Proc. nº 576/2018
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 20 de Fevereiro de 2020
Descritores:
- Falta de fundamentação
- Errada fundamentação
- Revogação de actos válidos
SUMÁRIO:
I - O que conta para densificar o vício de forma por falta ou insuficiente fundamentação, em desrespeito pelo art. 115º do CPA, é a explanação das causas e razões que ditaram a decisão administrativa.
II - Diferente da falta de fundamentação, é a errada fundamentação.
III - Não é possível falar em violação do art. 129º, nº1, al. a), do CPA quando a revogação de acto administrativo anterior de autorização para contratação de trabalhador não residente decorre do incumprimento de obrigações a que tenha ficado sujeita a entidade contratante. Trata-se aí de uma revogação, com o carácter de sanção acessória, tal como previsto no art. 33º da Lei nº 21/2009.
Proc. nº 576/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
“A LIMITADA” (em chinêsA有限公司e em inglês “A LTD.”), inscrita na Conservatória do Registo Comercial e Bens Móveis sob o nº 2XX39 SO, com sede na Alameda XX nº XX, edf. XX, XXº andar XX, Macau, --
Recorre contenciosamente ---
Do acto administrativo praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças, datado de 13/04/2018, que, em sede de recurso hierárquico, manteve o despacho de revogação da autorização da contratação de trabalhador não residente da autoria do Director da DSAL.
Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
“1. Pelo exposto, dos elementos constantes nos autos podemos ver que os trabalhadores envolvidos no processo celebraram contrato de trabalho com a recorrente (não obstante ser contrato verbal que depois confirmou por escrito, mas não deixa de ser contrato de trabalho celebrado verbalmente), bem como era a recorrente quem lhes pagava remuneração, contribuição de segurança social e emitia títulos de vencimento, tudo isto é suficiente para provar que a recorrente tinha de facto relação de trabalho com tais trabalhadores.
2. Além disso, relativamente aos 18 trabalhadores envolvidos no processo, a recorrente desde Maio de 2014 e o último em Setembro de 2015, ajudou-os a pagar contribuição de segurança social, daí vemos que a diferença de tempo é muito grande, além do mais, a recorrente não sabia, nem tinha meios para saber quando a DSAL iniciou investigação contra si, assim sendo, pôde suficientemente reflectir a veracidade dessa relação de trabalho, a recorrente não percebe por que razão o acto de pagar a contribuição de segurança social dos seus trabalhadores conduziu a que as pessoas pensassem a existência de actos ilegais.
3. Finalmente, perante um período ainda válido para contratar trabalhador não residente, ora vem com fundamento de haver pessoal local disponível, que por sua vez revogou o seu pedido de contratação de trabalhador não residente, é de facto inaceitável. Dado que a autorização de contratação de trabalhador não residente é um acto administrativo que outorga benefício, nos termos do artº 129º, nº 1, al. a) do CPA, é irrevogável, caso contrário estaria a lesar os direitos do recorrente.
4. Com base no exposto, a decisão recorrida existe erro no reconhecimento dos factos e por ter violado o disposto no artº 129º, nº1, al. a) do CPA, vem requerer a V. Exªs para nos termos do artº 124º do mesmo código anular a decisão recorrida.
(…)
Ao mesmo tempo, requeira aos Mmºs Juízes que julguem procedente a fundamentação do presente recurso, em consequência:
1. Anule a decisão do Exmº Secretário para a Economia e Finanças tomada no dia 13/04/2018 reproduzida na informação da DSAL nº 011078/INF/DCTNR/2018, que manteve o despacho de revogação da autorização da contratação do trabalhador especializado não residente proferido pelo Exmº Director da DSAL.
Finalmente, vem pedir a habitual justiça a V. Exªs” (sic).
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Na contestação, a entidade recorrida apresentou as seguintes conclusões:
“1. Conforme a investigação da Direcção dos Serviços dos Assuntos Laborais, verificaram que sem ter obtido o consentimento dos empregados, a recorrente transferiu as informações dos 18 empregados da “B LDA” para a recorrente, além disso, a recorrente efectuou a inscrição e a contribuição para os 18 empregados ao Fundo de Segurança Social (no entanto, na realidade, não existe a relação laboral real entre os 18 empregados acima referidos e a recorrente).
