Processo nº 854/2018
Data do Acórdão: 27FEV2020
Assuntos:
Invalidades de deliberações da assembleia geral das sociedades comerciais
Renovação de deliberação impugnada
Nulidades processuais
Bens da sociedade
Lucro da sociedade
Abuso de poder
Bons costumes
Boa fé
Acordos parassociais
Sócios dominantes
Conflito de interesses
SUMÁRIO
1. O artº 222º/1-d) do Código Comercial exige que do convocatório conste a menção especificada dos assuntos a submeter a deliberação dos sócios. Em face do disposto nessa norma, a expressão “a exoneração do cargo de um administrado, na qualidade de gerente” não pode deixar de ser considerada insuficientemente clara para satisfazer a exigência legal da “menção especificada”, dado que, a tal expressão, nos termos em que foi redigida, é tão abstracta e escassa que não habilita os sócios a conhecer a quem visa a proposta exoneração e por causa de que justifica a proposta exoneração de um membro do órgão social.
2. Em face do disposto no artº 198º/1 do Código Comercial, à luz do qual salvo disposição legal que o permita, não podem ser distribuídos aos sócios quaisquer bens da sociedade senão a título de lucro, a Ré não pode distribuir, mediante a deliberação da assembleia, os bens insusceptíveis de ser qualificados como lucro da sociedade, isto é, resultado produtivo da actividade societária num determinado exercício, líquido, isto é, após o abatimento do passivo, e excedente do capital e das reservas – o artº 198º/2 do Código Comercial.
3. Confrontada com a omissão de decisão sobre o seu pedido, o meio de reacção idóneo ao dispor da parte que o formulou deve ser a arguição da nulidade por omissão de pronúncia e não a mera repetição do mesmo em sede de recurso.
4. Todas as nulidades processuais compartilham uma característica comum que é a circunstância de o Juiz que a cometeu não ter chegado formular qualquer juízo de valor sobre a legalidade do seu acto, comissivo e omissivo, limitando-se a praticar um acto ou omitir um acto sem que se tenha pronunciar sobre a conformidade ou não do seu acto com a lei.
5. Face ao disposto no artº 231º/6 do Código Comercial, o tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para substituir a deliberação por outra, em assembleia geral convocada para o efeito.
6. Esta norma permite que a sociedade, ré de uma acção de impugnação de deliberações tomadas pela assembleia geral, requeira ao tribunal um prazo para, em substituição da deliberação impugnada, tomar uma nova deliberação sem o vício que invalida a anterior deliberação nessa acção impugnada.
7. Não obstante o silêncio da lei quanto ao terminus ad quem para o exercício da faculdade de requerer o prazo para renovar deliberação impugnada, é razoável afirmar ser extemporâneo um tal requerimento apenas formulado em sede de alegações de direito, ou seja, num momento em que se encontram findas as fases de articulados, de saneamento e preparação do processo e de instrução do processo, e fixada a matéria de facto.
8. Há abuso de direito quando, não obstante formalmente não contrário à lei, o exercício do direito pelo seu titular exceda os limites internos desse direito, impostos pela boa fé, bons costumes e pelo fim social a que visa a lei ao estabelecer tal direito. Fala-se de abuso de direito, é preciso que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
9. Actos contrários aos bons costumes são actos imorais, ofensivos da moral pública. Os bons costumes são noção variável, com os tempos e os lugares, abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento. O aplicador do direito deve apreciar caso a caso, tendo em conta os factos e as circunstâncias concretas, se um determinado negócio é ofensivo dos bons costumes.
10. Para além de admitir a existência do chamado sócio dominante, a nossa lei, hoje em dia, não proíbe convenções entre sócios sobre o exercício do direito de voto. Não obstante a sua admissão, a lei estabelece certas limitações aos sócios dominantes e acordos parassociais, por forma a proteger os interesses da sociedade e dos chamados sócios minoritários. Em primeiro lugar, no âmbito do acordo parassocial, a lei não reconhece como válidas as estipulações pelas quais um sócio se obrigue a votar: a) seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos; b) aprovando sempre as propostas feitas por estes; ou c) exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de vantagens especiais – artº 185º/3 do C. Comercial. Além disso, como cláusula geral, proíbe o uso do poder de domínio de votar, quer pelo sócio dominante quer pela pluralidade de sócios ligados por acordos parassociais, com o intuito de prejudicar a sociedade ou outros sócios, mediante recurso às sanções civis e criminais – artºs 212º e 475º do C. Comercial.
11. Tendo em conta que o bem jurídico, que o artº 219º do Código Comercial visa tutelar através a restrição do direito de voto, inerente à qualidade do sócio enquanto tal, é a protecção dos interesses da sociedade em caso de conflito de interesses entre o sócio e a sociedade, ao votarem a favor da designação a si próprios para levar uma investigação com vista a apurar se há provas demonstrativas das condutas lesivas dos interesses da sociedade por parte de um outro sócio e a favor da nomeação a si próprios para membros da nova gerência e da confiança a ela de algumas tarefas integráveis na competência de um órgão social, não se vê em que termos os sócios votantes poderiam estar a, através do seu voto, aproveitar-se da sociedade, numa relação em que surge como extrassocialmente interessado, para alcançar ou influir na obtenção do consentimento societário, e portanto, em conflito de interesses a que se refere o citado artº 219º.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 854/2018
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV2-17-0038-CAO, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I – Relatório:
A aliás A1, casado, residente em Macau na XXXXXX;
veio intentar a presente
Acção Ordinária
contra
B, Limitada, sociedade comercial registada na conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXXX(SO), com o capital social de MOP$100.000,00, com sede social em Macau na XXXXXX;
com os fundamentos apresentados constantes da petição inicial de fls. 2 a 25,
concluiu pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência:
1. fosse declarada inválida por nulidade, nos termos das alíneas c) e d) do nº1 do artigo 228º do Código Comercial, ou se assim não se entender, por ser anulável, nos termos previstos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 229º do mesmo diploma legal, a deliberação do pt. 1.1 da ordem de trabalhos;
2. fosse declarada inválida por nulidade, nos termos das alíneas c) do nº1 do artigo 228º do Código Comercial, ou se assim não se entender, por anulabilidade, nos termos previstos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 229º do mesmo diploma legal, a deliberação do pt. 1.2 da ordem de trabalhos;
3. fosse se declarada inválida por anulabilidade, nos previstos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 229º do Código Comercial, a deliberação resultante do pt. 2 da ordem de trabalhos;
4. fosse declarada inválida por nulidade, por consubstanciar a expressão de abuso de maioria, sancionado nos termos dos artigos 212º e 475º do Código Comercial, e por configurar também um abuso do direito e uma violação dos bons costumes, nos termos das alínea c) do n.º 1 do artigo 228º do Código Comercial e também por constituir violação do artigo 219º do Código Comercial, e por anulabilidade, nos termos previstos no artigo 222º, nº 1 alínea d) e pela alínea a) do nº 1 do artigo 229º do mesmo diploma legal, a deliberação resultante do pt. 3 da ordem de trabalhos;
5. fosse declarada inválida nos termos das alíneas c) do nº1 do artigo 228º do Código Comercial, e também por constituir violação do artigo 219º do Código Comercial, e por anulabilidade, nos termos previstos no artigo 222º, nº 1 alínea d) e pela alínea a) do nº 1 do artigo 229º do mesmo diploma legal, a deliberação resultante do pt. 4 da ordem de trabalhos;
6. fosse declarada inválida, por inexistência nos termos do artigo 225º do Código Comercial, nula por força do disposto nos artigos 219º, 212º, nº3, alínea e), 228º, nº 1, alínea c) e também anulável vide artigo 229º, nº 1, alínea a) todos do Código Comercial, a deliberação constante do pt. 5 da ordem de trabalhos;
7. fosse declarada inválida, por nulidade, por constituir violação do artigo 219º do Código Comercial, e por anulabilidade, nos termos previstos no artigo alínea a) do nº 1 do artigo 229º do mesmo diploma legal, a deliberação resultante do pt. 6 da ordem de trabalhos.
*
Citada pessoalmente a Ré, esta não veio contestar.
*
Atento o disposto no artigo 405º, nº 1, do CPC, consideram-se reconhecidos os factos alegados pela Autora na sua petição inicial, à excepção do referido no artigo 155º e parte do artigo 157º da petição inicial cujos fundamentos serão apresentados mais à frente.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária.
O processo é o próprio.
***
II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
* A Ré é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada por quotas, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXXX(SO), com o capital social de MOP$100.000,00, dividido em três quotas, que tem como objecto social a construção civil e a compra e venda e outras operações sobre imóveis.
* O Autor é um dos sócios da Ré, sendo titular de uma participação social no capital daquela no montante de MOP$37.500,00, equivalente a 37,5% do capital social da Ré.
* O restante capital social da Sociedade encontra-se dividido em duas quotas pertencentes ao sócio C, titular de uma participação social de MOP$25.000,00, equivalente a 25% do capital social da Ré, e ao sócio F, titular de uma participação de MOP$37.500,00, equivalente a 37,5% do capital social da Ré.
* A administração da Ré encontra-se organizada em três distintos grupos, a saber:
i. Grupo A constituído pelo não sócio D, pessoa da sua confiança;1
ii. Grupo B que era formado pelo Autor mas que, na sequência da sua destituição deste cargo na assembleia geral, de 10 de Abril de 2017, se encontra por preencher; e
iii. Grupo C integrado pelo sócio C e pela não sócia E, sua familiar.
* A respectiva gerência é assegurada por dois gerentes, pertencentes a diferentes grupos, com excepção da execução de actos respeitantes a alienação de quotas da sociedade, para o que são necessárias as assinaturas conjuntas de três gerentes, pertencentes a diferentes grupos da gerência.
* O sócio C convocou, por carta datada de 20 de Março de 2017, e recebida pelo Autor em 22 de Março de 2017, uma assembleia-geral extraordinária a ser realizada no dia 10 de Abril de 2017, nos termos constantes da Convocatória.
* A convocatória recebida pelo Autor, assinada pelo sócio C continha a seguinte ordem de trabalhos:
1. 討論及議決【XX苑】及【XX大廈】本公司的物業及車位租值;
2. 討論及議決委任H核數師審計及重編由2008年至今的公司賬目;
3. 討論及議決計算股東損害公司利益價值及商議解決方案;
4. 討論及議決解任一名行政管理機關成員經理之職務;
5. 討論及議決具體如何分配公司現有資產及現金;
6. 委任行政管理機關成員具體執行股東決議及行使以經理身份管理公司的權力;
7. 其他必要事項。
* No seguimento da referida convocatória, o Autor compareceu na hora e local agendados para a realização da Assembleia.
* Aberta a reunião, os sócios F e C propuseram serem eles a assumirem respectivamente os cargos de Presidente e Secretário da Assembleia, advertindo que a acta da reunião seria elaborada e disponibilizada aos sócios em 10 dias úteis após a realização da assembleia geral, tempo que consideravam necessário para tal tarefa.
* Considerando o referido prazo manifestamente excessivo e uma confissão velada da incapacidade dos ditos sócios para o exercício dos citados cargos, o Autor propôs ser ele a assumir tal incumbência comprometendo-se a elaborar a acta da reunião em 7 dias.
* A referida proposta foi rejeitada pelos sócios F e C sem qualquer justificação e, malgrado as várias tentativas do Autor, feitas através dos seus mandatários, em obter o referido documento o mais rapidamente possível, a cópia da acta em apreço apenas lhe foi disponibilizada no dia 24 de Abril.
* Todas as matérias sujeitas a deliberação (com excepção daquela que se refere ao ponto 1.3, entretanto adiado), não obstante o voto desfavorável do Autor, foram aprovadas com os votos favoráveis dos sócios C e F.
* Realizaram-se duas Assembleias-Gerais da Ré em 20 de Janeiro de 2017 e 16 de Fevereiro de 2017, e a validade da maioria das deliberações aí tomadas encontra-se a ser discutida no 1º Juízo Cível deste Tribunal, nos âmbitos dos Processo n.º CV1-17-0016-CAO e CV1-17-0026-CAO.
* O teor e fim último das deliberações impugnadas nos presentes autos e aqueles que se impugnaram através das acções que correm termos neste Tribunal sob os nºs CV1-17-0016-CAO e CV1-17-0026-CAO é praticamente idêntico.
* Os sócios F e C vêm deliberando repetidamente sobre os mesmos assuntos e as mesmas matérias, sempre em prejuízo do Autor.
* O ponto 1.1 da ordem de trabalhos da Assembleia, que resulta do desdobramento do ponto 1, consiste no seguinte:
討論及議決【XX苑】及【XX大廈】本公司的物業及車位租值 (“Discussão e deliberação sobre o valor locatício dos imóveis e parques de estacionamento do edifício XX Court e XX, pertencentes à Sociedade”).
* Após a discussão sobre o referido ponto, foi aprovada a seguinte deliberação:
“「就【XX苑】7個舖位的佔用情況,要求股東A需補償因擅自佔用而支付每月繳付租金合共港幣180,000元予公司,並從2017年2月17日開始計算」。”
“Relativamente à ocupação das 7 lojas do Edifício XX Court, é exigida ao sócio A compensação pela ocupação na ausência de autorização, mediante pagamento mensal à Sociedade a renda no montante total de MOP$180.000,00 contada a partir de 17 de Fevereiro de 2017”.
* Estão em causa sete fracções autónomas sitas no Edifício XX Court e e que são pertença da Sociedade: fracções autónomas designadas por “APR/C”, “BAR/C”, “AQR/C”, “ATR/C”, “AVR/C”, “AWR/C” e “BBR/C”, do prédio denominado XX sito em Macau na XXXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº XXXX.
* Os mencionados imóveis não se encontravam ocupados pelo Autor, nem este se recusou a proceder à respectiva desocupação e restituição à Sociedade.
* Estas fracções encontram-se a ser ocupadas pela sociedade denominada Sociedade de Internacional G Limitada.
* Esta sociedade tem como sócios, além do Autor, o sócio C.
* A utilização dos ditos imóveis pela Sociedade de internacional G Limitada sempre foi também do conhecimento dos sócios F e C.
* Nenhum dos sócios da Ré se opôs à mesma utilização.
* Ao menos tacitamente sempre consentiram na nessa utilização.
* Só muito recentemente a Ré pediu a restituição das fracções em apreço, o que fez através de carta.
* Pedido a que o Autor acedeu, respondendo através de uma carta datada de 7 de Fevereiro de 2017 e em que se limitou a solicitar a concessão de um prazo considerado razoável para concretizar a desocupação dos imóveis.
* O Autor, na sua qualidade de sócio da Sociedade de Internacional G Limitada imediatamente diligenciou no sentido de responder a esse pedido da Ré.
* São totalmente desconhecidas do Autor as premissas em que assenta o referido valor, nomeadamente a avaliação que os sócios F e C referem ter obtido mas que não exibem à Assembleia.
* O ponto 1.2 da ordem de trabalhos da Assembleia consiste no seguinte:
“1.2 公司擁有的【XX苑】21個車位租值問題” (“Questão do valor locatício dos 21 parques de estacionamento do Edifício XX Court, que a Sociedade possui”).
* Após a discussão sobre o referido ponto, foi aprovada a seguinte deliberação:
“就【XX苑】21個車位於今日由A交吉予公司及保留追討此21個車位在2017年2月17日或之前被任何人士侵佔使用權的金錢損失賠償,以及自上次會議後至今次會議期間之金錢損失”
“Os 21 parques de estacionamento do Edifício XX Court são entregues, nesta data em estado devoluto por A à Sociedade e é reservada a reclamação de indemnização dos prejuízos pecuniários até ao dia 17 de Fevereiro de 2017, derivados do uso abusivo por qualquer terceiro do direito de uso dos tais 21 parques de estacionamento”.
* Estão em causa 21 lugares de estacionamento sitos no Edifício XX Court e que são pertença da Sociedade.
* A Ré, os seus sócios e administradores estavam a par e sabiam perfeitamente que o Autor se encontrava a usar os 21 lugares de estacionamento em apreço tendo consentido em tal uso.
* Tão só na assembleia geral de 16 de Fevereiro de 2017 os restantes sócios da Ré pediram ao Autor para cessar o uso dos 21 lugares de estacionamento, este imediatamente acedeu a fazê-lo.
* O ponto 2 da ordem de trabalhos da Assembleia consistia no seguinte:
“討論及議決委任H核數師審計及重編由2008年至今的公司賬目” (“Discussão e deliberação sobre a designação da auditora Fong Meng Fan para proceder à auditoria e reelaboração das contas societárias desde 2008 até à presente data”).
* Discutido o referido ponto, foi aprovada a seguinte deliberação:
“委任H核數師審計及重編由2008年至今公司帳目”
“Designação da auditora Fong Meng Fan para proceder à auditoria e reelaboração das contas societárias desde 2008 até à presente data”.
* Todas as contas referentes à actividade da Ré foram já preparadas, escrutinadas e aprovadas pela Ré e, subsequentemente, auditadas por um auditor oficial de contas inscrito nos serviços de finanças e cuja competência e idoneidade nunca foi posta em causa.
* As mesmas foram submetidas na repartição de finanças e validadas pela Ré.
* O ponto 3 da ordem de trabalhos da Assembleia consistia no seguinte:
“討論及議決計算股東損害公司利益價值及適議解決方案” (“Discussão e deliberação sobre o valor dos danos causados por sócios(s), bem como como negociação sobre a forma de resolução”).
* Discutido o referido ponto, foi aprovada a seguinte deliberação:
“就委託行政管理機關成員F及I製作報告書,並根據是否有證據下證明有否股東損害公司利益”
“Designação dos administradores F e C para elaboração de relatório e, em conformidade, com a eventual existência de provas, apurar se houve ou não sócios que prejudicassem os interesses societários.”
* Recentemente e antes da realização da assembleia geral de 20.01.2017 os sócios da Ré acordaram por unanimidade que, em virtude de divergências insanáveis entre os mesmos, a mesma deveria ser dissolvida.
* E que na sequência dessa dissolução, satisfeitos os eventuais credores sociais, o património social da Ré seria objecto de partilha entre os sócios na proporção das suas participações sociais, em conformidade com o que neste particular dispõe a lei.
* É neste contexto que surge a deliberação tomada sobre o ponto 3 da ordem de trabalho.
* Toda a discussão tida sobre esta matéria versou unicamente sobre alegados prejuízos causados à Ré pelo Autor enquanto sócio da mesma e que lhe são imputados, sem qualquer prova e fundamento, pelos outros dois sócios.
* Não foram fornecidos quaisquer elementos de informação para a discussão e votação do ponto 3 da ordem de trabalhos.
* Resulta da discussão deste ponto, ao que se supõe os alegados prejuízos infligidos à Ré pelo Autor derivariam da ocupação das 7 fracções autónomas e dos 21 lugares de estacionamento a que acima já se fez menção.
* O ponto 4 da ordem de trabalhos tinha a seguinte redacção:
“討論及議決解任一名行政管理機關成員經理之職務” (“Discussão e deliberação sobre a exoneração do cargo de um administrador, na qualidade de gerente”).
