Proc. nº 471/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Fevereiro de 2020
Descritores:
- Impedimento de juiz
- Art. 311º, do CPC
- Art. 77º do CPAC
- Extensão de efeitos de julgado anulatório
SUMÁRIO:
I - O art. 77º do CPAC só permite a extensão de efeitos de julgado anulatório, legitimando o aproveitamento da anulação do acto administrativo sindicado, aos titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tenham sido lesados pelo acto, mesmo que dele não tenham recorrido.
II - Ou seja, a extensão implica que o beneficiário da extensão tenha sido interessado directo no procedimento e, portanto, directamente destinatário do acto, logo tenha sido atingido negativamente pela decisão administrativa, mediante o sofrimento de uma lesão na sua esfera jurídica.
III - Se o juiz titular do processo não interveio no procedimento administrativo, por não ter pedido a sua inscrição no Fundo de Pensões, não se pode dizer que tenha sido interessado, nem destinatário directo da decisão de indeferimento do pedido de inscrição no Fundo por parte de outros colegas.
IV - E por isso mesmo a alínea a), do nº1, do art. 311º do CPC não se adequa ao seu caso para efeitos de impedimento na sua intervenção como julgador do recurso contencioso interposto pelos seus colegas do acto que lhes negou a inscrição no Fundo de Pensões.
Proc. nº 471/2018
Acordam No Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
1º. A, do sexo masculino, casado, maior, titular do BIRPM n.º ..., residente em Taipa de Macau, no…; ---
2º. B, do sexo feminino, solteira, maior, titular do BIRPM n.º ..., residente em Macau, na…; e ---
3º. C, do sexo feminino, solteira, maior, titular do BIRPM n.º ..., residente em Macau, na…; ---
Interpuseram recurso contencioso no TA da deliberação de 24/08/2017---
Do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, ---
Que rejeitou o recurso hierárquico da decisão da Presidente do Conselho de 23/06/2017, que tinha indeferido o requerimento daqueles no sentido de se inscreverem no Regime de Aposentação e Sobrevivência na qualidade de estagiários do 5º Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público e começarem a contribuir para o dito regime a partir de 7/09/2015, data da nomeação como magistrados em regime de estágio.
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O 1º recorrente desistiu da instância do recurso contencioso a fls. 82, tendo sobre essa decisão recaído despacho de homologação judicial (cfr. tb. fls. 106, 108, 110 e 111).
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A entidade recorrida requereu a recusa de intervenção do juiz titular do processo, nos termos dos arts. 311º, nº1, al. a), 312º, nº2 e 316º, nº1, al. d), do CPC, Dr. D, com o argumento de que também ele tem um interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável aos recorrentes (fls. 90 e sgs.).
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Por despacho do juiz titular, foi este requerimento indeferido.
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Contra ele vem agora interposto o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação a entidade administrativa formulou as seguintes conclusões:
“a) O presente recurso tem por objecto o despacho de 4 de Dezembro de 2017 (vide fls. 177 e v dos autos) proferido pelo MM.º Juiz D no sentido de indeferir o supramencionado pedido por entender ele não ter intervindo, por qualquer forma, na presente causa e não preencher os requisitos legais respeitantes ao impedimento do juiz. (o teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
b) A presente causa tem por origem o pedido de 16 de Setembro de 2015 apresentado pelos dois recorrentes contenciosos junto do Fundo de Pensões para se inscreverem como subscritores do Regime de Aposentação e Sobrevivência e começarem a contribuir para este regime a partir de 7 de Setembro de 2015, data em que foram nomeados estagiários do 5º Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público, bem como o cancelamento das suas inscrições no Regime de Previdência logo que estes se tenham tornado subscritores do primeiro regime e a devolução do valor das contribuições para previdência descontadas nos seus vencimentos a partir da falada data.
c) Por deliberação feita a 24 de Agosto de 2017, o ora recorrente rejeitou o recurso hierárquico impróprio interposto pelos dois recorrentes atrás mencionados e confirmou totalmente o despacho (de indeferimento) de 23 de Junho de 2017 proferido pelo presidente do Conselho de Administração. Inconformados com a referida deliberação, os dois recorrentes interpuseram recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
d) O Sr. Juiz D proferiu despacho no sentido de citar o ora recorrente para contestar no prazo legalmente fixado. O mesmo juiz não admitiu o requerimento da declaração do seu impedimento.