2. A recorrente apontou que já tinha celebrado de forma oral os contratos de trabalho com os 18 empregados acima referidos, isto não é verdade, pelo que alguns empregados não conheceram a recorrente, ao mesmo tempo, nem prestaram serviços para a recorrente, ainda mais, alguns referiram que não tinham conhecimento de que a recorrente era o empregador, além disso, depois de alguns empregados deixaram-se do trabalho da “B LDA”, com base na fusão de sociedades, a “B LDA” solicitou os empregados a assinar adicionalmente os contratos, por outro lado, alguns declararam que não conheceram nem prestaram atenção a que o empregador dos contratos era “Technet”.
3. Há que dizer que, segundo as normas do Código Civil e da Lei das Relações de Trabalho, quanto ao estabelecimento da relação laboral, quer isto dizer que os empregados trabalham sob a autoridade e direcção do empregador e recebem uma remuneração, entre os quais, a “autoridade e direcção” traduz-se em um tipo de relação de dependência, ou seja, os empregados obedecem ao empregador, ou no momento em que cumprem os contratos de trabalho, obedecem às ordens, às regras, às directivas, às directrizes e às instruções emitidas pelo superior directo sobre o modo, tempo, local e meio da prestação de serviços.
4. Mesmo que a recorrente ofereça os contratos de trabalho dos empregados, os recibos do pagamento de remuneração, os registos de inscrição e contribuição no FSS, no entanto, segundo o resultado decorrente da investigação da Direcção dos Serviços dos Assuntos Laborais, quer a percepção subjectiva dos empregados, quer as informações oferecidas pela terceira entidade, é a “B LDA” que controla efectivamente os 18 empregados, em vez da recorrente.
5. Segundo o despacho n.º 09850/REC/DSAL/2018 proferido pelo Director da Direcção dos Serviços dos Assuntos Laborais, de acordo com a segunda parte do artigo 2º da fundamentação, na qual apontou que só no decorrer da investigação, a recorrente solicitou os empregados no activo ou desligados do serviço a assinar adicionalmente os contratos de trabalho celebrados em nome da recorrente, na circunstância de não existir a relação laboral entre as partes, a recorrente ainda efectuou a inscrição e a contribuição para os empregados ao Fundo de Segurança Social, não se refere a que a recorrente só efectuou a inscrição e a contribuição para os empregados ao FSS no decorrer da investigação.
6. Nos termos do artigo 129º, n.º 1, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo, a recorrente pretende que não se pode revogar “os actos administrativos que forem constitutivos de interesses legalmente protegidos”, segundo a norma supracitada, a autoridade não pode revogar livremente os actos que forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos, em vez de - não se pode revogar livremente os actos em qualquer caso.
7. Segundo a investigação feita pela Direcção dos Serviços dos Assuntos Laborais, como verificou que a recorrente efectuou a transferência ilícita das informações dos 18 trabalhadores locais, para que a recorrente pudesse efectuar a inscrição e contribuição para os 18 trabalhadores locais ao FSS, esse acto envolve os 18 trabalhadores locais, constituem suficientes fundamentos para revogar a autorização de contratação de trabalhadores não residentes já concedida à recorrente, não é de revogar facultativamente a autorização de contratação da recorrente. A recorrente, através de participou na audiência e na impugnação administrativa, exerceu os direitos de defesa e de expor a sua pretensão, por isso, a Direcção dos Serviços dos Assuntos Laborais efectuou o acto de revogação com base nos fundamentos bastantes, não violando a norma do artigo 129º, n.º 1, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo, nem causando que o acto administrativo proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças deve ser anulado.
8. Face ao expendido, não existe o erro no reconhecimento de facto na respectiva decisão administrativa proferida pelo Secretário para a Economia e Finanças, a decisão não violou a norma do artigo 129º, n.º 1, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo, por outras palavras, não existe a situação de – o acto recorrido deve ser anulado por violação da lei.
Pelo exposto, deve-se rejeitar o recurso contencioso.”
