Processo n.º 744/2019
(Autos de recurso cível)
Data: 20/Fevereiro/2020
Descritores: Erro-vício
Cognoscibilidade do erro pelo declaratário
SUMÁRIO
Dispõe o n.º 3 do artigo 240.º do Código Civil que o erro considera-se cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência colocada na posição do declaratário se podia ter apercebido dele.
No caso dos autos, o facto de os promitentes-vendedores, ora recorridos, serem proprietários de determinada fracção autónoma e trabalharem todos os dias nessa fracção, não significa que eles sabiam a verdadeira área de utilização do referido imóvel. Daí que não se pode deduzir que os recorridos, colocados na posição de uma pessoa de normal diligência, se podiam ter apercebido que os promitentes-compradores, ora recorrentes, estavam em erro sobre a área de utilização da fracção autónoma em questão.
Aliás, a informação errada sobre a área de utilização do imóvel resulta do próprio registo predial e não ficou demonstrado que foram os próprios promitentes-vendedores quem prestaram aquela informação falsa aos promitentes-compradores.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo n.º 744/2019
(Autos de recurso cível)
Data: 20/Fevereiro/2020
Recorrentes:
- A e B (Autores)
Recorridos:
- C e D (Réus)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A e B, Autores na acção declarativa comum sob a forma de processo ordinária que correu termos no TJB, com sinais nos autos (doravante designados por “recorrentes”), inconformados com a sentença que julgou improcedente a acção por si intentada contra os Réus C e D (também designados por “recorridos”), recorreram aqueles jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1 (…)
2. (…)
3. (…)
4. 上訴人認為,被上訴判決存有『對事實認定之錯誤』及其他法律問題的情況,使之構成沾有瑕疵,故應予廢止。
5. 第一項: 被上訴判決存有第一項『對事實認定的錯誤』的瑕疵 – 沒有整體考慮既證事實的整體性及相關邏輯性。
6. 從已證事實E項及G項中,原告/上訴人與被上訴人雙方共簽署了2次涉及位於澳門圓台街XX號及XX號及漁翁街XX號至XX號及圓台街XX號及漁翁街XX號至XX號XXXXXX之獨立單位(屬廠房用途,物業標示編號為XXXXX,房地產紀錄編號XXXXX,業權登錄編號: XXXXX)的預約買賣之“文件及合約” – 見卷宗第12頁至第14頁。
7. 前者為於2016年4月22日簽署約定以每一平方呎價值為港幣$4,150.00作為買賣條件的基礎,後者則是於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署的《承諾買賣合約》,並按上指(A12)獨立單位的物業登記所載的291.62平方米為基礎,並按澳門物業買賣習慣來作出訂定總價金。
8. 雖然在XXX律師事務所簽署的《承諾買賣合約》存在交易價金記載為HKD$15,608,600.00,但經過庭審後,《承諾買賣合約》的記載交易價金已獲修正為HKD$18,608,600.00 – 見已證事實H項及待證事實第6點之裁決。
9. 所以,於2016年4月22日簽署的買賣約定條件之“文件”及2016年7月1日在XXX律師事務所簽署的《承諾買賣合約》是兩份 “本為一體”的預約買賣關係的合同。