e) O 5º Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público, doravante designado por CEFIMJMP, tem um total de 14 estagiários, incluindo o Sr. Juiz D.
f) Desde 16 de Setembro de 2015, isto é, logo depois da nomeação dos estagiários para frequentarem o CEFIMJMP em regime de comissão de serviço, todos eles, excepto o Sr. Juiz D, requereram junto do Fundo de Pensões a inscrição no Regime de Aposentação e Sobrevivência a partir da data da nomeação, ou seja, 7 de Setembro de 2015.
g) Aqui em causa está exactamente a questão de saber se os “estagiários” do Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público têm ou não direito à inscrição no Regime de Aposentação e Sobrevivência a partir da data da sua nomeação para a frequência desse curso nos termos do artigo 259.º, n.º 3 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM).
h) Se o Tribunal der provimento ao recurso interposto pelos recorrentes, isso significa que estes têm direito à inscrição no Regime de Aposentação e Sobrevivência a partir de 7 de Setembro de 2015, ou seja, a data em que foram nomeados para frequentar o 5º Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público em regime de comissão de serviço.
i) O Sr. Juiz D, enquanto estagiário do 5º Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público, encontra-se na situação jurídica idêntica, tendo eventualmente o direito de ser inscrito no Regime de Aposentação e Sobrevivência desde 7 de Setembro de 2015, ou seja, a data da sua nomeação para a frequência do CEFIMJMP.
j) É evidente que a futura decisão do Sr. Juiz D terá interesse e/ou interesse potencial jurídico em seu favor, ou ele tem na causa interesse e/ou interesse potencial que lhe permite ser parte principal, uma vez que, se os recorrentes obtiverem a procedência do recurso, ele também terá direito à inscrição no Regime de Aposentação e Sobrevivência a partir da falada data.
k) O requerimento do ora recorrente para a declaração do impedimento do juiz deve ser admitido pela satisfação das disposições do artigo 311.º, n.º 1, al. a) e artigo 312.º, n.º 2 do CPC.
l) Antes da sua nomeação, em regime de comissão de serviço, como estagiário do 5º Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público, o Sr. Juiz D esteve vinculava à Administração através do contrato além do quadro.
m) Se o Tribunal der provimento ao recurso interposto pelos recorrentes (os outros 13 estagiários do CEFIMJMP), isto é, reconhecer o seu direito de requerer à entidade recorrida as suas inscrições no Regime de Aposentação e Sobrevivência a partir de 7 de Setembro de 2015, ou seja, a data em que foram nomeados para frequentarem, em regime de comissão de serviço, o 5º Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público, e o cancelamento das suas inscrições no Regime de Previdência, o Sr. Juiz D, que se encontra na mesma relação e situação jurídicas, também poderá exercer esse direito à inscrição, apesar de até agora ele ainda não ter deduzido o mesmo pedido de inscrição.
n) No que toca à questão jurídica em causa (se tem ou não direito à inscrição no Regime de Aposentação e Sobrevivência a partir da data atrás mencionada, ou seja, 7 de Setembro de 2015), o Sr. Juiz D apenas pode ter duas posições possíveis: 1) concordância com a opinião dos recorrentes; 2) concordância com o entendimento do ora recorrente, isto é, a entidade recorrida.
o) O Juiz D nunca formulou o referido pedido junto do ora recorrente (entidade recorrida), o que, na nossa opinião, exactamente revela a sua discordância com os fundamentos dos recorrentes, e demonstra que a sua posição está em linha com a nossa decisão.
p) Por conseguinte, o requerimento do ora recorrente para a declaração do impedimento do juiz deve ser admitido por preencher o disposto no artigo 311.º. n.º 1, al. e) e artigo 312.º, n.º 2 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPAC.
q) O Sr. Juiz D, no seu despacho (vide despacho a fls. 177 e v, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) que rejeita o requerimento da declaração do seu impedimento, fundamenta-se principalmente em que ele não interveio, por qualquer forma, na presente causa, nunca formulou o aludido pedido junto do Fundo de Pensões nem foi o destinatário da decisão da entidade recorrida, pois não preenche as condições previstas para intervir na causa na qualidade de litisconsorte ou parte coligada em fase judicial subsequente, e não satisfaz as referidas disposições legais respeitantes ao impedimento.