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Na sua alegação facultativa, a recorrente reiterou, no essencial, a posição anteriormente manifestada na petição inicial.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Está em causa a revogação da autorização de contratação do trabalhador não residente C, engenheiro de desenvolvimento de tecnologia de software e gestão de projectos. Tal autorização fora concedida ao abrigo do regime de contratação de trabalhadores não residentes previsto na Lei 21/2009, pelo despacho 27929/IMO/DSAL/2016, para vigorar até 20 de Junho de 2018.
A recorrente alega que o acto labora em erro nos pressupostos de facto porque, tendo atribuído pouco valor às explicações e versão dos factos dadas pela própria recorrente e sobrevalorizado a versão dada pelos trabalhadores, concluiu erroneamente pela transferência de dados pessoais relativos a trabalhadores não residentes, sem o consentimento e conhecimento destes, da Companhia B Limitada para a Companhia A Limitada - a recorrente -, bem como pela admissão, ao seu serviço, de trabalhadores não residentes, sem o necessário contrato de trabalho.
Na sua argumentação, e na tentativa de pôr em xeque as conclusões a que chegou a DSAL e o aval que lhe foi dado pelo acto recorrido, diz que nada impede, à luz da lei de Macau, que se constitua validamente uma relação laboral a coberto de um contrato de trabalho verbal e que, só mais tarde, se formalize esse contrato por escrito.
Não creio que tenha razão.
Desde logo, e contrariamente ao que afirma a recorrente, os contratos de trabalho celebrados com trabalhadores não residentes têm que revestir obrigatoriamente a forma escrita, como estipulado no artigo 23.º, n.º 1, da Lei 21/2009. Depois, importa considerar que, na ponderação das provas produzidas no procedimento, a Administração actua segundo o princípio da livre apreciação, não tendo a recorrente avançado qualquer justificação plausível para a sua pretensão de que fosse conferido maior valor à sua versão de entidade patronal do que à versão de vários trabalhadores. De resto, não se divisa que a Administração haja incorrido em erro na apreciação e valoração das provas.
Assim, não temos por verificado o aventado erro nos pressupostos, pelo que improcede este fundamento do recurso.
Passemos à questão da revogação e da sua aventada ilegalidade por violação do artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo.
Tendo a Administração concluído pela prática, por parte da recorrente, de factos que integram infracções à Lei n.º 21/2009, acabou por revogar a autorização de contratação do trabalhador especializado já identificado, fazendo-o nos termos da Lei 21/2000, de 27 de Outubro. Sustenta a recorrente que se trata de revogação ilegal, violadora daquele artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo, já que o acto revogado era constitutivo de direitos.
Não lhe assiste razão, também neste ponto. Não está aqui em causa uma verdadeira revogação sujeita ao regime previsto nos artigos 127.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, onde pontua a supressão de efeitos de um acto anterior por motivos de mérito ou legalidade. Do que aqui se trata é do cancelamento de uma autorização, também conhecido por revogação-sanção, que constitui uma sanção, nomeadamente de cariz acessório, ligada ao cometimento de uma ou mais infracções administrativas. Na verdade, a revogação da autorização foi adoptada no quadro da Lei n.º 21/2009, que a prevê expressamente nos seus artigos 13.º e 33.º.
Também este fundamento do recurso soçobra.
Face ao exposto, e na improcedência dos vícios atribuídos ao acto, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
Julgamos assente a seguinte factualidade:
1 - O Director dos Assuntos Laborais, em 8/07/2017, proferiu o seguinte despacho de autorização à recorrente para contratar um trabalhador especializado não residente:
Despacho nº 27929/IMO/DSAL/2016
A companhia A LIMITADA requereu, no dia 15/04/2016, a contratação de 1 trabalhador não residente, após análise feita pelo nosso serviço e tendo em conta a qualificação profissional do trabalhador contratado, bem como, a situação do mercado de trabalho local, venho nos termos do artº 7º, nº 2 da Lei nº 21/2009 de 27 de Outubro, usando da faculdade conferida pelo despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças nº 70/2016 publicada no BO nº 22, série 2 de 01/06/2016, autorizar o pedido de contratação de 1 trabalhador especializado não residente abaixo indicado, porém deve cumprir o artº 4º da Lei nº 21/2009 com alterações dada pela Lei nº 4/2013, com prazo seguinte:
Nome
Nome do cargo requerido
Nome do cargo autorizado
C
Engenheiro de Desenvolvimento de Tecnologia de Software e Gestão de Projectos
(2XXX15)
Engenheiro de Desenvolvimento de Tecnologia de Software e Gestão de Projectos
(2XXX15-001)
Prazo de autorização 20/06/2018
A presente autorização obriga o requerente cumprir necessariamente as seguintes obrigações relacionadas com a autorização de trabalhador não residente e a actual contratação do pessoal local:
1. Tem de celebrar contrato de trabalho com o trabalhador não residente, não podendo as condições do contrato serem inferiores às das constantes no teor do pedido.