* Após discussão foi aprovada a exoneração do Autor do cargo de administrador/gerente da Ré.
* A discussão mantida sobre este ponto centrou-se unicamente na justa causa para a exoneração do Autor do cargo.
* A Ré (e os restantes sócios da mesma) não forneceu ao Autor quaisquer elementos de informação quanto a esta matéria.
* Para justificar a deliberação em apreço, os sócios F e C afirmaram que o Autor não executou as deliberações das assembleias gerais de 20 de Janeiro e 16 de Fevereiro de 2017.
* O Autor votou contra e impugnou essas deliberações através das acções judiciais com o processo n.º CV1-17-0016-CAO e CV1-17-0026CAO.
* Dessas deliberações nada havia a executar e a intervenção do Autor é desnecessária.
* Das ditas assembleias não resultou qualquer deliberação mandatando especificamente o Autor para a execução das deliberações aí tomadas.
* A pretensão dos sócios F e C com esta exoneração é a de afastarem o Autor, enquanto sócio minoritário, das decisões da Ré, passando a sua gestão a ser controlada exclusivamente por eles que, assim poderão tomar quaisquer decisões de gestão ao seu bel-prazer, sem a opinião daquele, que também é sócio da Ré.
* A Ré foi inicialmente constituída pelo Autor, por C e por J.
* Na altura da constituição da Ré ficou estatutariamente previsto que a sua administração e representação caberiam à gerência composta por quatro gerentes, divididos pelos grupos A e B.
* Foram então nomeados como gerentes do Grupo A o então sócio J e o Autor, e como gerentes do Grupo B o sócio C e a não sócia E, sua familiar.
* Nos termos do artigo sétimo dos estatutos ficou ainda previsto que a sociedade Ré se obrigaria com a assinatura conjunta de três membros da gerência, sendo dois do grupo A e um do grupo B.
* A ideia subjacente às referidas disposições estatutárias e à escolha dos sócios para integrarem a administração da Ré foi não só, o de atribuir a estes um direito especial à gerência mas também o de garantir um equilíbrio na gestão da Ré entre a posição dos sócios assegurando a todos o controlo efectivo e influência nessa gestão.
* Em 16 de Agosto de 1999, aquando da cessão da quota para F por parte de J os estatutos da Ré foram alterados de modo a que a gerência passasse a ser composta por três grupos distintos, integrando os três sócios da ré cada um destes grupos.
* A forma de obrigar e representação da Ré exige a assinatura conjunta de dois gerentes, pertencentes a diferentes grupos de gerência.
* Os sócios F e C pretendem menorizar e prejudicar a posição do Autor na partilha dos bens sociais que todos haviam acordado fazer fruto da dissolução da Ré.
* O ponto 5 da ordem de trabalhos da Assembleia consistia no seguinte:
“討論及議決具體如何分配公司現有資產及現金” (“Discussão e deliberação sobre a forma concreta de distribuição dos bens e dinheiro que a Sociedade detém presentemente”).
* Discutido o referido ponto, foi aprovada a seguinte deliberação:
“以抽籤形式分配「XX苑」21個車位中的19個車位,餘下2個車位則在市場放售後再以持股比例分配現金,由於資訊顯示A損害公司利益,A的份額將存放於公司,待調查A有否損害公司經濟損失後,再結清發放。”
* A liquidação da Ré não constava da ordem de trabalhos.
* A liquidação não foi aprovada com os votos favoráveis de dois terços do capital social.
* O ponto 6 da ordem de trabalhos e a respectiva deliberação têm a seguinte a redacção:
委任行政管理機關成員具體執行股東會決議及行使以經理身份管理公司的權力e “授權行政管理機關成員處理關於公司的訴訟及澳門銀行更新資料、簽名樣式及印章。”
***
III – Fundamentos:
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Pela presente acção, pretende o Autor que sejam declaradas inválidas as sete deliberações tomadas na assembleia geral de 10 de Abril de 2017.
Muito sumariamente, alega que é sócio da Ré e detentor de uma quota de valor de MOP$37.500,00 representativa de 37,5% do capital social, juntamente com os sócios C e F, respectivamente detentores de uma quota no valor de MOP$25.000,00 representativa de 25% do capital social e de MO$37.500,00 representativa de 37,5% do capital social; que na assembleia geral extraordinária realizada em 10 de Abril de 2017, participada por todos os sócios, foram tomadas as citadas deliberações com voto desfavorável do Autor e votos favoráveis dos demais sócios; que a primeira deliberação (ponto 1.1 da ordem de trabalhos) tinha a ver com a ocupação de certos imóveis pertencentes à Ré relativamente aos quais foi deliberado exigir ao Autor o pagamento de determinada quantia a título de compensação pela uso não autorizado dos mesmos quando nunca tal ocupação teve lugar; que a segunda deliberação (ponto 1.2 da ordem de trabalhos) também tinha a ver com a ocupação pelo Autor de imóveis pertencentes à Ré na qual se deliberou reservar o direito de reclamar indemnização pelo uso não autorizado dos mesmos quando a Ré e os seus sócios, além de ter consentido na ocupação, nunca pediram ao Autor para deixar de os usar antes da data da anterior assembleia geral realizada em Fevereiro de 2017; que, com a terceira deliberação (ponto 2 da ordem de trabalhos), foi decidido designar uma outra auditora para proceder à auditoria e à elaboração de contas da sociedade as quais tinham já sido aprovadas, validadas e apresentadas à Direcção dos Serviços de Finanças; que, segundo a ordem de trabalhos, o ponto 3 destinava-se a discutir e deliberar sobre o valor dos danos causados por sócios(s) e negociar sobre a forma de resolução mas que veio a deliberar-se (quarta deliberação) incumbir os restantes dois sócios da Ré a elaborar um relatório para apurar se houve ou não sócios que tivessem prejudicado os interesses da sociedade; que, segundo a ordem de trabalhos, o ponto 4 era para discutir e deliberar sobre a exoneração do cargo de um administrador mas que veio a decidir (quinta deliberação) pela exoneração do Autor do cargo de administrador da Ré tendo-se a discussão centrado na pessoa do Autor sem fornecimento de quaisquer elementos sobre a matéria; que a justificação apresentada pelos restantes dois sócios da Ré se relacionava com a não execução pelo Autor de deliberações sociais anteriormente tomadas, não carecedoras de execução e impugnadas pelo Autor; que foi sempre garantida a participação conjunta de todos os sócios na administração da Ré com atribuição de um direito especial à gerência para assegurar o equilíbrio e efectiva influência dos sócios na gestão da Ré, mesmo quando a quota social de do ex-sócio J foi alienado ao actual sócio F; que, com a quinta deliberação, os restantes dois sócios pretendiam afastar o Autor da gestão e o prejudicar na partilha dos bens sociais que havia acordado proceder depois da dissolução da Ré; que, através da deliberação tomada sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos, foi decidida sobre a forma como haveria de partilhar os bens da Ré entre os sócios bem como a retenção da quota-parte pertencente ao Autor para só lhe atribuir depois concluída a investigação acerca de eventual responsabilidade do Autor pelos prejuízos causados à Ré e de feita a liquidação, quando não constava da ordem de trabalhos qualquer assunto relativo à dissolução da Ré nem os sócios deliberaram pela dissolução da Ré para a qual seria necessário votos favoráveis correspondentes a 2/3 do capital social; e que, segundo a ordem de trabalhos, o ponto 6 destinava-se a conferir poderes aos membros da gerência da Ré para executar as deliberações e exercer poderes de gestão da Ré na qualidade de gerente mas que veio a deliberar-se (sétima deliberação) incumbir os membros do administração para tratar dos processos judiciais e da renovação dos dados, assinaturas e carimbos da Ré junto das instituições bancárias de Macau.
Uma vez que a Ré não contestou a presente acção, os factos alegados pelo Autor foram dados como provados, à excepção do referido no artigo 155º e parte do artigo 157º da petição inicial cujos fundamentos serão apresentados mais à frente, como foi já referido.
Em alegações de direito, pela Ré foram arguidas as excepções da falta de legitimidade activa do Autor, do litisconsórcio necessário e da falta de interesse de agir, as quais, a procederem, obstam a que se conheça o mérito da causa.
Assim, antes de se debruçar sobre os fundamentos de facto e de direito invocados pelo Autor, urge apreciar as citadas excepções.
**
Ilegitimidade activa do Autor
Entende a Ré que o Autor não tem legitimidade para impugnar as deliberações tomadas sobre o ponto 1.1, 1.2, 2, 3, 4 e 6 da ordem de trabalhos porque este participou na votação quando estava impedido de o fazer em virtude do conflito de interesses que tinha em relação à matéria discutida e deliberada.
Sobre a proibição de participação na votação, dispõe o artigo 219º do Código Comercial que “O sócio não pode votar, nem pessoalmente nem por meio de representante, nem representar outro sócio numa votação, sempre que, em relação à matéria objecto da deliberação, se encontre em conflito de interesses com a sociedade.”
Por sua vez, preceitua o artigo 230º, nº 1, a), do Código Comercial que “Tem legitimidade para impugnar uma deliberação: Qualquer sócio que nela tenha participado, a menos que tenha votado no sentido que obteve vencimento.”
De acordo com os factos alegados pelo Autor, o mesmo participou na assembleia geral e votou contra todas as seis deliberações acima referidas. Assim, por força do disposto no artigo 230º, nº 1, a), do Código Comercial o mesmo tem legitimidade activa para intentar a presente acção para as impugnar.
A questão do conflito de interesses levantada pela Ré não releva para aferir se o Autor tem legitimidade activa.
O que pode estar em causa é a sua eventual invalidade tendo em conta que, em relação a algumas das seis deliberações em questão, o Autor estava efectivamente em conflito de interesses com a Ré.
Contudo, isso não ocorre no presente caso. É que, não é de olvidar que o voto contra do Autor representava apenas 37,5% do capital social e os votos a favor dos restantes dois sócios representavam 62,5% do capital social. Assim, tivesse o Autor sido proibido de participar na votação nas citadas deliberações por força do conflito de interesses que tem com a Ré, a deliberação teria sido aprovado por votos correspondentes a 100% do capital social. Nenhuma razão existe para dar relevância ao conflito de interesses para pôr em causa a validade da deliberação porque a mesma teria sido sempre aprovada com o número de votos necessários para o efeito.
Improcede, pois, a excepção da falta de legitimidade do Autor.
**
Litisconsórcio necessário
A Ré excepciona a pretensão do Autor alegando que os pedidos de anulação formulados com base no alegado abuso de maioria por parte dos restantes dois sócios deviam ter sido dirigidos também contra estes dois sócios.
Sobre isso não assiste nenhuma razão à Ré visto que o artigo 231º, nº 1, do Código Comercial impõe que a presente acção seja intentada apenas contra a Ré.
Assim, também não pode proceder a excepção de litisconsórcio necessário.
**
Falta de interesse processual
Para sustentar que o Autor não tem interesse processual para pedir a anulação da deliberação tomada sobre o ponto 2 da ordem de trabalhos, alega a Ré que a necessidade da deliberação funda-se no facto de as contas referidas na deliberação terem sido retidas pelo Autor que se recusava a devolvê-las.
Uma vez que a retenção e a recusa acima referidas terem sido apenas trazidos aos autos depois da contestação, as mesmas não podem ser atendidas para os efeitos pretendidos pela Ré.
A isso acresce que, conforme o artigo 72º do CPC “Há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais.”
Ora, os factos invocados pela Ré destinam-se a justificar a sua necessidade de se deliberar sobre a revisão e reelaboração das contas. Já a necessidade do Autor de recorrer às vias judiciais se funda no facto de a sua pretensão de invalidação da deliberação não poder ser satisfeita sem a intervenção do tribunal.
São, portanto, duas realidades que não se confundem.
Assim, mais uma vez não pode proceder a excepção arguida pela Ré.
*
Mais sustenta a Ré que o Autor não tem igualmente interesse processual relativamente à deliberação tomada sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos porque, por força da deliberação, o Autor também saiu beneficiado.
Segundo a deliberação, alguns lugares de estacionamento da Ré seriam distribuídos aos sócios por meio de sorteio e outros vendidos para que o produto da venda fosse repartido entre os sócios.
A observação de que o Autor sairia beneficiado é acertada. Contudo, o interesse processual, ou seja, a necessidade de ser recorrer às vias judiciais não pode ser afastado pelo facto de a deliberação trazer igualmente benefícios ao sócio impugnante. Se o sócio, apesar disso, considerar ilegal a deliberação, está no seu direito de a impugnar porque a via judicial é a única forma ao seu dispor para a invalidar.
Nestes termos, também não se vislumbra fundamento para afirmar que o Autor não tem interesse processual para impugnar a deliberação tomada sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos.
*
Posto isto, as partes dotam de legitimidade "ad causam" e inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
Tendo em conta o acima expendido, é de analisar cada uma das deliberações tomadas pela Ré tendo em conta os fundamentos de facto e de direito invocados pelo Autor a fim de aquilatar pela existência ou não de vícios capazes de as invalidar.
**
Deliberação sobre o ponto 1. 1 da ordem de trabalhos
Para impugnar a primeira deliberação tomada, sustenta o Autor que a Ré não podia fixar unilateralmente o valor locatício dos sete imóveis seus, sem apresentar qualquer critério para o efeito, e exigir ao Autor a respectiva quantia por uma suposta ocupação desses imóveis quando quem os ocupava era uma sociedade de que o Autor e o sócio C são sócios, com conhecimento e autorização da Ré tendo o Autor, aliás, providenciado imediatamente pela sua entrega quando a restituição foi pedida à citada sociedade.
De acordo com os factos provados, na assembleia geral impugnada, a Ré deliberou exigir ao Autor o pagamento de uma quantia mensal de MOP$180.000,00, sem indicação dos critérios com base nos quais tal quantia foi fixada, pela alegada ocupação não autorizada de sete fracções autónomas pertencentes à Ré as quais nunca foram ocupadas pelo Autor mas sim por uma sociedade, de que o Autor e o sócio C são sócios, mediante consentimento da própria Ré de que os restantes dois sócios tinham pleno conhecimento. Está ainda apurado que, logo que foi pedida a restituição dos imóveis à citada sociedade, o Autor, na qualidade de sócio desta sociedade, respondeu imediatamente ao pedido diligenciando-se no sentido da sua restituição.
Segundo o Autor, a deliberação tomada nas condições acima indicadas é abusiva e contrária aos bons costumes e, como tal, nula nos termos do artigo 228º, nº 1, c) e d), do Código Comercial. Senão, é anulável ao abrigo do disposto no artigo 229º, nº 1, a), do Código Comercial.
Urge, então, apurar se a deliberação em questão padece dos problemas indicados pelo Autor.
*
Preceitua o artigo 228º, nº 1, c), do Código Comercial que “São nulas as deliberações dos sócios: Que sejam contrárias aos bons costumes.”
Está em causa a eventual não conformidade da deliberação como os bons costumes tendo em conta que a Ré deliberou exigir ao Autor o pagamento de uma quantia pela ocupação dos seus imóveis sabendo que o Autor nunca os ocupou, sem indicar os critérios usados para a fixação do seu valor.
Antes de mais, convém salientar que, a deliberação foi tomada em virtude da ocupação sem autorização alegadamente perpetrada pelo Autor nada tendo a ver com a sua qualidade de sócio da Ré.
Assim, a deliberação não pode vincular o Autor sem o seu acordo o qual, no presente caso, até votou contra a deliberação. A isso acresce que, no caso de vir a ser executada a deliberação contra si, assisti ao Autor o direito de socorrer dos meios legalmente previstos, como qualquer estranho à sociedade, para impugnar os fundamentos em que se baseou tal deliberação.
Nessa óptica, os problemas indicados pelo Autor, em especial, o da falta de critérios objectivos para a fixação do valor, podem sempre ser, nessa altura, invocados.
*
Consequentemente, o que verdadeiramente pode ser questionado é se a deliberação nos termos em que foi tomada, é, em si mesma, ou seja, independentemente de quem seja o visado, contrária aos bons costumes. É nessa base que será apreciada a questão.
Segundo António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 2ª reimpressão, Almedina, pg 1223, “… os bons costumes exprimem a Moral social, … proibindo os actos que a contrariem …”
Entendeu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, de 19 de Outubro de 2005, AD, 531º, pg 549, aqui citado a título de direito comparado, que “Os bons costumes são um conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e num certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam como sendo contrárias as laivos e conotações de imoralidade ou de indecoro social.”
Os bons costumes têm, portanto, como ponto de referência as concepções éticas prevalentes numa determinada comunidade e num dado momento.
Ora, tendo em conta a matéria assente, é manifesto que a Ré não podia exigir ao Autor o pagamento da citada quantia porque não estava verificado, pelo menos, um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ao mesmo assacado, qual seja, a ocupação sem autorização dos imóveis por parte do Autor.
Por aí se vê a decisão tomada na assembleia geral sub judice é pode ser juridicamente tutelada.
Porém, o que aqui se equaciona é a censurabilidade da deliberação tendo em conta que a Ré sabia da sua falta de fundamento.
Será que essa censurabilidade faz com que a conduta da Ré possa ser qualificada como contrária aos valores éticos prevalentes na nossa sociedade e como tal ofensiva dos bons costumes?
Julga-se que não.
Senão, vejamos.
*
Socorrendo ao critério do “mínimo ético”, o Direito distingue-se da Moral porque “… o Direito limitar-se-ia a impor aquelas regras morais básicas cuja observância é indispensável para que na vida social exista paz, liberdade e justiça. …” e este critério “…apenas se reporta à questão de saber até que ponto o Direito pode ou deve dar relevância (relevância jurídica) a critérios éticos.” - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina.Coimbra, 1990, 4ª reimpressão¸ pgs 59 e 60.
Segundo o mesmo Autor, ob. cit., pg 61, “Para uma melhor compreensão da distinção entre Direito e Moral, interessa ter presente que na racionalidade jurídica tem um lugar decisivo a noção de tutela dos interesses, de resolução dos conflitos de interesses e de interesses juridicamente tutelados. De modo que apenas será juridicamente relevante aquela conduta que afecte os interesses (ou bens) juridicamente tutelados, os lese ou ponha em perigo. Para que uma conduta seja juridicamente censurável deve afectar um dos interesses tutelados e afectá-lo numa medida socialmente relevante. Donde decorre que, mesmo quando o Direito tutela os sentimentos do povo e a “moral pública” (como frequentemente acontece), estes valores éticos não são afinal protegidos por si mesmos, mas na medida em que a sua violação se converte numa perturbação prejudicial à sociedade como ordem de convivência. O que está em causa é mais o “dano social” que a defesa dos valores éticos por si mesmos.” (sublinhado nosso)
Mais salienta o Saudoso Professor, ob. cit., pg 62, que “… bem que ao Direito não caiba directamente a função de garantir uma certa concepção ética (nem mesmo a ética dos “bons costumes “dominante na sociedade e para a qual remetem várias normas judicias), também é verdade que ele não deve impor condutas imorais. Pode, sim, permitir condutas moralmente censuráveis, desde que por estas não sejam afectados interesses socialmente relevantes – mas não impô-las.” (sublinhado nosso)
Também Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, pg 299, fazem semelhante chamada de atenção salientando que “Para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade.” (sublinhado nosso)
Dessas passagens vê-se que nem todas as condutas moralmente censuráveis são sancionadas pelo Direito. Tão-só aquelas que põem em causa interesses juridicamente relevantes e que causam determinado dano social é que reclamam uma intervenção do Direito proibindo-as.