r) Cumpre salientar que a imparcialidade de juiz não se apresenta sob uma noção unitária, reflectindo antes dois modos, diversos mas complementares, de consideração e compreensão da imparcialidade: a imparcialidade subjectiva e a imparcialidade objectiva.
s) A imparcialidade subjectiva tem a ver com a posição pessoal do juiz e sempre se presume a sua existência salvo prova em contrário. E no que diz respeito à imparcialidade objectiva, a forma é especialmente importante, uma vez que não só se consideram a estrutura orgânica e as funções, mas também as circunstâncias e posições com influências externas, sempre que tais circunstâncias e posições, quando vistas do ponto de vista dos destinatários da decisão, bastem para lhes suscitar qualquer dúvida e preocupação pelo eventual risco de existência de algumas posições pré-determinadas ou requisitos que lhe sejam desfavoráveis.
t) Assim sendo, a imparcialidade objectiva é como uma noção baseada na “forma” e, para não prevenir o embaraço de “ditadura formal”, todos os fundamentos ou motivos invocados devem ser avaliados conforme as circunstâncias únicas de cada caso específico. Seja como for, o ponto-chave é que “não basta “ser”, o que importa é “parecer ser”. (Isso significa que não basta o juiz ser verdadeiramente imparcial, já que o que importa é que o julgamento parece imparcial aos olhos dos observadores).
u) O impedimento não tem por objectivo determinar se o juiz realmente não consegue conhecer da causa de forma imparcial, mas antes assegurar que a intervenção deste juiz na causa não suscite a desconfiança e suspeita social.
v) Ninguém pode ou deve fazer especulação irresponsável e suspeita infundada, o que não é a posição do ora recorrente.
w) Nas palavras de Jorge de Figueiredo Dias, o fim do processo (de suspeição) consiste em determinar, não se o juiz se encontra realmente impedido de se comportar com imparcialidade, mas se existe perigo de a sua intervenção ser encarada com desconfiança e suspeita pela comunidade. (Direito Processual Penal, Vol. I, Coimbra, 1974, p. 319)
x) Concluindo, a independência de juiz é um dever – dever de ética social. A independência funcional significa que cada juiz, aquando da “interpretação da lei”, deve observar a maior neutralidade na tomada das decisões, isto é, ser independente de qualquer influência externa. Trata-se dum ponto essencial das funções de juiz. Deste ponto de vista, a independência consiste numa exigência necessária a todos os juízes a nível de princípio, característica e personalidade, isto é, uma responsabilidade.
y) É especialmente necessário que o exercício das funções pelo juiz seja regulado por uma série de leis estabelecidas a fim de garantir a sua independência e assegurar a confiança pública na objectividade judicial.
z) Logo, quando a imparcialidade dum juiz (ou a confiança pública na sua imparcialidade) for posta em causa com fundamentos razoáveis, este juiz perde as condições judiciárias. Nesta circunstância, é impossível a sua intervenção na causa, devendo ele estar vinculado por lei e impedido de exercer as suas funções. Em palavras simples, deve declarar-se judiciariamente incapaz em relação à causa.
aa) O Sr. Juiz D nunca formulou o referido pedido junto do ora recorrente, o que, na nossa opinião, exactamente revela a sua discordância com os fundamentos dos recorrentes, e demonstra que a sua posição está em linha com a nossa decisão.
bb) O acto do Sr. Juiz D demonstra exactamente a sua posição. Seja o que for essa posição – quer concordar com os recorrentes contenciosos e discordar do ora recorrente, quer o oposto, trata-se duma posição pré-determinada em relação à questão da presente causa, o que é injusta para qualquer uma parte.
cc) No seu acórdão proferido no âmbito do processo n.º 628/2011, o TSI de Macau expressa o mesmo entendimento perspicaz.
dd) Uma vasta doutrina também entende que a imparcialidade, como exigência específica de toda e qualquer decisão judicial, define-se com a ausência de qualquer prejuízo ou preconceito em relação à matéria a decidir ou às pessoas que possam vir a ser afectadas pela decisão. O ora recorrente concorda completamente com essa opinião.