10. 上訴人甚至認為,2016年7月1日在XXX律師事務所簽署的《承諾買賣合約》是依從遵照2016年4月22日簽署的“買賣約定條件”而執行的,除非有更多隨後約定之事實是與2016年4月22日簽署的買賣約定條件相違背,否則,應以『2016年4月22日簽署的買賣約定條件』為執行的最終方向。
11. 事實上,2016年7月1日在XXX律師事務所簽署的《承諾買賣合約》最終修正交易價金為HKD$18,608,600.00,其計算來源於HKD$18,608,561.74 = HKD$4,150.00 x (291.62平方米 x 10.7633平方呎/平方米) ÷ 70%,最終取一個百位整數而定價的。
12. 上述的291.62平方米為物業登記記載A12獨立單位的『實用面積』,而70%則是澳門不動產巿場交易習慣以每一平方呎價金訂價的『實用面積』的對比值。
13. 可是,經過法官 閣下批准而進行針對涉案單位A12的實量實度後,涉案單位A12的實用面積僅為243.3平方米 – 見卷宗第127頁及待證事實第9點之裁決。
14. 換言之,上訴人於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署的《承諾買賣合約》的行為,就是受到載於物業登記局發出涉案單位A12的相關書面報告所載的實用面積為291.62平方米的錯誤資訊所造成。
15. 實用面積相差48.32平方米,相等於520.08平方呎,可以想像一下,這個實用面積差不多是一個一廳兩房的經濟房屋的大小。
16. 雖然,在訴訟初期,上訴人透過E投資有限公司針對涉案單位A12的《物業估價報告書》(見卷宗第16頁)所記載該單位之實用面積為2,554平方呎,即相等於237.28平方米(=2,554 ÷ 10.7633),與政府土地工務運輸局所發出的報告書(見卷宗第127頁)所記載該單位之實用面積為243.3平方米有所不同,但均顯示與涉案單位A12的物業登記局所記載的291.62平方米存在不一致。
17. 上訴人認為,載於起訴狀第19條陳述的事實,其所支持主張針對上訴人與被上訴人於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署的《承諾買賣合約》的行為,就是受到載於物業登記局發出涉案單位A12的相關書面報告所載的實用面積為291.62平方米的錯誤資訊所造成,故符合《民法典》第240條「因瑕疵意思表示而生之錯誤」第1款規定的情況。
18. 在庭審期間,尤其是針對上訴人A的當事人陳述的詢問過程中,已明確表示,倘知悉涉及單位A12的實用面積出現縮少48.32平方米時,其基於自身需要的考慮,是不會購買涉案單位A12的。
19. 同時亦表明,上訴人在提出訴訟前,已曾聯繫被上訴人,就有關涉案單位A12縮少面積一事,被上訴人僅一直強調不知悉及不清楚,且不回應是否同意縮減買賣合同所指之“交易價金”(因已獲悉涉案單位A12之實際面積由物業登記顯示的291.62平方米更正為243.3平方米),因而上訴人與被上訴人,從來沒有談論是否就真實的條件下(涉案單位面積為243.3平方米)達成任何可解決是次爭議的方案,即依從2016年4月22日簽署的買賣約定條件每一平方呎計算交易價金而繼續完成有關交易。
20. 所以,上述的情況是符合《民法典》第240條第2款規定的情況。
21. 繼而賦予上訴人有權撤銷上訴人與被上訴人於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署的《承諾買賣合約》的行為。
22. 而被上訴人須返還已收取上訴人支付之訂金HKD$3,500,000.00予上訴人 – 見《民法典》第282條規定。
23. 然而,被上訴判決在事實判斷中,雖然針對本案已獲證明事實方面,部份符合《民法典》第240條規定的主觀及客觀要件。
24. 但被上訴判決同時提及,由於作出上訴人,在起訴狀中沒有提出陳述被告/被上訴人知悉涉案不動產A12之實用面積之錯誤,即未能證明被告對錯誤的可知性之事實;另外,也指出在已證事實方面,沒有得出結論,是指一般人處於被告位置可以容易地發現原告之錯誤,尤其是指出上訴人僅僅陳述被上訴人每天在涉案單位A12內工作而推斷被上訴人知悉實用面積的錯誤。
25. 故被上訴判決認定上指顯示之錯誤不屬可認知的。
26. 同時,亦指出提供錯誤的涉案單位A12的實用面積僅為一份物業登記證明載有的資訊,故也不符合《民法典》第240條第1款第2項要件。
27. 因此,被上訴判決認為,雖然獲得證實涉案單位A12的實用面積存在錯誤,且在不變條件下,上訴人不會以原有價金進行有關交易,符合主觀及客觀必要性,但因為欠缺證實被上訴人是知悉該等可認知的錯誤,或係因其所提供之資訊而產生,故認為上訴人不可以按《民法典》第240條規定撤銷有關預約買賣合同。
28. 上訴人不能認同上述的依據。
29. 首先,上訴人在起訴狀提及了,根據澳門物業登記局發出涉案單位A12的證明中,顯示了其實用面積為291.62平方米,而這個數字,上訴人與被上訴人於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署《承諾買賣合約》時,必然且必須經被上訴人表示同意的,其行為是直接及必須的一種“意思表示”,也有一種間接提供資訊,又或是核實物業登記局發出涉案單位A12實用面積的意義。
