Proc. nº 34/2020
Recurso Jurisdicional em matéria laboral
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Fevereiro de 2020
Descritores: Acidente simultaneamente de trabalho e de viação
Intervenção acessória provocada
Sub-rogação
SUMÁRIO:
I - O art.º 58º, nº1, do D.L. nº 40/95/M (Regime dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais), ao prever que a reparação dos danos provocados em acidente, simultaneamente de trabalho e de viação, seja feita pela seguradora laboral, ao mesmo tempo que a dota de poderes de sub-rogação nos direitos do sinistrado contra a seguradora do acidente de viação, não obsta a que aquela seguradora possa pedir a presença processual desta a título de intervenção acessória provocada, ao abrigo do art.º 272º, do CPC.
II – Esta intervenção não contende com o dever de reparação integral por parte da seguradora laboral, já que a seguradora do acidente de viação, com a sua intervenção na acção, não será nela condenada pelos danos sofridos pelo sinistrado.
III - Visa-se com a intervenção acessória obter uma sentença que, no plano dos factos e da responsabilidade, constitua caso julgado contra o requerido, de forma a evitar que ele, quando accionado para o “reembolso” do que a seguradora laboral pagou a mais, por ser da responsabilidade da seguradora do acidente de viação, possa questionar o resultado da acção anterior.
Proc. nº 34/2020
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, do sexo feminino, residente na XXXXXX, A, representada pelo Ministério Público,--
Instaurou no TJB (Proc. nº LB1-18-0223-LAE) acção para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, contra:---
“B Limited”, com escritório na XXXXXX, ---
Pedindo a condenação desta no pagamento da quantia total de MOP$ 58.689,49, a título de despesas médicas, de incapacidade temporária absoluta e de incapacidade permanente parcial, ----
Em consequência de um acidente que alega ser laboral, quando viajava no interior de um autocarro e se deslocava para o seu local de trabalho, onde era croupier ao serviço de “C S.A.”, em virtude de este ter parado subitamente provocando a sua queda e originando lesões.
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Na sua contestação a ré, considerando ter direito de regresso contra a “D S.A.”, por entender que o acidente de trabalho é também acidente de viação, requereu a intervenção acessória desta seguradora.
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Por despacho de 21/10/2019 foi este requerimento indeferido.
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É contra esta despacho que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações a recorrente B formulou as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente não concorda com todo o despacho proferido pelo MMº Juiz do Juízo Laboral do TJB (adiante designado por "MMºJuiz a quo") a fls. 248 e v dos autos, pelo que interpõe o presente recurso.
2. Primeiro, segundo o CPT, não é excluída da acção de processo especial de trabalho (acidente de trabalho) a intervenção principal ou acessória provocada de terceiro, e o MM.O Juiz a quo também indicou no despacho que "é certo que, além da intervenção principal, o processo de trabalho também não exclui a intervenção acessória de terceiro" .
3. Mas o MMº Juiz a quo disse, ao mesmo tempo, que: "Porém, quer para a intervenção principal, quer para a intervenção acessória, deve-se aplicar, no processo de trabalho, o artº 68º do CPT, não sendo directamente aplicáveis o artº 272º e os seguintes do CPC. " (sublinhado e destacado da Recorrente), "Nos termos do art.º 68.º, n.º 1 e n.º 2 do CPT, "1. Na contestação, além de apresentar a sua defesa, o réu pode, desde que fundamente, requerer a fixação da incapacidade e indicar outra pessoa como eventual responsável. 2. A pessoa indicada pelo réu como eventual responsável é citada para contestar, cumprindo-se o disposto no artigo anterior. ", "O responsável referido no artigo anterior inclui apenas as entidades responsáveis pela reparação de acidentes de trabalho ou doenças profissionais conforme o direito substantivo. "
4. No entendimento da Recorrente, o MM.O Juiz a quo interpretou erradamente a expressão "indicar outra pessoal como eventual responsável" no art.º 68º do CPT.
