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Processo n.º 1247/2019
(Autos de recurso em matéria laboral)

Relator: Fong Man Chong
Data: 27/Fevereiro/2020

ASSUNTOS:

- Descanso semanal e critério de compensação em matéria jurídico-laboral


SUMÁRIO:

I - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
II – O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.

O Relator,

________________
Fong Man Chong



Processo nº 1247/2019
(Autos de recurso em matéria laboral)

Data : 27 de Fevereiro de 2020

Recorrente : A (Autor)

Recorrida : B (Ré)

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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A, Autor, intentou, em 09/11/2018, junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, acção declarativa de processo comum do trabalho (LB1-18-0309-LAC), pedindo condenar a Ré a pagar a título de créditos laborais, a quantia total de MOP$232.176,00.
    Realizado o julgamento, foi proferida a sentença com o seguinte teor na parte decisiva:
    Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$78,505.31, sendo:
    - MOP$23,915.31 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
    - MOP$54,590.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal).
    Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
    Absolve-se a Ré da instância na parte do subsídio de efectividade.
    Absolve-se no mais a Ré do pedido.
    
*
    A, Autor, discordando da decisão, veio em 08/10/2019, recorrer para este TSI, com os fundamentos de fls. 170 a 175, em cujas alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
     1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (C) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
     2) De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
     Em concreto,
     3) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
     4) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
     5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
     6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
     7) De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.° dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente "o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado", isto é, a quantia de MOP$109.180,00 - e não apenas MOP$54.590,00 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.

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    B, Ré, Recorrida, ofereceu a resposta constante de fls. 181 a 186, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I - Vem o Autor Recorrente colocar em crise a douta sentença recorrida por entender que andou maio Tribunal de Primeira Instância ao adoptar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância a respeito do pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal condenando assim a Ré B, ora Recorrida, apenas ao valor correspondente a um salário em singelo e não ao dobro pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, mais alegando o Autor Recorrente que o tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na alínea a), nº 6 do art.º 17° do DL 24/89/M de 3 de Abril.
     II - No entanto, e quanto à forma de cálculo adoptada para apuramento de eventual compensação quanto aos descansos semanais, a Recorrida B concorda com a fórmula adoptada pelo Tribunal a quo que mais não é do que a fórmula que é apresentada pelo Tribunal de Última Instância, pois tal apuramento mais não segue senão o que está escrito na Lei já que estabelece o n° 6, alínea a) do art.º 17° do aludido diploma legal que: "O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
     a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição.",
     referindo-se a Lei ao trabalho que deve ser pago pelo dobro da retribuição e não à compensação que deve ser paga pelo dobro, referindo-se muito concretamente ao valor do trabalho efectuado em dia de descanso semanal e não ao valor da compensação.
     III - Pelo que a interpretação literal da Lei foi bem efectuada pelo Tribunal a quo e pelo Tribunal de Última Instância, sendo, aliás, esta mesma interpretação a perfilhada pelo Dr. Miguel Quental, Ilustre mandatário do ora Recorrente, no seu livro "Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau", págs. 283 e 284, quando diz: «Da nossa parte, sempre nos pareceu como mais correcto que a expressão "dobro da retribuição normal" queria significar para os trabalhadores que auferem um salário mensal o direito a auferir o equivalente a 100% da mesma retribuição, a acrescer ao salário já pago.», bem como a posição do Professor Teixeira Garcia no seu livro "Lições do Direito do Trabalho" Parte II, pág. 186, nota 18.
     IV - Assim, e de acordo com decisões de Tribunais Superiores de Macau, designadamente com a decisão nº 28/2007 proferida pelo Tribunal de Última Instância, de acórdão datado de 21 de Setembro de 2007, nas situações em que o trabalhador já tenha recebido o salário normal correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal, só terá então direito a receber outro tanto, e não em dobro, porquanto o trabalhador já foi pago em singelo, pelo que, o Recorrente apenas terá direito a receber outro tanto da remuneração diária média, mas não em dobro, tal como é reclamado, devendo, por isso, improceder o recurso apresentado pelo Recorrente.
     V - Pelo que e, face a todo o exposto, não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
     
