Processo nº 598/2018
Data do Acórdão: 16DEZ2019
Assuntos:
Incidente de liquidação em execução da sentença
Livre apreciação de provas
Caso julgado
Non liquet quanto à extensão ou aos elementos que o habilitam a quantificar os danos patrimoniais.
Equidade
SUMÁRIO
1. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique o erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.
2. Desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, sempre colocado numa posição privilegiada graças à imediação, em princípio, não é sindicável.
3. Não se tratando de uma nova acção declarativa, antes um incidente tão só para determinar os valores já contidos na condenação, o incidente da liquidação nunca pode culminar com a decisão que afecta os direitos já reconhecidos por uma decisão judicial transitada em julgada, sob pena da violação do caso julgado.
4. Na esteira desse entendimento, a falta da prova para a demonstração dos elementos necessários à quantificação da extensão das prestações exequendas nunca pode conduzir à improcedência da liquidação e à consequente extinção da execução.
5. No regime da obrigação de indemnização, a lei nunca permite ao Juiz que omita simplesmente a decisão ou decida não arbitrar qualquer indemnização à parte a quem tenha reconhecido o direito de ser indemnizado, pura e simplesmente por falta de provas ou por non liquet quanto à extensão ou aos elementos que o habilitam a quantificar os danos patrimoniais.
6. Antes pelo contrário, a lei consente, senão impõe o tribunal, quer na acção declarativa quer no incidente da liquidação inserido na execução, o recurso à equidade, para quantificação de danos patrimoniais – artº 560º/6 do CC.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 598/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
Por apenso à acção declarativa de processo comum de trabalho, registada sob o nº LB1-15-0150-LAC, corre a presente execução que se funda na sentença condenatória proferida naquela acção declarativa.
No incidente da liquidação das obrigações exequendas suscitado no requerimento inicial desta execução instaurada por A, Autor daquela acção declarativa, contra a B, SARL (doravante simplesmente designada por B), Ré daquela acção declarativa, foi proferida a seguinte decisão que julgou totalmente improcedente a liquidação das obrigações exequendas e em consequência, declarou extinta a execução:
I. Nos presentes autos de execução, vem o exequente A pedir a liquidação de indemnização a título dos vários subsídios, compensações e bonificações cuja liquidação não depende de simples cálculo aritmético, requerendo que a parte ilíquida seja fixada no montante de MOP$321,442.00.
Alegando, em síntese, que
No processo comum de trabalho a que os presentes autos apensam, a executada foi condenada a pagar ao exequente, a título de subsídio de alimentação, compensações de descanso semanal, de descanso compensatório, de trabalho extraordinário de 30 minutos de cada turno, de trabalho extraordinário por turnos, de feriado obrigatório e bonificações adicionais incluindo gorjetas, o montante que vier a liquidar em execução de sentença.
O exequente esteve ao serviço de Ré entre 22 de Janeiro de 2001 e 11 de Junho de 2003.
O exequente prestou um total de 829 dias de trabalho efectivo.
Entre 22/01/2001 a 11/07/2003 a Executada pagou aos trabalhadores residentes (guardas de segurança) uma quantia que variava entre HK$6.500,00 a HK$7.500,00 por mês a título de bonificações e/ou gorjetas.
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Para tanto, juntou os documentos a fls.15 a 21.
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Cite a executada, foi contestada a liquidação.
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Realiza-se a audiência e julgamento ao abrigo do disposto do art. 691º e 676º do C.P.C.
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O Tribunal é competente e o processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II. Realizado o julgamento, resultaram-se provados os seguintes factos:
Por acórdão de 01 de Junho de 2017, transitado em julgado, a executada foi condenada a pagar ao exequente, a título de alimentação, compensações de descanso semanal, de descanso compensatório, de trabalho extraordinário de 30 minutos de cada turno, de trabalho extraordinário por turnos, de feriado obrigatório e bonificações adicionais incluindo gorjetas, o montante que vier a liquidar em execução de sentença (fls. 512 a 538, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
O exequente gozou 24 dias de férias anuais, ausentando da RAEM entre 04/06/2001 e 28/06/2001, entre 23/03/2002 e 16/04/2002 e entre 06/03/2003 e 29/03/2003;
Até 26 de Setembro de 2002 a Executada pagou aos trabalhadores residentes (guardas de segurança) uma quantia que variava entre HK$6.500,00 a HK$7.500,00 por mês a título de gorjetas (Fls. 19 a 21, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
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Os factos constantes dos art. 2º, 15º, 16º, 18º, 19º, 25º a 31º, 33º, 34º e 39º do requerimento da execução já estão incluídos nos factos provados no douto acórdão de fls. 512 a 538 dos autos principais.
