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Proc. nº 935/2019
Recurso Jurisdicional em matéria cível
Data do acórdão: 20 de Fevereiro de 2020
Relator: Cândido de Pinho
Descritores:
- Obra defeituosa
- Danos
- Liquidação em execução de sentença

SUMÁRIO:

Provados o facto ilícito e os danos, mas não o seu quantum, se for previsível, face à situação concreta, que a sua quantificação se torne possível no âmbito da liquidação em execução de sentença (art. 564º, nº2, do C.C.), deve o tribunal condenar no que vier a ser liquidado nessa sede, sem necessidade, por enquanto, de condenação com recurso à equidade (art. 560º, nº2, do C.C.).



Proc. nº 935/2019

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, do sexo masculino, casado, maior, portador do BIRM permanente n.º XXXXX, residente no XXXXXX, Taipa, Macau, ---
Instaurou no TJB (Proc. nº CV2-15-0104-CAO) acção declarativa com processo ordinário contra: ----
B, do sexo masculino, maior, portador do BIRM permanente n.º XXXXXX, residente no XXXXXX, Macau;
Pedindo a condenação deste no pagamento de indemnização no montante total de MOP$ 149.435,10 pelos danos sofridos pelo cumprimento defeituoso de obra que este àquele executou, bem como nos juros de mora legais.
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Por sentença de 27/03/2019 foi a acção julgada improcedente e o reu absolvido do pedido.
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Contra essa sentença vem agora interposto pelo autor o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Lê-se na sentença a fls. 221, “Relativamente aos vários problemas indicados pelo autor, a saber, o desnivelamento das lajes do limiar da casa de banho de hóspedes; o revestimento com placas de cerâmica das paredes da cozinha não foi executado de forma homogénea, o trabalho foi tão mal feito que apareceram vários problemas; o facto de que depois do julgamento, este tribunal provou o desnivelamento das lajes do limiar da casa de banho colocadas pelo réu, o cimento não foi aplicado de forma homogénea e em quantidade suficiente nas paredes da cozinha antes da colocação das placas de cerâmica e portanto apareceram espaços entre as placas e o corpo das paredes; e o facto de que as fissuras nas placas nas paredes da cozinha começaram a aparecer em 2014. ..., seguramente o réu nunca cumpriu os deveres, então devia pagar a indemnização ao autor pelos prejuízos sofridos. Todavia, o autor não conseguiu provar os prejuízos pecuniários causados pelos problemas acima mencionados; com base nisto, este tribunal não consegue provar que o cumprimento defeituoso do contrato por parte do réu tenha provocado qualquer prejuízo pecuniário ao autor. Portanto, é igualmente improcedente o requerimento apresentado pelo autor de indemnização pelos danos patrimoniais causados pelos defeitos acima identificados.”
2. No presente processo, está provado pelo tribunal “o desnivelamento das lajes do limiar da casa de banho colocadas pelo réu, o cimento não foi aplicado de forma homogénea e em quantidade suficiente nas paredes da cozinha antes da colocação das placas de cerâmica e portanto apareceram espaços entre as placas e o corpo das paredes,· e o facto de que as fissuras nas placas nas paredes da cozinha começaram a aparecer em 2014. Portanto, as obras executadas pelo réu tinham verdadeiramente defeitos.” e os defeitos ainda não foram reparados até este momento.
3. Nos termos do art.º 560.º, n.º 1 do CC, “A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.” No entanto, o problema enfrentado pelo juízo a quo era: o autor não conseguiu provar os prejuízos pecuniários causados pelos problemas acima mencionados; portanto, o juízo a quo não determinou uma indemnização pelos danos pecuniários pelos defeitos aqui em causa.
4. Porém, nos termos do art.º 560.º, n.º 6 do CC, o juízo a quo devia ter, nos termos da disposição acima citada, determinar equitativamente uma indemnização não inferior às MOP$ 30.000,00 pelos danos relacionados.
5. Além disso, também se verifica o problema “Por último, o autor disse: ao instalar a porta da casa de banho principal, o réu não reservou um espaço suficiente e por causa disso o pé da porta arrastava pelo chão, então ao abrir e fechar a porta, havia barulhos de fricção, o acabamento da porta era de péssima qualidade e esteticamente ficava mal.
6. No entanto, eis o fundamento do juízo a quo, “o autor não indicou quanto foram os prejuízos patrimoniais causados pelos defeitos que ele tinha sofrido; à falta de tais informações, este tribunal não tem provas à disposição por poder determinar que o autor tenha sofrido qualquer prejuízo patrimonial por causa disso.”
