 Mota Pinto, obra citada, pp. 269, nota (2).
22 “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in João Batista Machado, Obra Dispersa, scientia ivridica Braga – 1991, p. 165.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------





2015-483-A- simulação-preço-105-imóveis 234