5. No seu despacho, o MM.O Juiz a quo citou a seguinte parte do Acórdão do TSI, proferido no Processo n.º 14/2015, "1. Para a efectivação dos direitos conferidos pelo Decreto-Lei n.º 40/95/M, a entidade responsável prevista no art.º 68º do CPT, cuja intervenção tenha sido provocada, tem de ser o empregador ou a entidade patronal indicados na al. e) do art.º 3º, ou a entidade seguradora para a qual tenha sido transferida a responsabilidade prevista no art.º 62.º daquele Decreto-Lei. 2. O recorrente não alega a qualidade de empregador do terceiro, que também não é entidade seguradora, pelo que não merece censura a decisão do Tribunal a quo de negar a intervenção provocada de terceiro no processo pendente como réu."
6. Mas é de notar que, no supracitado Acórdão do TSI no Processo n.º 14/2015, o recurso teve por objecto o "despacho que indeferiu o pedido de intervenção principal provocada", e em conjugação com a matéria de facto no respectivo processo, obviamente, a questão discutida no aludido Acórdão não é similar à questão que se discute no presente processo; ademais, o supracitado Acórdão não teve em consideração a intervenção acessória provocada.
7. Se for verdade, tal como afirmou o Acórdão acima referido, que "a entidade responsável prevista no art.º 68º do CPT, cuja intervenção tenha sido provocada, tem de ser o empregador ou a entidade patronal indicados na al. e) do artº 3.º, ou a entidade seguradora para a qual tenha sido transferida a responsabilidade prevista no art.º 62º daquele Decreto-Lei", a intervenção provocada prevista pelo art.º 68.° do CPT apenas pode abranger a "intervenção principal", e não a intervenção acessória.
8. Isso porque, tanto o empregador como a entidade patronal ou a entidade seguradora, são entidades directamente responsáveis pela indemnização dos danos resultantes de acidentes de trabalho.
9. Então, se não for excluída do processo de trabalho a intervenção acessória, a intervenção acessória no presente processo só pode ser a de chamar a D S.A. a intervir como interveniente acessória, conforme o art.º 1º, nº 2 do CPT, conjugado com o art.º 272.° do CPC.
10. Assim, entende a Recorrente que não é completamente correcta a interpretação dos n.ºs 1 e 2 do art.º 68.° do CPT, feita pelo MM.O Juiz a quo; no entender da Recorrente, caso o acidente for simultaneamente de trabalho e de viação, o prévio pagamento da indemnização pelo responsável do seguro automóvel não impede o responsável do seguro de acidentes de trabalho de chamar, nos termos do art.º 1.°, n.º 2 do CPT, conjugado com o art.º 272.° do CPC, o responsável do seguro automóvel a intervir, como interveniente acessória, na acção laboral do acidente de trabalho.
11. Além disso, a Recorrente tem de indicar e esclarecer que, não obstante que o acidente em causa seja simultaneamente de trabalho e de viação, a Recorrente não tinha conhecimento nem participou na celebração, entre a Autora e a D S.A., do acordo transaccional constante das fls. 94 e 95 dos autos.
12. Ao mesmo tempo, a Autora e a D S.A. já chegaram ao acordo transaccional para o acidente de viação em causa (que é, simultaneamente, de trabalho) (vide as fls. 94 a 95 dos autos). A Autora já recebeu MOP$380.000,00 a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, e é possível que ela já não tenha direito a exigir à D S.A. qualquer indemnização.
13. De facto, não obstante a existência do n.º 3 do art.º 58.° do Decreto-Lei n.º 40/95/M, segundo o qual "Na acção judicial contra a seguradora do veículo causador do acidente de viação devem intervir o sinistrado, o empregador e a seguradora do acidente de trabalho, sendo estes, para o efeito, oficiosamente citados pelo tribunal competente.".