7. O juízo a quo já deu por assentes os defeitos existentes nas obras executadas pelo recorrido; muito embora não tenha averiguar os prejuízos patrimoniais, o juízo recorrido sempre devia ter decidido equitativamente sobre a indemnização pelos defeitos na sentença nos termos do art.º 560.º, n.º 6 do CC, no montante não inferior a MOP$20.000,00.
8. Se foi por causa da falta de informações é que o tribunal a quo “não consegue provar que o cumprimento defeituoso do contrato por parte do réu tenha provocado qualquer prejuízo pecuniário ao autor”, sempre podia ter-se orientado pelo art.º 564.º, n.º 2 do CPC.
9. Portanto, pode-se ficar a saber que mesmo se o tribunal não conseguiu determinar equitativamente o montante de indemnização, sempre podia proceder à liquidação em execução de sentença.
10. Portanto, deve-se mudar o conteúdo constante dos autos a fls. 217 a 221v, o tribunal recorrido devia ter decidido equitativamente sobre os defeitos, mais precisamente: o desnivelamento das lajes do limiar da casa de banho colocadas pelo réu, o cimento não foi aplicado de forma homogénea e em quantidade suficiente nas paredes da cozinha antes da colocação das placas de cerâmica e portanto apareceram espaços entre as placas e o corpo das paredes; e o facto de que as fissuras nas placas nas paredes da cozinha começaram a aparecer em 2014; ao instalar a porta da casa de banho principal, o réu não reservou um espaço suficiente e por causa disso o pé da porta arrastava pelo chão, então ao abrir e fechar a porta, havia barulhos de fricção, o acabamento da porta era de péssima qualidade e esteticamente ficava mal; ou alternativamente condenado no que se liquidasse em execução de sentença.
IV. Requerimentos
Portanto, contando-se com o douto parecer jurídico do Mm.º Juiz, pede-se dar procedência ao presente recurso e mudar o conteúdo constante dos autos a fls. 217 a 221v, o tribunal recorrido devia ter decidido equitativamente sobre os defeitos e fixado uma indemnização no montante não inferior a MOP$50.000,00, mais precisamente: o desnivelamento das lajes do limiar da casa de banho colocadas pelo réu, o cimento não foi aplicado de forma homogénea e em quantidade suficiente nas paredes da cozinha antes da colocação das placas de cerâmica e portanto apareceram espaços entre as placas e o corpo das paredes; e o facto de que as fissuras nas placas nas paredes da cozinha começaram a aparecer em 2014; ao instalar a porta da casa de banho principal, o réu não reservou um espaço suficiente e por causa disso o pé da porta arrastava pelo chão, então ao abrir e fechar a porta, havia barulhos de fricção, o acabamento da porta era de péssima qualidade e esteticamente ficava mal; ou alternativamente devia ter condenado no que se liquidasse em execução de sentença.”
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Não houve resposta ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“Os factos assentes:
- Em 20 de Março de 2013, autor e réu acordaram verbalmente que este realizaria obras de construção civil na casa do autor (fracção autónoma do XXXXXX), mediante o pagamento de setenta e quatro mil e quinhentas patacas por parte do autor. (Facto assente alínea A))
- Posteriormente, mas ainda em Março de 2013, o réu elaborou o orçamento relativo ao referido acordo, o qual se mostra junto a fls. 10, onde mencionou os trabalhos da obra a realiza. (Facto assente alínea B))
- Posteriormente, autor e réu acordaram verbalmente que o réu executaria ainda outros trabalhos na obra. (Facto assente alínea C))
- Em 1 7 de Abril de 2013, o réu elaborou o orçamento que se mostra junto a fls. 11, no qual descreveu os trabalhos adicionais e o respectivo preço (sete mil, setecentas e cinquenta patacas). (Facto assente alínea D))
- No dia 25 de Março de 2013 o réu começou a executar a obra acordada e no dia 25 de Abril de 2013 manifestou que já a tinha concluído e saiu da fracção autónoma do autor. (Facto assente alínea E))
- O réu desmontou as portas da cozinha, da casa de banho para visitas e do quarto de casal, deitou-as fora e não colocou outras em substituição. (Facto assente alínea F))
- Na fracção autónoma do autor, a largura das portas dos quartos é de 86 centímetros, tendo o réu modificado a largura de uma dessas postas para 77 centímetros. (Facto assente alínea G))
- A dimensão de todos os materiais necessários para a obra foi fornecida pelo réu ao autor, cabendo ao autor comprá-los. (Facto assente alínea H))
- Conforme acordado entre autor e réu, o réu tinha de desmontar a parede de azulejos do banheiro e da cozinha e, depois, remontá-la com os materiais fornecidos pelo autor. (Facto assente alínea I))