A esse propósito, convém lembrar-se que cláusulas gerais tais como as os bons costumes servem de válvula de segurança para salvaguardar valores e princípios tão elementares e caros para uma justa e pacífica convivência dos membros de determinada comunidade cuja violação é considerada repugnante ou clamorosa, designadamente por poder pôr em causa o carácter humano dessa convivência. Portanto, só nesses casos é que devem ser accionadas.
Ora, no presente caso, não está em causa a falta de juridicidade resultante da falta de fundamento, como foi já referido, porque a solução a dar a este problema é a da impossibilidade de produção dos respectivos efeitos contra o Autor.
O que se equaciona é se a circunstância de a Ré saber de que não lhe assistia qualquer fundamento para exigir a citada quantia ao Autor torna a sua conduta eticamente censurável ao ponto de dever ser declarada nula nos termos do artigo 228º, nº 1, c), do Código Comercial. Portanto, o que importa aquilatar é o seguinte: se, para uma justa e pacífica convivência da nossa sociedade, é indispensável sindicar a falta de rectidão da Ré, ou seja, sancionar a não adesão desta aos valores da honestidade, quando deliberou exigir a citada quantia ao Autor porque tal atitude é contrária aos ditames da consciência ética prevalente.
Se é verdade que “… muitas vezes o Direito se preocupa com a intenção e com a personalidade do agente, na medida em que uma e outra se possam revelar e comprovar através de manifestações externas. Assim acontece designadamente no Direito Penal. Mas isso não impede que se possa afirmar que a valoração ética arranca originariamente da atitude interior, só em segunda linha fazendo exigências quanto à conduta externa (pense-se na relevância ético-social do escândalo), ao passo que a valoração jurídica originária e basicamente assente nos aspectos exteriores da conduta.” – Baptista Machado, ob. cit., pg 60.
Ora, tendo em conta os mecanismos ao dispor do Autor para se defender da pretensão infundada da Ré e as implicações que a deliberação impugnada terá para a nossa comunidade, não se julga que a atitude da Ré face aos valores prevalentes de rectidão e honestidade, no contexto em que a mesma é manifestada, justifica a intervenção do Direito proibindo que a citada deliberação seja tomada.
Nestes termos, não é de considerar a deliberação contrária aos bons costumes e, consequentemente, nula nos termos defendidos pelo Autor.
*
Estipula o artigo 228º, nº 1, d), do Código Comercial que “São nulas as deliberações dos sócios: Sobre matéria que não esteja, por lei ou por natureza, sujeita a deliberação dos sócios ou não conste da ordem de trabalhos.”
Confrontando o teor do ponto da ordem de trabalhos sobre o qual foi tomada a deliberação impugnada e o teor desta deliberação, não se afigura que a Ré deliberou algo que não estivesse dentro do âmbito previsto na ordem de trabalhos. Assim, o que se discute é tão-só se se deliberou sobre matérias fora da competência da assembleia geral.
Sobre a competência da assembleia geral dispõe o artigo 216º do Código Comercial que “Além das matérias que lhes são especialmente atribuídas por lei, compete aos sócios deliberar sobre as seguintes matérias: a) Eleição e destituição da administração e do órgão de fiscalização; b) O balanço, a conta de ganhos e perdas e o relatório da administração referentes ao exercício; c) O relatório e o parecer do conselho fiscal ou do fiscal único; d) Aplicação dos resultados do exercício; e) Alteração dos estatutos; f) Aumento e redução do capital social; g) Cisão, fusão e transformação da sociedade; h) Dissolução da sociedade; i) As que não estejam, por disposição legal ou estatutária, compreendidas na competência de outros órgãos da sociedade.”
Dos factos provados vê-se que a deliberação destina-se a reclamar compensação pela alegada ocupação ilegítima de sete imóveis pertencentes à Ré.
Sendo a Ré proprietária dos bens referidos na deliberação, mais não está a mesma a defender a faculdade secundária de fruir os imóveis com exclusão de qualquer terceiro que o direito de propriedade lhe proporciona nos termos do artigo 1229º do CC e exercer os direitos que lhe assiste pela alegada ocupação sem autorização ao abrigo do disposto no artigo 477º do CC.
Assim, não se vislumbra qualquer problema em deliberar sobre essa matéria.
Nem se diga que o pressuposto em que a Ré assentou para tomar a deliberação impugnada, ou seja, a suposta ocupação ilegal, não se verificou na pessoa visada. É que, o que agora está em discussão é a possibilidade da Ré deliberar sobre a matéria e não o mérito da decisão.
Portanto, por aí não se detecta qualquer vício na deliberação.
*
Preceitua o artigo 229º, nº 1, a), do Código Comercial que “São anuláveis as deliberações dos sócios: Que violem qualquer disposição da lei, de que não decorra a nulidade nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou dos estatutos da sociedade.”
Apesar de ter defendido que a deliberação sub judice ser anulável nos termos da norma acima transcrita, o Autor não indicou a norma concretamente violada pela deliberação impugnada.
Mais acima deu-se conta de que faltava, pelo menos, um dos pressupostos para que a Ré pudesse assacar qualquer responsabilidade civil extracontratual ao Autor através da deliberação impugnada. Não há aqui violação de qualquer disposição legal, designadamente a norma do artigo 477º do CC. É que, nem essa última norma nem qualquer outra proíbem que se decida chamar outrem à responsabilidade ainda que não estejam reunidos os respectivos pressupostos. Se a pretensão for efectivamente infundada, a consequência é, em princípio, tão-só a da sua improcedência.
*
Mesmo que assim não se entenda, ou seja, mesmo que se entenda que foi violada a norma do artigo 477º do CC, não se julga que a situação dos autos corresponda à previsão do artigo 229º, nº 1, a), do Código Comercial.
É que, não se pode perder de vista que esta última norma destina-se a regular a legalidade e regularidade das deliberações sociais tendo em conta os interesses da própria sociedade, dos sócios e dos terceiros que lidam com a sociedade no âmbito da sua actividade social. Assim, as disposições legais visadas só podem ser aquelas destinadas a tutelar tais interesses não se incluindo manifestamente a norma do artigo 477º do CC que tem como escopo disciplinar casos de responsabilidade aquiliana independentemente da existência ou não de relações de carácter societário entre agente e o ofendido.
Assim, por não se verificar a violação de qualquer disposição legal que o artigo 229, nº 1, a), do Código Comercial tem em vista, nada permite anular a deliberação sub judice com fundamento nesta última norma.
**
Deliberação sobre o ponto 1. 2 da ordem de trabalhos
Relativamente à segunda deliberação, entende o Autor que a Ré não podia ter deliberado reservar o direito de reclamar indemnização pelo uso de 21 lugares de estacionamento porque estava a par do seu uso pelo Autor para o qual a Ré até dado o seu consentimento.
De acordo com os factos provados, na assembleia geral impugnada, a Ré deliberou reservar o direito para reclamar indemnização pelos prejuízos pecuniários até 17 de Fevereiro de 2017 derivados do uso abusivo por qualquer terceiro de 21 lugares de estacionamento a si pertencentes, sabendo a Ré que estes mesmos lugares estavam a ser usados pelo Autor a quem deu o seu consentimento.
Novamente defende o Autor que a deliberação tomada nas condições acima indicadas é abusiva e contrária aos bons costumes, portanto, nula nos termos do artigo 228º, nº 1, c), do Código Comercial, ou, pelo menos, anulável ao abrigo do disposto no artigo 229º, nº 1, a), do Código Comercial.
*
Do teor da deliberação vê-se que, mais uma vez, a Ré pretende defender a faculdade secundária de fruir os seus imóveis com exclusão de qualquer terceiro que o direito de propriedade lhe proporciona e reivindicar os direitos que lhe assiste pela alegada ocupação sem autorização.
Está provado que a Ré consentiu que o Autor usasse esses lugares de estacionamento facto que não ignorava. Essa circunstância pode levantar novamente a questão de saber se a Ré actuou contra os ditames dos bons costumes quando tomou a citada deliberação.
No entanto, não se pode olvidar que, diferentemente da deliberação anterior, a deliberação em discussão não está dirigida contra nenhum visado concreto. Pois, nela se refere a terceiros que abusivamente usaram os lugares de estacionamento sem consentimento da Ré. Assim, por ora, ainda não se sabe se, a par da ocupação autorizada do Autor, alguém os usou sem consentimento da Ré. Consequentemente, ainda carecem de dados para poder concluir que a atitude da Ré é eticamente censurável para os efeitos do disposto no artigo 228º, nº 1, c), do Código Comercial.
A isso acresce que foi apenas decidido reservar o direito para reclamar eventual indemnização. Ora, isso é incapaz de afectar alguém em concreto.
Assim, com base no que foi deliberado é impossível aquilatar se a deliberação é ofensiva aos bons costumes ou viola qualquer disposição legal.
Nestes termos, a deliberação em questão não pode ser invalidada nos termos pretendidos pelo Autor
**
Deliberação sobre o ponto 2 da ordem de trabalhos
Trata-se da terceira deliberação, em que a Ré decidiu designar uma auditora para proceder à auditoria e reelaboração das contas societárias desde 2008 até à data da deliberação.
Para o Autor a deliberação em discussão é anulável nos termos do artigo 229º, nº 1, a), do Código Comercial, porque as contas desses anos foram já preparadas, escrutinadas e aprovadas pela Ré e, subsequentemente, auditadas por um auditor oficial de contas inscrito nos serviços de finanças e cuja competência e idoneidade nunca foi posta em causa, bem como submetidas na repartição de finanças e validadas pela Ré, além de o direito de exigir a prestação de contas se encontrar caducado.
*
Entende o Autor que, o facto de as contas terem sido já aprovadas e submetidas a todas as formalidades legais para a sua validação, a decisão agora tomada pela Ré consubstancia um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Salvo o devido respeito, não se afigura correcto assim qualificar a situação. É que, dizendo as contas respeito à actividade comercial da Ré é manifesto que esta tem todo o interesse em inteirar-se das mesmas em qualquer altura e garantir que nenhum engano nas contas tenha ocorrido. Por força desse interesse, não se afigura proibida à Ré socorrer-se de qualquer meio ao seu dispor, designadamente consultando ou até revendo as mesmas com auxílio de profissionais qualificados para o efeito independentemente da razão de ser por detrás da decisão.
O que eventualmente pode tornar tal pretensão abusiva nos termos indicados pelo Autor é o verdadeiro motivo da Ré corresponder a um mero capricho seu dirigido contra e em prejuízo de alguém. Porém, não vem indicada na deliberação nem nos factos alegados pelo Autor a razão de ser da deliberação. Com efeito, o que foi deliberado era simplesmente a designação da auditora Fong Meng Fan para proceder à auditoria e reelaboração das contas societárias desde 2008 até à presente data e o Autor apenas alegou que semelhante pretensão tinha sido manifestada numa assembleia geral realizada quase dois meses antes.
Nessas condições, não se pode impedir que a Ré reveja as suas contas e considerar a deliberação tomada viciada.
*
Para o efeito pretendido pelo Autor, também não procede o argumento da caducidade do direito de exigir a prestação das citadas contas.
É que, as contas já foram prestadas e o que está agora em causa é a revisão e reelaboração das mesmas. Assim, é destituído de fundamento fazer referência a prazos para exigir a apresentação de contas. É que, tais prazos referem-se aos casos em que nunca antes as mesmas tinham sido apresentadas, não sendo manifestamente o caso dos autos.
Além disso, o prazo de prescrição destina-se a impedir que terceiros interessados, designadamente sócios da Ré, exijam a sua prestação depois de caducado o prazo. Novamente não é o caso dos autos em que a Ré, na gestão dos próprios interesses, decide autonomamente na reelaboração das contas.
Pelo que, também não se vislumbra qualquer ilegalidade nessa deliberação que a possa invalidar nos termos do artigo 229º, nº 1, a), do Código Comercial.
**
Deliberação sobre o ponto 3 da ordem de trabalhos
Contra essa deliberação, alega o Autor que a discussão tida a propósito da matéria deliberada centrou-se unicamente em alegados prejuízos causados pelo Autor à Ré, alegadamente pela ocupação dos imóveis referidos nas duas primeiras deliberações pelo Autor, sem fornecimento de quaisquer elementos de informação para o efeito a qual foi tomada sem prova nem fundamento. Segundo o Autor essa deliberação deve ter em conta que, anteriormente à assembleia geral impugnada, os três sócios da Ré, face às divergências insanáveis entre si, tinham acordado dissolvê-la e, depois de liquidado o património da Ré, distribuir entre os mesmos os remanescentes bens sociais e ser analisada com conjugação com a sexta deliberação em que a Ré decidiu que os bens que caberiam ao Autor na partilha dos bens da Ré seriam apenas entregues depois de concluído o relatório referido na presente deliberação e feita a liquidação.
Para o Autor a deliberação em discussão é inválida nos termos das seguintes normas: artigos 212º e 475º, 228º, nº 1, c), 219º, 222º, nº 1, d), 229º, nº 1, a), do Código Comercial.
*
O primeiro fundamento invocado pelo Autor para ver a deliberação invalidade diz respeito à eventual desconformidade entre o que consta da ordem de trabalhos e o que foi efectivamente deliberado pela Ré.
Estipula o artigo 222º, nº 1, d), do Código Comercial que “O aviso convocatório deve, no mínimo, conter: A ordem de trabalhos da reunião, com menção especificada dos assuntos a submeter a deliberação dos sócios.”
Trata-se de uma exigência plausível visto que só mediante a indicação precisa do objecto da discussão e deliberação é que os sócios conseguem preparar-se devidamente para poderem participar activamente na assembleia geral e contribuir para melhor decidirem sobre assuntos de interesse para a sociedade.
Está provado que o ponto 3 da ordem de trabalhos tem o seguinte teor: “Discussão e deliberação sobre o valor dos danos causados por sócios(s), bem como como negociação sobre a forma de resolução” e a deliberação tomada foi neste sentido: “Designação dos administradores F e C para elaboração de relatório e, em conformidade, com a eventual existência de provas, apurar se houve ou não sócios que prejudicassem os interesses societários.”
Do confronto do conteúdo entre o que estava para ser discutido e deliberado e o que foi efectivamente decidido não se vislumbra qualquer desconformidade. Pois, a deliberação vai exactamente ao encontro da questão colocada na ordem de trabalhos, qual seja, a de apuramento do valor dos citados prejuízos e de estabelecimento de uma forma de resolução.
Apesar de não se ter deliberado na imediata fixação do valor e estabelecimento da forma concreta de resolução, mas sim no apuramento dos factos relacionados para, só então, determinar pela existência ou não da situação indicada, nunca se pode deixar de considerar que a deliberação se debruçou sobre o objecto da ordem de trabalhos. Com efeito, o que foi decidido é o estabelecimento de métodos com vista a habilitar a assembleia geral a responder à questão colocada. A bem da verdade, a deliberação impugnada até tem o mérito de optar por um caminho mais moderado e cauteloso antes da tomada de qualquer decisão final.
Nesse contexto, a deliberação não é inválida por força da alegada desconformidade.
*
O Autor opõe-se à mesma deliberação porque nunca foram fornecidos quaisquer elementos para a sua discussão e votação.
Nos termos do artigo 229º, nº 1, b), do Código Comercial, “São anuláveis as deliberações dos sócios: Que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio dos elementos de informação que tenha solicitado e a que legal ou estatutariamente tenha direito.”
Está provado que não foram fornecidos quaisquer elementos de informação para a discussão do ponto 3 da ordem de trabalhos. Porém, nem por isso a deliberação em questão está inquinada.
É que, a falta em questão não pode ser perspectivada sem ter em conta o que efectivamente foi deliberado. Para o efeito, há que apurar, em primeiro lugar, se determinados elementos de informação eram indispensáveis para uma tomada de posição esclarecida dos sócios e, em segundo lugar, se estes elementos eram indispensáveis para a deliberação efectivamente tomada. Só quando a resposta a ambas essas questões for positiva é que a falta torna o processo deliberativo irregular.
Se o teor do ponto 3 da ordem de trabalhos aponta para a indispensabilidade de elementos de informação para permitir aos sócios da Ré conhecer os termos do problema e concluir pela existência ou não dos alegados danos, o mesmo não se pode dizer em relação ao que efectivamente foi deliberado.
Como foi já salientado acima, a deliberação não fixou o valor dos alegados danos nem estipulou a forma de resolução do respectivo problema. Limitou-se a encarregar os dois restantes sócios da Ré da tarefa de apurar os correspondentes factos a fim concluir pela existência ou não de danos. Nessa base, a inexistência de elementos de informação não pode ser vista como capaz de impedir a citada deliberação visto que não houve uma decisão que afirma definitivamente pela existência ou não de danos.
Por força do expendido, nada permite concluir que o não fornecimento de elementos consubstancia uma irregularidade capaz de pôr em causa a validade da deliberação.
*
Sustenta o Autor que a deliberação é ofensiva dos bons costumes porque resultou da discussão tida durante a assembleia geral que os alegados prejuízos teriam derivado da alegada ocupação dos imóveis já acima referidos por parte do Autor, ocupação esta que a Ré bem sabia que nunca existira.
A norma aplicável à situação é a do artigo 228º, nº 1, c), do Código Comercial, já acima transcrita.
Flui do acabado de referir acerca dos vícios da desconformidade e da falta de fornecimento de elementos de informação que a deliberação não fixou qualquer valor ao alegado dano nem estipulou a forma de resolução o respectivo problema.
Assim, a deliberação em si é incapaz de trazer concretos prejuízos e como tal ofender os ditames dos bons costumes.
A isso acresce o que foi dito quando se debruçou sobre a conformidade da primeira deliberação com os valores éticos juridicamente tutelados. É que, o fundamento agora em análise, no fundo, reconduz-se ao problema de falta de rectidão da Ré quando fixou uma quantia pela alegada ocupação abusiva dos seus imóveis. Ora, o raciocínio aí expendido aplica-se na íntegra à presente deliberação, ou seja, a censurabilidade da atitude da Ré não reclama a intervenção do Direito no sentido de proibir a tomada da deliberação. Pelo que, também a pretensão do Autor não pode proceder com fundamento nos bons costumes.
*
O quarto fundamento invocado pelo Autor para questionar a validade da mesma deliberação tem a ver com o facto de os restantes dois sócios terem votado sobre uma matéria relativamente ao qual os mesmos estavam alegadamente em conflito de interesses.
Para defender essa sua posição, alega o Autor que as posições tomadas pelos referidos sócios demonstravam claramente que o relatório a elaborar pelos mesmos concluiria inquestionavelmente pela existência de danos causados pelo Autor, quando os mesmos eram os verdadeiros responsáveis, com o fim último de se beneficiarem na partilha de bens sociais. Segundo o Autor, essa conclusão é reforçada com a deliberação tomada sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos na qual foi decidido fazer apenas a entrega de bens que caberiam ao Autor na partilha depois da conclusão e votação do relatório a que a presente deliberação diz respeito e da liquidação dos danos.