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Não estão provados, por falta da prova, os outros factos alegados pelos exequente e executada, nomeadamente:
O exequente prestou um total de 829 dias de trabalho efectivo.
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Não deu resposta quanto aos factos impertinentes, aos factos conclusivos e à matéria ou questão de direito.
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Fundou-se a convicção do Tribunal na conjugação do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento com os documentos constantes dos autos, conforme a avaliação que infra se exporá.
As respostas dadas aos factos supra referidos como provados baseiam-se nomeadamente no acórdão de fls. 512 a 538 nos autos principais e nos documentos de fls. 15 a 21 e 71 a 76 dos autos.
Quanto aos dias em que o exequente prestou trabalho, ou seja, o trabalho efectivo, o Tribunal entende carecer das provas suficientes para se dar resposta positiva. Muito embora as duas testemunhas digam que o Autor não pôde dar qualquer falta ao trabalho, não leva ao Tribunal acreditar essa parte do depoimento, tendo em conta que, a testemunha C reconhece que é o Autor quem lhe disse que não deu nenhum dia de falta do trabalho excepto das férias, e que, pelas instâncias do Tribunal, as duas testemunhas não têm certeza até nem sabiam em que dias ou período o Autor tenha prestado trabalho e em que dias ou período o mesmo tenha dado falta ou tenha gozado férias anuais. Isto só leva a ter, conforme a regra de experiência da vida, uma conclusão de que as testemunhas só acreditam e acham subjectivamente o referido “facto” mas não depõem objectivmente o mesmo com a sua memória e com o que elas presenciaram. Por isso, o Tribunal não acredita essa parte do depoimento. Também não valem muito os registos de saída e entrada da fronteira de Macau e os documentos das fls. 71 a 76 porque com eles só consegue provar negativamente os referidos períodos em que o Autor gozou férias anuais e ausentou de Macau, mas não consegue provar positivamente os dias restantes em que ele prestou efectivamente trabalho sem que desse faltas ou dispensas de trabalho, dispensas de trabalho que foram provados no n. 7 do acórdão de fls. 512 a 538 nos autos principais.
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III. Está em causa a liquidação de indemnização a título de de alimentação, compensações de descanso semanal, de descanso compensatório, de trabalho extraordinário de 30 minutos de cada turno, de trabalho extraordinário por turnos, de feriado obrigatório e bonificações adicionais incluindo gorjetas em função da efectividade de serviço por parte do exequente.
Por acórdão transitado em julgado e proferido na acção ordinária, a executada foi condenada a pagar ao exequente os referidos subsídios, compensações e bonificações em relação ao período de relação laboral estabelecida entre ambos, porém, o montante desses créditos depende de liquidação por falta de conhecimento dos dias efectivos de prestação de serviço e do montante das gorjetas pago aos trabalhadores residentes, no momento da prolação da sentença.
No caso subjudice, prova-se que as gorjetas pagas pela executada aos trabalhadores variavam HK$6.500,00 a HK$7.500,00, consoante pessoa por pessoa. No entanto, quantas é que a executada deve pagar ao exequente a título de gorjetas? Será HK$6.500,00, HK$7.000,00, HK$7.500,00 ou outro montante? Não sabemos, e por isso não podemos computar o montante exacto das gorjetas devidas ao exequente durante o período em que o mesmo reclamou.
Por outro lado, não se consegue provar no presente caso o número dos dias em que o exequente prestou trabalho à executada, facto que é também essencial para proceder à presente liquidação.
Por isso, não pode deixar de julgar improcedente, por não provada, o pedido da liquidação.
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Por outro lado, nos termos do art. 686º do CPC, ex vi do art. 1º do CPT, “A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, quando esta o não seja em face do título executivo.” A liquidez das obrigações exequendas constitui um dos pressupostos processuais que condiciona a iniciativa e o prosseguimento do processo de execução. Pois, a falta dela leva, mesmo declarada oficiosamente, à extinção da execução (art. 703º do CPC).
No caso subjudice, dúvida não resta que a presente execução deve ser declarada extinta oficiosamente por não se verificar a liquidez das obrigações exequendas.
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IV. Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a liquidação das obrigações exequendas, e, em consequência, declara-se extinta a presente execução.
Custas pelo exequente.
Registe e Notifique.