30. 所以,上訴人於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署涉案單位A12的《承諾買賣合約》時,必然是在被上訴人表示了其指出涉案單位A12的實用面積為291.62平方米,才予簽署該合約。
31. 因此,被上訴判決對此部份之判斷,明顯是出現了『對事實認定的錯誤』,應予裁定被上訴人的行為構成《民法典》第240條第1款規定的情節。
32. 繼而,應按《民法典》第280條規定,宣告撤銷上訴人與被上訴人於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署《承諾買賣合約》,其內載有出售澳門圓台街XX號及XX號及漁翁街XX號至XX號及圓台街XX號及漁翁街XX號至XX號XXXXXX之獨立單位,作價為HKD$18,608,600.00,因其組成乃存在因瑕疵意思表示而生之錯誤。
33. 隨之,應按《民法典》第282條規定,命令被上訴人返還已收取上訴人交付之訂金HKD$3,500,000.00予上訴人。
34. 第二項: 被上訴判決存有第二項瑕疵 – 合同的效力。
35. 在上述的情況,即使不能歸責於被上訴人有提供交易上之錯誤資訊,但亦證實有關涉案單位A12的實用面積存在錯誤,即不是291.62平方米而是243.3平方米。
36. 對於上訴人而言,由於非屬上訴人之過錯,那麼,上訴人與被上訴人於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署涉案單位A12的《承諾買賣合約》,就不能對其產生效力 – 見《民法典》第216條第3款規定。
37. 因此,倘被上訴人不返還上訴人已支付之交易訂金款項HKD$3,500,000.00,顯然存在被上訴人不當得利的情況 - 見《民法典》第467條規定。
38. 另外,還得提出一點: 上訴人於2016年12月15日提出本訴訟請求,即在上訴人與被上訴人約定簽署涉案單位A12之不動產公文書最後日期2016年12月16日尚未過期,而上訴人已向被上訴人提出了涉案單位A12的實用面積不是291.62平方米時,被上訴人仍不願意以真實實用面積計算價金完成有關交易。
39. 其行為顯然不存在按善意規則行事,且在有跡象出現履約條件的不真實下,不願意承擔,故其行為具有過錯,並應該為上訴人出現的損害負責 - 見《民法典》第219條第1款規定。
40. 毫無疑問,倘被上訴人不返還已收取上人交付了的訂金款項HKD$3,500,000.00時,則造成了上訴人的損害事實。
41. 而審判期間,被上訴人在知悉涉案單位A12的真實實用面積後,也沒有按上訴人與被上訴人於2016年4月22日簽署的買賣約定修件,即按建築面積每一平方英呎計價為HKD$4,150.00,作出縮減價金至真實交易總價,其行為是存在非善意的。
42. 而這種按非善意規則行事,引致上訴人有權請求法官 閣下作出裁決,命令被上訴人請求返還訂金款項HKD$3,500,000.00予上訴人。
43. 第三項: 本案可作出有別於被上訴判決的裁決。
44. 考慮到《民事訴訟法典》第5條規定,在現在已獲證明之事實下,尤其包含《民事訴訟法典》第434條的規定,對上訴人與被上訴人於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署涉案單位A12的《承諾買賣合約》作出更正,包括以2016年4月22日上訴人與被上訴人簽署的買賣約定條件為基礎,按事實的真相,即交易總價金為HKD$15,525,214.56 (=HKD$4,150.00 x 243.3平方米 x 10.7633平方呎/平方米 ÷ 70%),以便上訴人與被上訴人繼續完成有關不動產之交易。
基於此,請求上級法院法官 閣下作出審理,並裁定上訴人提出的上訴請求成立,廢止被上訴判決,命令被上訴人向上訴人返還已收取的訂金款項HKD$3,500,000.00予上訴人;
又或是,
基於上訴人沒有過錯,而被上訴人沒有按善意規則履行交易所應遵從的真實性事實,命令被上訴人向上訴人返還已收取的訂金款項HKD$3,500,000.00予上訴人;
最後,基於本案提出時仍未逾期履行買賣期,故請求上級法院法官 閣下裁定對上訴人與被上訴人於2016年7月1日在XXX律師事務所簽署涉案單位A12的《承諾買賣合約》作出更正,包括以2016年4月22日上訴人與被上訴人簽署的買賣約定條件為基礎,按事實的真相,即交易總價金為HKD$15,525,214.56 (=HKD$4,150.00 x 243.3平方米 x 10.7633平方呎/平方米 ÷ 70%),以便上訴人與被上訴人繼續完成有關不動產之交易。”
*
Ao recurso responderam os Réus, ora recorridos, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O recurso ao qual agora se responde vem interposto da sentença de fls. 217 a 227 dos autos supra cotados e, como se sabe, são as Conclusões que delimitam e fixam o objecto do recurso, as quais não se limitam por isso a uma mera síntese das alegações.
