Processo nº 933/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 23 de Janeiro de 2020
ASSUNTO:
- Disposição gratuita dos bens móveis comuns
- Consentimento do cônjuge
- Artigo 1547º do C.C.
SUMÁRIO :
- A disposição gratuita dos bens móveis comuns sob administração de um dos cônjuges sem consentimento de outro, não é impedida por lei. A única consequência é que o valor utilizado por este é levado em conta na meação no momento da partilha, ao abrigo do disposto do nº4 do artº1547º do C.C..
O Relator,
Processo nº 933/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 23 de Janeiro de 2020
Recorrente: A (Autora)
Recorridos: B, C e D (Réus)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 06/03/2019, julgou-se totalmente improcedente a acção interposto pela Autora A.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. 本案,上訴人主要針對原審法院載於卷宗第357至364v頁之判決不服,並提出本上訴。
2. 原審法院於2019年1月14日作出判決,原審法院於判決一方面認定第一被告未經上訴人同意下挪用夫妻可供分享的共同財產購買上述三項不動產,並以第二及第三被告作出取得所有權登錄,第一被告需以共同財產所占之半數承擔債務(參見卷宗第360頁至362v頁)。
3. 然而,另一方面,原審法院卻駁回了上訴人針對第一被告之補充請求,並且認為上訴人之主請求及補充請求未能按照《民法典》第1565條第3款之相關規定提出,第一被告需以共同財產所占之半數承擔上述其挪用夫妻共同財產而產生之債務,而非直接對另一方配偶即上訴人承擔賠償責任。
4. 因此,原審法院開釋了所有上訴人針對第一至第三被告提出之訴訟請求。
5. 在充份尊重原審法院有關裁決之前提下,上訴人認為原審法院所作之判決沾有法律適用錯誤之瑕疵,並錯誤適用了《民法典》第1565條第3款之相關規定。
6. 對上述駁回有關第一被告需向上訴人賠償不少于HKD1,500,000.00及HKD$2,940,000.00的補充請求判決部份不能認同,並認為原審法院在錯誤適用了《民法典》第1565條第3款之相關規定。
7. 根據澳門《民法典》第1603條第1款規定以及根據已確定事實A至C(參見卷宗第134頁),上訴人與第一被告由1968年4月16日締結婚姻起至2014年7月31日解銷婚姻為止,婚姻存續期間一直適用取得共同財產制。
8. 換句話說,上訴人與第一被告在婚姻存續期間所取得之財產或用夫妻共同財產取得之財產均屬於雙方之夫妻共同財產。
9. 根據已確定事實F及已獲證的事實(Quesito 4º及5º),證明第一被告使用其與上訴人之夫妻共同財產,分別以不少於HKD$1,800,000.00及HKD$180,000.00的價格購入“P12”及“AYR/C”(車位)等不動產。
10. 同時,根據已確定事實E,第一被告透過原業主作出授權書將上述兩項不動產出售予第二被告,並登記於第二被告名下。
11. 而且,第一被告為保障自身利益,亦同時將“P12”及“AYR/C”等不動產的用益權設定予第一被告。
12. 其次,根據已獲證的事實(Quesito 9º)亦能證明第二被告從未向前業主 E及第一被告支付任何價金。
13. 第一被告為隱藏夫妻共同財產而故意聲明離婚以便作出轉讓予“P12”及“AYR/C”第二被告。
14. 因此,上述已獲證之事實足以證明第一被告購買“P12”及“AYR/C”等不動產資金均來源於其與上訴人之夫妻共同財產。
15. 另外,根據已獲證的事實(Quesito 11º及13º),第一被告使用與上訴人共同擁有之財產,分別以不少於HKD$3,000,000.00的價格購買“F6”不動產之所有權。
16. 同時,根據已確定事實I,第一被告與第二被告代表第三被告購買“F6”不動產,並登記於第三被告名下。
17. 因此,上述已獲證之事實足以證明第一被告購買“F6”等不動產資金同樣來源於夫妻共同財產。
18. 另一方面,結合庭審中證人之證言,所有相關不動產之交易都是由第一被告尋找相熟地產代理促成及安排有關交易,並辦理相關手續,以及支付相關交易開支及稅項。
19. 因此,可以知道,上述有關單位的真正買家為本案第一被告,而第二被告及其未成年兒子只是一個“表面上的所有權人”。
20. 而且,從已確定事實G更可以在與第二被告簽署“P12”及“AYR/C”不動產買賣公證書中聲明自己為離婚,正正是為了隱藏上述其以第二被告及第三被告名義取得之屬於夫妻共同財產的不動產,
21. 此外,按照一般邏輯推理,以夫妻共同財產購入之不動產或動產,理應被視為夫妻共同財產的一部份,而第一被告利用共同財產的資金購入的有關“F6”、“P12”及“AYR/C”1/276單位,都是上訴人與第一被告之夫妻共同財產。
22. 基於此,上訴人之主請求應該被裁定訴訟理由成立,並應宣告有關“F6”、“P12”及“AYR/C”1/276單位為上訴人與第一上訴人之夫妻共同財產。
23. 即使有關主請求之理由不能成立,根據上訴人在起訴狀提出之相關補充請求,第一被告亦有責任須向上訴人作出相應金錢賠償。
24. 上訴人就第一被告私自挪用夫妻共同財產之賠償責任,並不局限於僅可向夫妻共同財產作出金錢彌補,
25. 事實上,立法者制定有關《民法典》第1565條第3款的規定,並非為了局限夫妻一方因私自挪用夫妻共同財產而需補償受損他方之方式。
26. 在一般的財產清冊程序中,程序上會計算夫妻之共同財產,而在計算上,法律規定因挪用夫妻共同財產之一方需向共同財產償還相應金額,只是為了方便分割結算,並非一個限制性的規定。
27. 從有關條文的立法精神中,可以得出有關規定旨在保護受損之另一方。
28. 因此,有關法律應當亦容許私自挪用夫妻共同財產之一方以金錢方式直接向受損之另一方配偶作出補償。
29. 而且,法律亦沒有禁止或限制上訴人以普通宣告之訴形式要求私自挪用夫妻共同財產之一方配偶直接以金錢方式向另一方配偶作出相應補償。
30. 另外,上訴人還認為其提出之有關補充請求之範圍實質上已包括各種能使原告得到金錢補償之方式,尤其是透過第一被告向共同財產作出補償,從而間接得到賠償之方式。
31. 綜上所述,上訴人認為被上訴之判決就駁回上訴人針對各被告提出的相關主請求及針對第一被告提出的相關補充請求,沾有適用法律錯誤之瑕疵,應予以廢止。