Mais acima foi já transcrita a norma do artigo 219º do Código Comercial .
Da simples leitura dessa norma conclui-se imediatamente pela falta de fundamento do Autor. Com efeito, os sócios em questão são apenas impedidos de votar se, face a matéria respectiva, os mesmos estão em conflito de interesses com a sociedade ao ponto de os poderem votar contra os interesses desta.
Ora, por estar em causa o apuramento de responsabilidade pelos prejuízos sofridos pela Ré, não obstante, alegadamente causados por sócio(s) desta, a actuação daqueles dois sócios destina-se a defender os interesses da Ré que, a demonstrar a existência de prejuízos, terá reflexos positivos na posição de todos os sócios da Ré (e não apenas nestes dois sócios como defende o Autor). Nessa óptica nunca há conflitos de interesses entre a Ré e esses dois sócios. O alegado conflito de interesses existiria se o eventual responsável fossem os sócios nomeados para proceder à averiguação dos respectivos factos. Ora, não sendo o caso, os interesses dos referidos dois sócios e dos da Ré são convergentes nada impedindo que aqueles participassem na votação.
A questão levantada pelo Autor não se coloca no plano dos interesses da Ré, mas no dos próprios sócios entre si. Com efeito e como foi referido, a demonstrar-se que prejuízos existiram e o Autor é o responsável, todos os sócios sairão beneficiados (inclusivamente o Autor, na qualidade de sócio) porque o património da Ré aumentará de valor em virtude do direito à indemnização, enquanto que o Autor (na qualidade de responsável pelos danos causados) terá que arcar com a obrigação de indemnizar respectiva.
No entanto, esse conflito, além de inevitável tendo em conta o teor da deliberação, não releva para o efeito da norma sub judice como foi já salientado.
Pelo que, também não pode proceder a pretensão do Autor com esse quarto fundamento.
*
Como último fundamento para invalidar a deliberação, defende o Autor que a deliberação, além de violar o princípio da igualdade de tratamento dos sócios foi tomada com abuso da maioria, em contravenção ao disposto nos artigos 212º e 475º do Código Comercial.
No que concerne ao princípio da igualdade, não se descortina o exacto fundamento em que se apoia o Autor.
É que, da matéria provada vê-se que todos os sócios participaram na votação e expressaram o sentido do seu voto, o Autor votando contra e os demais sócios a favor. Além disso, a deliberação foi aprovada porque os votos a favor correspondiam a 62,5% do capital social. Não tendo ninguém sido impedido de votar e estando a deliberação em conformidade com a vontade da maioria, pergunta-se: em que momento é que a igualdade de tratamento dos sócios foi posta em causa?
Relativamente ao abuso da maioria, estipula o artigo 475º do mesmo Código que “1. O sócio dominante que, por si só ou por intermédio de outras sociedades de que seja também sócio dominante ou com outros sócios a quem esteja ligado por acordos parassociais, use o poder de domínio de maneira a prejudicar a sociedade ou os outros sócios nos termos do n.º 3 do artigo 212.º, é punido com pena de multa até 120 dias. 2. Com a mesma pena é punido o administrador, secretário, membro do conselho fiscal ou fiscal único de sociedade que pratique ou celebre ou não impeça, podendo fazê-lo, a prática ou celebração de qualquer acto ou contrato previsto nas alíneas b), c) e d) do n.º 3 do artigo 212.º. 3. São ainda punidos com a mesma pena os sócios que concorram com os seus votos para a aprovação da deliberação prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo 212.º, assim como os administradores que a ela dêem execução.”
Por sua vez, dispõe o artigo 212º, nº 1, do Código Comercial que “Sócio dominante é a pessoa singular ou colectiva que, por si só ou conjuntamente com outras sociedades de que seja também sócio dominante ou com outros sócios a quem esteja ligado por acordos parassociais, detém uma participação maioritária no capital social, dispõe de mais de metade dos votos ou do poder de fazer eleger a maioria dos membros da administração.”
Desses preceitos vê-se que o abuso da maioria é um acto privativo do sócio dominante cujo conceito está previsto no artigo 212º, nº 1, do Código Comercial. Segundo essa última norma, no caso de a maioria resultar da agregação dos capital social detido por dois ou mais sócios, como é o caso dos autos, não basta a mera qualidade de sócio e a maioria resultante da soma do capital social detido pelos sócios envolvidos para aceder à categoria de sócio dominante. Para poder ser assim qualificado mais se exige que os sócios envolvidos estejam ligados por acordos parassociais.
Conforme o artigo 185º do Código Comercial “1. Os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes, nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não proibida por lei têm efeitos entre os intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade. 2. Os acordos referidos no número anterior podem respeitar ao exercício do direito de voto, mas não à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de administração ou de fiscalização. 3. São nulos os acordos pelos quais um sócio se obrigue a votar: a) Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos; b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes; c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de vantagens especiais.”
Ora, nada foi alegado pelo Autor para demonstrar que tais acordos existem. O facto de os citados sócios terem votado no mesmo sentido e terem interesses convergentes não equivale a qualquer acordo parassocial.
Assim, na falta desses acordos, nunca pode ser imputada à deliberação tomada o problema de abuso de maioria. A isso acresce que é proibido impugnar as deliberações tomadas com base na existência de acordos parassociais, como claramente estipula o artigo 185º, nº 1, do Código Comercial.
Pelo que, não pode a deliberação ser invalidada como pretende o Autor.
*
Deliberação sobre o ponto 4 da ordem de trabalhos
Trata-se da quinta deliberação, em que a Ré decidiu exonerar o Autor do cargo de administrador/gerente.
São seis os fundamentos invocados pelo Autor.
*
Em primeiro lugar, entende o Autor que o que foi efectivamente deliberado pela Ré não está conforme ao que consta do ponto 4 da ordem de trabalhos.
Mais acima foi já dado conta do teor do artigo 222º, nº 1, d), do Código Comercial o qual exige que a ordem de trabalhos mencione especificadamente os assuntos a submeter a deliberação dos sócios. Foi também aí explicada a razão de ser desta norma.
Está provado que o ponto 4 da ordem de trabalhos tem o seguinte teor “Discussão e deliberação sobre a exoneração do cargo de um administrador, na qualidade de gerente.” e “Após discussão foi aprovada a exoneração do Autor do cargo de administrador/gerente da Ré.”
Do confronto do conteúdo entre o que estava para ser discutido e deliberado e o que foi efectivamente decidido não se pode negar que a deliberação cabe dentro do objecto indicado na ordem de trabalhos, pois nela se indicou expressamente que se ia discutir e deliberar sobre a exoneração de um administrador e que a assembleia geral decidiu exonerar de um administrador. Ou seja, a deliberação vai ao encontro da questão colocada na ordem de trabalhos.
Contudo, contrariamente à situação do ponto 3 da ordem de trabalhos em que a decisão então tomada não é, por si, capaz de prejudicar o Autor porque esta eventualidade depende do resultado do relatório a ser elaborado, a deliberação em discussão, por retirar ao Autor a qualidade de administrador da Ré, afecta-o inequivocamente.
Assim, o facto de não ter sido indicado expressamente na ordem de trabalhos que o visado do ponto 4 da ordem de trabalhos era o Autor, impediu que este e os demais sócios pudessem preparar-se com a devida antecedência e participar activamente na reunião por forma a melhor habilitar a Ré na sua tomada de decisão. Está inequivocamente posta em causa a finalidade que se pretende conseguir com a consagração da norma do artigo 222º, nº 1, d), do Código Comercial.
Por força disso, a deliberação em questão é anulável nos termos do artigo 229º, nº 1, a), do Código Comercial.
*
Argumenta o Autor que a deliberação é também inválida porque a Ré não prestou os elementos mínimos de informação sobre a matéria discutida e baseou a deliberação em questão em factos destituídos de fundamento.
Mais acima foi já referido que a falta em questão não pode ser perspectivada em abstracto sem ter em conta o que efectivamente foi decidido.
Sobre a destituição dos administradores dispõe o artigo 389º, nºs 1 a 4, do Código Comercial que “1. Os sócios podem deliberar, a todo o tempo, a destituição de administradores.2. Os estatutos podem exigir que a destituição de um ou mais administradores seja deliberada por maioria qualificada.3. Se nos estatutos for atribuído a um sócio o direito especial à administração, ele não pode ser destituído por deliberação dos restantes sócios. 4. Ocorrendo justa causa, qualquer administrador pode ser destituído por decisão do tribunal a requerimento de qualquer sócio ou administrador.”
Dessas normas vê-se que a destituição de administradores, em princípio, não depende da invocação de qualquer causa, podendo uma sociedade por quotas, como é o caso da Ré, decidir pela destituição dos seus administradores em qualquer altura sem prejuízo, obviamente, da eventual obrigação de indemnizar o visado. Nesta óptica, a sociedade é soberana em dispensar os serviços dos seus administradores.
Precisamente por isso, o facto de os argumentos invocados pelos demais sócios para sustentar o sentido do seu voto, quer fundados ou não, não são sindicáveis para justificar o afastamento da deliberação. Assim, nada adianta alegar que as deliberações tomadas na assembleia geral de 20 de Janeiro de 2017 não carecem de execução não podendo o Autor ser responsabilizado por qualquer alegada falta de execução destas deliberações.
Portanto, a não apresentação de dados para se tomar a deliberação ora impugnada não consubstancia qualquer vício capaz de a invalidar.
*
Mais defende o Autor que a deliberação sub judice é inválida porque os restantes dois sócios que votaram a favor da deliberação, estavam numa situação de conflito de interesses.
Para fundamentar esse seu entendimento, alega o Autor que a pretensão dos referidos sócios era a de afastar o Autor da gestão social para poderem gerir a Ré ao seu bel-prazer e para o seu próprio benefício, em prejuízo do Autor.
Foi já anteriormente salientado que a proibição constante do artigo 219º do Código Comercial pressupõe um conflito de interesses entre o sócio proibido e a sociedade, no qual se prevê que aquele possa vir a votar contra os interesses desta.
Como na presente deliberação se decidiu pelo afastamento de um outro sócio do cargo de administrador, em abstracto, não se pode dizer que esses sócios tinham necessariamente interesses contrários aos da Ré sendo provável que votassem em conformidade com o seu próprio interesse e não com os da Ré. A isso acresce que os factos invocados pelo Autor e dados por provados não demonstram que os interesses da Ré foram postos em causa com a participação dos citados sócios na votação.
O alegado conflito de interesses existiria se tivessem sido esses os sócios os destituídos porque não seria de esperar que estes votassem a favor da sua própria destituição a fim de defender os interesses da Ré.
Mais uma vez, a questão levantada pelo Autor não se coloca no plano dos interesses da Ré, mas apenas no dos próprios sócios da Ré. Com efeito, a destituição do Autor permite aos restantes dois sócios gerir a sociedade com exclusão daquele que passa a poder, tão-só, influenciar a vida societária através da votação na assembleia geral.
No entanto, esse conflito, além de inevitável tendo em conta o teor da deliberação, não releva para o efeito da norma sub judice como foi já salientado.
Pelo que, também não pode proceder a pretensão do Autor com esse quarto fundamento.
*
Ainda segundo o Autor, da forma como os restantes dois sócios votaram, os mesmos abusaram da maioria que detêm sobre o capital social.
Sobre o abuso da maioria, foi já realçada a necessidade de um dos pressupostos: o da existência de acordos parassociais estabelecidos entre os dois restantes sócios, não sendo suficiente uma votação em sentido idêntico nem uma convergência de interesses destes sócios.
Também no âmbito da presente deliberação, nada foi alegado pelo Autor acerca desses acordos além do sentido dos votos e da pretensão desses sócios.
Além disso, foi também salientado que as deliberações não podem ser impugnadas com base na existência de acordos parassociais.
Pelo que, a deliberação tomada não pode ser invalidade com fundamento no abuso de maioria.
*
Mais argumenta o Autor que, por nenhuma justificação havia para sustentar a sua destituição a qual nem sequer foi apresentada e por a deliberação representar um castigo ou sanção abusiva imposta pelos restantes dois sócios ao Autor pretendendo aqueles menorizar e prejudicar a posição do Autor na partilha dos bens sociais, a deliberação foi tomada para além dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do respectivo direito de voto que assistia aos citados sócios.
Preceitua o artigo 326º do CC que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Mais acima foi já dado conta do direito que assiste à Ré de destituir os seus administradores sem necessidade de justificar o respectivo acto e salientado o natural conflito existente entre o sócio destituído e os demais sócios que votaram a favor da respectiva deliberação.
Assim, o motivo que levou os restantes dois sócios a votar como votaram não deve ser tido em conta se não estiver acompanhado de outros factos demonstradores do abuso. No presente caso, nada mais foi alegado para, designadamente, poder concluir que a deliberação é prejudicial para a Ré em vez de a beneficiar e, como tal, contrária à boa fé, aos bons costumes e ao fim social ou económico do direito do voto.
Pelo que, também não se vislumbra o vício ora imputado à deliberação.
*
Outro fundamento apresentado pelo Autor tem a ver com o direito que lhe assiste em participar na vida societária da Ré em pé de igualdade com os demais sócios.
Segundo o Autor, os sócios da Ré estão vinculados ao dever de garantir que todos os sócios pudessem, na qualidade de administrador da Ré, participar na vida societária e controlar e influenciar efectivamente a gestão da Ré, dever este que se manteve inalterado com a saída de um dos sócios, J, e a entrada do actual sócio F.
Como é bom de ver, está em causa um direito especial à administração dos sócios da Ré.
Estipula o artigo 389º, nº 3, do Código Comercial que “Se nos estatutos for atribuído a um sócio o direito especial à administração, ele não pode ser destituído por deliberação dos restantes sócios.”
Uma vez que o Autor votou contra a deliberação sub judice, a verificar-se o problema acima indicado, a deliberação pode ser anulável nos termos do artigo 229º, nº 1, a), do Código Comercial.
Grande parte dos factos alegados pelo Autor para o efeito correspondem ao que está previsto nos estatutos sociais da Ré, neles se incluem os termos constantes dos estatutos elaborados aquando da constituição da Ré bem como as alterações sofridas com a saída do sócio J e a entrada do actual sócio F.
Foram dados como provados os factos alegados excepto o constante do artigo 155º e parte do artigo 157º da petição inicial de que a vontade e intenção dos sócios da Ré de atribuir aos sócios um direito especial à gerência e de garantir um equilíbrio na gestão da Ré entre a posição dos sócios assegurando a todos o controlo efectivo e influência na gestão se mantivera aquando da entrada de F como sócio da Ré.
Ou seja, está provado que:
• quando foi constituída a Ré, fez-se constar dos estatutos que a Ré se obrigava com a assinatura conjunta de três administradores, dois do grupo A, composto pelo Autor e o então sócio J, e um do grupo B, composto pelo sócio C e um familiar deste, E sendo a vontade e intenção desses sócios da Ré a de atribuir aos sócios um direito especial à gerência e de garantir um equilíbrio na gestão da Ré entre a posição dos sócios assegurando a todos o controlo efectivo e influência na gestão;
• aquando da cessão da quota de J para F, os estatutos da Ré foram alterados de modo a que passando a gerência a ser composta por três grupos, cada um deles integrado por um dos três sócios, e a Ré se obrigava pela assinatura conjunta de dois gerentes, pertencentes a diferentes grupos de gerência.
mas já não a manutenção da intenção inicial quando os estatutos foram alterados.
É que, do confronto das formas de obrigar da Ré previstas nos estatutos, antes e depois da alteração, vê-se que com a alteração aos mesmos passou a ser simplesmente necessária a intervenção de dois sócios e não todos os três sócios da Ré como inicialmente estava previsto. Se na versão originária dos estatutos vê-se claramente a vontade de garantir que todos os sócios participassem efectivamente na decisão e execução dos actos de gestão da Ré, ainda que o sócio C pudesse sê-lo através do sua familiar, esta vontade não foi reiterada, ou melhor, foi afastada aquando da alteração dos estatutos. Pois, continuando a haver três sócios no grémio social, passou a ser suficiente a intervenção de apenas dois deles para fazer funcionar a Ré.
Assim, da alteração dos estatutos da Ré vê-se que o direito especial à administração previsto na versão originária dos estatutos deixou de ser consagrado por vontade e iniciativa dos próprios sócios.
Nessas circunstâncias, por a destituição não carecer do consentimento do Autor como impõe o artigo 389º, nº 3, do Código Comercial a deliberação não é inválida por falta deste consentimento.
**
Deliberação sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos
Contra essa deliberação, alega o Autor que (1) a decisão de distribuição dos bens sociais não foi precedida da dissolução da Ré nem da liquidação do património desta aprovada por votos favoráveis correspondentes a 2/3 do capital; que (2), porque a deliberação decidiu atribuir o direito de uso dos lugares de estacionamento visados na deliberação aos dois sócios que votaram a favor, estes estavam numa situação de conflito de interesses; que (3), por a Ré nunca ter contestado o uso dos mesmos lugares de estacionamento pelo Autor, a deliberação padece do problema de abuso de direito; e que (4), ao decidir reter os bens a adjudicar ao Autor para lhos entregar depois da conclusão do relatório referido na deliberação ao ponto 3 da ordem de trabalhos e da liquidação dos danos, a deliberação é ofensiva aos bons costumes.
Está provado que o ponto 5 da ordem de trabalhos tem o seguinte teor “Discussão e deliberação sobre a forma concreta de distribuição dos bens e dinheiro que a Sociedade detém presentemente” e deliberou-se:
• repartir os bens sociais nos seguintes termos: dos 21 lugares de estacionamento do edifício XX Court distribuem-se entre os sócios 19 através de sorteio e vendem-se os restantes 2 lugares de estacionamento a fim de ser partilhado o produto da venda entre os sócios; e
• por haver informação neste sentido, reter a quota-parte pertencente ao Autor para só lha entregar depois de apurar se o Autor causara prejuízos à Ré e de liquidar os danos.
Pela análise dos fundamentos invocados pelo Autor, verifica-se que os primeiros três referem-se à primeira parte da deliberação enquanto que o quarto fundamento diz exclusivamente respeito à última parte da deliberação.
Assim, aprecia-se o pedido separando a deliberação em duas partes.
*
O primeiro fundamento invocado pelo Autor para ver a deliberação invalidada diz respeito à distribuição dos bens sociais antes da dissolução e liquidação não tendo a liquidação sido aprovada por votos suficientes para o efeito.
Nas alegações de direito, a Ré insiste que a deliberação estava apenas a proceder à distribuição de lucros, permitida nos termos do artigo 198º, nº 1, do Código Comercial.
Segundo essa norma “Salvo disposição legal que o permita, não podem ser distribuídos aos sócios quaisquer bens da sociedade senão a título de lucro.”
Nada de mais errado visto que a redacção da deliberação não permite qualquer engano quanto à natureza do acto, qual seja, a distribuição dos bens sociais e não de lucros.