2. Os Recorrentes vêm em plenas alegações de recurso deduzir pedidos que não constavam da petição inicial, sendo por isso manifestamente apresentados em momento processualmente inadmissível e em desrespeito pelo preceituado no artigo 217º do CPC.
3. Com efeito, os recursos são os meios processuais de impugnação das decisões judiciais (artigo 581º do CPC), sendo certo sobre os Recorrentes impendem os ónus de alegar e formular conclusões, indicar os fundamentos por que pedem a alteração ou anulação da decisão e, sendo caso disso, as normas jurídicas que foram incorrectamente interpretadas ou aplicadas pelo Tribunal a quo (artigo 598º do CPC).
4. No fundo, o Tribunal de recurso só pode e deve conhecer as questões apreciadas e decididas pelo Tribunal recorrido e não questões novas que nunca antes foram apreciadas.
5. Razões que levam desde logo à rejeição do recurso no tocante aos pedidos de “rectificação do preço” constante do contrato-promessa (que mais não é do que um escamoteado pedido de redução do preço que já antes havia sido indeferido pelo Tribunal a quo) e de “devolução do sinal” pago com base em causas de pedir (artigos 216º, 219º e 467º do Código Civil) que nunca antes foram alegadas.
6. Em todo o caso, sempre se diga que os Recorrentes vêm – conforme as Conclusões 43 e 44 das alegações de recurso – de forma temerária deduzir novamente um pedido de redução do preço (reformulado sob o rótulo de “rectificação do preço”), o qual já antes foi considerado intempestivo pelo MM.º Tribunal Judicial de Base e que, por essa razão, não foi admitido (vide despacho de fls. 212 e 213v. dos autos).
7. Estando assim formado caso julgado formal quanto a essa matéria, nos termos do artigo 575º do Código de Processo Civil, e mesmo que assim não fosse de entender, tão-pouco seria possível aos Recorrentes deduzir pedidos e alegar causas de pedir em sede recursiva.
8. Vêm os Recorrentes alegar também que, ainda que os Réus/Recorridos não possam ser responsabilizados pela informação incorrecta neste negócio, estava demonstrado que a área real do imóvel era inferior à área que constava da certidão do registo predial e, portanto, requerer a devolução do sinal, pedido que se sustenta nas Conclusões 34 a 42.
9. Para tanto, alegam que o contrato-promessa que outorgaram não deveria ser eficaz ao abrigo do artigo 216º, n.º 3, do Código Civil porque agiram sem culpa, devendo assim ser ressarcidos ao abrigo do artigo 467º do Código Civil.
10. Como é bom de ver, a norma do artigo 216º, n.º 3 do Código Civil refere-se à ineficácia da declaração negocial que, sem qualquer culpa do destinatário da mesma, não é recebida em condições de ser conhecida, o que não tem absolutamente nada que ver com o caso dos autos.
11. Acresce que a figura do enriquecimento sem causa (artigo 467º do Código Civil) também não é aplicável, de todo, à situação descrita no presente pleito porquanto há um contrato que foi celebrado entre as partes e que, por não quererem cumprir com o mesmo, os Recorrentes procuraram invalidar o negócio através da invocação de erro na sua celebração.
12. Finalmente, tão-pouco tem qualquer aplicabilidade a norma do artigo 219º do Código Civil porquanto não está em causa uma situação de “culpa in contrahendo” já que o negócio foi concluído (o incumprimento definitivo do mesmo não significa que não tenha sido celebrado um negócio).