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Os Réus B, C e D responderam à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 423 a 434 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A Autora e o 1º Réu contraíram casamento em Macau no dia 16 de Abril de 1968, o qual foi dissolvido em Macau, no dia 31 de Julho de 2014. (alínea A) dos factos assentes)
- Aquando da celebração do casamento, ambos não escolheram o regime de bens. (alínea B) dos factos assentes)
- Ambos não possuíam bens no momento de celebração do casamento, e os bens que possuem presentemente, foram obtidos depois da celebração do casamento. (alínea C) dos factos assentes)
- Após o casamento, o 1º Réu conheceu outra rapariga, ou seja a 2ª Ré, C. (alínea D) dos factos assentes)
- A propriedade do 12º andar P, fracção autónoma “P12”, com finalidade habitacional e o Piso térreo AY (com sótão e 1º piso), 1/276 da fracção autónoma “AYR/C” com finalidade para parque de estacionamento, sitos em Macau, na Avenida XX, nº XX, Rua de XX nº XX, Rua de XX nº XX e Avenida do XX nº XX, edifício “XX” (melhor descritos nas certidões de registo predial juntas e cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeito), está inscrita em nome da 2ª Ré, sendo o usufruto em nome do 1º Réu. (alínea E) dos factos assentes)
- A propriedade referida foi transmitida através da escritura pública de compra e venda junta com a p.i. como doc. 4, sendo aí declarado que o preço de aquisição dos acima referidos dois imóveis “P12” e 1/276 de “AYR/C” é de HKD$1.800.000,00 (equivalente a MOP$1.852.200,00) e HKD$180.000,00 (equivalente a MOP$185.220,00), respectivamente, e no montante total de HKD$1.980.000,00 (equivalente a MOP$2.037.420,00). (alínea F) dos factos assentes)
- No dia 21 de Outubro de 2009, a 2ª Ré concedeu o direito de usufruto dos acima dois imóveis a favor do 1º Réu, tendo celebrado a respectiva escritura pública e na qual este declarou ser divorciado, tudo conforme doc. 7 junto com a p.i. cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea G) dos factos assentes)
- Em 05 de Dezembro de 2012, o 3º Réu D, nasceu em Macau, sendo filho do 1º Réu e da 2ª Ré. (alínea H) dos factos assentes)
- A propriedade da fracção autónoma “F6” do prédio “XX”, 6º andar F, para fins habitacionais, descrito sob o nº 13XX4, da Travessa de XX nºs XX, Avenida de XX nºs XX e Rua de XX nºs XX, está inscrita a favor do 3º Réu. (alínea I) dos factos assentes)
- A propriedade desta fracção foi transmitida ao 3º Réu no dia 27 de Fevereiro de 2013, através de escritura pública de compra e venda, intervindo o 1º e 2ª Réus na qualidade de representantes do comprador, o 3º Réu, sendo vendedor F, tudo conforme doc. 9 e 10 junto com a p.i. cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea J) dos factos assentes)
- Nessa escritura, o 1º Réu declarou que era solteiro, nela se declarando igualmente que o valor da venda é de HKD$5.880.000,00. (alínea K) dos factos assentes)