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    Foram colhidos os vistos legais.
    Cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
    1. Entre 09/11/1997 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da C, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
    2. Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 279 trabalhadores não residentes) da C para a Ré (B), com efeitos a partir de 22/07/2003. (B)
    3. Entre 22/07/2003 a 07/09/2009 o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
    4. Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos, horários e postos de trabalho fixados pela Ré. (D)
    5. Durante o período que prestou trabalho, o Autor auferiu da Ré um salário de base de HK$7,500.00 por cada mês de trabalho prestado. (E)
    6. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (2.º)
    7. Entre 12/12/2003 a 07/09/2009, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (3.º).
    8. Entre 12/12/2003 a 31/12/2008, por ordem da Ré (B), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (4.º)
    9. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspecionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (5.º)
    10. Durante o briefing (leia-se, reunião) o Team Leader informava os guardas a respeito de alguma questão de segurança que pudesse ter acontecido no turno anterior, ou da necessidade de participação em qualquer evento especial. (6.º)
    11. Durante o briefing (leia-se, reunião) o Team Leader informava os guardas a respeito das regras de disciplina e de segurança que os mesmos estavam obrigados a respeitar e a cumprir. (8.º)
    12. Durante o referido período de tempo, o Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (9.º)
    13. Entre 12/12/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou 1486 dias/turnos de trabalho efectivo junto da Ré. (10.º)
    14. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (normal e/ou adicional) pelo período de tempo que antecedia o início de cada um dos turnos. (11.º)
    15. Entre 12/12/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (12.º)
    16. Entre 12/12/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou 212 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (13.º)
    17. A Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (14.º)
    18. A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (15.º)

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IV - FUNDAMENTAÇÃO
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     I. RELATÓRIO
     A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente no Reino Unido, em XXX, Inglaterra, titular do Passaporte do Nepal n.º XXX, instaurou contra B (adiante, B), identificada melhor nos autos, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$232,176.00 acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
     - MOP$63,160.00 a título de subsídio de efectividade;
     - MOP$32,026.00 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
     - MOP$136,990.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias.
     Tudo com os fundamentos que decorrem da sua petição inicial, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
     A Ré contestou, pondo em crise, no essencial, a pretensão do Autor.
     Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, foi apreciada a excepção peremptória da prescrição e declararam-se prescritos os créditos reclamados pelo Autor até 11/12/2003. Ainda seleccionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
     A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
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     O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
     O processo é o próprio, não enferma de nulidades que o invalidem.
     As partes são dotadas de personalidade, de capacidade judiciária.
     Todas as partes são legítimas, têm interesse de agir e estão devidamente patrocinadas.
     Não existem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
     *
     Questões a decidir:
     - Se o Autor tem direito aos créditos laborais por si reclamados e, caso se entenda pela positiva, determinar se são correctos os montantes indemnizatórios por si peticionados.
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     II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
(…)
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     III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
     Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe aplicável, cumpre dar resposta à questão a decidir que supra se deixou enunciada.
     Nesta acção, ficou provado que entre 09/11/1997 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da C, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 279 trabalhadores não residentes) da C para a Ré (B), com efeitos a partir de 22/07/2003. Depois, entre 22/07/2003 a 07/09/2009 o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. Pelo que, não há dúvida quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
     *
     Subsídio de efectividade
     O Autor pede a indemnização do subsídio de efectividade no período decorrido entre 22/07/2003 a 07/09/2009 no montante de MOP$63,160.00, depois de descontar o montante MOP$11,000.00 que a Ré foi já condenada a pagar ao Autor no âmbito do Processo n.º LB1-16-0080-LAC.
     O tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções dilatórias da litispendência e do caso julgado nos termos do artigo 414.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPT.
     De acordo com o artigo 416.º, n.º1 do CPC ex vi do artigo 1.º do CPT, as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.
     E o artigo 417.º do CPC ex vi do artigo 1.º do CPT dispõe os requisitos da litispendência e do caso julgado: 1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, considerando-se como causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, o facto concreto ou a nulidade específica que a parte invoca para obter o efeito pretendido.
     Quer dizer, apenas se depara uma situação de caso julgado se existir uma tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
     Com base da certidão do Processo n.º LB1-16-0080-LAC, constantes de fls. 81 a 145v. dos autos, o Processo n.º LB1-16-0080-LAC já foi decidido por sentença e esta já transitou em julgado na parte que se refere ao subsídio de efectividade.
     De acordo com os referidos documentos e a petição inicial do Autor da presente acção, os sujeitos e a causa de pedir (quanto ao subsídio de efectividade) são mesmos em ambas as acções.
     Por razões que desconhecemos o Autor apenas formulou o pedido do subsídio de efectividade na quantia de MOP$29,600.00 no Processo n.º LB1-16-0080-LAC. Como resulta da douta sentença, a Ré foi condenada no pagamento de MOP$11,000.00 a título de subsídio de efectividade.
     Vem o Autor agora formular nos presentes autos o pedido do subsídio de efectividade na quantia de MOP$63,160.00, depois de descontar o montante MOP$11,000.00 condenado no Processo n.º LB1-16-0080-LAC.
     Repetimos o disposto no artigo 417.º, n.º3 do CPC: Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
     Portanto, estamos perante a tríplice identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, porquanto, independentemente da diferença de valores peticionados, o real pedido é a indeminização do subsídio de efectividade a que, alegadamente, tem direito.
     Pelo exposto, julga-se procedente a excepção dilatória do caso julgado e em consequência, absolvendo-se a Ré da instância na parte do subsídio de efectividade, nos termos dos artigos 413.º, al. j), 416.º, 417.º e 230.º, n.º1, al. e), todos do CPC e aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPT.
     *
     Compensação de trabalho extraordinário de, pelo menos, 30 minutos que antecederam o início de cada turno
     Ficou provado que entre 12/12/2003 a 31/12/2008, por ordem da Ré (B), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos, cumprindo as ordens e as instruções que lhe eram emanadas pelos seus superiores hierárquicos. Mas a Ré pagou ao Autor qualquer quantia (normal e/ou adicional) pelo período de tempo que antecedia o início de cada um dos turnos.
     Ainda ficou provado que entre 12/12/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou 1486 dias/turnos de trabalho efectivo junto da Ré.
     O artigo 10.º, n.º4 do Decreto-Lei 24/89/M dispõe que os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.
     Ou seja, se ultrapasse a duração de trinta minutos diários, verificando se a prestação de trabalho extraordinário, tem o trabalhador direito a receber um acréscimo de salário, nos termos do artigo 11.º, n.º2 do Decreto-Lei 24/89/M.
     Portanto, tendo em conta que já se declararam prescritos os créditos reclamados pelo Autor até 11/12/2003 e, os dias de trabalho efectivo pelo Autor prestado, segundo a fórmula (Salário horário) x (n.º de dias de trabalho efectivo) /2, tem o Autor direito a receber a tal título:
Período
N.º de dias de trabalho efectivo
Salário horário
Quantia indemnizatória
12/12/2003 a 31/12/2008
1486
HKD$31.25
MOP$23,915.31
     Assim, deve a Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$23,915.31 pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo.
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     Compensação pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal)
     O Autor ainda pretende ser indemnizado pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal no período decorrido entre 22/07/2003 a 31/12/2008, mas já se declararam prescritos os créditos reclamados pelo Autor até 11/12/2003.
     Ficou provado que entre 12/12/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. No concreto, o Autor prestou 212 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, mas a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
     O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
     O artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei prevê as excepções do referido artigo: sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.
     No caso em apreço, mesmo que considerando a natureza do sector de actividade (guarda de segurança), a Ré concedeu ao Autor um descanso consecutivo de vinte e quatro horas, após cada sete dias de trabalho consecutivos, obviamente não se verificando o disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Assim, tem que se considerar que o Autor prestou trabalho junto da Ré em dia de descanso semanal nos termos do artigo 17.º, n.º1 do mesmo Decreto-Lei.
     O n.º6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
     Então, deve calcular os valores da indemnização a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, segundo a fórmula: (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
     Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré1, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê2.
     Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados):
Período
Salário diário
N.º de dias não gozados
Quantia indemnizatória
12/12/2003 a 31/12/2008
HKD$250.00
212
MOP$54,590.00
     Assim deve a Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$54,590.00 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
     *
     Juros moratórios
     Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante3, atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
     *
     IV. DECISÃO
     Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$78,505.31, sendo:
     - MOP$23,915.31 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
     - MOP$54,590.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal).
     Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
     Absolve-se a Ré da instância na parte do subsídio de efectividade.
     Absolve-se no mais a Ré do pedido.
     As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do respectivo decaimento.
     Registe e notifique.

