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Processo n.º 1058/2019/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 16/Dezembro/2019

Requerente:
- A

Entidade requerida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, de nacionalidade chinesa, titular do passaporte da República Popular da China, com sinais nos autos, vem, nos termos do artigo 120.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, de 15.8.2019, que indeferiu o pedido de renovação da sua autorização de residência temporária na RAEM.
O requerente invoca que o acto administrativo lhe causa prejuízo de difícil reparação, e que não há grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão, nem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, vem oferecer o merecimento dos autos.
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O Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Interpretando o despacho suspendendo de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 115º do CPA bem como em articulação e coerência com a Proposta n.º 2243/2006/01R (doc. no (2/2) do P.A.), podemos chegar a concluir que o mesmo consiste em indeferir o pedido da renovação da autorização da residência temporária anteriormente concedida ao Requerente.
Em harmonia com as jurisprudências pacíficas, trata-se in casu de um acto administrativo de conteúdo negativo com vertente positiva, por causar indirectamente a alteração da statu quo do Requerente, traduzida em perder o estatuto de residente não permanente de Macau.
À luz do disposto na alínea b) do art. 120º do CPAC, verifica-se a idoneidade do objecto, no sentido de que será susceptível de suspensão da eficácia o referido despacho. Resta-nos apurar se in casu se preencherem os três requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC.
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No actual ordenamento jurídico de Macau, formam-se doutrina e jurisprudência pacíficas e constantes que propagam que são, em princípio geral, cumulativos os requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes por o deferimento exigir a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si. (Viriato Lima, Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ 2015, pp. 340 a 359, José Cândido de Pinho: Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ 2013, pp. 305 e ss.)
O requisito da alínea a) do n.º 1 do art. 121.º do CPAC (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto administrativo tenha a natureza de sanção disciplinar. (cfr. Acórdãos no TUI nos Processos n.º 33/2009, n.º 58/2012 e n.º 108/2014)
E, em princípio, cabe à requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do mencionado n.º 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º 799/2011 e n.º 266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (cfr. Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º 1106, do TUI nos Processos n.º 33/2009 e n.º 16/2014, do TSI no Processo n.º 266/2012/A)
Bem, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (cfr. Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º 1123, do TSI nos Processos n.º 17/2011/A e n.º 265/2015/A)
A maior ou menor dificuldade em contabilizar prejuízos em acção judicial não constitui, em princípio, fundamento para considerar preenchido o requisito da alínea a) do n.º 1 do art. 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso. (cfr. Acórdão no TUI no Processo n.º 4/2016)
No caso sub judice, acontece na realidade que “從衛生局的資料顯示,“B(澳門)有限公司”獲發的“藥物工業生產准照”已於2016年11月12日屆滿,但尚未提出續期申請,然則廠房已不具藥物的許可。另外,該局又指曾於2016年7月19日派員對上述公司廠房進行稽查,而根據有關報告,顯示該廠房已停止運作,因此,該公司並沒有維持其最初申請獲批准時的營運狀況。” (vide. alínea (3) do ponto 7 da sobredita Proposta n.º 2243/2006/01R)
Ora bem, a prática cessação da actividade produtiva do estabelecimento fabril supra aludida torna notoriamente inverosímeis os prejuízos arrogados pelo requerente nos arts. 10º a 12º do Requerimento Inicial, e é impensável que a imediata execução do despacho suspendendo provocará prejuízo de difícil reparação ao Requerente. E a inverosimilhança acima apontada indicia a incredibilidade da personalidade do mesmo.
Tudo isto aconselha-nos a concluir que não se verifique in casu o requisito prescrito na alínea a) do n.º 1 do art. 121.º do CPAC, pelo que o pedido de suspensão de eficácia do Requerente não pode deixar de cair em terra, ficando assim desnecessário indagar os restantes requisitos.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço.”
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Cumpre decidir.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta indiciariamente provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da providência:
Ao requerente foi concedida, em 25.5.2011, pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, autorização de residência temporária, com fundamento em investimento relevante, por um período de 3 anos.
O investimento teve por base a constituição e manutenção de uma sociedade comercial, validamente constituída ao abrigo da legislação de Macau.
O requerente é administrador da referida sociedade, residindo em Macau, onde tem a sua actividade profissional e de onde provêm os seus rendimentos.
Com a execução do acto administrativo, o requerente deixará de poder exercer a sua actividade profissional, porquanto não terá título suficiente para residir e trabalhar em Macau.
Perdendo, desse modo, a sua fonte de rendimento e deixando abandonados os “comandos” da sociedade comercial.
A sociedade por si explorada é lucrativa e contribui em larga escala para a diversificação da economia de Macau, tendo contratado trabalhadores locais mas, por causa da execução do acto administrativo, se vê em risco de continuidade.
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A prova dos factos resulta da confissão da entidade recorrida.
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O caso
O requerente efectuou um investimento relevante, tendo-lhe sido concedida autorização de residência temporária na RAEM, pelo período de 3 anos.
Por despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, foi indeferido o pedido de renovação da sua autorização de residência temporária na RAEM.
Pede agora o requerente a suspensão de eficácia do referido acto administrativo.
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Acto negativo com vertente positiva
Dispõe o artigo 120.º do Código do Processo Administrativo Contencioso que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Assim, o pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo só é admissível quando o acto for positivo ou, tendo conteúdo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em crise consiste no indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência do requerente na RAEM, o qual consubstancia um acto de conteúdo negativo mas apresenta uma vertente positiva, uma vez que com a execução do acto, o requerente irá perder o estatuto de residente não permanente da RAEM.
Sendo assim, somos a concluir que a eficácia do referido acto é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisemos, em seguida, se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência requerida.
Prevê-se no artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
De facto, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, face aos elementos carreados aos autos.
Bastará a falta de um deles para que a providência requerida seja indeferida.
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No tocante aos dois requisitos negativos, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a ser interposto em sede própria estará enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, nem cremos que a eventual suspensão de execução do acto praticado pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pelo que entendemos estarem verificados os requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Urge saber, por último, se está verificado o requisito previsto na alínea a) daquele mesmo artigo, e para o efeito, compete ao requerente alegar e demonstrar a existência do prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto.
Tem-se entendido que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo próprio interessado.
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.2
É o que se decidiu no Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo n.º 328/2010/A:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No mesmo sentido, decidiu-se ainda no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 37/2013, que “cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente”.
No caso vertente, alega o requerente que a execução imediata do acto administrativo lhe causará prejuízos incalculáveis e de difícil reparação, porquanto está em risco a gestão de uma sociedade comercial que foi considerada relevante pelo IPIM, colocando também em causa os postos de trabalho dos trabalhadores locais que lá prestam serviços.
É verdade que, com o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência, o requerente fica impedido de permanecer e gerir por si próprio a sociedade que explorava na RAEM, mas não alegou em que termos se traduz essa incalculabilidade dos prejuízos. De facto, se o requerente vier a obter provimento no seu recurso, nada impede que se intente acção de indemnização por eventuais prejuízos sofridos durante o período em que esteve inibido de exercer a sua actividade comercial.
Sendo assim, não se vislumbra, a nosso ver, que tais possíveis prejuízos sejam incalculáveis. Antes pelo contrário, tais prejuízos, a existirem, serão sempre determináveis e reparáveis através de mecanismo indemnizatório.