- Pelo menos desde 2008, o 1º Réu e a 2ª Ré tornaram-se namorados. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Na constância do casamento, pelo menos a partir de 2008, o 1º Réu escondia a Autora a aludida relação extra conjugal mantida com a 2ª Ré. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- Em 30 de Junho de 2009, o proprietário anterior da fracção e da garagem id. em E), E, recebeu do 1º Réu uma quantia não inferior a HK$3.000.000,00. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- … valor que pertencia ao património do casal composto pelo 1º Réu e Autora. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Depois do vendedor E receber o preço da transacção, outorgou uma procuração conferindo poderes ao 1º Réu para vender, transferir e dispor dos acima mencionados imóveis, tudo conforme doc. 3 junto com a p.i. cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Posteriormente, no dia 06 de Julho de 2009, o 1º Réu transmitiu o direito de propriedade dos referidos imóveis para o nome da 2ª Ré, usando para o efeito a referida procuração. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Para tal, os dois Réus celebraram a respectiva escritura pública de compra e venda conforme doc. 4 junto com a p.i. cujo teor aqui se reproduz e id. em F). (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- A 2ª Ré nunca pagou qualquer preço da transacção nem a E, proprietário supra id., nem ao 1º Réu. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Para salvaguardar os seus interesses, o 1º Réu acordou com a 2ª Ré em conceder o usufruto id. em G) àquele. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Foi o 1º Réu quem pagou a quantia id. em K). (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- … valor que pertencia ao património do casal composto pelo 1º Réu e Autora. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- As transacções supra referidas foram feitas com o intuito combinado pelo 1º e 2ª Réus de ocultar da Autora o património comum que, a si e ao 1º Réu, pertencia. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
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III – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“…
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Com a presente acção, invocou a Autora que se casou com o 1º Ré em 16 de Abril de 1968, em Macau, sem convenção de regime de bens, o qual foi dissolvido por sentença transitada em julgado em 31/07/2014. No entanto, na constância do casamento, o Réu tem mantido uma relação extraconjugal com a 1ª Ré, desde 2005.
Em meado de 2009, o 1º Réu comprou ao E, com o património comum do casal, uma fracção autónoma “P12”, para habitação e 1/276 avos da fracção autónoma “AYR/C” do prédio descrito sob o nº 22XX2, na Conservatória do Registo Predial, no entanto, as duas fracções são inscritos registados em nome do 2ª Ré. Esta Ré constituiu, posteriormente, o direito de usufruto sobre os dois imóveis a favor do 1º Réu, tendo este declarado na respectiva escritura pública como divorciado. Posteriormente, em 27 de Fevereiro de 2012, o 1º Réu adquiriu ao F, com o património comum do casal, a fracção autónoma “F6” do prédio descrito sob o nº13XX4 na Conservatória do Registo Predial, o 1º Réu fez constar da respectiva escritura pública de compra e venda que o 3º Réu, filho dos 1º e 2ª Réus, é comprador e que o imóvel se encontra registado em nome deste.