- O Autor apresentou o pedido de apoio judiciário junto da Comissão de Apoio Judiciário no dia 4/05/2015 e intentou a presente acção no dia 23/11/2015. (Facto assente alínea J))
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A base instrutória:
- Entre 25/03/2013 e 25/04/2013 o autor chegou a manifestar várias vezes ao réu que havia defeitos na execução acordada. (Base instrutória n. º 1)
- Para a compra das portas da casa de banho para visitas e da quarta do casal (sic - nota da tradutora) referidas em F), o autor despendeu, pelo menos, MOP$3.350,00. (Base instrutória n.º 3)
- O réu colocou a pedra do limiar da casa de banho das visitas desnivelada. (Base instrutória n.º 9)
- Entre 25/03/2013 e 25/04/2013 o autor chegou a referir tal situação ao réu. (Base instrutória n.º 10)
- Devido à excessiva dimensão da altura da porta em relação à altura do vão onde corre, a porta foi colocada a um nível inferior ao chão. (Base instrutória n.º 17)
- O que consta da resposta ao quesito 17.º. (Base instrutória n.º 21)
- Quando o réu recolocou os mosaicos na parede da cozinha não colocou uniformemente o cimento, o que fez com que houvesse espaços sem cimento ou com cimento insuficiente entre a parede e mosaicos que nela foram colocados pelo réu. (Base instrutória n.º 23)
- A partir de 2014, apareceram fissuras mosaicos colocados na parede da casa de banho. (Base instrutória n.º 25)
- O que consta da resposta ao quesito 23. 0. (Base instrutória n. º 26)
- O réu instalou a porta da casa de banho do quarto de casal de forma que esta toca no não e nele arrasta ao abrir e fechar fazendo barulho. (Base instrutória n. º 29)
- Os acabamentos da referida porta têm má aparência estética. (Base instrutória n.º 30)
- Durante o período em que decorreram as obras, toda a família do autor habitava no XXXXXX sito na Taipa, na XXXXXX e o Instituto de Habitação enviou ao autor um oficio em 13 de Maio de 2013 pedindo-lhe para deixar tal habitação em 16 de Maio de 2013. (Base instrutória n.º 35)
- O autor deixou a habitação social a 7 de Junho de 2013 e mudou com a família de quatro membros para viver temporariamente no sótão da loja do próprio autor. (Base instrutória n.º 36)
- O Autor manifestou por várias vezes ao Réu que havia defeitos nas obras, tendo o Réu prometido mandar pessoal até à fracção autónoma do autor para a devida reparação. (Base instrutória n.º 44)
- O Autor afirmou que o local de ligação das condutas de água que o Réu instalou na cozinha não se encontrava bem “soldado” e que futuramente poderiam surgir problemas de infiltração. (Base instrutória n.º 45)
- Autor e réu acordaram encontrar-se, em Maio de 2013, na fracção autónoma do autor onde decorreram as obras para proceder à inspecção das obras (incluindo a soldadura do local de ligação das condutas de água), e para que fosse efectuado a devida reparação caso fosse necessário. (Base instrutória n.º 47 e n.º 68)
- Quando C, empregado enviado pelo Réu, chegou à porta principal da supracitada fracção, o Autor tinha efectuado participação à PSP. (Base instrutória n.º 48)
- Durante a execução das obras, o Autor ia quase todos os dias de trabalho à fracção autónoma onde decorriam as obras para verificar o andamento e fiscalizar os trabalhos realizados pelo Réu e seus empregados (Base instrutória n.º 51)
- O Autor, pretendendo efectuar um ajustamento do compartimento dos dois quartos, pediu ao Réu para proceder à demolição e reconstrução de duas paredes, tendo sido necessário desmontar as 2 portas dos quartos e os respectivos aros. (Base instrutória n.º 52)
- A porta de alumínio de correr da cozinha e os respectivos materiais foram adquiridos pelo Autor e o Réu responsabilizou se pela sua instalação (Base instrutória n.º 56)
- O Réu não compareceu na data referida na resposta aos quesitos 47.º e 68.º, tendo comparecido um seu empregado. (Base instrutória n.º 70)”.
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III – O Direito
1. O caso
O autor contratou com o R a execução de trabalhos de remodelação interior da sua casa pelo preço de MOP$ 74.500,00, posteriormente aumentado em MOP$ 7.750,00 em virtude obras adicionais. As obras tiveram início em 25 de Março de 2013 e terminaram em 25 de Abril seguinte.
Sucede que, na opinião do A. as obras ficaram mal realizadas em vários aspectos e, por causa disso e dos danos derivados dessa má execução, pede a condenação do R. no pagamento de indemnização em valores que computou em MOP$ 69.435,10 e em MOP$ 80.000,00, relativamente aos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente.