ee) In casu, devido à existência do circunstancialismo legalmente previsto, designadamente os factos de o Sr. Juiz D já ter tido uma posição pré-determinada e a sua futura decisão ter interesse e/ou interesse potencial jurídico em seu favor, ou ele ter na causa interesse e/ou interesse potencial que lhe permite ser parte principal, a sua intervenção provavelmente suscita desconfiança e suspeição das pessoas.
ff) Face ao exposto, afigura-se-nos que o despacho do Sr. Juiz D padece do vício de violação de lei (artigo 311.º. n.º 1, al.s a) e e), ex vi do artigo 1.º do CPAC) e erro de interpretação e/ou aplicação desses preceitos legais. Por conseguinte, ele deve ser declarado impedido.
V – Pedidos
Face ao exposto, pede-se aos Exm.os Juízes que, suprindo eventuais omissões, concedam provimento ao presente recurso e, em consequência,
1. Anulem o despacho recorrido;
2. Declarem o impedimento do Sr. Juiz D;
3. Ordenem o prosseguimento dos autos até final.
Assim se fazendo a justiça!”
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Cremos que não lhe assiste razão.
Como resulta claro da norma do artigo 311.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o interesse tem que ser aferido em relação à causa ou acção. A causa que ora nos ocupa consiste num recurso contencioso, que visa sindicar um acto administrativo da autoria do Conselho de Administração do Fundo de Pensões. Este acto produziu efeitos externos lesivos aos recorrentes contenciosos, mas não atingiu o juiz cujo impedimento vem sustentado. Como a própria entidade administrativa ora recorrente admite, este juiz nunca requereu a sua inscrição no Regime de Aposentação e Sobrevivência enquanto estagiário do 5.º Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público. Logo, a decisão administrativa questionada contenciosamente não o abrange nem o afecta, pelo que, quer à luz das regras do processo civil, quer considerando as regras do processo administrativo contencioso, nunca ele poderia ser parte principal na causa, por manifesta carência de interesse directo, pessoal e legítimo.
Soçobra, pois, o motivo de impedimento alicerçado na alínea a), do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Quanto ao outro fundamento do advogado impedimento, é de rejeitar liminarmente que a situação possa cair no âmbito da alínea e), do n.º 1 do mesmo artigo 311.º. O recurso a que alude o artigo 311.º, n.º 1, alínea e), é o recurso jurisdicional e não o recurso contencioso. E o que se pretende acautelar com a norma é que o mesmo juiz julgue numa instância de recurso questão que julgara, ou sobre a qual já tomara posição, na instância recorrida. Nada disso está evidentemente em causa. E não poderá deixar de se observar, en passant, que o ora recorrente faz assentar a sua alegação num raciocínio manifestamente especulativo. A que se deve a conclusão de que o juiz não concorda com os argumentos dos colegas e sufraga a posição de fundo da entidade contenciosamente recorrida? Só porque não requereu a sua inscrição como estagiário no Regime de Aposentação e Sobrevivência?
Ante o exposto, o recurso não merece provimento, devendo confirmar-se a decisão impugnada.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
1. Em 16 de Setembro de 2015 B e C requereram no Fundo de Pensões a inscrição como subscritores do Regime de Aposentação e Sobrevivência a fim de começarem a contribuir para o Regime a partir de 7 de Setembro de 2015, data em que foram nomeados como estagiários do 5° Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público, bem como o cancelamento das suas inscrições no Regime de Previdência logo que se tenham tomado subscritores do primeiro regime e a devolução do valor das contribuições para previdência descontadas nos seus vencimentos a partir da falada data.
2. Por deliberação feita a 24 de Agosto de 2017, o Conselho de Administração do Fundo indeferiu o recurso hierárquico impróprio interposto pelos dois recorrentes atrás mencionados e confirmou totalmente o despacho (de indeferimento) de 23 de Junho de 2017 proferido pelo presidente do Conselho de Administração.
3. Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
4. O Juiz titular desse processo, D, foi em 7 de Setembro de 2015, nomeado, juntamente com os recorrentes contenciosos, pelo Chefe do Executivo da RAEM, em comissão de serviço, como estagiário do 5° Curso e Estágio de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público.