2. Em caso de demissão do trabalhador activo, tem de despedir primeiro o trabalhador não residente autorizado por despacho e que exerce o mesmo tipo de profissão ao do trabalhador local, excepto se a rescisão for por justa causa ou por acordo entre o requerente e o trabalhador local.
3. Tem de pagar devidamente a compensação ao trabalhador não residente demitido nos termos da lei ou nos termos do contrato.
4. Durante a vigência da presente autorização, o requerente tem de manter a contratação de 19 ou mais trabalhadores locais; ao mesmo tempo, tem de cumprir a obrigação do pagamento da contribuição de segurança social.
5. Caso houver qualquer alteração dos dados do presente pedido, deve informar a este serviço no prazo de 15 dias.
Em caso de incumprimento pela requerente das obrigações acima referidas, a entidade administrativa reserva o direito de revogar a presente autorização, bem como este acto não impede a aplicação de outras penalidades legais.
O Director
Ass. vide original
D
08/07/2017
2 - No dia 8/08/2017, o mesmo Director proferiu o seguinte despacho revogatório:
Despacho nº 21909/IMO/DSAL/2017
A companhia A LIMITADA por despacho abaixo indicado, foi autorizada a contratação de um trabalhador não residente:
Despacho
Nome
27929/IMO/DSAL/2016
C
Tendo em conta:
1. A aclaração da interessada e as declarações prestadas pelos seus trabalhadores não são correspondentes:
2. Segundo a investigação feita por este serviço, apurou-se que a interessada, sem consentimento e conhecimento dos trabalhadores E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V, transferiu-os da Companhia “B Lda.” para a Companhia “A LIMITADA”. Além disso, foi durante a nossa investigação que a interessada pediu aos trabalhadores activos e demitidos assinar contrato de trabalho ou retroativo contrato de trabalho em nome da “W Companhia de Desenvolvimento de Tecnologia de Informação (Macau), Lda.” ou em nome da “A LIMITADA”, bem como, proceder a inscrição e pagamento da contribuição de segurança social dos respectivos trabalhadores;
3. Presentemente há residente local à procura desse tipo de emprego.
Venho, nos termos da Lei nº 21/2009 de 27 de Outubro, usando da faculdade conferida pelo despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças nº 70/2016 publicada no BO nº 22, série 2 de 01/06/2016, revogar a autorização de contratação de 1 trabalhador especializado não residente concedida à companhia A LIMITADA.” (destaque a bold nosso)
3 - Apresentado recurso hierárquico, foi lavrada a seguinte Informação 011078/INF/DCTNR/2018, com o seguinte teor:
“Fundamentos da proposta de indeferimento
• Embora a interessada apresente a justificação escrita e os documentos, não fundamentam suficientemente o seu pedido, a justificação da interessada não está conforme à declaração prestada pelos respectivos empregados perante a nossa Direcção
• Segundo a nossa investigação, verifica-se que, sem obter o consentimento dos empregados E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V, e sem conhecimento destes, a interessada remeteu as informações deles da “B Limited” à “A Limitada”. Além disso, só durante o período da nossa investigação, a interessada solicitou aos empregados em função ou desligados assinar o contrato laboral com “X Limitada” ou “A Limitada”, e fez registo e pagou contribuições para a Segurança Social para os respectivos empregados
• A carta do Fundo de Segurança Social, entregue pela interessada na reclamação anterior, não pode provar a existência da relação laboral com os referidos empregados
• Agora há pessoas locais que estão a arranjar o respectivo emprego.