13. Ademais, não há um único facto demonstrado nos autos (nem sequer foi indicado qualquer facto em sede de alegações de recurso) que permita aos Recorrentes alegar, com seriedade, que os Recorridos não se comportaram no decurso das negociações com boa fé e lealdade ética, conforme é imposto pelo artigo 219º do Código Civil.
14. Pelo que resta concluir que, além de ser deduzido em momento processualmente inadmissível, é um pedido sem causa de pedir, sem quaisquer factos que o suportem e que também por essa razão deverá ser indeferido.
15. Finalmente, constata-se que o recurso apresentado se limita à questão da cognoscibilidade do erro por parte dos Recorridos (como se retira das Conclusões 1 a 33), à qual o Mm.º Tribunal recorrido deu (e bem!) resposta negativa porquanto nem sequer tinham sido alegados factos que demonstrassem essa suposta cognoscibilidade.
16. Vêm os Recorrentes alegar que os pressupostos de aplicabilidade do artigo 240º, n.º 1 do Código Civil se encontram preenchidos porque foram os Recorridos que “confirmaram” indirectamente através do contrato-promessa que a área do imóvel era de 291,63 metros quadrados.
17. Como é bom de ver, os Recorrentes vêm agora em sede recursiva “revestir” uns “factos” (falsos!) que antes tinham invocado apenas em sede de alegações de direito para defender que foram os Recorridos que “prestaram informações” quanto à área do imóvel.
18. Onde antes, em sede de alegações de direito, haviam sido os Recorridos a dar a informação do registo predial aos Recorrentes (facto que era absolutamente falso), agora são os Recorridos que “indirectamente” através do contrato-promessa – que não tem referência alguma à área do imóvel – confirmaram que a área do imóvel era de 291,63 metros quadrados, o valor constante do registo predial.
19. Como se pode ver, os Recorrentes jogam ardilosamente com questões de semântica para, à falta de factos, recorrer a “deduções” que lhes são muito convenientes e favoráveis para criar uma narrativa com vista a sustentar uma suposta cognoscibilidade dos Recorridos conforme o disposto no artigo 240º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil.
20. Sobre esta questão já o Mm.º Tribunal a quo se pronunciou em termos que nos parecem inatacáveis, mediante verificação de que nunca foram alegados quaisquer factos relativamente à cognoscibilidade do erro por parte dos declaratários nos termos previstos no artigo 240º, n.º 1 do Código Civil, nunca tendo sido afirmado sequer que os Recorridos conheciam o erro!
21. Em todo o caso, sempre se dirá ainda que “(…) o negócio não pode ser invalidado se o risco da verificação do erro foi aceite pelo declarante ou, em face das circunstâncias, o deveria ter sido, ou ainda quando o erro tenha sido devido a culpa grosseira do declarante.” (artigo 240º, n.º 2 do Código Civil)
22. Como bem notou o Mm.º Tribunal a quo no Acórdão que recaiu sobre a matéria de facto, não se considerou demonstrado que os Autores supunham que o imóvel tinha uma área semelhante ao do imóvel onde tinham instalado a sua fábrica porque, da prova dos autos (incluindo o depoimento do 1º Autor e da testemunha dos Autores/Recorrentes) já resultava de forma clara que era evidente que o imóvel era mais pequeno.
23. Considerando que também ficou provado que “O 1º Autor conhecia, há vários anos, o imóvel.” (vide resposta ao quesito 30º) e ainda que “O 1º Autor esteve no interior do imóvel várias vezes ao longo dos anos.” (vide resposta ao quesito 30ºA) teria de concluir-se que, ainda que fosse possível afirmar que se encontrava verificado o requisito da cognoscibilidade do erro previsto no artigo 240º, n.º 1 do Código Civil, sempre se teria de concluir que o risco de verificação do erro foi aceite pelos Recorrentes ou que o deveria ter sido em face das circunstâncias, ou mesmo que o erro se ficou a dever a culpa grosseira dos Recorrentes (artigo 240º, n.º 3 do Código Civil).
24. Razão pela qual o negócio tão-pouco poderia ser invalidado, pelo que não merece censura a sentença recorrida a este respeito pois não se verifica qualquer erro na aplicação da lei aos factos por parte do Mm.º Tribunal recorrido.