14. Na grande parte das acções judiciais contra seguradoras do veículo causador do acidente de viação, não são chamados, conforme a supracitada norma, a intervir as seguradoras de acidentes de trabalho, que também não podem saber, por iniciativa própria, o andamento das acções, ou intervir oportunamente nas mesmas.
15. Entre o empregado lesado (como a Autora nos autos) e o responsável do seguro automóvel, é frequente, quer nas acções cíveis enxertadas no processo penal, quer nas situações extrajudiciais, que o empregado lesado continua a exigir à seguradora do acidente de trabalho a reparação.
16. Quando as seguradoras do acidente de viação e do acidente de trabalho indemnizam, respectivamente, o empregado lesado, verifica-se, muitas vezes, a sobreposição da indemnização.
17. No caso sub judice, desde que o MM.O Juiz a quo também está ciente de que os danos correspondentes à indemnização paga pela D S.A., na qualidade de entidade responsável pelo seguro automóvel, podem coincidir com os de lesões, de despesas médicas e de incapacidade.
18. Então, na verdade, a parte sobreposta não se encontra no âmbito da reparação a que a Autora tem direito no presente processo, pelo que deve ser afastada.
19. Caso a reparação fixada no presente processo coincida com a indemnização já paga pela D S.A ..
20. A respectiva sentença impedirá a Recorrente de invocar, por meio de processo civil, os eventuais direitos contra a D S.A ..
21. A seguradora do acidente de trabalho assume apenas a responsabilidade pelo risco causada pelo acidente de trabalho, e quando o acidente for, simultaneamente, de viação e de trabalho, a segurador do veículo causador do acidente de viação é o responsável final da indemnização.
22. O direito de regresso por sub-rogação adquirido pela Recorrente após a efectuação da reparação origina-se, essencialmente, do direito da Autora. No entanto, a celebração, por parte desta, do respectivo acordo transaccional já afectou, directamente, o direito de regresso no qual ficou sub-rogada a Recorrente.
23. ln casu, se não for admitida a intervenção acessória provocada da D S.A., não será possível assegurar o direito de regresso por sub-rogação adquirido pela Recorrente conforme o art.º 58.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 40/95/M.
24. De facto, a Recorrente requereu a intervenção acessória provocada da D S.A., apenas com o objectivo de evitar o pagamento da indemnização sobreposta à Autora por causa do acidente de viação em causa (que é, simultaneamente, de trabalho).
25. Ao mesmo tempo, tem-se o objectivo de assegurar o exercício do direito de regresso por sub-rogação contra o responsável do seguro automóvel, ou seja a D S.A., de modo a evitar qualquer dúvida no futuro.
26. Assim, pede-se ao MM.o Juiz do TSI para anular o despacho proferido pelo MM.o Juiz a quo a fls. 248 e v dos autos, bem como ordenar o chamamento da D S.A. a intervir no presente processo como interveniente acessória.
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Pelo exposto, pede-se ao MM.o Juiz do TSI para anular o despacho proferido pelo Tribunal a quo a fls. 248 e v dos autos, bem como ordenar o chamamento da D S.A. a intervir no presente processo como interveniente acessória.
Solicita-se que faça a justiça!”
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A autora respondeu ao recurso, pugnando pelo seu improvimento, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II – Os Factos
1- A autora, dizendo-se croupier ao serviço da C, deslocava-se no interior de um autocarro R2 no dia 20/06/2017, por volta das 14,25 h para o seu posto de trabalho.
2- Quando a viatura passava na Estrada de Pac On, teria feito uma travagem brusca, que obrigou a autora a cair, caindo, por sua vez, sobre ela uma outra passageira mais pesada, causando-lhe lesões, que a obrigaram a ser conduzida ao Hospital.
3- Pede agora na acção indemnização pelos danos resultantes das despesas que teve que suportar para tratamento das lesões, bem como da incapacidade temporária absoluta e incapacidade permanente parcial.