Por os três imóveis acima referidos terem sido adquiridos pelo 1º Réu com bens comum do casal, entende a Autora que os mesmos têm natureza de bem comum, pretendendo que ou cancelar os respectivos registos de aquisição e fazer os mesmos registados em nome da Autora e do 1º Réu ou seja ressarcida pela metade do valor da aquisição dos mesmos pelo 1º Réu.
Para a solução do litígio posto pelas partes, importa analisar as seguintes questões essenciais: i) qual é o regime de bens aplicável no casamento entre a Autora e o 1º Réu; ii) se o preço pago pelo 1º Ré é bem comum e, iii) no caso afirmativo, qual é a consequência da utilização do património comum para a aquisição dos três imóveis em jogo.
Para responder a primeira questão, urge aquilata qual é a lei aplicável para determinar o regime de bens, visto que a relação matrimonial estabelecida entre a Autora e o 1º Réu durou desde 1968 até 2014, nesse período ocorreu sucessão das leis sobre o direito de família.
Regime de bens
Conforme os factos tidos assentes, a Autora e o 1º Réu celebrou o casamento, em Macau, em 16 de Abril de 1968, sem escolherem o regime de bens.
À data de casamento, era aplicável o Código Civil de 1966, mas, à data da celebração dos negócios jurídicos em causa, já vigora o Código Civil de 1999.
De acordo com o disposto do artº 31º do D.L. nº39/99/M o seguinte: “1. Os efeitos jurídicos dos casamentos contraídos antes da entrada em vigor do novo Código Civil, quer quanto às pessoas, quer quanto aos bens dos cônjuges, são os nele previstos, e não os estabelecidos em lei anterior, salvo na medida em que tal envolva a produção de efeitos retroactivos. 2. Os casamentos anteriores submetidos por lei anterior a determinado tipo legal de regime de bens, seja a título imperativo, seja a título supletivo, continuam sujeitos a esse tipo de regime de bens, mas com o conteúdo de que ele é provido pelo novo Código, nos termos do número anterior.”
De acordo com o direito transitório acima transcrito, o regime de bens do casamento entre a Autora e o 1º Ré é fixado pelo Código Civil de 1966.
Segundo o disposto do artº1717º desse Código, no caso de falta de convenção antenupcial, o casamento é considerado celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.
Assim, como o casamento entre a Autora e o 1º Réu foi celebrado sem convenção antenupcial, o regime de bens entre a Autora e o 1º Réu é o regime supletivo, que é comunhão de adquiridos.
Natureza comum ou próprio do dinheiro pago pelo 1º Réu
Mas, quanto ao conteúdo do regime da comunhão adquirido, de acordo com o nº2 da acima referida norma transitória, a matéria já é regulado pelas disposições do Código Civil actual e não do Código Civil anterior.
De harmonia com o disposto do nº1 do artº1603º do C.C., “Se o regime de bens adoptados pelos cônjuges for o da comunhão de adquiridos, cada cônjuge conserve o domínio e fruição dos bens que lhe pertenciam à data do casamento ou da adopção superveniente desse regime de bens e passa a ser titular em comunhão com o outro cônjuge dos bens adquiridos por qualquer dos cônjuges na constância desse regime, que não sejam exceptuados por lei, nos termos dos artigos seguintes.”
Diz ainda o artº1606º, nº1 do mesmo Código, “1. Presume-se, quer para efeitos entre os cônjuges, quer para efeitos perante terceiros, que são comuns o dinheiro ou valores utilizados por qualquer dos cônjuges na aquisição de bens ou em benfeitorias. 2. Em caso de dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns.”
No caso em jogo, vem comprovado, somente, que o preço para a aquisição da fracção autónoma “P12”, 1/276 da fracção autónoma “AYR/C” e da fracção autónoma “F6” foi pago pelo 1º Réu na constância do casamento com a Autor. Nada consta dos factos assentes quaisquer factos quanto à sua proveniência para a exclusão da presunção da natureza comum, então, esse dinheiro utilizado pelo Réu para aquisição dos imóveis para os 2º e 3º deverá ser considerado como bem comum.
*
Consequência do uso do dinheiro pelo 1º Réu na aquisição dos três imóveis
Sabendo que o 1º Réu tinha empregado o património comum para adquirir os três imóveis cuja propriedade é registada em nome dos 2ª e 3º Réus, sem consentimento da Autora, importar apurar qual é a consequência jurídica do acto do 1º Réu.