Portanto, urge aquilatar se a Ré estava dissolvida e o seu património liquidado e, no caso negativo, a Ré podia distribuir os seus bens antes da dissolução e liquidação do seu património.
*
Elenca o artigo 315º do Código Comercial as diferentes formas por que uma sociedade se dissolve, designadamente por meio de deliberação dos sócios.
Está provado que, antes da realização da assembleia geral de 20 de Janeiro de 2017, os sócios da Ré acordaram por unanimidade que, em virtude de divergências insanáveis entre os mesmos, a mesma deveria ser dissolvida sendo os bens da mesma distribuídos depois de satisfeitos os eventuais credores sociais.
Apesar do acordo dos sócios, nada demonstra que o mesmo veio a ser vertido numa deliberação social. Também não consta dos autos indicação de que a Ré se encontrava dissolvida pelas restantes formas de dissolução previstas no artigo 315º do Código Comercial.
Assim, nunca pode ocorrer a liquidação do património social da Ré. Pois, conforme o artigo 316º, nº 1, do Código Comercial, “A dissolução tem como efeito a entrada da sociedade em liquidação.”
Segundo o artigo 323º do Código Comercial, a partilha do activo da sociedade só se faz depois de liquidados os encargos e as dívidas e de aprovadas as contas finais e, apenas, nos termos previstos nesta norma.
Nessa base, é manifesto que a primeira parte da deliberação violou todas as normas acima elencadas sendo anulável nos termos do artigo 229º, nº 1, a).
*
Já o mesmo não ocorre com o alegado vício de falta de aprovação da dissolução por votos correspondentes a 2/3 do capital social.
É verdade que os artigos 382º, a) e 381º, j), do Código Comercial exigem que a dissolução da sociedade seja aprovada por votos correspondentes a 2/3 do capital social.
Contudo, por nunca ter havido votação para o efeito, nunca se coloca o problema de falta de maioria necessária.
*
Os segundo e terceiro fundamentos invocados pelo Autor para questionar a validade da deliberação em discussão têm a ver com o uso dos lugares de estacionamento referidos na deliberação.
Entende o Autor que os dois sócios, que votaram a favor, estavam em conflito de interesses porque a deliberação decidiu atribuir-lhes o direito de uso dos lugares de estacionamento e que o uso dos citados imóveis nunca foi contestado pela Ré nem causou quaisquer danos a esta, sendo, por isso, a deliberação tomada abusiva.
Porém, não se descortina bem o fundamento da acusação visto que, a partir da deliberação, não se retira que o uso dos 21 lugares de estacionamento ou alguns deles tivesse sido atribuído aos citados sócios nem algo decidido se relacionava com o uso dos mesmos feito pelo Autor.
Assim, não se pode a partir do alegado pelo Autor concluir pela verificação de qualquer vício capaz de inquinar a primeira parte da deliberação.
*
Relativamente à segunda parte da deliberação, o que o Autor se queixa tem a ver com a proibição prevista no artigo 228º, nº 1, c), do Código Comercial, segundo a qual deliberações ofensivas aos bons costumes são nulas.
Na perspectiva do Autor, os dois sócios que votaram a favor da deliberação, não podiam concluir que o Autor causou prejuízos à Ré sem qualquer prova, nem decidir sobre a forma como o Autor haveria de indemnizar estes danos e, assim, tornarem-se os únicos beneficiados com o aumento do quinhão na proporção da sanção aplicada ao Autor.
Tendo em conta os fundamentos invocados pelo Autor, é de relembrar que, com a deliberação em questão, a Ré decidiu reter os bens a adjudicar ao Autor para só lhos entregar depois da conclusão do relatório referido na deliberação ao ponto 3 da ordem de trabalhos e da liquidação dos danos.
Como se vê facilmente, em nenhum momento a Ré concluiu que o Autor lhe causara prejuízos, pois segundo a deliberação tomada sobre o ponto 3, a Ré iria averiguar pela existência ou não destes prejuízos não tendo ainda chegado a qualquer conclusão.
Também nada foi decidido sobre a forma como o Autor teria que compensar a Ré se viesse a apurar a existência de danos. É que, não foi deliberado proceder à compensação do valor dos danos com os bens adjudicados ao Autor ou ao desconto daquele valor ao valor destes bens, mas tão-só a retensão dos mesmos até que os danos, a existirem, fossem reparados.
Por último, não é verdade que apenas os citados sócios é que sairão beneficiados com o eventual dever de indemnização do Autor visto que a este também assistirá o direito de partilhar o valor da indemnização se a Ré vier a ser dissolvida, desta feita, na qualidade de sócio, como foi já realçado.
Portanto, não é por aí que esta parte da deliberação é viciada.
Contudo, não pode deixar de ser invalidade porque esta parte da deliberação pressupõe a validade da primeira parte na qual foi decidida a partilha dos bens pertencentes à Ré relativamente à qual entendeu-se que era anulável.
Pelo que, também esta parte da deliberação deve ser anulada.
**
Deliberação sobre o ponto 6 da ordem de trabalhos
Trata-se da última deliberação tomada, em que a Ré decidiu conferir poderes aos membros da administração para tratar das acções judiciais da Ré e actualizar os dados, assinaturas e carimbos da Ré junto das instituições bancária de Macau.
Entende o Autor que o decidido não está em conformidade com o objecto indicado na ordem de trabalhos estando, além disso, os sócios que votaram a favor da deliberação em conflito de interesses porque, tendo o Autor sido destituído e o seu lugar de administrador permanecido vago, aqueles podia, decidir ao seu bel-prazer pela gestão da Ré sendo, portanto, a deliberação tomada em benefício próprio.
*
Foi, por mais de uma vez, realçada a razão de ser do artigo 222º, nº 1, d), do Código Comercial que impõe que a ordem de trabalhos mencione especificadamente os assuntos a submeter a deliberação dos sócios.
O ponto 6 da ordem de trabalhos tem como objectivo atribuir aos membros da administração a tarefa de execução das deliberações dos sócios e de exercício dos poderes de gestão na qualidade de administrador.
Do confronto do conteúdo desse ponto com o que foi efectivamente deliberado não se vislumbra qualquer desconformidade. Pois, a deliberação vai ao encontro da questão colocada na ordem de trabalhos, qual seja, a de nomeação de membros da administração para executar as deliberações sociais da Ré.
A eventual desconformidade tem a ver com o facto de as tarefas atribuídas aos nomeados terem sido especificados na deliberação não dizendo respeito a toda e qualquer deliberação social como indica a redacção constante da ordem de trabalhos. O que torna a deliberação até menos sindicável.
Assim, a deliberação não é inválida por força da alegada desconformidade.
*
No que concerne ao conflito de interesses diz respeito, é de ter em conta o que foi já referido sobre a norma do artigo 219º do Código Comercial: os sócios são impedidos de participar e votar em matérias relativamente às quais estão em conflito de interesses com a sociedade.
Para fundamentar o seu entendimento, o Autor alega que, a sua destituição e não nomeação de outro administrador para o cargo que ocupava, fará com que os restantes dois sócios passassem a ser os únicos administradores a poder representar a Ré e, por força desta consequência, estes sócios estavam numa situação de conflito de interesses.
Antes de mais, cabe chamar a atenção para o facto de esse argumento do Autor, a proceder, torna a deliberação até inócua. É que, o efeito pelo mesmo indicado resulta da destituição do Autor e da não nomeação de ninguém para o substituir.
A isso acresce que tal efeito refere-se aos poderes gerais de representação da Ré atribuído aos seus administradores nos estatutos. Ora, a deliberação em questão é especificamente dirigida às acções judiciais desta e aos actos de actualização de dados juntos das instituições bancárias de Macau. Assim, o conflito de interesses tem que se verificar em relação a esses actos.
Nada nos autos indica que os sócios que votaram a favor da presente deliberação, pela matéria votada, tinham interesses conflituantes com a Ré. Em abstracto, não se vislumbra como a Ré pode não ter interesse na nomeação dos seus administradores para a representar em certos actos e, em concreto, não há dados para dizer que, a nomeação dos cotados sócios para a representar nas acções judiciais da Ré e na actualização de dados bancários é contra os interesses da Ré.
Assim, novamente a deliberação social em questão não pode ser invalidade por os restantes dois sócios da Ré terem participado na sua votação.
**
Pedidos do Autor
Do acima exposto conclui-se que apenas nas deliberações tomadas sobre os pontos 4 e 5 se verificam alguns dos vícios indicados pelo Autor, capazes de as invalidar.
Sendo assim, dos pedidos formulados pelo Autor só os relativos a essas duas deliberações sociais podem proceder devendo a Ré ser absolvida dos demais pedidos formulados pelo Autor.
***
IV – Decisão:
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência:
1. Anula as deliberações tomadas sobre o ponto 4 e 5 da ordem de trabalhos da assembleia geral da Ré, B, Limitada, realizada no dia 10 de Abril de 2017; e
2. Absolve a Ré dos restantes pedidos formulados pelo Autor, A aliás A1.
Custas pelo Autor e pela Ré na proporção de 5/7 para o Autor e 2/7 para a Ré.
Registe e Notifique.
Não se conformando com a sentença que julgou a acção parcialmente procedente, vieram a Ré e o Autor recorrer da mesma para este segunda instância.
Para o efeito a Ré alegou concluindo e pedindo:
a. 就原審合議庭認定被本上訴所針對2017年4月10日的特別股東大會的決議,除第4項及第5項外,其餘決議皆有效。
b. 然而,就其他被裁定部分理由成立的決議,原審合議庭裁判沾有適用法律的瑕疵,應予以廢止。
c. 就第4項議程的股東會決議,原審合議庭 主席法官閣下認為違反《商法典》第222條第l款d)項規定,因而按照同一法典第229條第1款a)項的規定予以撤銷。
d. 但《商法典》第222條第l款d)項的要求僅是要明確說明應交由股東議決之事項,而沒有要求提交詳細資料。
e. 根據經援引《商法典》第4條規定的第430條已有明確規定。"
f. 法律僅規定召集通告明確說明應交由股東議決之事項,而沒有規定詳細列明各事項的內容及必要的資料。
g. 同時,法律賦予股東的資訊權,尤其是股東會前的資訊權,就是落實公司法的效率原則。
h. 既然,透過召集通告,被上訴人A知悉2017年04月10日的特別股東大會的工作程序的第4項。
i. 那麼,被上訴人A可透過任何法定方式知悉將交予討論及議決誰人被解任。
j. 否則,按照工作程序第4項的決議並不沾有《商法典》第222條第l款d)項的瑕疵;
k. 故被上訴的原審合議庭裁判沾有適用法律錯誤,應予以廢止。
l. 被上訴的原審合議庭裁判認定被撤銷的決議事由決議內容為分割屬於上訴人B有限公司的財產。
m. 正如上訴人B有限公司在法律陳述的d)項中已指出這不過是筆誤。
n. 同時,根據《民法典》第244條規定:“從意思表示之內容或其作出時之具體情況所顯示之單純誤算或誤寫,僅導致產生更正該意思表示之權利”。
o. 因此,上訴人B有限公司僅因一時的筆誤而得更正工作程序第5項的決議,而不是被撤銷。
p. 上訴人B有限公司認為原審合議庭裁判沾有適用法律的瑕疵,應予以廢止。
q. 同時,
r. 針對上訴人B有限公司的2017年4月10日的決議,被上訴人A於2017年05月02日提起的股東決議爭議之訴。
s. 在尊重被上訴人A的提訴權的前提下,原審合議庭裁判清楚地說明及判處被上訴人的請求大部分不成立。
t. 而就工作程序的第4項及第5項決議,在尊重原判合議庭的見解的前提下,上訴人B有限公司已在其法律陳述中請求法庭根據《商法典》第231條第6款的規定,批准給予上訴人以適當的期限,以便專門召開一次股東會,以便作出另一決議以替代被爭執的決議。
u. 然而,原審合議庭並未應上訴人B有限公司的請求而給予專門召開股東會,以便上訴人的各股東以新的決議替代被爭議的決議。
v. 因此,上訴人B有限公司現仍有權聲請合議庭,以便定出期限,針對現被爭議的原工作程序的第4項及第5項決議,上訴人專門召開的股東會,以另一決議替代現被爭議的決議。
請求
公正裁決!
Por sua vez, o Autor motivou concluindo e pedindo:
A) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base de Macau de fls. 187 a 216 dos presentes autos, do passado dia 21 de Março de 2018, que julgou parcialmente procedente a acção instaurada pelo Autor e, em consequência, decidiu i) anular as deliberações sociais tomadas sobre os pontos 4 e 5 da ordem de trabalhos da Assembleia-Geral da Ré, realizada no dia 10 de Abril de 2017 (doravante a "Assembleia-Geral"), e ii) absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pelo Autor;
B) Uma vez que o Autor não concorda com a decisão do douto Tribunal a quo, na parte em que decidiu absolver a Ré dos pedidos de invalidade das deliberações sociais tomadas sobre os pontos 1.1, 1.2, 2, 3 e 6 da referida Assembleia-Geral, vem por via do presente recurso sindicar a mesma;
C) O presente recurso tem por objecto, por um lado, o acórdão proferido pelo Tribunal sobre a matéria de facto, por manifesta insuficiência e deficiência no conjunto dos factos considerados pelo Tribunal, e, por outro lado, a douta sentença, com a qual o Autor não se conforma;
D) No que diz respeito à matéria de facto, e recordando que a Ré, ora Recorrida, não apresentou contestação nos presentes autos, todos os factos aduzidos pelo Autor, ora Recorrente, teriam de ter sido dados como provados, o que, no entanto não sucedeu;
E) Por sua vez, quanto aos fundamentos da decisão do Tribunal a quo, entende o Recorrente que a matéria de facto provada reclama uma solução jurídica diferente à que foi dada pelo Tribunal a quo;
F) No que respeita à impugnação da decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo no respectivo acórdão, há que recordar nos presentes autos, iniciados a 2 de Maio de 2017, a Ré, regularmente citada, não apresentou qualquer contestação, donde resultou que todos os factos alegados pelo deveriam ter sido considerados como provados;
G) Sucede, porém, que o douto Tribunal a quo, aquando da prolação da sentença ora em crise, não considerou como provados factos que, no entendimento do Autor, ora Recorrente, se revelam essenciais para, a final, se decidir pela invalidade das deliberações em causa no presente recurso, nomeadamente os pontos 47 a 72 identificados no Capítulo II das presentes alegações - para onde se remete desde já e se reproduz para todos os efeitos legais;
H) Não há razão para que o Tribunal a quo não tenha considerado os factos acima identificados como provados, mais se explicitando que:
a) a matéria de facto identificada com os números 52 a 60 supra é relevante para o recurso da decisão do Tribunal a quo sobre a validade da deliberação tomada ao abrigo do ponto 1.1.;
b) a matéria de facto identificada com o número 61 supra é pertinente para o recurso da decisão do Tribunal a quo sobre a validade da deliberação tomada ao abrigo do ponto 1.2.;
c) a matéria de facto identificada com os números 62 a 68 supra é essencial para o recurso da decisão do Tribunal a quo sobre a validade da deliberação tomada ao abrigo do ponto 2.;
d) e a matéria de facto identificada com os números 69 a 72 supra é fundamental para o recurso da decisão do Tribunal a quo sobre a validade da deliberação tomada ao abrigo do ponto 3.;
I) O presente recurso tem também como objecto a decisão do Tribunal a quo na parte em que considerou as deliberações tomadas ao abrigo dos pontos 1.1, 1.2, 2, 3 e 6 da Assembleia-Geral de 10 de Abril de 2017 como válidas, ao invés do peticionado pelo Autor, ora Recorrente;
J) Quanto à deliberação tomada pela Ré, ora Recorrida, no seguimento do ponto 1.1 da ordem dos trabalhos, há que dizer que a problemática da ofensa aos bons costumes nos presentes autos não pode ser analisada em abstracto "independentemente de quem seja o visado", ou seja, sem tomar em consideração o visado da deliberação, in casu o Autor, ora Recorrente;
K) O que aqui se equaciona é a censurabilidade da deliberação ao formular as suas exigências indemnizatórias com base na alegada ocupação das fracções por parte do Autor quando a Ré sabia que quem ocupava as fracções não era o Autor mas uma outra sociedade que tinha como sócios o Autor e C;
L) É precisamente por se subscrever este raciocínio, de inegável censurabilidade patente na deliberação, que não pode ser outro o entendimento do Autor, ora Recorrente, não se consegue vislumbrar como pode o Tribunal a quo considerar que uma tal deliberação não atinge o mínimo ético exigível socialmente;
M) Com a decisão em crise, o Tribunal a quo admite expressamente e dá cobertura à existência de situações em que uma Sociedade, como forma de importunar de forma inaceitável e desprovida de qualquer fundamento legal, delibere contra um sócio o pagamento, a título de indemnização, de determinados montantes quando sabe, ab initio, que os mesmos não são devidos e que, ainda que o fossem, seriam devidos por uma outra entidade;
N) Não pode haver conduta mais censurável e ofensiva do entendimento socialmente aceitável do que seja honestidade, justeza e rectidão do que o comportamento que agora se sindica e que obteve vencimento na deliberação ora impugnada;
O) A doutrina e a jurisprudência acima assinaladas suportam o entendimento defendido pelo Recorrente nas presentes alegações de recurso;
P) A análise da ofensa aos bons costumes tem de levar em conta todas as circunstâncias, mas o Tribunal a quo, ao invés, retirou da análise da verificação da existência de violação dos bons costumes o alvo da deliberação em causa;
Q) É precisamente por ter sido o Autor, ora Recorrente, o objecto da deliberação em crise que a mesma é atentatória dos bons costumes, na medida em que, apesar de a Ré, ora Recorrida, ter total conhecimento de que aquele não era responsável pela ocupação das fracções, ainda assim deliberou exigindo pagamentos indemnizatórios ao Recorrente que jamais lhe poderiam ser assacados;
R) Com a decisão recorrida o Tribunal admite uma flagrante violação a um princípio fundamental, com relevância para a vida em sociedade, qual seja o o princípio da responsabilidade, isto é, o de que ninguém poderá ser obrigado ou condenado a pagar quaisquer montantes sem que seja responsável pelos mesmos;
S) É social, etica e moralmente chocante que alguém determine outra pessoa, de forma unilateral e sem qualquer fundamento fáctico ou jurídico para tal, ao pagamento de montantes cuja causa não lhe é minimamente imputável, sabendo, de resto, que a existir um responsável seria uma entidade diferente e jamais o Autor, ora Recorrente;
T) O que é ilegal na decisão de que ora se recorre é o facto de esta entender que a Ré, ora Recorrida, não obstante saber que não tem fundamento para exigir ao Autor, ora Recorrente, o pagamento de quaisquer indemnizações relativamente às fracções, vem exigi-las na mesma, fazendo impender sobre este uma obrigação pecuniária ilegal, infundada e moralmente ofensiva dos bons costumes, sendo, portanto, verdadeiramente censurável a manutenção de uma deliberação com estes contornos;
U) A sua manutenção tem um efeito perverso adicional, qual seja o de o Tribunal permitir o surgimento de um direito de crédito na esfera jurídica da Ré, ora Recorrida, contra o Autor, com os efeitos jurídicos daí potencialmente advenientes, mormente ao nível da distribuição de lucros, inter alia - importante tendo em conta, sobretudo, o intuito dos demais sócios terem deliberado, no ponto 5, no sentido de que uma eventual distribuição de bens ficaria sempre condicionada ao apuramento de quaisquer eventuais prejuízos da sociedade, pelos quais o Autor, ora Recorrente seria responsável;
V) A intenção dos demais sócios (e consequentemente da Ré) com esta deliberação era o de reduzir e limitar os proventos a que o Autor, ora Recorrente, sempre teria direito numa futura liquidação e dissolução - o que configura, manifestamente, uma situação de ofensa aos bons costumes;
W) Tal como choca o senso comum de justiça vender um estabelecimento por menos de metade do seu valor real, também contende com os princípios de justiça, razoabilidade e rectidão a exigência do pagamento de indemnizações a alguém que se sabe não ter nenhuma obrigação de pagamento;
X) A exigência ao Autor, ora Recorrente, de montantes a título da ocupação de fracções da Ré, ora Recorrida, quando esta sabia que quem as ocupava era uma outra entidade e não o Autor (não sendo por este, logicamente, devidas), choca profundamente a consciência social e o ético mínimo de justiça e da correcção negocial societária;
Y) Tal deliberação produz efeitos ao nível das relações internas da sociedade Ré, ora Recorrida, porquanto a mesma possibilita o nascimento de um direito de crédito totalmente ilegal desta sobre o Autor, ora Recorrente, que esta poderá utilizar como forma de compensação ou limitação dos direitos de crédito deste sobre aquela, nomeadamente em sede de distribuição de lucros;
Z) A deliberação em causa consubstancia o caso em que a Ré, ora Recorrida - por via da conjugação dos votos (e esforços) dos sócios F e C - se aproveita do facto de o Autor, ora Recorrente, ser um dos sócios (tal como C, recorde-se) da sociedade que ocupou as suas fracções, para vir exigir uma prestação patrimonial reconhecidamente indevida, concretizando uma tal exigência o conceito de exploração económica censurável - pelo que se deve concluir pela seu carácter manifestamente atentatório dos bons costumes;
AA) Ainda que assim não se entenda, jamais se poderá deixar de concluir que a deliberação em causa encerra uma invalidade em função do abuso de direito que a mesma comporta, o que fundamenta, igualmente, a ilegalidade da decisão judicial do Tribunal a quo que ora se sindica por via do presente recurso - sendo este o sentido da jurisprudência e doutrina maioritárias em Portugal;
BB) É inegável que, perante o quadro fáctico explicitado e dado como provado nos presentes autos, a deliberação em causa excede de forma manifesta e insuportável os limites resultantes da boa-fé, porquanto pretende-se com a mesma responsabilizar alguém pelo pagamento reconhecidamente indevido, razão pela qual ofende o sentido ético-jurídico vigente;
CC) Ao permitir a verificação de uma situação como esta, a decisão está fatalmente viciada por ilegalidade, o que se sindica por intermédio do presente recurso;
DD) Adicionalmente, a sentença de que ora se recorre é igualmente ilegal porquanto não declarou a nulidade da deliberação em causa por se referir a matéria que não está sujeita a deliberação dos sócios, nos termos do artigo 228.º, n.º 1, aI. d) do Código Comercial.