Notificado o exequente e inconformado com este despacho que lhe julgou improcedente a requerida liquidação e declarou extinta a execução que moveu contra a B, vem o exequente A recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:
1. Versa o presente recurso sobre a Sentença proferida em 16/03/2018, na qual foi julgado totalmente improcedente, por não provado, o pedido de liquidação formulado com vista a apurar as obrigações exequendas que haviam resultado da Decisão anteriormente tomada pelo Tribunal de Segunda Instância (Proc. n.º 307/2017) e nos termos da qual a Recorrida (B) foi condenada a pagar ao Recorrente a indemnização correspondente ao subsídio de alimentação, trabalho prestado em dias de descanso semanal, descanso compensatório, trabalho extraordinário e por turnos, feriados obrigatórios e ainda bonificações adicionais, incluído gorjetas, nos montantes que viessem a ser liquidados em sede de execução de sentença;
2. Salvo melhor entendimento, ao concluir pela improcedência da liquidação, por falta de prova, a Decisão Recorrida enferma de um conjunto de erros processuais e de vícios de Direito que põem em causa quer a sua razoabilidade e bondade, quer a sua certeza e rigor jurídico, razão pela qual deve a mesma ser declarada nula e sem efeito e substituída por outra que condene a Recorrida nos termos que constam do requerimento de liquidação apresentado pelo Recorrente.
Mais detalhadamente,
3. Com vista a liquidar as quantias indernnizatórias constantes da Decisão do TSI, o ora Recorrente intentou junto do Tribunal de 1.ª Instância uma Acção Executiva para pagamento de quantia certa com pedido de liquidação, na qual especificou os valores que considerava compreendidos em cada uma das prestações devidas e concluído por um pedido líquido de Mop$321,442.00, tal qual determina o art. 690.º, n.º 1 do CPC;
4. Do referido requerimento foi a Executada (leia-se, a Recorrida) citada para, sob cominação legal, nos termos dos arts. 690.º, 695.º e 400.º do CPC, contestar a liquidação apresentada pelo Exequente no prazo de 20 dias (Cfr. “Carta para Citação”, constante de fls. 27);
5. Em sequência, a Executada (leia-se, Recorrida), ao abrigo do art. 691.º, n.º 1 do CPC, veio juntar aos autos o que designou por OPOSIÇÃO À LIQUIDAÇÃO, terminado o referido articulado da seguinte forma: "(...) requer que seja recebida a presente oposição e considerada procedente por provada. Se por mera hipótese assim, não se entender, requer-se que seja ordenada a notificação do Exequente para contestar, querendo. seguindo-se os demais termos do processo ordinário de declaração" ;
6. A ser assim, salvo melhor opinião, está o Recorrente em crer que a Executada (leia-se, Recorrida) não terá apresentado qualquer Contestação ao Requerimento de liquidação formulado pelo Exequente (leia-se, ora Recorrente), tendo antes optado por apresentar a sua defesa por meio de Embargos, o que apenas seria admissível se apresentado conjuntamente com a Contestação (art.º 692.º, n.º 2) e que não parece ter sido o caso;
7. De onde se impunha - contrariamente ao que terá sido o entendimento do Tribunal a quo - que à falta de contestação por parte da Executada fosse aplicada a cominação respectiva: considerar-se fixada a obrigação nos termos requeridos pelo Exequente e, em concreto, dando-se por assente que o Exequente prestou um total de 829 dias de trabalho efectivo, conforme por si alegado no seu requerimento executivo, ordenando-se depois o seguimento da execução;
8. Não o tendo feito, está o Recorrente em crer que a Sentença Recorrida se encontra inquinada por um vício de erro na aplicação do Direito, porquanto o Tribunal a quo não terá avaliado devidamente as consequências da falta de Contestação à liquidação por parte da Executada - conforme o impunha o disposto nos arts. 690.º, n.º 2 (parte final) e 691.º, n.º 3 do CPC - razão pela qual deve a mesma Sentença ser julgada nula e substituída por outra que, para os devidos e legais efeitos, fixe a obrigação nos termos oportunamente formulados pelo Exequente, e, em concreto, dê por assente que o Exequente prestou um total de 829 dias de trabalho efectivo, o que desde já e para os legais efeitos se invoca e requer.