4 - O despacho em crise apresenta o seguinte teor:
“Na contestação, a Ré entendeu que de acordo com o art.° 58.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 40/95/M, se fosse eventualmente condenada no presente processo, ficaria sub-rogada no direito de regresso em relação à seguradora do veículo, ou seja a D S.A., por estar em causa também acidente de viação, requerendo, assim, nos termos do art.º 272.° do CPC, o chamamento da D S.A. a intervir no presente processo como interveniente acessória.
No entendimento da Autora, trata-se dum processo de trabalho em vez de processo comum cível, e a regularização de sinistros por parte da D S.A. tem meramente a natureza cível, mas não envolve contrato de seguro de trabalho.
Apreciemos esta questão.
A Ré requereu a intervenção da seguradora do veículo, isto é, a D S.A., no presente processo como interveniente acessória.
É certo que, além da intervenção principal, o processo de trabalho também não exclui a intervenção acessória de terceiro.
Porém, quer para a intervenção principal, quer para a intervenção acessória, deve-se aplicar, no processo de trabalho, o art.º 68.° do CPT, não sendo directamente aplicáveis o art.º 272.° e os seguintes do CPC.
Nos termos do art.º 68.°, n.º 1 e n.º 2 do CPT, "1. Na contestação, além de apresentar a sua defesa, o réu pode, desde que fundamente, requerer a fixação da incapacidade e indicar outra pessoa como eventual responsável. 2. A pessoa indicada pelo réu como eventual responsável é citada para contestar, cumprindo-se o disposto no artigo anterior."
O responsável referido no artigo anterior inclui apenas as entidades responsáveis pela reparação de acidentes de trabalho ou doenças profissionais conforme o direito substantivo.
Tal como referiu o Acórdão do TSI no Processo n.º 14/2015, "l. Para a efectivação dos direitos conferidos pelo Decreto-Lei n.º 40/95/M, a entidade responsável prevista no art.º 68.° do CPT, cuja intervenção tenha sido provocada, tem de ser o empregador ou a entidade patronal indicados na al. e) do art.º 3.°, ou a entidade seguradora para a qual tenha sido transferida a responsabilidade prevista no art.º 62.° daquele Decreto-Lei. 2. O recorrente não alega a qualidade de empregador do terceiro, que também não é entidade seguradora, pelo que não merece censura a decisão do Tribunal a quo de negar a intervenção provocada de terceiro no processo pendente como réu."
Por outro lado, nos termos do art.º 58.°, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 40/95/M, "3. Na acção judicial contra a seguradora do veículo causador do acidente de viação devem intervir o sinistrado, o empregador e a seguradora do acidente de trabalho, sendo estes, para o efeito, oficiosamente citados pelo tribunal competente. "
Porém, a supracitada norma aplica-se ao processo do próprio acidente de viação, nomeadamente ao processo penal com pedido cível, mas não ao processo dos próprios direitos decorrentes de acidentes de trabalho ou doenças profissionais.
ln casu, segundo o que a Ré descreveu, a D S.A., cuja intervenção foi requerida, fica responsável pela indemnização civil (transferida) meramente com base na responsabilidade civil extracontratual e no seguro obrigatório de responsabilidade automóvel. Não obstante que os danos correspondentes à respectiva indemnização possam coincidir com os de lesões sofridas pelo acidente de trabalho, de despesas médicas e de incapacidade, isso não impede que a relação entre a D S.A. e o Autor e a Ré seja a mera relação jurídica civil, e não envolva o direito à reparação do acidente de trabalho ou o seguro de trabalho, nem impede a Ré de invocar o eventual direito contra a D S.A., por meio de processo civil.
Desta forma, a Requerida não é, formalmente, entidade responsável pela reparação de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, pelo que não reúne os requisitos de intervenção (acessória) provocada previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 68.° do CPT, nem os no n.º 3 do art.º 58.° do Decreto-Lei n.º 40/95/M.
