Processo n.º 593/2018
(Recurso Contencioso ― Reclamação para a conferência)
Data: 20/Fevereiro/2020
Reclamante:
- A (recorrente)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, recorrente nos autos acima cotados, inconformado com o despacho do relator que ordenou o prosseguimento dos autos para alegações facultativas, vem pedir que seja a questão submetida à conferência, por entender que a decisão reclamada restringiu o seu direito à prova, coartando as garantias de impugnação da decisão recorrida.
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Devidamente notificada, respondeu a entidade recorrida pugnando pela improcedência da reclamação.
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O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Na Reclamação ora em apreço, o recorrente requereu a revogação da última decisão constante do despacho de fls. 336 traduzida em mandar notificar as duas partes para a apresentação das alegações facultativas de acordo com o art. 68.º do CPAC, e também a substituição dessa decisão pelo “despacho que ordene a notificação do Recorrente para, em prazo não inferior a 30 dias e, em qualquer caso, prorrogável na medida do necessário para acomodar a completa tramitação do procedimento de levantamento de segredo profissional junto da Associação dos Advogados de Macau, juntar aos presentes autos os documentos cuja junção foi, para esta mesma eventualidade probatória, oportunamente protestada na petição de recurso.”
Quid juris?
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Repare-se que na petição, o recorrente/ora Reclamante elencou três meios de prova e, no item 3 atinente à prova, ele indicou concludente e inequivocamente os “Documentos comprovativos do alegado no arts. 186º a 190º da presente petição do recurso, que protesta juntar logo que para tanto seja obtida a necessária autorização da Associação dos Advogados de Macau, nos termos do disposto no art. 70º, n.º 1, do CDe.”.
Ora bem, patente e indubitável é que no item 3 supra, o recorrente não requereu a intervenção judicial para ele poder obter a autorização da Associação dos Advogados de Macau, nem alegou que os documentos cuja junção aos autos tinha sido protestada por ele na petição estivessem no poder da parte contrária ou do terceiro (arts. 455º e 458º do CPC).
Assim, e na medida em que sabemos que o recorrente/Reclamante é ilustre advogado, não podemos deixar de inferir que ele não precisa da tutela ou curadoria, portanto, o MMº Juiz não está obrigado a ordenar-lhe a junção dos documentos, nem chamar-lhe atenção neste sentido, tem de ser o recorrente quem fica onerado de juntar atempadamente os documentos e, para tal efeito, de requerer oportunamente a prévia autorização à AAM e a prorrogação de prazo necessário para essa autorização. Nesta linha de vista, inclinamos a colher que o pedido do recorrente na sua Reclamação é juridicamente infundado e eticamente censurável.
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À luz da Lógica jurídica e por Natureza das Coisas, a reclamação há de ter por objecto uma decisão judicial, por isso, qualquer parte processual só pode lançar mão à reclamação se e quando um requerimento seu tiver sido indeferido. Daí se infere que no presente caso, o recorrente só pode deduzir reclamação se o MMº Relator tiver proferido despacho de não admitir a junção de documento já requerida pelo recorrente ou de indeferir o seu pedido da prorrogação do prazo necessário para ele obter a autorização da AAM.
Ora, acontece in casu que no despacho objecto da Reclamação em apreço, o MMº Relator mandou notificar ambas as partes para apresentação das alegações facultativas de acordo com o art. 68.º do CPAC, sem determinar o indeferimento do requerimento no item 3 acima referido.
Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 450.º do CPC, não podemos deixar de inferir que a decisão do MMº Relator traduzida em mandar notificar as partes para se apresentar alegações facultativas não comporta o indeferimento tácito do requerimento no item 3 acima.
E é saliente que no período de quase 17 meses (desde data da petição inicial até à da presente Reclamação), o recorrente/Reclamante nunca tentava juntar documento ou solicitou a prorrogação do prazo para a junção. Daí se compreende que não há nos autos a decisão judicial de indeferimento.
Tudo isto evidencia que a pretexto da Reclamação, o recorrente pretende, no fundo, o que nunca ele requereu perante o MMº Juiz Relator e lhe compete a decidir, e deste modo, se exime da consequência resultante da sua inércia durante o dito período de quase 17 meses.
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Bem, o recorrente elencou, cumulativa e indistintamente, os três meios de prova, nunca afirmou que o meio de prova requerido no item 3 fosse subsidiário em relação aos restantes dois, nem declarou que ele iria prescindir a apresentação dos documentos referido no item 3 caso o Tribunal conseguisse inquirir a terceira testemunha de nome B por carta rogatória.
O que constata que são infiéis os fundamentos arrogados na Reclamação em exame, designadamente os argumentos de “pois que só agora ocorre a absoluta necessidade de que depende a autorização que torna lícita a utilização probatória dos documentos a apresentar” e “cuja própria admissibilidade depende do prévio esgotamento de outras diligências”.
Daí decorre que tais argumentos não podem justificar a sobredita inércia do recorrente/Reclamante durante o supramencionado período de quase 17 meses, e demonstram suficientemente a plena credibilidade das razões deduzidas pela entidade recorrida (cfr. fls. 354 a 356 dos autos).
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente Reclamação.”
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II) FUNDAMENTAÇÃO
No caso presente, uma vez que não foi possível obter o depoimento da testemunha indicada pelo recorrente, o relator ordenou o prosseguimento dos autos para alegações facultativas.
Vem dizer o recorrente que irá requerer junto da Associação dos Advogados de Macau o levantamento do segredo profissional relativamente às comunicações electrónicas havidas entre aquela testemunha e o escritório de advogados de que o recorrente faz parte, porque só agora ocorre a absoluta necessidade de obter tal meio probatório; a não ser assim, estar-se-ia a restringir o direito do recorrente à prova.
Salvo o devido respeito, julgamos não assistir razão ao recorrente.
Em boa verdade, aquando da apresentação da petição de recurso, o recorrente protestou juntar documentos para prova da matéria vertida nos artigos 186.º a 190.º da referida peça processual, bem sabendo que para tanto era necessária obter a respectiva autorização junto da Associação dos Advogados de Macau, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Código Deontológico.
Até à data em que foi formulado o requerimento a pedir que o caso fosse submetido à conferência, o recorrente não logrou obter junto da Associação de Advogados a competente autorização.
E não se diga que só agora ocorre a alegada absoluta necessidade de obter tal meio probatório. Ora, tendo o recorrente protestado juntar o documento e não juntou decorridos 17 meses, não podemos senão concluir que deixou de ter interesse em apresentar o referido meio de prova.
Em bom rigor, estão em causa dois meios de prova diferentes e não existe dependência entre eles.
Na medida em que o recorrente não juntou os documentos que tinha protestado juntar, muito menos pediu à Associação de Advogados para obter a competente autorização, dúvidas de maior não restam de que o recorrente deixou de pretender servir os eventuais documentos como prova, sendo que a falta de junção aos autos se deveu ao próprio recorrente.
Aqui chegados, andou bem a decisão reclamada ao determinar o prosseguimento dos autos para alegações facultativas; a não ser assim, estaria o Tribunal a criar condições para protelar o andamento do presente processo.
Assim, é indeferida a reclamação.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a presente reclamação, mantendo a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça fixada em 2 U.C.
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RAEM, 20 de Fevereiro de 2020
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Tong Hio Fong Mai Man Ieng
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
Reclamação para a conferência (Proc. 593/2018) Página 8