Se assim se não entender, sem prescindir,
9. Ressalvado o devido respeito pelo Princípio da livre apreciação da prova por parte do órgão decisor, está o Recorrente em crer que o Tribunal a quo terá falhado aquando da análise crítica da matéria de facto provada e, bem assim, da sua necessária conjugação com a prova documental e testemunhal apresentada e/ou produzida pelo Exequente (leia-se, Recorrente), deixando revelar a existência de um erro grave ao nível do julgamento da matéria de facto, que em caso algum poderá deixar de ser devidamente reapreciado e corrigido pelo douto Tribunal de Recurso, no âmbito dos seus poderes de sindicância;
10. Em concreto, denota-se, desde logo, uma grave contradição entre a decisão Recorrida e a própria Decisão Exequenda na parte em que nesta última se condena a Recorrida a pagar ao Recorrente as bonificações adicionais, incluindo as gorjetas, que pagava aos operários residentes em Macau;
11. Com efeito, resultando da matéria de facto provada em sede de liquidação de sentença que: “até 26 de Setembro de 2002 a Executada pagou aos trabalhadores residentes (guardas de segurança) uma quantia que variava entre HK$6.500,00 a HK$7.500,00 por mês a título de gorjetas” e, tendo sido expressamente sublinhado pelo TSI que: “(...) basta que se tenha provado que a 1ª ré venha pagando bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas(...) para automaticamente ficar incursa na responsabilidade de as pagar também ao autor demostrada se mostra a condição para que a Recorrida fique automaticamente obrigada a pagar tais quantias ao ora Recorrente;
12. E a ser assim, impunha-se ao Tribunal a quo a tarefa de determinar, em concreto, as quantias a pagar pela Recorrida ao Recorrente, a título de bonificações adicionais (v.g. gorjetas), tendo por base os valores mínimos e máximos em que as mesmas (quantias) foram pagas ao trabalhadores residentes, tal qual devidamente apurado na matéria de facto, e sem que o ao Tribunal a quo fosse permitido abster-se de julgar, ou julgar “improcedente a liquidação”, por falta de prova, porquanto tal decisão se mostra em total contradição com a Decisão Exequenda tomada pelo Tribunal de Recurso a respeito da mesma matéria, procedendo, sem mais, à total ablação de um direito que já anteriormente havia sido reconhecido ao ora Recorrente, o que desde já e para os legais efeitos se invoca;
A isto acresce que,
13. Do confronto dos registos de entrada e saída do Recorrente nos postos fronteiriços (junto sob o doc. 1 com o Requerimento de Execução) seria possível ao Tribunal a quo ter igualmente concluído pelo número de dias de trabalho prestado ou, pelo menos, pelo número de ausências e períodos de dispensa ao trabalho;
14. Com efeito, provado que o exequente gozou de 24 dias de férias anuais, tendo-se ausentado da RAEM entre 04/06/2001 a 28/06/2001 (o que perfaz 25 dias), e entre 23/03/2002 e 16/04/2002 (o que perfaz 25 dias), daqui resulta que, pelo menos 2 (dois) dos referidos dias de ausência terão sido dias de dispensa ao trabalho, porquanto se tratam de dias que vão para além do período de 24 dias férias gozados pelo Recorrente em cada um dos referidos anos;
15. De onde se retira que, para efeitos do apuramento do número de dias de ausência ao trabalho (v.g., por gozo de férias e/ ou dispensa), resulta da prova documental junto aos autos que o Recorrente teve um total de 72 dias de férias e 2 dias de faltas, resultando ainda dos mesmos registos de movimentos que nenhuma das referidas ausências ocorreu em dia de feriado obrigatório, razão pela qual também por aqui se pode concluir ter o Exequente prestado trabalho nos referidos dias.