Pelo exposto, este Tribunal nega a intervenção provocada da D S.A. no processo pendente como assistente, requerida pela Ré.
As custas do presente incidente são fixadas em 2UC, a pagar pela Ré.
Notifique.
21/10/2019
(os dias 19 a 20 de Dezembro de 2019 são fins de semana)
Juiz
(Ass.- vide o original)”
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III – O Direito
Partindo do pressuposto de que o acidente em apreço foi simultaneamente de trabalho e de viação, a ré demandada, B, seguradora de acidentes de trabalho, achando-se com direito de regresso sobre a seguradora pelos acidentes de trânsito do veículo causador do evento danoso, D, pediu a intervenção acessória provocada desta, o que pelo despacho impugnado, porém, foi negado.
Vejamos.
Sem dúvida que o art.º 68º do CPT permite que o réu demandado possa indicar outra pessoa como “eventual responsável” (nº1), que deve ser citado para contestar (nº2).
Entende-se, porém, tal como o entendeu o despacho recorrido, que a referência à responsabilidade de outra pessoa ali efectuada pretende aludir a outrem, não apenas o réu, que igualmente seja responsável pelo “acidente de trabalho”. Será o empregador ou entidade patronal (art.º 3º, al. e), do DL nº 40/95/M) ou então a seguradora (art.º 3º, al. o) e 62º, do DL nº 40/95/M), consoante a pessoa que concretamente tiver sido demandada (neste sentido, Ac. do TSI, de 5/03/2015, Proc. nº 14/2015). Não parece, pois, que seja por aí que a questão deva ser solucionada.
Em algumas situações, um mesmo acidente pode gerar dois tipos de responsabilidade. E é para regular o modo de as accionar que o art. 58º do DL nº 40/95/M está gizado. Senão, repare-se o que ele afirma:
Artigo 58.º
(Acidentes de viação e de trabalho)
1. Quando o acidente for, simultaneamente, de viação e de trabalho, a reparação é efectuada pela seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, nos termos deste diploma, ficando esta sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação.
2. No caso de haver responsabilidade da seguradora do veículo causador do acidente de viação, pode esta notificar a seguradora do acidente de trabalho para que exerça o direito previsto no número anterior, no prazo de sessenta dias, ficando com a faculdade de liquidar directamente ao sinistrado a indemnização devida, uma vez decorrido aquele prazo.
3. Na acção judicial contra a seguradora do veículo causador do acidente de viação devem intervir o sinistrado, o empregador e a seguradora do acidente de trabalho, sendo estes, para o efeito, oficiosamente citados pelo tribunal competente.
4. O sinistrado que, injustificadamente, prejudicar o exercício do direito de sub-rogação referido no n.º 1 responde perante a seguradora do acidente de trabalho pelo acréscimo de despesas decorrentes desse comportamento.
5. Na falta de seguro, o disposto nos números anteriores para a seguradora do acidente de trabalho e para a seguradora do acidente de viação aplica-se, respectivamente, à entidade patronal do sinistrado e à entidade responsável pelo acidente de viação.
Como se pode constatar, na acção judicial instaurada para reparação dos danos provenientes do acidente de viação, além da seguradora respectiva, devem intervir o sinistrado, o empregador, bem como a seguradora do acidente de trabalho (nº3). Pretende o legislador que nessa acção se resolvam todas as questões, culpas e responsabilidades, sem dúvida. E todos devem ser demandados directamente ou pela via da intervenção principal.
Mas, quid iuris quando a acção é movida com o intuito de activar a responsabilidade pelo acidente de trabalho?
Nesse caso, a reparação é efectuada pela seguradora pelo acidente laboral, que ficará, entretanto, sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação (nº1).