Proponho o indeferimento”
4 - No dia 13/04/2018, o Secretário para a Economia e Finanças tomou a seguinte decisão (a.a.):
Despacho nº 09850/REC/DSAL/2018
É mantida a decisão do despacho primitivo.
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IV – O Direito
1. O caso
Depois de ter sido concedida autorização à recorrente para a contratação de um trabalhador especializado não residente, de nome C, para desempenhar as funções de Engenheiro de Desenvolvimento de Tecnologia de Software e Gestão de Projectos, viria essa autorização a ser revogada.
O fundamento para essa revogação residiu no facto de a recorrente, sem conhecimento deles, ter transferido os dados de trabalhadores de uma outra empresa “B, Lda” para a sua e para W Companhia de Desenvolvimento de Tecnologia de Informação (Macau), Lda.”, levando-os a assinar os respectivos contratos de trabalho com datas anteriores, bem como ter procedido a inscrição e pagamento da contribuição de segurança social de cada um deles.
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2. Os vícios
Ao acto do Secretário para a Economia e Finanças, que negou procedência ao recurso hierárquico, imputa a recorrente os seguintes vícios:
- Vício de forma por falta de fundamentação;
- Vício de erro sobre os pressupostos de facto;
- Vício de violação do art. 129º, al. a), do CPA.
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2.1 – Do vício de forma
Segundo se depreende da p.i., este vício consiste no facto de o acto administrativo impugnado não explicar as razões pelas quais não avaliou nem apreciou as provas recolhidas no procedimento, nomeadamente as explicações e esclarecimentos prestados pela recorrente acerca da contratação dos trabalhadores em causa.
Cremos que a recorrente confunde falta de fundamentação com errada fundamentação. Na verdade, se olharmos para o acto e para os fundamentos contidos nas Informações que o antecedem, podemos ver que as razões para a decisão tomada estão cabalmente ali expostas.
A recorrente quererá, talvez, dizer que o autor do acto se deveria debruçar sobre cada um dos argumentos de defesa levados ao procedimento pela recorrente.
Ora, o que conta para densificar o vício de forma por falta ou insuficiente fundamentação, em desrespeito pelo art. 115º do CPA, é a explanação das causas e razões que ditaram a decisão administrativa. O autor do acto não tem que rechaçar, uma por uma, as explicações dadas pelo administrado em sede de procedimento. O que o autor do acto tem é, a partir de todo o acervo de elementos de prova levados ao procedimento, de formar a sua convicção acerca dos factos e, com base neles, proceder e decidir em conformidade. Portanto, relevante é que o acto contenha a necessária fundamentação de facto (e de direito) para que o particular, se dele discordar, o possa impugnar em sede própria sem qualquer dúvida ou constrangimento.
E como este TSI afirmou recentemente, “O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controlo da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual” (Ac. do TSI, de 6/12/2018, Proc. nº 219/2016; no mesmo sentido, Ac. de 22/09/2016, Proc. nº 770/2015, entre tantos).
Saber se a fundamentação do acto é errada isso é já outra coisa, que contende com o seu acerto, e portanto, com eventual erro sobre os pressupostos de facto, e não com a sua falta.
Para rematar, importa esclarecer que na fundamentação relevante apenas importam os factos e o direito que devam dar suporte à decisão. Na economia da observância do respeito por esse dever de fundamentar não cabem todas as questões invocadas pelo interessado ao longo do procedimento, sob pena de se transformar o espaço procedimental num ringue de debate estéril e inútil ao propósito da instauração do procedimento, mas apenas aquelas que se mostrem essenciais ao núcleo fundamental do objecto do procedimento administrativo.
Improcede, pois, o vício.
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2.2 – Do erro sobre os pressupostos de facto.
Recordemos que a Administração revogou a autorização de contratação de um trabalhador especializado não residente. E isso ficou a dever-se a dois fundamentos:
Em primeiro lugar, ao facto de, alegadamente, a recorrente ter transferido os dados de 18 trabalhadores de outra empresa, sem conhecimento e consentimento deles, fazendo transitá-los para a sua ou para “W Companhia de Desenvolvimento de Tecnologia de Informação (Macau), Lda” e, posteriormente, fazendo-os assinar contratos com efeitos retroactivos, inscrevendo-os e pagando por eles a respectiva contribuição social.