5. O Dr. D não requereu a inscrição no Fundo de Pensões.
6. O Conselho de Administração requereu a recusa e o impedimento do juiz titular do processo.
7. O Ex.mo Juiz, D, proferiu então o seguinte despacho:
“Fls. 115 a 127 dos autos:
A entidade recorrida requereu a recusa da minha intervenção no presente processo nos termos do artigo 316.º, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPAC, e a declaração do meu impedimento com fundamento no disposto no artigo 311.º, n.º 1, al.s a), e) e h).
Cumpre agora conhecer do incidente do pedido de declaração de impedimento.
No tangente ao primeiro fundamento, ou seja, o artigo 311.º, n.º 1, al. a)
Não intervim, por qualquer forma, no processo em causa, visto que nunca formulei o aludido pedido junto do Fundo de Pensões nem fui o destinatário da decisão da entidade recorrida, não preencho, assim, as condições previstas para intervir no processo na qualidade de litisconsorte ou parte coligada em fase judicial subsequente.
No entender da entidade recorrida, a minha futura decisão terá um interesse ou potencial interesse jurídico em meu favor, ou tenho na causa um interesse que me permita ser parte principal. As preocupações expressas pela entidade recorrida são compreensíveis. Todavia, mesmo que assim fosse, isso não preenche o disposto no falado artigo para justificar a declaração do impedimento do juiz.
Quanto ao segundo fundamento - o artigo 311.º, n.º 1, al. e)
Trata-se dum recurso contencioso, mas não recurso de decisão jurisdicional, pelo que a norma não é aplicável.
No respeitante ao terceiro fundamento - o artigo 311.º, n.º 1, al. h)
Primeiro, nesta fase ainda não fui indicado como testemunha por nenhuma das partes. Mesmo que isso aconteça em fases seguintes, o artigo 521.º, n.º 1 do CPC já tem a solução, pois o problema pode ser abordado naquela altura, não havendo actualmente a necessidade de impedimento.
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Face ao exposto, por ser improcedentes todos os fundamentos invocados pela entidade recorrida, o seu requerimento da declaração do impedimento do juiz é rejeitado ao abrigo do disposto no artigo 312.º, n.º 2 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPAC.
Sem custas, pela isenção subjectiva da entidade recorrida.
Notifique.
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No tangente ao incidente de recusa de juiz deduzido pela entidade recorrida, tendo em conta a diferença entre a recusa e a declaração de impedimento, ordeno, nos termos do artigo 318.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPAC, que autue a certidão em relação ao conteúdo a fls. 115 a 127 dos autos e remeta-ma por apenso.”.
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III – O Direito
1 - O que está em causa é saber se estão verificados os pressupostos do impedimento do juiz titular do processo de recurso contencioso interposto no Tribunal Administrativo da deliberação do Conselho de Administração ali impugnada.
A entidade recorrida acha que sim, nos termos do art. 311º, nº1, al. a) e e) e 312º, nº2, ambos do CPC.
Vejamos.
Pode qualquer juiz garantir e jurar ser completamente isento e imparcial, mas o que se pretende proteger com o seu impedimento num determinado processo é a possibilidade de, no momento da decisão, não o ser. Ou seja, não está em causa o grau de certeza acerca dessa isenção, mas a mera possibilidade de ela não vir a verificar-se. É esta possibilidade, mesmo que remota, que o art. 311º, nº1, al. a), do CPC pretende evitar.
No entanto, a declaração de impedimento não pode ser obtida a um qualquer preço. Para isso é que o CPC estabeleceu critérios bem definidos.
No caso do recurso contencioso em apreços nos autos, verdadeira e substancialmente, o tema central era, e é, indagar até que ponto os recorrentes contenciosos têm direito, ou não, à inscrição no Regime de Aposentação e Sobrevivência com efeitos a partir de 7/09/2015, data da nomeação para o 5º Curso de Formação e Estágio para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público, que o juiz titular aqui questionado também frequentou com êxito.
Neste sentido, aparentemente, o digno magistrado a respeito do qual foi equacionado o seu impedimento tem um interesse à partida semelhante ao dos recorrentes. Na verdade, em abstracto, está no mesmo plano dos restantes interessados frequentadores do mesmo curso e, assim, com idêntica projecção na sua esfera jurídica do benefício que representa o regime de aposentação e sobrevivência.