A propósito da disposição dos bens móveis, essa matéria é regulada pelo disposto do artº 1547º do C.C. vigente, em que se dividem em dois tipos: i) os que carecem de consentimento de ambos cônjuges e ii) os que podem ser disposto livremente pelo cônjuge.
De acordo com o disposto do nºs 1 a 3 do artº 1547º do C.C., fazem parte do primeiro os bens cuja administração caiba a ambos os cônjuges e os móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges e os móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, e, integra-se no segundo grupo os móveis próprios ou comuns de que tenha a administração, nos termos do nº1 e das alíneas a) a f) do nº2 do artº1543º.
No caso em apreço, nada consta dos factos assentes factos que apontam que o dinheiro usado pelo 1º Réu para a aquisição dos três móveis cuja administração caiba exclusivamente à Autora ou caiba aos ambos os cônjuges, assim, é de considerar que essa massa faz parte de bens móveis que o 1º Réu pode alienar livremente, assim, a sua disposição (não) carece do consentimento da Autora.
Assim sendo, o próprio uso do provento, embora seja de comum, para a aquisição dos três móveis é juridicamente válido, o qual não é acto susceptível de anulação, nos termos do artº1554º.
Não obstante, preceitua-se o nº4 do artº1547º do C.C., “Quando um dos cônjuges, sem consentimento do outro, alienar ou onerar, por negócio gratuito, móveis comuns de que tem a administração, é o valor dos bens alheados ou a diminuição de valor dos onerados levado em conta na sua meação, salvo tratando-se de doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais.”
O 1º Réu pagou o preço da aquisição, mas faz que os três imóveis sejam inscritos e registados a favor dos 2ª e 3º Réus, sem qualquer retribuição em contrapartida. Assim, o preço pago pelo 1º Réu para a compra dos três imóveis não pode deixar de ser entendido como ele dispõe gratuitamente desse montante para os 2ª e 3º Réus.
Como se salienta acima, a disposição gratuita dos bens móveis que o 1º Réu tem a sua administração não é impedida pela lei, a única consequência é que o valor utilizado pelo 1º Réu a favor dos 2ª e 3º Réus para a aquisição dos três imóveis deverá ser levado em conta na meação no momento da partilha, ao abrigo do disposto do nº4 do artº1547º do C.C..
Pedidos da Autora
Peticiona a Autora, a título principal, os seguintes pedidos:
i) Cancelamento do registo predial de aquisição a favor da 2ª Ré e do registo de constituição do usufruto a favor do 1º Réu quanto às fracções autónomas “P12”e 1/276 quota da “AYR/C”;
ii) Declaração de Autora e o 1º Réu como comproprietários das duas fracções mencionadas na i);
iii) Cancelamento do registo predial de aquisição a favor do 3º Réu, quanto à fracção autónoma “F6”;
iv) Declaração de Autora e o 1º Réu como comproprietários da fracção referida na iii).
A título subsidiário, pede a Autora a condenação do 1º Réu no pagamento da no montante não inferior a HKD$1.500.000,00, relativamente às fracções autónomas “P12” e 1/276 quota da “AYR/C” e a HKD$2.940.000,00, relativamente à fracção “F6”.
Pedidos principais
Em relação aos pedidos de cancelamento dos registos, diz o artº14º do C.R.P., que “os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos ou em execução de decisão judicial transitada em julgado.”
A propriedade dos três imóveis encontra-se inscrita em nome da 2ª Ré, quanto às fracções autónomas “P12”e 1/276 quota da “AYR/C”, e em nome do 3º Réus, quanto à fracção autónoma “F6”.
A propriedade dos imóveis “P12” e 1/276 quota da “AYR/C” foi transmitida pelo seu ex-proprietário para a 2ª Ré através da escritura pública de compra e venda, celebrada em 6 de Julho de 2009, entre a 2ª Ré e o E, representado pelo 1º Réu.
A propriedade do imóvel “F6” foi transmitida para o 3º Réu pelo ex-proprietário, através da escritura pública de compra e venda, celebrada em 27 de Fevereiro de 2013, entre F e o 3º Réu, na altura representado pelos 1º e 2ª Réus.