Ao que acresce que,
16. Resultando da matéria de facto assente que a Ré (leia-se, Recorrida) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, daqui igualmente se teria de concluir que, pelo menos, 49 dias de trabalho por ano o Recorrente terá efectivamente prestado à Recorrida, correspondente ao total dos dias de descanso semanal pelo mesmo não gozados;
17. Por outro lado, o teor das Certidões de Rendimentos juntas anteriormente pela Ré revela-se igualmente um importante “indício” no sentido de concluir que para além dos dias de férias (72 dias) e de dispensa (2 dias) já apurados, o Autor não terá dado outras faltas ou gozado de outros períodos de dispensa, pelo menos, não remunerados, porquanto, se assim fosse, em caso algum os mesmos se poderiam deixar de reflectir no total do salário mensal auferido pelo Autor, o que manifestamente não ocorreu;
18. De resto, resulta da experiência de vida e, em concreto, das rígidas políticas da Ré em matéria laboral - já conhecidas pelas várias Instâncias em largas dezenas de processos envolvendo ex-trabalhadores da Ré - nos termos das quais se sabe não serem permitidas faltas injustificadas, não serem conferidos dias de descanso semanal, etc., e resultando do ponto 7 do Contrato de Prestação de Serviço n.º 5/96 - ao abrigo do qual o Autor foi recrutado e prestou a sua actividade (Cfr. ponto 2 (B) da matéria de facto) - que: será causa imediata de cessação do contrato e imediato repatriamento a situação de doença por período cuja duração previsível seja superior a 15 dias, bem como o casamento e a gravidez das trabalhadoras femininas não será difícil concluir, com elevado grau de razoabilidade, que não terão existido outros períodos de “ausência” para além dos supra indicados pois, de contrário, a Recorrida teria prescindido dos serviços de segurança do Recorrente e, nomeadamente, não tendo requerido junto das autoridades locais a sua renovação de permanência em Macau, o que não se provou ter acontecido;
Importa, em qualquer dos casos, dizer o seguinte,
19. Está o ora Recorrente em crer que um outro aspecto terá escapado aquando da correcta démarche dos presentes autos, e traduzido no facto de o Tribunal a quo não ter convocado o disposto no art. 691.º, n.º 2 do CPC, quando conclui pela falta de prova produzida pelos litigantes;
20. Com efeito, conforme tem sido pacificamente aceite ao nível da doutrina e jurisprudência comparada (mas que se acredita corresponder totalmente à sufragada pela doutrina e jurisprudência de Macau):
“I - A liquidação de uma sentença destina-se tão só à concretização do objecto da sua condenação, com respeito do caso julgado da sentença liquidanda, não sendo permitido às partes tomar uma posição diferente ou mais favorável do que a já assumida na acção declarativa.
II - Quando a prova produzida pelos litigantes (em incidente de liquidação) for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial- artº 380º, nº 4, CPC1.
III - Da leitura do citado normativo resulta não só que as regras do ónus da prova não funcionam no caso do incidente de liquidação de sentença, mas, e sobretudo, que nunca poderá o incidente de liquidação vir a ser julgado improcedente por falta de prova.
IV - Não sendo suficiente a prova produzida pelas partes, para se proceder à liquidação do crédito em causa, deverá o julgador levar a efeito a prossecução de tal objectivo oficiosamente, ultrapassando a situação de non liquet com a produção de prova (suplementar) que julgue adequada para o efeito (v.g. pericial).
V - Se mesmo depois disso não for ainda possível atingir tal desiderato, deverá então e a final julgar-se a liquidação de acordo com a equidade, ou seja, fazendo um julgamento ex aequo et bono – artºs 4°, al. a) e 566.°, n.° 3, do Código Civil” (Cfr. Ac. Relação de Coimbra, Proc. n.° 249/2000.C1, de 04/12/2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt);
21. De onde, tendo o Tribunal a quo concluído terem sido insuficientes os “factos alegados pelos exequente e executada, nomeadamente, que o exequente prestou um total de 829 dias de trabalho efectivo”, sempre se impunha ao mesmo Tribunal a quo que, oficiosamente, devesse completar tais factos, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial (art. 691.º, n.º 2 do CPC) e, em último caso, que procedesse ao julgamento da causa com recurso à equidade, nos termos em que a mesma é permitida e admitida à luz do nosso Ordenamento jurídico (art. 560.º, n.º 6 do Código Civil);
22. Não o tendo feito e antes concluído pela improcedência da liquidação - por falta de prova - tal deixa adivinhar a existência de uma clara violação ao caso julgado já formado na Decisão Exequenda e anteriormente tomada pelo Tribunal de Segunda Instância e nos termos da qual já havia sido expressamente reconhecido ao ora Recorrente o direito a auferir da Recorrida um conjunto de importâncias indemnizatórias a título de subsídio de alimentação, trabalho prestado em dia de descanso semanal e compensatório, gorjetas, e que, agora, contraditoriamente, lhe veem a ser negadas (leia-se, suprimidas) pelo Tribunal de 1.ª Instância, numa decisão tomada com vista à liquidação de tais quantias;
23.Trata-se, tudo somado, de uma decisão irrazoável e, nesta medida, inaceitável, porquanto, com se deixou dito, em caso algum se revela possível que uma liquidação de sentença (acto similar a um "incidente de liquidação" à luz da Lei Portuguesa) possa ser julgada improcedente por falta de prova, sabido que é imposto ao próprio julgador que oficiosamente ultrapasse tal situação de non liquet, ordenando a produção de prova que julgue adequada (v.g. mediante prova pericial) ou, em último recurso, fazendo um julgamento ex aequo et bono;
24. Pelo exposto, deve a Sentença Recorrida ser julgada nula e de nenhum efeito - por manifesta oposição às soluções consagradas no nosso Direito constituído - e, em consequência, ser a mesma substituída por outra que dê por provado que o Exequente (leia-se, Recorrente) prestou 829 dias de trabalho para a Recorrida, conforme por si alegado no requerimento inicial; ou, em alternativa, que se ordene ao Tribunal a quo para, ex oficio, ordenar a produção de prova que entenda necessária à determinação dos dias de trabalho efectivamente prestados; e, em última análise, que seja ordenado a realização de um julgamento de acordo com a equidade na busca de um valor que se afigure justo e razoável, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!