Numa leitura desprevenida e rápida, dir-se-ia que está aqui, nesse nº1, a plasmada a solução para a dúvida. E, consequentemente, o resultado seria o seguinte:
Uma vez que essa disposição legal prevê que, sendo a acção fundada o acidente de trabalho e de viação simultaneamente, a reparação é efectuada pela seguradora do acidente de trabalho, ficando, contudo, sub-rogada nos direitos do sinistrado contra a seguradora do acidente de viação, então a acção só tem que ter pelo lado passivo a seguradora que deve suportar o encargo da reparação, isto é, a seguradora do acidente.
Em jeito de corolário lógico, concluir-se-ia, pois, que a presença da segura do acidente de viação não é necessária, nem possível! Só que, este corolário, com o merecido respeito, traduz uma interpretação indefensável.
Vejamos porquê.
Quando a norma (nº1) diz que a reparação é suportada pela seguradora do acidente de trabalho não faz mais do que estabelecer uma definição de responsabilidade nesse pleito.
E nada mais certo: quem tem que pagar a indemnização nessa acção para efectivação de responsabilidade por acidente de trabalho é a seguradora que assumiu perante o empregador essa mesma responsabilidade. E mais ninguém. Por isso, a seguradora relativa à transferência de responsabilidade pelo acidente de trânsito não é, nem tem que ser, demandada ali, pela simples razão de que não é parte nesse processo judicial, que apenas tem a sua essência, fundamento e causa de pedir alicerçados no acidente laboral. E não sendo, nem podendo ser parte, até porque as relações jurídico-materiais são distintas, nem sequer pode ser chamada à acção pelo incidente da intervenção principal. Isto percebe-se bem!
No entanto, a norma abre a porta a uma possibilidade, que é esta: se a seguradora do acidente de trabalho vier a pagar a indemnização peticionada, estando em causa simultaneamente um acidente de viação, aquela seguradora fica sub-rogada nos direitos que o sinistrado detém contra a seguradora do acidente de trânsito.
Esta sub-rogação consiste em colocar a “seguradora laboral” na posição do sinistrado relativamente aos direitos de crédito que este detenha em relação à “seguradora estradal”, permita-se-nos a expressão, por comodidade. Trata-se, na verdade, do mesmo direito e não de um direito novo.
A sub-rogação apenas permite ao sub-rogado (seguradora laboral) adquirir a titularidade do crédito que pertencia ao credor primitivo (sinistrado). O [mesmo] crédito transfere-se da titularidade do credor primitivo para a do sub-rogado. Como observava Vaz Serra, com a sub-rogação existe apenas a substituição de um credor por outro (BMJ nº 37, pág. 7). Este autor, porém, no tocante à sub-rogação voluntária derivada da vontade do devedor, era de opinião de ela “não poder ser havida como uma transferência do crédito, mas como uma assunção pelo devedor, a favor do terceiro, de um novo crédito, com o conteúdo do existente a favor do credor, para o caso de pagamento a este” (BMJ nº 37, pág. 6).
Ora, tudo isto tem abrigo na estrutura geral do conceito introduzido no art.º 583º do Código Civil, e em particular no art.º 586º desse diploma. Estamos, portanto, em presença de uma sub-rogação legal, porque especialmente prevista em “disposição da lei” (aqui, o citado art.º 58º, nº1).
Entenda-se, porém, que esta sub-rogação não serve para o sub-rogado pedir a condenação da Seguradora, eventualmente responsável, nesta acção pelos danos do sinistro automóvel. Em caso de procedência da acção, só a requerente do incidente sofrerá a condenação.
Situação semelhante está prevista no DL nº 57/94/M (cfr. art.ºs. 45º, nº2 e 3 e 25º, nº3), por conferir ao Fundo de Garantia Automóvel quando demandado, o mesmo direito de sub-rogação nos direitos do lesado (art.º 45º, nº1) e que, por isso, pode fazer intervir nessa acção o obrigado ao seguro e co-responsáveis (nº 3). E este TSI já decidiu que essa intervenção nos autos pode ser feita a título de intervenção acessória provocada ao abrigo do art.º 272º do CPC (Ac. do TSI, de 24/07/2014, Proc. nº 749/2013).