A sentença, porém, por não estarem provados os valores dos danos sofridos e provados, em consequência dos defeitos, julgou a acção improcedente.
Ora bem.
Quanto aos danos não patrimoniais, a respectiva factualidade ficou por provar (ver respostas aos arts. 37º a 41º.
Efectivamente, em relação aos factos 35º e 36º, as respostas positivas, -total (35º) ou parcialmente (36º) - isoladamente consideradas não chegam para dar apoio à indemnização peticionada, porque verdadeiramente não revelam danos em nenhuma dimensão (aborrecimentos, tristeza, revolta, amargura, stress, etc., etc.). Andou bem, pois, a sentença em não julgar procedente a acção quanto a essa matéria.
Quanto aos danos patrimoniais, como a própria fundamentação sentença reconhece, a partir da factualidade provada e aqui não impugnada, verifica-se uma defeituosa execução dos trabalhos. Isso revela-se no seguinte grupo de factos:
- O réu colocou a pedra do limiar da casa de banho das visitas desnivelada. (Facto 9 da BI);
- Devido à excessiva dimensão da altura da porta em relação à altura do vão onde corre, a porta foi colocada a um nível inferior ao chão. (Facto 17 da BI);
- Quando o réu recolocou os mosaicos na parede da cozinha não colocou uniformemente o cimento, o que fez com que houvesse espaços sem cimento ou com cimento insuficiente entre a parede e mosaicos que nela foram colocados pelo réu. (Facto 23 da BI);
- A partir de 2014, apareceram fissuras mosaicos colocados na parede da casa de banho. (Facto 25 da BI);
- O réu instalou a porta da casa de banho do quarto de casal de forma que esta toca no não e nele arrasta ao abrir e fechar fazendo barulho. (Facto 29 da BI)
- Os acabamentos da referida porta têm má aparência estética. (Facto 30 da BI.).
É verdade que estes factos não têm uma conexão directa a outro que denuncie a existência de um valor danoso específico. Quer dizer, não se provaram factos referentes ao valor das reparações e/ou aquisições de material substitutivo, como por exemplo isso se retira das respostas aos arts. 11º, 19º, 28º.
“Quid iuris”?
Antes de mais nada, esclarece-se que o tribunal apenas pode apreciar o recurso em relação à forma como o seu objecto é colocado à nossa consideração, estando-nos proibida a “reformatio in pejus” (cfr. art. 589º, do CPC). Portanto, apenas nos podemos concentrar na questão concernente à possibilidade de o TJB poder ou não condenar em indemnização pelos danos provados, mas em quantia não determinada.
Quanto a esta matéria o Ac. do TUI, de 19/10/2018, Proc. nº 60/2018, ajuizou que “O disposto no n.º 2 do artigo 564.º do Código de Processo Civil também se aplica naqueles casos em que o pedido é líquido, mas os factos da liquidação da obrigação não se provam”.
Também o TSI, nas suas múltiplas intervenções, tem sido constante em afirmar essa jurisprudência. Por exemplo, disse já “Provados o facto ilícito e os danos, mas não o seu quantum, se for previsível, face à situação concreta, que a sua quantificação se torne possível no âmbito da liquidação em execução de sentença (art. 564º, nº2, do C.C.), deve o tribunal condenar no que vier a ser liquidado nessa sede, sem necessidade, por enquanto, de condenação com recurso à equidade (art. 560º, nº2, do C.C.).” (Ac. do TSI, de 16/02/2012, Proc. nº 68/2011).
E no mesmo sentido, ver, por exemplo, os Acs. do TSI, de 13/07/2017, Proc. nº 746/2016; 4/10/2018, Proc. nº 395/2018; 16/05/2019, Proc. nº 998/2018.
E neste caso isso ainda mais se justifica pelo facto de o tribunal não ter dados sequer bastantes que lhe permitissem, sequer, o recurso à equidade (art. 560º, nº6, do CC).
Portanto, o facto de não se ter apurado os valores dos danos, não poderia levar a julgar pela improcedência da acção e pela absolvição do pedido, mas sim a relegar a liquidação deles em sede de execução de sentença, tal como o determina o art. 560º, nº2, do CPC (tb. Ac. do TSI, de 13/06/2019, Procs. nºs 1131/2018 e 1132/2018).
Por assim ser, sem mais considerações, é de conceder razão ao recorrente.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga a sentença, na parte impugnada e se determina que a liquidação pelos danos patrimoniais seja feita em sede de execução de sentença.
Custas pelo recorrido.
T.S.I., 20 de Fevereiro de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

Proc. nº 935/2019 1