* * *
Comecemos pelo recurso interposto pelo Autor.
    Do recurso da sentença interposto pelo Autor
    Do trabalho prestado em dias de descanso semanal:
    Insurge-se o Recorrente contra a fórmula de cálculo que o Tribunal “a quo” utilizou para a compensação devida pelo serviço prestado pelo Autor nos dias que deveriam ser de descanso semanal. O Tribunal apenas lhe conferiu um valor de salário em singelo, quando na opinião deste deveriam ser dois.
    Tem razão o Recorrente.
    Sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; de 6/07/2017, Proc. nº 405/2017) que a fórmula utilizada pelo TJB não é mais correcta.
    Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
    Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
    Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
    Nº6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
    Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
    Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
    Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
    Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
    - Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
    - O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
    E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
    Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será sempre AxBx2.
    Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
    Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
    Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo Recorrente.
    
    Trata-se, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase uniforme por este TSI, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2.
    Como resultando provado que o Recorrente, durante todo o período da relação laboral não gozou dos respectivos dias de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), deve a Ré/Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$109,180.00 a título do dobro do salário (e não só apenas de MOP$54,590.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise), acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
     
    É esta decisão mais correcta e em sintonia com as normas aplicáveis já acima ciadas.
    
    Pelo exposto, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e consequentemente a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto no referido DL, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2.
    Julga-se, deste modo, procedente o recurso interposto pelo Autor nesta parte.

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    Em síntese conclusiva:
    I - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
    II – O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V - DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, passando a decidir que a Ré/Recorrida seja condenada a pagar ao Autor/Recorrente a quantia de MOP$109,180.00 a título do dobro do salário (pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), acrescida de juros moratórios até efectivo e integral pagamento.
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    Custas pela Recorrida/Ré.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 27 de Fevereiro de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. E que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
2 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.°, n.º 2, 1) da Lei n.º 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
3 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02/03/2011.
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