A executada B contra-alegou defendendo a improcedência do recurso (fls. 136 a 150 dos p. autos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
In casu, não há questões de conhecimento oficioso.
Assim, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Do efeito cominatório da falta de contestação;
2. Do erro de julgamento de facto;
3. Da violação do caso julgado; e
4. Da fixação dos danos por equidade.
Então vejamos.
1. Do efeito cominatório da falta de contestação
O exequente diz que, citada para contestar a liquidação em que foram especificados os valores por ele como compreendidos em cada uma das prestações exequendas e concluído por um pedido líquido de MOP$321.442,00, a executada B limitou-se a apresentar um articulado designado por OPOSIÇÃO À LIQUIDAÇÃO, terminando o referido articulado da seguinte forma: "(...) requer que seja recebida a presente oposição e considerada procedente por provada. Se por mera hipótese assim, não se entender, requer-se que seja ordenada a notificação do Exequente para contestar, querendo, seguindo-se os demais termos do processo ordinário de declaração". Ou seja, na óptica do recorrente, a executada não apresentou qualquer contestação ao requerimento de liquidação, tendo antes optado por apresentar a sua defesa por meio de embargos.
Assim, na esteira desse entendimento, o exequente defende que a falta da contestação por parte da Executada fosse aplicada a cominação respectiva: considerar-se fixada a obrigação nos termos requeridos pelo exequente e, em concreto, dando-se por assente que o exequente prestou um total de 829 dias de trabalho efectivo, conforme por si alegado no seu requerimento executivo, ordenando-se depois o seguimento da execução.
Não tem razão o recorrente.
Pois conforme se vê no articulado apresentado pela executada, ora constante das fls. 43 a 56, a executada impugnou todos os factos à excepção dos constantes dos artºs 1º e 2º do requerimento inicial de execução, que não têm nada a ver com o quantitativo a liquidar na execução.
Aliás, foi justamente por terem sido impugnados os factos essenciais à liquidação que o incidente de liquidação foi tramitado nos termos do processo sumário de declaração com a realização da audiência de julgamento.
Improcede esta parte do recurso.
2. Do erro de julgamento de facto
A decisão julgou improcedente a liquidação nos termos requeridos, por falta da prova dos factos necessários à quantificação das prestações exequendas.
Ao passo que o recorrente entende que o Tribunal a quo andou mal no julgamento de facto. Para sustentar a sua discordância, o recorrente diz que, ressalvado o devido respeito pelo princípio da livre apreciação da prova por parte do órgão decisor, está o Recorrente em crer que o Tribunal a quo terá falhado aquando da análise crítica da matéria de facto provada e, bem assim, da sua necessária conjugação com a prova documental e testemunhal apresentada e/ou produzida pelo Exequente (leia-se, Recorrente), deixando revelar a existência de um erro grave ao nível do julgamento da matéria de facto, que em caso algum poderá deixar de ser devidamente reapreciado e corrigido pelo douto Tribunal de Recurso, no âmbito dos seus poderes de sindicância.
Por sua vez o Tribunal justificou a sua decisão de facto nos termos seguintes:
Fundou-se a convicção do Tribunal na conjugação do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento com os documentos constantes dos autos, conforme a avaliação que infra se exporá.
As respostas dadas aos factos supra referidos como provados baseiam-se nomeadamente no acórdão de fls. 512 a 538 nos autos principais e nos documentos de fls. 15 a 21 e 71 a 76 dos autos.