EE) Não se pode olvidar que o que a deliberação ora em crise comporta é a possibilidade de unilateralmente definir um montante a título de renda e impô-lo à contraparte, o que não é nem podia ser legalmente exigível, sobretudo perante a inexistência de qualquer negociação ou contratualização nesse sentido, excepto em sede judicial, para efeitos de despejo e/ou ressarcimento de danos;
FF) Pelo que a decisão recorrida, ao considerar válida a deliberação em causa, padece de manifesta ilegalidade, pelo que se reiteram os pedidos de declaração de invalidade nos termos e com os fundamentos peticionados nos presentes autos;
GG) Por sua vez, quanto à deliberação adoptada pela Ré, ora Recorrida, ao abrigo do ponto 1.2, refira-se que, tendo em conta a factualidade assente e provada, é indiscutível que até à data referida, ou seja, até dia 17 de Fevereiro de 2017, a utilização dos referidos parques de estacionamento foi feita pelo Autor, ora Recorrente e que a mesma foi lícita, autorizada e consentida por parte da Ré, ora Recorrida;
HH) Assim, não haverá qualquer utilização de terceiro não autorizada dos referidos parques de estacionamento a ser sindicada por parte da Ré e, muito menos, exigida qualquer compensação;
II) Apesar de não resultar de forma expressa da deliberação, a verdade é que da discussão do referido ponto em sede de assembleia geral resultou a pretensão dos sócios F e C, através da Ré, ora Recorrida, de exigir uma compensação ao Autor, ora Recorrente, pela ocupação dos referidos imóveis - ocupação essa que, como consta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, foi totalmente lícita e autorizada;
JJ) A presente deliberação tem encapotada uma exigência pecuniária ao Recorrente, pelo que também aqui estamos perante uma deliberação ofensiva dos bons costumes;
KK) Assim, deve ser reconhecida a ilegalidade da decisão a quo ora em crise, reiterando-se o pedido de invalidade da deliberação em causa, nos mesmos termos em que foi peticionado pelo Recorrente em sede de petição inicial;
LL) Ademais, a respeito da deliberação adoptada pela Ré, ora Recorrida, ao abrigo do ponto 2, adiante-se que os argumentos de que se socorre o Tribunal a quo para chegar à conclusão que a referida deliberação é válida são puramente formais;
MM) Desde logo, saliente-se que o Autor aduziu - ao contrário do que sugere o Tribunal a quo - factos para comprovar o motivo espúrio subjacente à deliberação ora em apreço, porquanto no artigo 73.º da petição inicial (não contestada, recorde-se) considerou-se reproduzida a matéria dos artigos 23.º a 57.º do acção que corre termos sob o n.º CV1-17-0026-CAO e que foi junta como Doc. n.º 6;
NN) O conteúdo dos referidos artigos, tal como se disse supra no capítulo II relativo ao recurso sobre a matéria de facto, deveria ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo, donde resulta, aliás, que a deliberação de exigir a reelaboração das contas ora em causa corporiza a pretensão dos sócios F e C, por intermédio da sociedade Ré, ora Recorrida, de prejudicar o Autor e sobretudo a própria Sociedade, enquanto procuram, ilegitimamente, beneficiar-se a si próprios;
OO) De facto, com a referida deliberação, os sócios F e C designaram uma familiar de um dos sócios para proceder à reelaboração das contas societárias, pedido que, aliás, vêm reiteradamente fazendo;
PP) Estando relacionada com a deliberação tomada na sequência do ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia de 16 de Fevereiro de 2017, sempre haverá que reafirmar que não só todas as contas da Ré foram aprovadas por esta, como os demais sócios, aquando da cessão de quotas ocorrida em 1999, analisaram as contas e determinaram o montante total do activo e do passivo, assim aprovando as respectivas contas;
QQ) Mais: desde essa data até muito recentemente as contas nunca foram questionadas, pelo contrário, foram aceites e reconhecidas por todos os sócios e, consequentemente, pela Ré, ora Recorrente, enquanto entidade que corporiza a vontade e interesse daqueles;
RR) É fácil de ver, então, que o interesse subjacente a deliberação sub judice é o de, mediante o recurso a um elemento que, em função dos laços familiares com um dos sócios que votou no sentido favorável da mesma não pode, de forma alguma, ser parcial, fazer operações de cosmética financeira e contabilística de forma a criar créditos da Ré, ora Recorrida, sobre o Autor, ora Recorrente - sendo certo que tal maquilhagem contabilística, com o único intuito de se favorecer a si próprio prejudicando o Autor, ora Recorrente, apenas é suscitada numa altura em que, em face dos litígios insanáveis entre os sócios, todos acordaram em extinguir a sociedade e distribuir entre si o património social;
SS) Note-se que, se fossem identificadas créditos da Ré, ora Recorrida, sobre o Autor, ora Recorrente, os patrimónios sociais e dos sócios que votaram no sentido favorável a esta deliberação seriam aumentados em sentido proporcionalmente inverso ao decréscimo do património do Recorrente - sendo esta a justificação para que se considere que esta deliberação tenha sido tomada em manifesto venire contra factum proprium;
TT) As justificações do Tribunal a quo quanto à caducidade e prescrição não podem ser aceites, pois aceitá-Ias significaria abrir a porta a situações de abuso prejudiciais à vida das sociedades e do comércio em geral, ao permitir-se que, a todo o tempo, seja possível exigir prestação de contas;
UU) Com efeito, se assim fosse, beneficiar-se-iam situações de incumprimento de prestação de contas, em que quem não apresenta, no limite, jamais terá de as apresentar, ao passo que quem as apresenta, pode ser forçado a reapresentações sucessivas;
VV) Concluindo-se pela sua aplicabilidade, há muito que se encontra caducos e já prescreveram os direitos da Sociedade e, da mesma sorte, os dos sócios, donde resulta a ilegalidade da decisão do Tribunal a quo ora objecto do presente recurso, o que desde já se requer seja declarado, como a consequente declaração de invalidade da presente deliberação;
WW) Por sua vez, a propósito das deliberações tomadas no seguimento da discussão sobre o ponto 3, o Tribunal a quo cita os artigos 475.° e 212.° do Código Comercial para concluir pela impossibilidade de existência de abuso de maioria pela simples agregação do capital social de vários sócios, salvo se existirem acordos parassociais entre os sócios em causa;
XX) Porém, tal entendimento desrespeita os termos das disposições legais aplicáveis;
YY) De facto, não obstante o número 1 do artigo 475.° e o número 1 do artigo 212.° do Código Comercial se referirem à figura do sócio dominante, o número 3 do artigo 475.° estabelece, para efeitos de considerar uma situação de abuso da posição de sócio dominante, uma equiparação entre os casos em que há um sócio dominante e sócios ligados entre si por acordos parassociais e os casos de sócios que concorram com os seus votos para a aprovação de deliberações com o consciente propósito de obter para si ou para terceiro, vantagem indevida em prejuízo da sociedade, de outros sócios ou de credores daquela;
ZZ) Ou seja, ao invés do que concluiu o Tribunal a quo na sentença objecto do presente recurso, a figura do abuso da maioria não é um acto privativo do sócio dominante, podendo existir, nas circunstâncias acima mencionadas e apenas nessas, uma tal situação perante sócios cuja maioria resulte da mera agregação do seu capital social, como sucede nos presentes autos;
AAA) Resta saber se os sócios F e C, ao terem aprovado a deliberação ora em causa, tinham o propósito consciente de obter para si vantagem indevida em prejuízo da sociedade e do Autor, ora Recorrente - o que o Autor considera provado em face de toda a factualidade provada;
BBB) Efectivamente, com a deliberação ora em causa os sócios F e C pretenderam conseguir para si uma vantagem especial na eventual partilha dos bens sociais acordada entre as partes, em prejuízo do Autor, ora Recorrente;
CCC) De facto, a pretexto de eventuais prejuízos provocados à Ré por parte do Autor - que como ficou provado, não têm qualquer fundamento, os sócios F e C auto-designaram-se como responsáveis pela preparação de um relatório para apurar a existência de tais alegados prejuízos;
DDD) É indiscutível que o Autor, ora Recorrente, não é responsável por quaisquer prejuízos causados à Ré por força da alegada ocupação das fracções autónomas e dos parques de estacionamento, pois i) a referida ocupação foi feita pela Sociedade de Internacional G Limitada e não pelo Autor, ora Recorrente, ii) tal utilização foi sempre conhecida e consentida pela Ré e seus sócios, e iii) nunca a administração ou a assembleia de sócios se opôs a tal situação, manifestou intenção de dar outro destino aos imóveis ou deliberou em sentido contrário até recentemente;
EEE) Note-se que, se existissem danos a ser considerados, estes teriam sempre de ser imputados a toda a administração da Ré, ora Recorrida, de que os sócios F e C - de resto, C é também sócio da Sociedade Internacional de G Limitada, também fazem parte, e não apenas ao Autor, ora Recorrente, como pretendem aqueles;
FFF) A actuação descrita consubstancia, de forma inegável, uma evidente demonstração de um abuso do direito, manifestamente contrário aos bons costumes, na modalidade do venire contra factum proprium;
GGG)A pretensão dos sócios F e C era a de ficcionar um prejuízo da Ré de modo a poderem opô-lo ao Autor, ora Recorrente, por via do alegado relatório que se propuseram a fazer;
HHH) Só com tal actuação, conseguirão os referidos sócios inventar um suposto crédito da Recorrida para com o Recorrente, com o desiderato de sair injustificadamente beneficiados na partilha dos bens sociais resultante da acordada dissolução da Ré, em prejuízo do Recorrente:
III) O apuramento de quaisquer potenciais responsabilidades face à sociedade por parte de sócios, em que as pessoas encarregues de apurar tais danos são elas próprias sócios da sociedade alvo, integra, manifestamente, o conceito de conflito de interesses, configurado no artigo 219.° do Código Comercial, gerador de nulidade nos termos do artigo 287.°, do Código Civil;
JJJ) O entendimento do conceito de conflito de interesses pela jurisprudência e doutrina suportam o entendimento do Autor, do qual se pode concluir que a existência de conflito de interesses se apura do confronto entre o interesse pessoal dos sócios e o interesse social;
KKK) Não se vê como não pode existir o referido conflito de interesses nesta situação em que o interesse dos sócios F e C, não é compatível com o da sociedade, qual seja o de fixar responsabilidades e danos que, como se deixou provado, não existem;
LLL) Ainda que assim não se considere, sempre haverá que concluir que tendo a deliberação ora em causa como objecto apurar eventuais responsabilidades dos sócios da sociedade, nomear administradores que também são sócios para fazer o referido apuramento, ou seja, pessoas com interesse em que, relativamente a si próprios, não pretendem que sejam assacadas quaisquer responsabilidades, configura manifestamente um dissenso entre o interesse social e o seu próprio interesse;
MMM) Existe nesta situação, um conflito de interesses, ainda que potencial ou abstracto, que requer tutela jurídica, mormente pela proibição de voto por parte dos impedidos (in casu, de todos os sócios) e, em caso de ter havido votação por parte dos impedidos, da declaração da sua invalidade por parte do Tribunal, nos termos referidos supra e já peticionados nos presentes autos, e que foram - mal - julgados improcedentes pelo Tribunal a quo;
NNN) De todo o modo, mesmo que se considerasse que os sócios F e C não estavam impedidos de votar esta matéria, conforme acima defendido, a deliberação em apreço nunca poderia deixar de se considerar como manifestamente abusiva e contrária aos bons costumes e, por conseguinte, nula;
OOO)Com a deliberação em apreço os sócios F e C, com o exercício do direito de voto nos termos em que o fizeram, mais não procuram do que obter para si vantagens especiais em prejuízo do Autor, sendo a deliberação ora impugnada o meio de o conseguir;
PPP) Tal conduta, uma vez mais, integra o conceito de ofensa aos bons costumes, sendo de de molde a gerar a invalidade da presente deliberação, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, pelo que se requer seja j julgado procedente o pedido de invalidação da deliberação em causa, revogando-se a decisão ora em crise;
QQQ) Finalmente, por referência à decisão do Tribunal a quo sobre a deliberação tomada ao abrigo do ponto 6, há que referir que a presente deliberação está fatalmente ligada à deliberação tomada ao abrigo do ponto 4 da Assembleia-Geral, qual seja a de destituição do Autor, ora Recorrente, e que foi considerada inválida;
RRR) Nesse sentido, atenta tal declaração de invalidade, a deliberação ora em causa deveria ter sido igualmente declarada inválida porque se encontra na dependência lógica daquela, donde resulta também a ilegalidade da decisão recorrida;
SSS) Por outro lado, entende o Recorrente que não assiste razão ao Tribunal a quo quando não considera a existência de conflito de interesses entre os demais sócios da Ré, ora Recorrente, e a deliberação adoptada, pois a aprovação de uma tal deliberação transparece a ideia de que a sua razão de ser era a de afastar o Autor, ora Recorrente, da administração da Ré, ora Recorrida;
TTT) A presente deliberação foi tomada no seguimento da destituição ilegal do Recorrente do cargo de administrador, pelo que, tendo a referida destituição ilegal sido reconhecida e decidida pelo Tribunal a quo, a existência e validade da deliberação ora em crise terá igualmente de ser posta em causa;
UUU) Esta conduta, corporizada na deliberação em causa, densifica, efectivamente, a pretensão dos demais sócios de excluir ilegítima e ilegalmente o Recorrente da administração da Ré, ora Recorrente, aí se baseando a invalidade da presente deliberação e, consequentemente, a ilegalidade da decisão recorrida que a manteve - sendo deste contexto que sobreleva a existência de conflito de interesses dos sócios F e C em relação à Ré;
VVV) Em concreto, é contra o interesse da Ré, ora Recorrida, permitir-se com esta deliberação o afastamento deliberado do Autor, ora Recorrente, da administração da Ré e permitir-se que apenas dois dos seus sócios a possam representar nas matérias deliberadas, pois é do interesse da Recorrida, que os interesses dos sócios, e que, em última análise, são os seus, sejam tutelados de forma igual e equilibrada, o que não sucede com a deliberação ora em crise;
WWW) Aliás, não pode deixar de considerar-se também o sócio C, sócio da sociedade que se encontrava a ocupar as fracções e os parques de estacionamento do edifício XX, em flagrante conflito de interesses (ainda que abstracto ou potencial), porquanto, perante o propalado interesse da Ré, ora Recorrida, em obter o pagamento de montantes indemnizatórios por tal ocupação, este, na qualidade de sócio-administrador de tal sociedade, irá ser demandando judicial ou extrajudicialmente para tal pagamento;
XXX) Em suma, há que concluir que a referida atribuição de poderes deliberada no ponto 6, configura verdadeiramente uma deliberação em benefício próprio (dos sócios F e C), relativamente à qual existe manifesto conflito de interesses, e, como tal, passível de ser punida, assim, com nulidade por violação do disposto no 219.° do Código Comercial, pelo que a decisão do Tribunal a quo, ao não reconhecer a invalidade da deliberação ora em apreço, se encontra viciada de ilegalidade e deve, por essa razão, ser revogada com fundamento nos termos apresentados no presente recurso;
NESTES TERMOS, e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente:
a) alterando-se a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à matéria de facto, incluindo-se a matéria de facto referida no capítulo II das presentes alegações na factualidade provada, o abrigo do disposto no art. 629.º n.º 1 aI. b) do Código Processo Civil, com a redacção aí proposta;
b) revogando-se a sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra decisão que, em face da inclusão da matéria de facto referida no capítulo II das presentes alegações, e sobretudo, tendo em conta o supra alegado nas respectivas alegações, declarando a peticionada invalidade das deliberações adoptadas ao abrigo dos pontos 1.1, 1.2, 2, 3 e 6 da Assembleia-Geral de 10 de Abril de 2017.