Mas, só aparentemente e em abstracto é que a situação do juiz autor do despacho em causa se confunde com a dos recorrentes contenciosos.
É que ele, tendo ele embora sido colega dos recorrentes contenciosos, não fez o que estes fizeram, que foi o pedido de inscrição no Fundo de Pensões, que lhes foi negado. E isso muda tudo.
Ou seja, ele não fez parte, nem individualmente, nem em litisconsórcio, do procedimento administrativo de iniciativa particular tendente à inscrição no Fundo de Pensões. E não tendo feito parte dele, por não ter requerido a inscrição, ao contrário do que os seus colegas fizeram, a decisão administrativa de indeferir a inscrição àqueles colegas não o afectou, não o lesou! Assim como estava, assim ficou.
Bem podia pensar-se que o art. 77º do CPAC podia vir a conceder-lhe a posteriori aquilo que não fora obtido na altura própria e pelo meio comum. Contudo, esse preceito, que trata da extensão dos efeitos do julgado obtido em processo de contencioso administrativo anulatório, parte de um pressuposto que nesta situação não ocorre. É que ele só permite a extensão, legitimando o aproveitamento da eventual anulação do acto administrativo sindicado, aos titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tenham sido lesados pelo acto, mesmo que dele não tenham recorrido.
Ou seja, a extensão implica que o beneficiário da extensão tenha sido interessado directo no procedimento e, portanto, directamente destinatário do acto, o mesmo é dizer, tenha sido atingido negativamente pela decisão administrativa, mediante o sofrimento de uma lesão na sua esfera jurídica.
Ora, o juiz Dr. D não foi, repetimos, lesado pelo acto, pela simples circunstância de não ter sido interessado directo no procedimento ao não ter requerido a sua inscrição no Fundo. Sendo assim, mesmo que o processo judicial venha a terminar com uma decisão anulatória transitada, jamais o Juiz titular do processo poderá pedir a extensão ao abrigo daquele preceito.
Portanto, como se vê, só na aparência e em abstracto ele tem um interesse longínquo semelhante ao dos recorrentes.
Na verdade, e em concreto, ele não podia ser parte principal no recurso contencioso, por falta de legitimidade activa para o fazer, face ao disposto no art. 33º do CPAC, razão pela qual a alínea a) em referência não se adequa ao caso.
Nem sequer podemos dizer que a circunstância de não ter pedido a inscrição no Fundo permite inferir a sua concordância com a decisão do Fundo, ao contrário do que este afirma na sua peça alegatória. Desse facto negativo ninguém pode extrair qualquer conclusão, nem a favor da tese do Fundo, nem a favor da tese dos recorrentes, seus colegas. Trata-se de uma posição anódina e neutra, do ponto de vista substantivo, sem que possamos ver nela a assunção de uma ou outra das posições em conflito.
Se o impedimento do juiz visa afastar dúvidas e suspeições acerca da isenção e imparcialidade do julgador, à maneira do velho brocardo “A mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta”, aqui, inexistem razões para crer que não será isento e imparcial, nem do ponto de vista objectivo, nem do ponto de vista subjectivo.
Claudica, pois, o primeiro fundamento da alínea a), do nº1, do art. 311º.
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2 - Também não vemos em que medida a situação encaixe na previsão do art. 311º, nº1, al. e), do CPC, que estabelece que “O juiz está impedido de exercer as suas funções quando …se trate de recurso interposto em processo no qual tenha tido intervenção como juiz, quer proferindo a decisão recorrida, quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso”.
Na verdade, esta disposição não é aplicável ao caso, nem tampouco por analogia, porque ela é unicamente gizada para os casos em que o magistrado tenha já participado no âmbito de um processo em 1ª instância, proferindo a decisão recorrida ou nele tomando, por qualquer meio, posição que comprometa o seu grau de isenção e imparcialidade em eventual futura actuação judicial em sede de recurso jurisdicional.
Não é o caso, obviamente, porque esta é a primeira vez que o juiz em apreço actua em 1ª instância no âmbito deste processo, que é de recurso contencioso.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se o despacho sindicado.
Sem custas.
T.S.I., 27 de Fevereiro de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Joaquim Teixeira de Sousa
471/2018 20