Quanto aos dias em que o exequente prestou trabalho, ou seja, o trabalho efectivo, o Tribunal entende carecer das provas suficientes para se dar resposta positiva. Muito embora as duas testemunhas digam que o Autor não pôde dar qualquer falta ao trabalho, não leva ao Tribunal acreditar essa parte do depoimento, tendo em conta que, a testemunha C reconhece que é o Autor quem lhe disse que não deu nenhum dia de falta do trabalho excepto das férias, e que, pelas instâncias do Tribunal, as duas testemunhas não têm certeza até nem sabiam em que dias ou período o Autor tenha prestado trabalho e em que dias ou período o mesmo tenha dado falta ou tenha gozado férias anuais. Isto só leva a ter, conforme a regra de experiência da vida, uma conclusão de que as testemunhas só acreditam e acham subjectivamente o referido “facto” mas não depõem objectivamente o mesmo com a sua memória e com o que elas presenciaram. Por isso, o Tribunal não acredita essa parte do depoimento. Também não valem muito os registos de saída e entrada da fronteira de Macau e os documentos das fls. 71 a 76 porque com eles só consegue provar negativamente os referidos períodos em que o Autor gozou férias anuais e ausentou de Macau, mas não consegue provar positivamente os dias restantes em que ele prestou efectivamente trabalho sem que desse faltas ou dispensas de trabalho, dispensas de trabalho que foram provados no n. 7 do acórdão de fls. 512 a 538 nos autos principais.
Como se sabe, na matéria da valoração das provas produzidas e/ou pré-constituídas, vigora em regra o princípio da livre apreciação da prova, à luz do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade daquela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento.
Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
Por outro lado, segundo o ensinamento de Amâncio Ferreria, ob. cit. pp. 69 e s.s., a admissibilidade dos meios de impugnação, incluindo o recurso ordinário, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes.
O recurso ordinário visa atacar a decisão judicial por ser errada ou injusta.
A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.
A decisão é injusta quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos.
Ou seja, o recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada.
Na esteira dessa doutrina sobre a função do recurso ordinário no processo civil, para impugnar com êxito a matéria dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidam directamente com as provas produzidas na sua frente.
Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e revaloração das provas com vista à sua eventual alteração da matéria de facto só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.
Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
In casu, nada disso foi alegado e o que foi dito pelo recorrente não é mais do que a simples divergência entre ele e o Tribunal quanto ao alcance das mensagens contidas nas provas documentais e testemunhais.
Não tendo sido apontado o erro manifesto na apreciação da prova, este Tribunal de recurso não pode sindicar a decisão de facto de primeira instância.
Improcede in totum a impugnação da matéria de facto.
3. Da violação do caso julgado
Como fundamento subsidiário, o recorrente defende que ao julgar improcedente a liquidação por falta da prova, o Tribunal a quo tomou uma decisão que se mostra em total contradição com a decisão exequenda e que viola o caso julgado.
Como se sabe, o incidente da liquidação suscitado pelo exequente no requerimento inicial da execução que tem por objecto uma sentença condenatório visa fixar, por via de uma decisão judicial, os valores concretos das obrigações exequendas, já judicialmente reconhecidas na sentença exequenda, no caso em que a liquidação não for possível realizada pelo próprio exequente por ela não depender de simples cálculo aritmético.
Assim, se a sentença exequenda já tiver reconhecido ao exequente o direito de receber determinadas prestações ilíquidas, a decisão do incidente da liquidação nunca pode ser no sentido de lhe negar o direito cuja existência tenha sido já anteriormente reconhecida por uma decisão judicial transitada em julgado.
Pois, não se tratando do julgamento de uma nova acção declarativa, antes tão só de um incidente para determinar os valores já contidos na condenação, o resultado do incidente da liquidação nunca pode ser no sentido de afastar a existência dos direitos já reconhecidos por uma decisão judicial transitada em julgada.
Na esteira desse entendimento, a falta in casu da prova para a demonstração desses elementos necessários à quantificação da extensão das prestações exequendas nunca pode conduzir à improcedência da liquidação e à consequente extinção da execução.
Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o caso julgado e a sua decisão não se pode manter e deve ser revogada.
4. Da fixação dos danos por equidade
Subsidiariamente, o recorrente pede a liquidação segundo o critério da equidade.
Vimos e decidimos supra que a impossibilidade da liquidação das obrigações exequendas por falta de prova dos elementos necessários não pode conduzir à improcedência do incidente da liquidação e à consequente extinção da execução, assim como à absolvição da executada condenada na sentença exequenda.
Então quid iuris perante este non-liquet?