Nestes termos, e no mais de Direito, deverá o recurso apresentado pelos Recorrentes ser totalmente improcedente, mantendo-se assim a decisão recorrida.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O A. A é dono da empresa comercial denominada de Fábrica F (F廠) (alínea A) dos factos assentes).
A Fábrica F (F廠) labora em instalações, sitas na XXXXXX, com uma área de utilização de 294.82m2 (alínea B) dos factos assentes).
Os RR. São proprietários da fracção autónoma designada por “A12”, correspondente ao XX andar XX, para fábrica, do prédio sito em Macau, com os nºs XX a XX da Rua XXXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX (alínea C) dos factos assentes).
De acordo com o Registo Predial, a área de utilização da fracção autónoma referida na al. C. é de 291.62m2 (alínea D) dos factos assentes).
No dia 22 de Abril de 2016, o R. C e a A. B assinaram o escrito a fls. 13 dos autos, através do qual aquele prometeu vender e esta prometeu comprar a fracção autónoma indica na al. C. pelo preço de HK$4.150,00 por pés quadrados. (alínea E) dos factos assentes).
Com a assinatura do escrito a fls. 13 dos autos, a A. B entregou ao R. C, a título de sinal, a quantia de HKD$3.500.000,00, mediante o cheque na XXXXXX do Banco da China (alínea F) dos factos assentes).
A fim de liquidar e pagar menos imposto do selo, ficou mencionado no escrito a fls. 14 dos autos como preço de compra e venda a quantia de HKD$15.608.600,00, e que os AA. entregaram um sinal no montante de HKD$500.000,00 (alínea G) dos factos assentes).
O preço real da compra e venda acordado foi de HKD$18.608.600,00 e o montante de sinal efectivamente entregue aos RR. foi de HKD$3.500.000,00 (alínea H) dos factos assentes).
Os Autores pretendiam deslocar as instalações da Fábrica F (F廠) para o imóvel dos Réus que permitiria a colocação da respectiva maquinaria e equipamento de produção (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
De acordo com a prática comum no mercado imobiliário de Macau, quando o preço de venda dos imóveis é fixado de acordo com as respectivas áreas, é tida em conta a área de construção, englobando as áreas de utilização e as áreas das partes comuns do prédio (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
As partes acordaram que o preço de venda do imóvel seria fixado de acordo com a área de construção calculada a partir da área de utilização do imóvel constante do registo predial, considerando-se que a área de utilização correspondia a 70% da área de construção, sendo esta área de 4.484 pés quadrados e o preço de venda de HK$18.608.600,00 (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
Através do documento junto a fls 14 e verso dos autos, assinado pelas partes, em 1 de Julho de 2016, foi feito um aditamento ao escrito a fls 13 dos autos para complementar e especificar os termos da transacção, tendo ficado a constar que os AA. prometiam comprar e os RR. prometiam vender a referida fracção autónoma (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
Para financiamento da compra prometida, os AA. solicitaram ao Banco da China a concessão de um empréstimo bancário, que seria garantido por hipoteca a constituir sobre o imóvel em causa (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
A área de utilização do imóvel objecto da promessa de compra e venda corresponde a cerca de 243,3 m2, e não aos 291,63 m2 que constam na descrição predial (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
Após ter procedido à avaliação do imóvel, o Banco da China veio comunicar aos AA. que a área de utilização do imóvel correspondia apenas a 2.554 pés quadrados (equivalente a 237,28 m2) (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
Devido à divergência na área do imóvel os AA. contactaram os RR. (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
O critério para a formação do preço de venda de HK$18.608.600,00 foi o preço por pé quadrado referido na alínea E dos factos assentes multiplicado pela área da construção referida na resposta ao quesito 6º (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
Os Autores estavam convencidos que a área da utilização constante do registo predial correspondia à realidade (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
A área de utilização da fracção foi decisiva para os Autores formarem a sua vontade relativamente ao preço de venda de HK$18.608.600,00 (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
Os Autores só aceitaram o preço de venda de HK$18.608.600,00 por corresponder ao preço calculado nos termos referido na resposta ao quesito 6º a partir da área de utilização constante do registo predial que se verificou estar, afinal, errada (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
Os Autores jamais teriam aceitado pagar o preço venda de HK$18.608.600,00 caso soubessem que a área de utilização referida na resposta ao quesito 17º não correspondia à realidade (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
Os Réus sabiam que a área de utilização da fracção autónoma constante do registo predial serviu para o cálculo do preço de compra e venda nos termos referido na resposta ao quesito 6º (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
Tendo tido conhecimento que os Réus estavam a negociar a venda do imóvel com terceiros, os Autores procuraram antecipar-se, chegar a um acordo com os Réus, reservar o imóvel para si e obter um desconto junto destes (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
Ao que o 1º Réu acedeu, tendo concedido um desconto equivalente a HKD$50.00 por pé quadrado (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
Razão pela qual foi assinado o documento junto a fls 13 (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
O 1º Autor conhecia, há vários anos, o imóvel (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
O 1º Autor esteve no interior do imóvel várias vezes ao longo dos anos (resposta ao quesito 30ºA da base instrutória).