Este aresto explicou assim a sua posição: “Essa intervenção acessória não dará lugar a condenação do interveniente no pagamento (solidário) da indemnização. Apenas permitirá ao FGA obter uma sentença que faça caso julgado contra o interveniente a respeito dos factos provados e do direito a aplicar no que concerne à sua responsabilidade no acidente e no pagamento da indemnização que o FGA lhe poderá exigir, posteriormente, ao abrigo dos seus poderes sub-rogatórios” (em sentido semelhante, o Ac. do TSI, de 5/02/2015, Proc. nº 395/2014).
A situação presente é equivalente. A sub-rogação em que fica investida a seguradora laboral não lhe confere prerrogativas condenatórias da outra seguradora nesta acção (tb. Ac. do TSI, de 23/05/2015, Proc. nº 478/2014); dá-lhe apenas os necessários atributos para exigir da outra seguradora, posteriormente, pela figura do reembolso (Acs. do STJ português, de 12/09/2006, Proc. nº 06A2213 e Proc. nº 06A2244; tb. de 9/03/2010, Proc. nº 2270/04), o montante que tiver pago a mais (face à condenação eventual nesta acção) e que extravase os limites da sua responsabilidade enquanto seguradora laboral, por ser próprio da responsabilidade pelo acidente de viação, assim se evitando que os respectivos beneficiários possam acumular um duplo ressarcimento do mesmo dano concreto, o que configuraria um enriquecimento injusto (neste sentido, o Ac. do STJ de 14/12/2016, Proc. nº 1255/07).
Sendo assim, a intervenção daquela outra seguradora apenas se justifica por causa de uma relação material conexa com aquela que está submetida ao pleito. A requerente não pretende que aquela outra seguradora venha a ser condenada nos autos, e nunca poderia sê-lo. Simplesmente, a sua presença nos autos tem como objectivo colaborar com a ré/recorrente acerca da prova dos factos que são comuns ao acidente de trânsito e laboral, mas que revelem já aqui a separação de responsabilidades de cada uma, consoante a área civil e social em que disputam, o que àquela possibilitará ficar na posse de uma sentença com força de caso julgado em relação à interveniente, quer relativamente à factualidade provada, quer ao montante que vier a pagar por ela, mas pelo qual só esta é responsável.
A intervenção acessória provocada a que se refere o art.º 272º do CPC pretende, portanto, possibilitar que o terceiro seja chamado como auxiliar da defesa do chamante. Visa-se com a intervenção acessória obter uma sentença que, no plano dos factos e da responsabilidade, constitua caso julgado contra o requerido, de forma a evitar que ele, quando accionado para o “reembolso” ou para o “regresso”, “possa questionar o resultado da acção anterior” (em direito comparado, Ac. da RL, de 8/03/2007, Proc. nº 10642/06).
Em suma, sendo o caso de sub-rogação legal, e em que ambas as seguradoras ficam constituídas no dever de indemnizar, embora por fontes geradoras diversas (sendo certo que segundo alguma jurisprudência em direito comparado até conclui que passa a existir, nesse caso, um simultâneo direito de sub-rogação e de regresso: Ac. do STJ, de 31/01/2017, Proc. nº 850/09), certo é que, seja pela força do direito de regresso, seja pelo direito ao reembolso com assento na sub-rogação, não é na acção laboral do acidente que esse desiderato se obterá. Ou seja, a presença da seguradora do acidente na acção em nada contraria a previsão do art.º 58º, nº1.
Tudo isto conflui no sentido de se não sufragar o despacho recorrido, que, no nosso entendimento, não fez uma correcta interpretação do art.º 58º transcrito.
O que vale por dizer que não havia motivo para indeferir o pedido de intervenção acessória provocada da seguradora “D S.A.”.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que admita o incidente
Custas pela recorrida.
TSI, 13 de Fevereiro de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Proc. nº 34/2020 11