Só assim se fazendo a habitual e costumada JUSTIÇA!
Ambas as partes responderam ao recurso interposto pela contra-parte, pugnando igualmente pela improcedência.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Comecemos pela apreciação do recurso interposto pela Ré.
O Recurso interposto pela Ré
Em face das conclusões na petição de recurso, constituem objecto da nossa apreciação no presente recurso as decisões vertidas na sentença recorrida no sentido de anular as deliberações sobre os pontos 4 e 5 da ordem de trabalhos e o pedido da substituição da deliberação, nos termos prescritos no artº 231º/6 do C. Comercial.
Então apreciemos.
1. A deliberação sobre o ponto 4
A deliberação decidiu exonerar o Autor do cargo de administrador/gerente.
Pretendendo ver anulada pelo Tribunal, o Autor avançou na petição inicial com vários fundamentos.
À excepção do fundamento, consistente na não conformidade ao que consta do ponto 4 da ordem de trabalhos, que foi aceite pelo Tribunal a quo e com base na qual decidiu anular a deliberação ponto 4 da ordem de trabalhos, todos os restantes fundamentos invocados pelo Autor para a impugnar foram julgados improcedentes.
Na óptica da Ré, ora recorrente, a decisão que anulou a deliberação aplicou mal o disposto no artº 222º/1-d) do C. Comercial, e portanto deve ser revogada.
Diz o artº 222º/1-d) do C. Comercial que o aviso convocatório deve, no mínimo, conter a ordem de trabalhos da reunião, com menção especificada dos assuntos a submeter a deliberação dos sócios.
Ficou provado que o ponto 4 agendado na ordem de trabalhos tem o seguinte teor: “討論及議決解任一名行政管理機關成員經理之職務”.
E que após discussão foi aprovada a exoneração do Autor do cargo de administrador/gerente da Ré.
Para o Tribunal a quo, …… o facto de não ter sido indicado expressamente na ordem de trabalhos que o visado do ponto 4 da ordem de trabalhos era o Autor, impediu que este e os demais sócios pudessem preparar-se com a devida antecedência e participar activamente na reunião por forma a melhor habilitar a Ré na sua tomada de decisão. Está inequivocamente posta em causa a finalidade que se pretende conseguir com a consagração da norma do artigo 222º, nº 1, d) do Código Comercial.
Foi justamente com fundamento na violação desse artigo 222º, nº 1, d) do Código Comercial que decidiu anular a deliberação sobre o ponto 4 da ordem de trabalhos.
Por sua vez, a recorrente defende que a lei se limita a exigir que no aviso convocatório seja indicado claramente os assuntos a submeter à assembleia, não tendo imposto a menção pormenorizada do teor desses assuntos e os elementos necessários e que o Autor poderia ter exercido o direito à informação a que se refere o artº 430ºdo C. Comercial, ex vi do artº 4º do mesmo código, por forma a procurar saber qual administrador é que seria o visado.
Não tem razão.
Ora, o que artº 222º/1-d) do C. Comercial exige é a menção especificada dos assuntos a submeter a deliberação dos sócios.
A expressão utilizada no aviso convocatório é a exoneração do cargo de um administrado, na qualidade de gerente.
Assim, em face do disposto no citado artigo 222º, a menção nestes termos redigidas não pode deixar de ser considerada insuficientemente clara, dado que, a tal expressão tão abstracta e escassa não habilita obviamente os sócios a conhecer a quem visa a proposta exoneração e por causa de que justifica a proposta exoneração de um membro de um órgão social.
Quanto ao argumento de que o Autor poderia sempre ter acesso às informações necessárias através do exercício do direito à informação a que se refere o artº 430º do C. Comercial, a recorrente igualmente não tem razão.
O artº 430º do C. Comercial dispõe:
1. Além do direito à informação consignado para todos os sócios em geral, os accionistas têm direito a consultar, na sede da sociedade, às horas de serviço e desde a data da expedição dos avisos convocatórios ou da sua publicação:
a) Todos os documentos que constituam suporte indispensável à tomada de quaisquer deliberações sobre matéria incluída na ordem de trabalhos;
b) O texto das propostas que a administração ou o conselho fiscal ou o fiscal único tenham decidido apresentar à assembleia;
c) O texto das propostas que quaisquer sócios tenham entregue na sociedade, nomeadamente quando por eles tenha sido requerida a reunião da assembleia;
d) A identificação completa e um currículo das pessoas que a administração tenha proposto para o exercício de cargos sociais.
2. A consulta dos elementos referidos nas alíneas do número anterior pode ser feita pessoalmente pelo accionista ou por pessoa que possa representá-lo na assembleia geral, sendo-lhe permitido obter cópia dos mesmos, bem como fazer-se assistir por auditor de contas ou perito.
3. Se os estatutos o permitirem, os elementos referidos nas alíneas do n.º 1 podem estar disponíveis para consulta no sítio da sociedade na Internet, quando o mesmo exista, a partir da data da emissão do aviso convocatório.
Trata-se de uma norma inserida no capítulo dedicado às sociedades anónimas.
Independentemente da aplicabilidade analógica dessas normas, concebidas para as sociedades anónimas, ao caso em apreço em que está em causa uma sociedade por quotas, o certo é que o exercício do direito à informação pressupõe sempre a identificação clara do mínimo da matéria submetida à assembleia.
Francamente falando, para além de não ter o suficiente conteúdo para habilitar o Autor a conhecer o mínimo necessário à preparação com antecedência razoável da sua participação na discussão na assembleia, tal como frisámos supra, a forma como foi redigida a menção do ponto 4 da ordem de trabalhos nem permite o Autor a conhecer qual é a matéria incluída na ordem de trabalhos, pelo menos quanto ao sujeito visado pela proposta exoneração.
Assim sendo, bem andou o Tribunal a quo e é de manter a sentença na parte que decidiu anular a deliberação sobre o ponto 4 da ordem de trabalhos.
2. A deliberação sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos
A deliberação tem o seguinte teor:
以抽籤形式分配「XX苑」21個車位中的19個車位,餘下2個車位則在市場放售後再以持股比例分配現金,由於資訊顯示A損害公司利益,A的份額將存放於公司,待調查A有否損害公司經濟損失後,再結清發放。
Ou seja, deliberou distribuir os bens da sociedade.
O Autor impugnou a deliberação tendo para o efeito alegado, inter alia, que a deliberação é ilegal por não ter sido precedida da dissolução da Ré nem da liquidação do património desta, aprovada por votos favoráveis correspondentes a 2/3 do capital.
Nas alegações de direito, a Ré veio a dizer que foi por engano que o Autor entendeu mal o que foi deliberado, em vez de repartição de bens sociais, mas sim distribuição de lucros.
A tese de lucros não foi acolhida pelo Tribunal a quo, que acabou por julgar procedente a impugnação da deliberação, com fundamento de que, enquanto não tiver sido dissolvida a Ré e liquidado o seu património, a Ré não poderia distribuir os seus bens sociais – vide as fls. 53 e v. da sentença recorrida2.
Em sede do presente recurso, a Ré limitou-se a reiterar essencialmente a sua tese já avançada nas alegações de direito na primeira instância, em vez de bens sociais, o que pretende dizer na deliberação é a distribuição de lucros, tendo pedido em sede de recurso a revogação da decisão recorrida nesta parte que anulou a deliberação sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos e em substituição a rectificação da deliberação fazendo passar a constar nela a expressão “distribuição dos bens a título de lucros”.
Ora, não questionando a bondade dos fundamentos de direito da decisão recorrida, a Ré pretende convencer este Tribunal ad quem de que se trata de um mero lapso de escrita, ou seja, em vez de ter deliberado distribuir os bens sociais, o que a Assembleia decidiu é apenas distribuir lucros. Ao que parece, a Ré está a insinuar que não estando a distribuição de lucros sujeita à limitação de todas as normas citadas na decisão recorrida, a deliberação é válida por não ter padecido da ilegalidade que lhe assacou a decisão recorrida.
Ora, a tese da recorrente é demasiado simples, senão totalmente desprovida de qualquer fundamento mais elementar de direito.
Para nós, a natureza dos bens não dependa da simples denominação que lhe dá a Ré, mas sim da qualificação de acordo com os critérios fixados na lei, nas regras da contabilidade e o enquadramento contextual em que os bens foram inseridos.
Diz o artº 198º/2 do C. Comercial que é lucro da sociedade o valor apurado nas contas do exercício, segundo as regras legais de elaboração e aprovação das mesmas, que exceda a soma do capital social e dos montantes já integrados ou a integrar nesse exercício a título de reservas que a lei ou os estatutos não permitam distribuir aos sócios.
Diz agora que os bens distribuídos são lucros.
Só que, nenhuma parte da matéria de facto assente habilita-nos a qualificar técnica e juridicamente os tais bens imóveis distribuídos na deliberação como lucros, isto é, o resultado produtivo da actividade societária num determinado exercício, líquido, isto é, após o abatimento do passivo, e excedente do capital e das reservas.
Em face do disposto no artº 198º/1 do C. Comercial, que impõe salvo disposição legal que o permita, não podem ser distribuídos aos sócios quaisquer bens da sociedade senão a título de lucro, a Ré não pode distribuir, mediante a simples deliberação da assembleia, estes imóveis insusceptíveis de ser qualificados como lucros da sociedade, no contexto das circunstâncias em que foram tomada a deliberação.
Bem vistas as coisas no Tribunal a quo cuja decisão não é censurável, o que torna necessariamente improcedente a tese simplicista da Ré.
3. O pedido da substituição da deliberação nos termos prescritos no artº 231º/6 do Código Comercial
A Ré, ora recorrente, formulou, em sede do presente recurso, o seguinte pedido:
t. 而就工作程序的第4項及第5項決議,在尊重原判合議庭的見解的前提下,上訴人B有限公司已在其法律陳述中請求法庭根據《商法典》第231條第6款的規定,批准給予上訴人以適當的期限,以便專門召開一次股東會,以便作出另一決議以替代被爭執的決議。
u. 然而,原審合議庭並未應上訴人B有限公司的請求而給予專門召開股東會,以便上訴人的各股東以新的決議替代被爭議的決議。
v. 因此,上訴人B有限公司現仍有權聲請合議庭,以便定出期限,針對現被爭議的原工作程序的第4項及第5項決議,上訴人專門召開的股東會,以另一決議替代現被爭議的決議。
Não formulou ex novo este pedido.
Trata-se de reiteração de um pedido já formulado em sede de alegações de direito na primeira instância.
Sobre este pedido, o Tribunal a quo não se pronunciou, quer por via de despacho anteriormente à prolação da sentença, quer na própria sentença.
Confrontada com a omissão de decisão sobre o seu pedido, o meio de reacção idóneo ao dispor da parte que o formulou deve ser a arguição da nulidade por omissão de pronúncia e não a mera repetição do mesmo em sede de recurso.
Senão vejamos.
É inegável que, tendo sido formulado ao Tribunal um pedido, fundado ou infundado, oportuno ou inoportuno, o Juiz tem o dever de o apreciar, rejeitando ou decidindo.
Todavia, nada foi decidido no Tribunal a quo sobre o pedido, nem o mesmo foi rejeitado.
Ora, da obrigação de julgar, imposta pelo artº 7º do C.C., decorre o corolário de que o juiz não pode eximir-se de decidir a questão submetida a sua apreciação.
Assim, a omissão deve constituir nulidade processual que não é mais de um vício formal, que consiste num simples non facere, ou seja, na inobservância, por omissão, de uma disposição da lei processual que lhe impõe o dever de decidir.
Como se sabe, a nulidade processual consiste sempre num vício de carácter formal, traduzido num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; e c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas. – cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2º Edição, revista e actualizada, pág. 387.
Sendo embora diferentes na forma de infringir a lei, estes três tipos de nulidade processual compartilham uma característica comum.
Que é a circunstância de o Juiz que a cometeu não ter chegado formular qualquer juízo de valor sobre a legalidade do seu acto, comissivo e omissivo, limitando-se a praticar um acto ou omitir um acto sem que se tenha pronunciar sobre a conformidade ou não do seu acto com a lei.
In casu, estamos perante justamente o segundo enunciado pelo Professor Antunes Varela, ou seja, uma nulidade processual que se traduz na omissão de um acto prescrito na lei, isto é, decidir ou rejeitar.
Sendo nulidade processual que é, é de aplicar o regime de nulidade processual.
Como se sabe, da decisão cabe recurso ordinário para o Tribunal superior e da nulidade cabe arguição perante o Tribunal a quo, autor do acto ou da omissão.
Nos termos do disposto no artº 150º do CPC, as nulidades previstas nos artºs 140 e 146º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.
O que significa que estas nulidades previstas nos artºs 140 e 146º do CPC podem ser arguidas na fase de recurso.
Todavia, não se integrando em qualquer das situações previstas nos artºs 140 e 146º do CPC, a omissão ora detectada por nós, mesmo realmente violadora do dever de decidir do juiz, não tem a dignidade de ser apreciada por esta instância face ao disposto no artº 150º/2 do CPC, a contrario.
Portanto, se a Ré, ora recorrente, considerasse que foi cometida pelo Tribunal a quo uma inobservância de um princípio processual que impunha ao Juiz o dever de decidir, deveria ter arguido a pretensa nulidade, perante o Tribunal a quo até à prolação da sentença que põe termo à primeira instância, ou em sede de recurso, caso a omissão só lhe seja detectável através do conhecimento da decisão final.
Ao “reagir” só agora por via de recurso ordinário perante este Tribunal de recurso mediante a simples repetição do mesmo pedido, em vez de o fazer por via de arguição da nulidade perante o Tribunal a quo ou perante este Tribunal de recurso, o recorrente andou mal por ter optado por um meio não idóneo de “reacção”, a nulidade, a existir, já se tornou sanada por não ter sido arguida oportunamente por via idónea.
Mesmo não se entendesse assim, seria sempre de indeferir, com fundamento na extemporaneidade, o pedido apenas formulado no momento em que, já findas as fases de articulados, de saneamento e preparação do processo e de instrução do processo, e fixada a matéria de facto, se apresentaram as alegações de direito.
Trata-se de um pedido permitido nos termos do artº 231º/6 do C. Comercial.
Reza este artigo que o tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para substituir a deliberação por outra, em assembleia geral convocada para o efeito.
Esta norma permite que a sociedade, ré de uma acção de impugnação de deliberações tomadas pela assembleia geral, requeira ao tribunal um prazo para, em substituição da deliberação impugnada, tomar uma nova deliberação sem o vício que invalida a anterior deliberação impugnada.
Não obstante a não fixação do prazo para o efeito, o uso da tal faculdade legalmente conferida deve ser feito dentro do tempo razoável.
Admitimos que, face ao silêncio da lei, não é fácil de fixar razoável o terminus ad quem para o exercício da faculdade de requerer o prazo para renovar deliberação impugnada, cremos que, em prol do princípio da economia processual, é defensável dizer ser extemporâneo tal requerimento apenas formulado na véspera da prolação da sentença.
Portanto, é de improceder sempre a pretensão por parte da Ré de ver concedido o prazo para a renovação da deliberação ora impugnada.
Julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré, passemos à apreciação do recurso do Autor.
O Recurso interposto pelo Autor
Mediante a presente acção, o Autor impugnou as deliberações tomadas sobre os pontos 1.1, 1.2, 2, 3, 4, 5 e 6 da ordem de trabalhos da assembleia geral da sociedade Ré, realizada em 10ABR2017, tendo pedido que fossem declaradas inválidas as deliberações.
Por sentença ora recorrida, a acção veio a ser julgada parcialmente procedente e foram anuladas as deliberações tomadas sobre os pontos 4 e 5 da ordem de trabalhos da assembleia geral da Ré.
Inconformado com a sentença recorrida na parte que julgou improcedente os restantes pedidos de declaração de invalidade em relação aos pontos 1.1, 1.2, 2, 3 e 6 da ordem de trabalhos, o Autor interpôs recurso para esta segunda instância.
O recorrente começou por impugnar a matéria de facto e depois questionou as decisões da sentença recorrida sobre a impugnação das deliberações sobre os pontos 1.1, 1.2, 2, 3 e 6 da ordem de trabalhos, tendo pedido a revogação dessas decisões e em substituição a declaração da invalidade dessas deliberações.
No entanto, conforme se veremos infra, não se mostra relevante para a apreciação e a decisão das questões de direito suscitadas em sede do presente recurso a matéria não constante do elenco dos factos assentes da sentença recorrida, que agora por via de impugnação da matéria de facto o recorrente pretende ver julgada assente por este Tribunal de recurso, a fim de sustentar as suas teses referentes às questões que se prendem com as deliberações sobre os pontos 1.1, 1.2, 2 e 3 da ordem de trabalhos.
Portanto, passámos imediatamente a debruçar-nos sobre as questões de direito delimitadas nas conclusões do recurso, relativas aos pontos 1.1, 1.2, 2, 3 e 6 da ordem de trabalhos da assembleia geral da sociedade Ré, realizada em 10ABR2017.
1. Do ponto 1.1 da ordem de trabalhos
O assunto que ficou agendado no ponto 1.1 da ordem de trabalhos é: 討論及議決【XX苑】及【XX大廈】本公司的物業及車位租值.
E a deliberação que saiu aprovada é: 就【XX苑】7個舖位的佔用情況,要求股東A需補償因擅自佔用而支付每月繳付租金合共港幣180,000元予公司,並從2017年2月17日開始計算.
Para o Autor, a deliberação é abusiva e contrária aos bons costumes, uma vez que, a Ré não pode fixar unilateralmente o valor locatício dos sete imóveis sem qualquer critério e que é do conhecimento de todos os sócios da Ré que a ocupação dos imóveis se encontra a ser feita pela Sociedade de Internacional G Limitada, a que nunca nenhum dos sócios se opôs, como tal, nula nos termos do artº 228º/1-c) e d) do C. Comercial, e subsidiariamente, anulável ao abrigo do disposto no artº 229º/1-a) do C. Comercial.
O Tribunal a quo julgou improcedentes todas as causas de invalidade da deliberação, invocadas pelo Autor com vista à declaração de nulidade ou, subsidiariamente à anulação da mesma deliberação.
Não obstante, a reiteração, nas alegações de recurso do Autor, de todos os pedidos de declaração de invalidade nos termos e com fundamentos peticionados, só será atendível o pedido de revogação da sentença recorrida na parte que não considerou contrária aos bons costumes ou abusiva a deliberação em causa nos termos do disposto no artº 228º/1-c) do C. Comercial.
Na verdade, o Tribunal a quo chegou a analisar se a deliberação em causa padece da nulidade a que se refere o artº 228º/1-d) do C. Comercial, e acabou por entender que se não verificou esta causa de invalidade.
Todavia, esta parte da sentença recorrida não pode deixar de ser inócua, uma vez que, conforme se vê na petição inicial, tirando a única referência, vaga por não acompanhada de qualquer exposição de razões, à alínea d) do nº 1 do artigo 228º do C. Comercial, para além da mera indicação da norma, nada mais foi alegado pelo Autor para concretizar em que termos se verificou a causa invalidante da tal deliberação.