E no que se refere à perda de postos de trabalho dos trabalhadores locais que lá prestam serviços, tal alegação não é pertinente para o caso.
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no âmbito do Processo n.º 56/2011, com o qual concordamos: “O requerente não pode vir a defender os interesses de um terceiro, atento o disposto no artigo 33.º do CPAC, pelo que tais prejuízos não relevam como integradores do requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.”

Nesta conformidade, por não se ter logrado a alegação e prova da irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, vai o pedido indeferido.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pelo requerente A.
Custas pelo requerente, fixando a taxa de justiça em 5 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 16 de Dezembro de 2019
Tong Hio Fong
Fong Man Chong
Lai Kin Hong
   Subscrevo o presente Acórdão sem prejuízo da minha posição já tomada, na declaração de voto de vencido que juntei nomeadamente aos Acórdãos tirados nos Processos nºs 815/2011 e 619/2012/A, em 22MAR2012 e 19JUL2012 respectivamente, em relação aos actos chamados negativos sem/com vertente positiva.

Mai Man Ieng
1 Diogo Freitas do Amaral, Lições de Direito Administrativo, vol. III, Lisboa, 1989, pág. 155
2 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2ª edição, CFJJ, pág. 310
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Suspensão de Eficácia n.º 1058/2019/A Pág. 15