Na matéria de obrigação de indemnização, diz o artº 560º/6 do CC que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Compreende-se perfeitamente a razão de ser dessa norma que consente a ficção do valor dos danos por equidade.
Na verdade, por razões variadíssimas, nomeadamente as que se prendem com a inquestionável limitação da capacidade e memória humana, a indisponibilidade da tecnologia e/ou dos meios científicos necessários ao apuramento de determinados factos insusceptível da apreensão por percepção visual, auditiva ou por restantes sensos humanos, e a preocupação da protecção dos bens jurídicos que visam tutelar as regras sobre a admissibilidade, a produção e a valoração das provas nos processos judiciais, há factos que nunca poderão vir a ser validamente apurados no processo judicial.
No regime da obrigação de indemnização, a lei nunca permite ao Juiz que simplesmente omita a decisão ou decida não fixar o valor de qualquer indemnização à parte a quem reconhece o direito de ser indemnizado, pura e simplesmente por falta de provas ou por non liquet quanto à extensão de danos patrimoniais.
Antes pelo contrário, a lei permite, senão impõe o tribunal, quer na acção declarativa quer no incidente da liquidação inserido na execução, o recurso ao critério da equidade, para a quantificação de danos patrimoniais, quando não for possível obter o valor exacto dos danos – artº 560º/6 do CC.
In casu, estamos perante um non-liquet quanto ao número de dias em que o exequente trabalhou, ao número dos dias de descanso semanal não gozados e ao montante das gorjetas que o exequente tem direito de receber mensalmente.
Tendo em conta os elementos disponíveis existentes nos autos, nomeadamente todos os factos assentes na sentença exequenda, a duração da relação de trabalho entre o exequente e a executada, os períodos em que o exequente gozou as férias, os registos das saída e entradas do exequente da RAEM, os quantitativos das gorjetas apurados no incidente da liquidação, assim como a forma do controlo por parte da entidade patronal, ora executada, da disciplina e da ausência dos serviços dos guardas de segurança por ela contratados, cremos que, segundo o critério da equidade, podemos fixar em 800 (ligeiramente inferior ao peticionado que é 829) o número dos dias de trabalho efectivo, em 114 o número dos dias de descanso semanal não gozados, e em MOP$7.000,00 o quantitativo mensal das gorjetas, correspondente à média dos quantitativos das gorjetas que os guardas de segurança residentes auferiam mensalmente (HKD6.500,00 a HKD$7.500,00).
Fixados estes elementos necessários à quantificação das prestações exequendas, entendemos que não devemos levar mais longe a regra da substituição prescrita no artº 630º do CPC e que devemos mandar baixar os autos à primeira instância a fim de se proceder à liquidação de acordo com os valores ora fixados por nós e com os restantes elementos disponíveis nos autos.
Em conclusão:
1. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique o erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.
2. Desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, sempre colocado numa posição privilegiada graças à imediação, em princípio, não é sindicável.
3. Não se tratando de uma nova acção declarativa, antes um incidente tão só para determinar os valores já contidos na condenação, o incidente da liquidação nunca pode culminar com a decisão que afecta os direitos já reconhecidos por uma decisão judicial transitada em julgada, sob pena da violação do caso julgado.
4. Na esteira desse entendimento, a falta da prova para a demonstração dos elementos necessários à quantificação da extensão das prestações exequendas nunca pode conduzir à improcedência da liquidação e à consequente extinção da execução.
5. No regime da obrigação de indemnização, a lei nunca permite ao Juiz que omita simplesmente a decisão ou decida não arbitrar qualquer indemnização à parte a quem tenha reconhecido o direito de ser indemnizado, pura e simplesmente por falta de provas ou por non liquet quanto à extensão ou aos elementos que o habilitam a quantificar os danos patrimoniais.
6. Antes pelo contrário, a lei consente, senão impõe o tribunal, quer na acção declarativa quer no incidente da liquidação inserido na execução, o recurso à equidade, para quantificação de danos patrimoniais – artº 560º/6 do CC.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente o recurso, fixando por equidade em 800 o número dos dias de trabalho efectivo, em 114 o número dos dias de descanso semanal não gozados, e em MOP$7.000,00 o quantitativo mensal das gorjetas e determinando a baixa dos presentes autos para a prossecução do incidente de liquidação.
Custas a final.
Registe e notifique.
RAEM, 16DEZ2019
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 Correspondente ao art. 691. º, n.º 2 do Código de Processo Civil de Macau.
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598/2018-28