A vontade dos Autores de comprar o imóvel resultou do facto de terem acordado um preço por pé quadrado satisfatório com os Réus e de o 1º Autor conhecer o imóvel em causa (resposta ao quesito 33º da base instrutória).
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Entendem os recorrentes que verificados estão todos os requisitos do erro-vício previstos no artigo 240.º do Código Civil.
Salvo o devido e mui respeito, não podemos acompanhar a posição defendida pelos recorrentes. Senão vejamos.
Tal como se decidiu na sentença recorrida, e bem, apenas ficou provada a essencialidade subjectiva e objectiva do erro em que os Autores, ora recorrentes, incorreram, faltando o preenchimento do requisito da cognoscibilidade do erro pelos recorridos ou de que erro tivesse sido causado por informações prestadas por estes, conforme se estatui no n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil.
No que à cognosciblidade concerne, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que o erro é cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência colocada na posição do declaratário se podia ter apercebido dele.
No caso dos autos, o facto de os promitentes-vendedores, ora recorridos, serem proprietários da fracção autónoma em causa e trabalharem todos os dias nessa fracção, não significa que eles sabiam a verdadeira área de utilização do referido imóvel. Daí que não se pode deduzir, através da parca factualidade acima descrita, que os recorridos, colocados na posição de uma pessoa de normal diligência, se podiam ter apercebido que os promitentes-compradores, ora recorrentes, estavam em erro sobre a área de utilização da fracção autónoma em questão.
Sendo assim, andou bem a sentença recorrida ao decidir pela inverificação da cognoscibilidade do erro por parte do declaratário.
Por outro lado, também não lograram os recorrentes provar que foram os recorridos quem lhes prestaram informações falsas.
Efectivamente, a informação errada sobre a área de utilização do imóvel resulta do próprio registo predial e não ficou demonstrado que foram os próprios recorridos quem forneceram aquela informação falsa aos recorrentes.
Aqui chegados, improcede o recurso nesta parte.
Assacam ainda os recorrentes à sentença recorrida a violação do disposto no artigo 216.º, n.º 3 e artigo 467.º, ambos do Código Civil.
Prevê o artigo 216.º, n.º 3 que: “A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.”
Ora bem, segundo a matéria provada, ambas as partes assinaram o contrato-promessa e tomaram conhecimento do seu conteúdo, pelo que não se vislumbra que a referida norma possa ser aplicada ao caso concreto.
O mesmo acontece com o artigo 467.º, em que consagra o instituto de enriquecimento sem causa.
Em bom rigor, uma vez verificada a celebração de um contrato-promessa entre as partes, não se descortina aplicável ao caso concreto a tal figura, atenta a sua natureza subsidiária.
Finalmente, pedem os recorrentes a rectificação/redução do preço, tendo em conta a área de utilização real e efectiva da fracção prometida à venda.
Quanto a essa questão, foi já oportunamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância, no sentido de não admissão do referido pedido subsidiário, cuja decisão já transitou em julgado.
Nestes termos, por força do caso julgado formal previsto no artigo 575.º do Código de Processo Civil, vedada está a apreciação dessa mesma questão ora levantada pelos recorrentes.
Tudo visto e ponderado, o recurso interposto pelos Autores ora recorrentes tem que soçobrar.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelos recorrentes A e B, confirmando a senteça recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
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RAEM, 20 de Fevereiro de 2020
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Recurso cível 744/2019 Página 1