Em segundo lugar, à circunstância de haver nesse momento residentes locais à procura “desse tipo de emprego” (supõe-se do posto de trabalho que C ocupava).
A recorrente diz que a fundamentação do acto não corresponde à verdade e que:
- A “Companhia B, Lda” fornece à recorrente pessoal, no âmbito da gestão de recursos humanos a que esta se dedica, que depois a recorrente utiliza nos trabalhos da sua actividade;
- O salário desses trabalhadores era pago pela “B, Lda”, ficando a recorrente apenas de pagar a remuneração correspondente à B, enquanto serviço de gestão fornecido por esta;
- Não transferiu dados dos referidos empregados sem conhecimento e consentimento deles.
Contudo, são factos que não foram apurados no procedimento administrativo, tendo sido, diferentemente, sido obtida uma conclusão diferente por parte da entidade administrativa competente, em termos que não nos merecem qualquer censura em matéria de prova.
Realmente, a Administração, face aos elementos do procedimento, formou a sua livre convicção acerca da “veracidade” que pôde colher da concatenação de todos eles. Ora, tais dados, devidamente apreciados e valorados pelo TSI, não inculcam um erro na sua apreciação, o que vale por dizer que este TSI não vê que a tese da recorrente mereça acolhimento.
Improcede, pois, o vício em causa.
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2.3 – Da violação do art. 129º, nº1, al. a), do CPA
Quanto a este ponto, parece a recorrente querer dizer que a autorização para contratar é um acto administrativo favorável. Logo, não podia a entidade recorrida proceder à sua livre revogação, tal como fez.
Está errada. Não se está perante uma revogação no sentido mais puro e estrito da decisão anterior de autorização de um trabalhador não residente, tal como ela pode colher-se do art. 129º do CPA. Com efeito, quando neste preceito se prevê a revogabilidade dos actos está o legislador a estatuir essa faculdade no quadro dos poderes administrativos mais amplos que a defesa do interesse público lhe comete. Ou seja, quando a Administração revoga um acto fá-lo sempre na ambiência do interesse público relevante em cada caso. A Administração pode, e deve, fazê-lo se chegar à conclusão de que eventual decisão anterior não respeita o interesse público relevante no caso, seja porque o quadro de facto se alterou, seja porque não é mais conveniente ou oportuna a manutenção do acto primitivo. A revogação assenta sempre no pressuposto público, por conseguinte. Essa é a atmosfera em que se move o exercício dos poderes revogatórios em geral. Disso é exemplo, por exemplo, o poder revogatório que decorre do art. 13º da Lei nº 21/2009, quando prevê que «…as autorizações de contratação de trabalhadores não residentes em determinado sector da economia podem ser revogadas em qualquer momento com fundamento em razões ponderosas de interesse público, devidamente justificadas, nomeadamente resultantes da evolução da conjuntura económica.».
É diferente a revogação quando ela não parte de uma decisão integrada naquela ambiência geral já referida, mas decorre de uma norma que a impõe, a sugere ou a faculta aos órgãos competentes.
Este acto sindicado inscreve-se precisamente neste segundo plano.
Com efeito, o acto administrativo sindicado foi praticado, precisamente, por causa do alegado incumprimento da recorrente das obrigações a que ficou sujeita aquando da autorização para a contratação inicial, sendo certo que a recorrente tinha sido advertida das consequências que poderiam decorrer desse incumprimento.
Ora, sendo assim, a revogação que aqui se discute foi decidida como sanção acessória para esse incumprimento, como reacção e consequência a uma infracção, tendo em vista, portanto, a defesa da legalidade, tal como ela é prevista no artigo 33º da referida Lei (sanções acessórias).
A entidade administrativa competente limitou-se, portanto, a agir dentro da lei.
Improcede, pois, este vício.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
T.S.I., 20 de Fevereiro de 2020
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José Cândido de Pinho Joaquim Teixeira de Sousa
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
Rec. Cont. nº 576/2018 18