Não obstante de intervenção do 1º Réu nesses dois negócios, este actuou em nome e representação de terceiro, ora os E e 3º Réu e não em nome próprio, os dois negócios jurídicos produzem efeito na esfera jurídica dos representados. (artº 251º do C.C.)
De acordo com o que se deixa referido acima, o 1º ré pode dispor, sem consentimento da outra cônjuge, dos bens imóveis sob a sua administração, portanto, o mero facto dos referidos imóveis terem sido comprados pela massa disponibilizada pelo 1º Réu, ainda que seja património comum, nada afecta a validade dos referidos negócios jurídicos.
Assim, sem qualquer suporte da invalidade dos negócios jurídicos de compra e venda que servem de título para a inscrição dos direitos de aquisição a favor dos 2ª Ré e 3º Réu (repara que a declaração errada do estado civil pelo 1º Réu na escritura pública de 27 de Fevereiro de 2013, a qual é susceptível de ser rectificada por meio próprio, não é fundamento da nulidade do acto), nem do outro motivo da extinção desses direitos, não poderão proceder os pedidos de cancelamento do registo peticionados pela Autora.
Quanto ao cancelamento do registo do usufruto a favor do 1º Réu, de facto, não foi alegado algum fundamento legítimo, o vício da constituição do usufruto, ou outro motivo plausível, para o cancelamento do respectivo registo, também não poderá deixar de ser julgado naufragado esse pedido.
No que diz respeito aos pedidos de declaração como comproprietários dos imóveis, como se disse acima, segundo o teor das escrituras públicas, ao 1º Réu não foi transmitido o direito da propriedade sobre os três imóveis pelos ex-proprietários, não havendo qualquer título legítimo pelo qual a Autora e o 1º Réu adquirem os imóveis do seu ex-proprietários, não há fundamento para dar apoio a aquisição dos imóveis pelo 1º Réu, menos a Autora.
Assim, improcedem, também esses pedidos.
Pedidos subsidiários
Vem a Autora exigir a condenação do 1º Réu na indemnização no montante não inferior a HKD$1.500.000,00, relativamente às fracções autónomas “P12” e 1/276 quota da “AYR/C” e a HKD$2.940.000,00, relativamente à fracção “F6”.
Alicerçou os seus pedidos no disposto do nº3 do artº1565º do C.C..
Diz esse preceito que “Sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, o cônjuge devedor torna-se responsável perante o outro cônjuge, até ao montante da dívida satisfeita, pela reconstituição, com os seus bens próprios, do património comum; não existindo bens próprios ou sendo estes insuficientes, o cônjuge não devedor torna-se credor do património comum pelo montante da dívida em falta.”
Conforme os factos tidos por assentes, o que está em causa não é qualquer dívida que o 1º Réu contraiu perante terceiro, mas somente que este contribuiu, financeiramente, para a aquisição dos três imóveis inscritos em nome dos dois Réus, dito de outro modo, ele comprou os três imóveis para os 2ª e 3º Réus. De qualquer modo, mesmo que a matéria fáctica e submeteu nos pressupostos jurídicos desse preceito, é de dizer que essa norma visa-se, essencialmente, à reconstituição do património comum, o cônjuge não devedor, apenas se torna credor do património comum e não credor do cônjuge responsável.
Assim, como o dinheiro utilizada pelo 1º Réu para a aquisição dos três imóveis faz parte do bem comum e que os elementos dos autos demonstra a gratuidade desses actos, a solução adequada é que esse valor deverá ter sido em conta na sua meação no momento da partilha, nos termos do disposto do nº4 do artº1547º do C.C..
Ora, o valor a ser atribuído a cada um dos cônjuges há de ser liquidado na conta final na sede da partilha.
Não sendo os presentes autos de partilha, não sabemos quais são os bens e o respectivo valor que vão preencher a meação de cada um, nem se pode afirmar se o 1º Réu realmente tem que pagar algo à Autora nem o seu quantitativo, assim, é patente que não pode condenar o 1º Réu no pagamento da quantia peticionada pela Autora.
Nestes termos, improcede, igualmente, esses pedidos.
***
IV) DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga totalmente improcedente a acção e, em consequência, decide:
- Absolver os Réus B, C e D de todos os pedidos formulados pela Autora A…”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso, com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, é de negar o recurso nesta parte com os fundamentos invocados na decisão recorrida.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Autora.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Janeiro de 2020.
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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933/2019