Portanto, não sendo de conhecimento oficioso e não obstante tratada na sentença, a questão da pretensa invalidade da deliberação prevista no artº 228º/1-d) do C. Comercial nunca poderia ter sido considerada devidamente suscitada na petição inicial através da mera indicação da norma pretensamente violada, sem que se tivesse mostrado minimamente cumprido o ónus de alegar imposto pelo artº 389º/1-b) do CPC, e naturalmente pode ser suscitada, para nós “ex novo”, só agora em sede do presente recurso.
Um outro pedido, que o recorrente disse reiterar nas alegações de recurso, é o pedido de anulação com fundamento no artº 229º/1-a) do C. Comercial.
Este pedido foi julgado improcedente nos termos seguintes:
Apesar de ter defendido que a deliberação sub judice ser anulável nos termos da norma acima transcrita, o Autor não indicou a norma concretamente violada pela deliberação impugnada.
Mais acima deu-se conta de que faltava, pelo menos, um dos pressupostos para que a Ré pudesse assacar qualquer responsabilidade civil extracontratual ao Autor através da deliberação impugnada. Não há aqui violação de qualquer disposição legal, designadamente a norma do artigo 477º do CC. É que, nem essa última norma nem qualquer outra proíbem que se decida chamar outrem à responsabilidade ainda que não estejam reunidos os respectivos pressupostos. Se a pretensão for efectivamente infundada, a consequência é, em princípio, tão-só a da sua improcedência.
Ora, conforme alegou em sede do presente recurso, o recorrente não cumpriu minimamente o ónus de alegar, nos termos exigidos no artº 598º do CPC, pois, para além de dizer “pelo que se reiteram os pedidos de declaração de invalidade nos termos e com os fundamentos peticionados nos presentes autos”, em lado algum das alegações foi assacado o erro à decisão que julgou não verificada a causa de invalidade prevista no artº 229º/1-a) do C. Comercial.
Por isso, esta parte de recurso não pode deixar de ser considerada deserta – artº 598º/3 do CPC.
Assim, em relação à pretensa invalidade da deliberação sobre o ponto 1.1, o único fundamento de recurso atendível será apenas a invocada causa da invalidade prevista no artº 228º/1-c) do C. Comercial.
Diz o artº 228º/1-c) do C. Comercial que são nulas as deliberações dos sócios que sejam contrárias aos bons costumes.
A lei não define nem pode definir o sentido que bons costumes devem comportar.
Os bons costumes são conceitos indeterminados ou uma cláusula geral do direito privado.
Actos contrários aos bons costumes são actos imorais, ofensivos da moral pública.
O aplicador do direito deve apreciar caso a caso, tendo em conta os factos e as circunstâncias concretas, se um determinado negócio é ofensivo dos bons costumes.
Mesmo assim, não faltam autores que procuraram enunciar quais são os actos susceptíveis de ser reputados como ofensivos dos bons costumes.
Ensina Mota Pinto que …… quando é que se pode considerar um acto como «ofensivo dos bons costumes»? O sentido desta exigência é o mesmo da fórmula «não contrariedade à moral pública» do Código de Seabra …… . Não se trata de remeter o juiz para uma averiguação empírica dos usos, pois remete-se para os bons usos, mas também não se faz apelo a uma ética ideal, de carácter eterno. Os «bons costumes» são uma noção variável, com os tempos e os lugares, abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento. – in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. actualizada, pág. 525.
Por a sua vez, Manuel de Andrade, a propósito do que se deve entender por moral pública, expressão utilizada no Código de Seabra, equivalente aos bons costumes segundo vários autores, nomeadamente Mota Pinto, diz que: …… é o conjunto das regras morais aceites pela consciência social. Não se trata pois de usos ou práticas morais, mas de ideias ou convicções morais; não da moral que se observa e se pratica (mores), mas daquela que se entende dever ser observada (bónus mores). Não se trata tão-pouco da moral subjectiva ou pessoal do juiz, antes sim da moral objectiva, e precisamente da que corresponde ao sentido ético imperante na comunidade social. Não se trata ainda, portanto, da moral transcendente, religiosa ou filosófica, mas da moral positiva (hoc sensu)…… Por último importa distinguir entre o que ela exige e o que apenas recomenda, entre aquilo que ela considera louvável – sendo virtude a sua observância – e aquilo que ela reputa estritamente obrigatório – constituindo vício ou pecado mortal a sua inobservância. Só este mínimo releva para os efeitos do artº 671º nº 4 – in Teoria Geral de Relação Jurídica, II, pág.331 e nota 1.
Não obstante concebidos para a matéria da licitude do objecto dos negócios jurídicos, o certo é que estes doutos ensinamentos e as ideias neles preconizadas nos habilitam a ajuizar, no caso dos autos, se a deliberação em causa ofende os bons costumes.
Na esteira desses ensinamentos, nomeadamente a ideia de que só o mínimo ético da ordem moral é que releva para efeito de avaliar se uma deliberação social é ofensiva dos bons costumes.
A este propósito, a sentença recorrida já se pronunciou nestes termos:
Socorrendo ao critério do “mínimo ético”, o Direito distingue-se da Moral porque “… o Direito limitar-se-ia a impor aquelas regras morais básicas cuja observância é indispensável para que na vida social exista paz, liberdade e justiça. …” e este critério “…apenas se reporta à questão de saber até que ponto o Direito pode ou deve dar relevância (relevância jurídica) a critérios éticos.” - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina.Coimbra, 1990, 4ª reimpressão¸ pgs 59 e 60.
Segundo o mesmo Autor, ob. cit., pg 61, “Para uma melhor compreensão da distinção entre Direito e Moral, interessa ter presente que na racionalidade jurídica tem um lugar decisivo a noção de tutela dos interesses, de resolução dos conflitos de interesses e de interesses juridicamente tutelados. De modo que apenas será juridicamente relevante aquela conduta que afecte os interesses (ou bens) juridicamente tutelados, os lese ou ponha em perigo. Para que uma conduta seja juridicamente censurável deve afectar um dos interesses tutelados e afectá-lo numa medida socialmente relevante. Donde decorre que, mesmo quando o Direito tutela os sentimentos do povo e a “moral pública” (como frequentemente acontece), estes valores éticos não são afinal protegidos por si mesmos, mas na medida em que a sua violação se converte numa perturbação prejudicial à sociedade como ordem de convivência. O que está em causa é mais o “dano social” que a defesa dos valores éticos por si mesmos.” (sublinhado nosso)
Mais salienta o Saudoso Professor, ob. cit., pg 62, que “… bem que ao Direito não caiba directamente a função de garantir uma certa concepção ética (nem mesmo a ética dos “bons costumes “dominante na sociedade e para a qual remetem várias normas judicias), também é verdade que ele não deve impor condutas imorais. Pode, sim, permitir condutas moralmente censuráveis, desde que por estas não sejam afectados interesses socialmente relevantes – mas não impô-las.” (sublinhado nosso)
Também Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, pg 299, fazem semelhante chamada de atenção salientando que “Para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade.” (sublinhado nosso)
Dessas passagens vê-se que nem todas as condutas moralmente censuráveis são sancionadas pelo Direito. Tão-só aquelas que põem em causa interesses juridicamente relevantes e que causam determinado dano social é que reclamam uma intervenção do Direito proibindo-as.
A esse propósito, convém lembrar-se que cláusulas gerais tais como as os bons costumes servem de válvula de segurança para salvaguardar valores e princípios tão elementares e caros para uma justa e pacífica convivência dos membros de determinada comunidade cuja violação é considerada repugnante ou clamorosa, designadamente por poder pôr em causa o carácter humano dessa convivência. Portanto, só nesses casos é que devem ser accionadas.
Ora, no presente caso, não está em causa a falta de juridicidade resultante da falta de fundamento, como foi já referido, porque a solução a dar a este problema é a da impossibilidade de produção dos respectivos efeitos contra o Autor.
O que se equaciona é se a circunstância de a Ré saber de que não lhe assistia qualquer fundamento para exigir a citada quantia ao Autor torna a sua conduta eticamente censurável ao ponto de dever ser declarada nula nos termos do artigo 228º, nº 1, c), do Código Comercial. Portanto, o que importa aquilatar é o seguinte: se, para uma justa e pacífica convivência da nossa sociedade, é indispensável sindicar a falta de rectidão da Ré, ou seja, sancionar a não adesão desta aos valores da honestidade, quando deliberou exigir a citada quantia ao Autor porque tal atitude é contrária aos ditames da consciência ética prevalente.
Se é verdade que “… muitas vezes o Direito se preocupa com a intenção e com a personalidade do agente, na medida em que uma e outra se possam revelar e comprovar através de manifestações externas. Assim acontece designadamente no Direito Penal. Mas isso não impede que se possa afirmar que a valoração ética arranca originariamente da atitude interior, só em segunda linha fazendo exigências quanto à conduta externa (pense-se na relevância ético-social do escândalo), ao passo que a valoração jurídica originária e basicamente assente nos aspectos exteriores da conduta.” – Baptista Machado, ob. cit., pg 60.
Ora, tendo em conta os mecanismos ao dispor do Autor para se defender da pretensão infundada da Ré e as implicações que a deliberação impugnada terá para a nossa comunidade, não se julga que a atitude da Ré face aos valores prevalentes de rectidão e honestidade, no contexto em que a mesma é manifestada, justifica a intervenção do Direito proibindo que a citada deliberação seja tomada.
Nestes termos, não é de considerar a deliberação contrária aos bons costumes e, consequentemente, nula nos termos defendidos pelo Autor.
Ora, tendo em conta o teor da deliberação e todas as vicissitudes que rodearam a feitura dessa deliberação, o Autor, não foi atingido enquanto sócio da sociedade Ré, mas sim na qualidade de um terceiro a quem foi imputada a ocupação ou utilização dos tais imóveis pertencentes à Ré.
Na verdade, a deliberação em si não regula, nem tem a virtualidade de regular, unilateralmente, as relações com terceiros.
O Autor, enquanto terceiro, não é parte desse acto jurídico, naturalmente não fica vinculado pela deliberação.
Dito por outras palavras, a sociedade Ré, pela sua posição em relação a terceiros, não tem o alcance para atingir direitos desses, através de uma deliberação aprovada por um órgão deliberativo seu.
Independentemente da forma pela qual a Sociedade Ré vem a executar a tal deliberação, esta não é mais do que a mera vontade, ou intenção, internamente formada no seio da sociedade Ré, ainda não exteriorizada, quanto muito um mero elemento de um negócio jurídico a celebrar ou de um acto jurídico a praticar, sempre carecedora de algo mais para poder produzir efeitos externos, nomeadamente para atingir o ora Autor, enquanto terceiro.
Materialmente falando, não obstante algo censurável o sentido da deliberação tomada, nomeadamente ante estes factos provados: Os mencionados imóveis não se encontravam ocupados pelo Autor, nem este se recusou a proceder à respectiva desocupação e restituição à Sociedade. Estas fracções encontram-se a ser ocupadas pela sociedade denominada Sociedade de Internacional G Limitada. Esta sociedade tem como sócios, além do Autor, o sócio C. A utilização dos ditos imóveis pela Sociedade de internacional G Limitada sempre foi também do conhecimento dos sócios F e C. Nenhum dos sócios da Ré se opôs à mesma utilização. Ao menos tacitamente sempre consentiram na nessa utilização. Só muito recentemente a Ré pediu a restituição das fracções em apreço, o que fez através de carta, o certo é que a Ré, enquanto titular dos imóveis, tem toda a legitimidade de defender os interesses da sociedade e de considerar o Autor, enquanto um dos sócios daquela sociedade G, ser verdadeiro beneficiário do uso e da fruição dos tais imóveis, e que, não obstante provada nos presentes autos por falta absoluta de contestação pela Ré, esta matéria de facto, favorável ao Autor, pode ser de novo invocada pelo Autor para se defender, numa outra acção, a instaurar, ou pelo Autor contra a Ré ou pela Ré contra o Autor.
Assim, na falta de outros elementos, não podemos concordar com a qualificação da deliberação como contrária ao mínimo ético da moral pública, geradora da nulidade, tal como destacou e bem a sentença recorrida.
Assim sendo, é de louvar a sentença recorrida nesta parte, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da requerente e confirmando a decisão recorrida.
Tendo em conta o decidido supra, não é de apreciar o pedido de impugnação da matéria de facto em relação à questão em apreço, pois a matéria, não levada pelo Tribunal a quo, à matéria de facto assente, que o recorrente agora pretende ver nela inserida, ou se trata da matéria conclusiva ou de direito, ou das considerações pessoais do recorrente, ou se mostra irrelevante para a boa decisão da questão em apreço.
2. Do ponto 1.2 da ordem de trabalhos
A deliberação sobre o ponto 1.2 da ordem de trabalhos tem o seguinte teor:
就【XX苑】21個車位於今日由A交吉予公司及保留追討此21個車位在2017年2月17日或之前被任何人士侵佔使用權的金錢損失賠償,以及自上次會議後至今次會議期間之金錢損失”
O Autor alegou na petição inicial que, tendo em vista a intenção de ser reclamada uma indemnização a ele pelo uso dos lugares de estacionamento em questão, a deliberação com a qual se afigura ser visado é abusiva e contrária aos bons costumes, pelo que é ilegal.
E pediu a declaração da invalidade da deliberação, com fundamento na nulidade, prevista no artº 228º/1-c) do C. Comercial e, subsidiariamente, na anulabilidade, prevista no artº 229º/1-a) do C. Comercial.
O pedido de invalidade, quer a título principal com fundamento na nulidade quer a título subsidiário, na anulabilidade, acabou por ser julgado improcedente pelo Tribunal a quo.
Na óptica do Tribunal a quo, a deliberação não está dirigida contra nenhum visado concreto, pois nela se refere a terceiros que abusivamente usaram os lugares de estabelecimento sem consentimento da Ré.
Concordamos com esse sensato juízo.
Na verdade, admitindo que o Autor possa vir ser visado pela deliberação, todavia, ele não será visado na qualidade de sócio, ou seja, na relação entre sócio e a sociedade Ré, ou entre ele e os restantes sócios, mas sim enquanto terceiro numa eventual relação para com a sociedade Ré.
Mais uma vez, esta deliberação não pode atingir o Autor, enquanto terceiro e portanto ineficaz perante ele.
Assim sendo, a deliberação não pode ser entendida mais do que a intenção formada no seio da sociedade com vista a defender a sociedade perante eventuais actos de terceiros susceptíveis de ofender interesses da sociedade.
Portanto, não cremos que seja abusiva, muito menos contrária aos bons costumes.
Improcede a imputação da nulidade à deliberação.
Quanto ao pedido subsidiário de anulação da deliberação em causa, é de notar que o recorrente não cumpriu minimamente o ónus a que se refere o artº 598º/2, nomeadamente a indicação da norma da lei ou dos estatutos da sociedade que na sua óptica foi violada.
Portanto, é de considerar deserta esta parte do recurso – artº 598º/1, 2 e 3 do CPC.
Tendo em conta o decidido supra, não é de apreciar o pedido de impugnação da matéria de facto em relação à questão em apreço, pois a matéria, não levada pelo Tribunal a quo, à matéria de facto assente, que o recorrente agora pretende ver nela inserida, ou se trata da matéria conclusiva ou de direito, ou das considerações pessoais do recorrente, ou se mostra irrelevante para a boa decisão da questão em apreço.
3. Do ponto 2 da ordem de trabalhos
O Autor começou por impugnar a matéria de facto, tendo para o efeito alegado que:
“Desde logo, não é correcto que o Autor não tenha aduzido factos para comprovar o motivo espúrio subjacente à deliberação ora em apreço, porquanto no artº 73º da petição inicial (não contestada, recorde-se) considerou-se reproduzida a matéria dos artigos 23º a 57º da acção que corre termos sob o nº CV1-17-0026-CAO e que foi junta como Doc. nº6.
O conteúdo dos referidos artigos, tal como se disse supra no capítulo II relativo ao recurso sobre a matéria de facto, deveria ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo, o que se requer no âmbito do presente recurso.”
Ao que parece, o recorrente pretende que esta matéria, alegada na petição inicial de uma outra acção, cuja cópia se juntou aos presentes autos, seja considerada provada por efeito da revelia operante.
Todavia, para nós, esta matéria, alegada numa outra acção, nem sequer pode ser considerada alegada na presente acção, pela forma como foi redigida a petição inicial.
Ora, como se sabe, ao autor cabe formular a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter e expor as razões de facto e de direito em que a fundamenta (artº 389º/1-c) do CPC) e sobre o réu recai o ónus de impugnação específica dos factos articulados na petição pelo autor (artº 410º/1 do CPC) .
Na matéria de facto, o juiz tem de cingir-se às alegações das partes, ao passo que na indagação, interpretação e aplicação do direito o tribunal age livremente (artº 567º do CPC).
In casu, em vez de alegar na petição inicial factos, como parte da causa de pedir, o Autor limitou-se a remeter para a petição inicial de uma outra acção, tendo juntado cópia da mesma aos presentes autos, justificando esta “forma de alegar” por razões de celeridade e economia processual.
Em face dessa opção do Autor, põe-se a questão de saber se o ónus de alegação das razões de facto, a que se refere o artº 389º/1-c) do CPC, pode ser substituído pela simples remissão para determinada parte de um documento com que é instruída a petição inicial.
É verdade que doutrina existe aceitando como forma válida de contestação a simples junção de documento.
No que respeitante às formas admissíveis de contestação pelo réu, o Saudoso Prof. Antunes Varela chegou a distinguir entre elas a contestação articulada, a contestação por negação e a contestação por mera junção de documento - cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. Rev. e Act., pág. 285 e s.s.
A propósito dessa última que nos interesse agora, o Mestre ensina que:
“A contestação por simples junção de documentos assenta no puro oferecimento real da prova documental, desacompanhada de qualquer alegação escrita sobre os próprios factos a que o documento se refere. Não é mencionada nos textos legais, mas cabe sem dúvida no espírito da lei, como forma válida de contestação.
A mera junção de documento comprovativo de um pagamento, de uma renúncia, de uma revogação ou de outro acto jurídico, pode bem constituir um meio concludente de contrariar um facto articulado pelo autor, não mero expressivo do que a alegação do facto em contestação articulada. Um sistema processual como o português, mais empenhado na descoberta da verdade dos factos do que na observância dos purso ritos de forma, não pode recusar in limine tal forma de contestação.
Se numa acção de condenação, o réu se limita a requerer a junção aos autos do documento comprovativo do pagamento, remissão, novação ou compensação da dívida cuja cobrança lhe é exigida, não será lícito ao juiz ignorar a contrariedade dos factos articulados pelo autor, de que ele deve conhecer ex officio, nem será lícito duvidar do animus compensandi (art. 848º do Cód. Civil) do réu, no caso de o documento se referir a uma dívida compensatória.” – cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. Rev. e Act., pág. 287 e 288.
Todavia, não encontramos quer texto legal quer doutrina em paralelo no sentido de defender a simples junção do documento é forma válida para o autor expor razões de facto como causa de pedir.
Compreende-se a admissibilidade da simples junção de documentos como forma válida da contestação e não também forma válida para expor razões de facto que constituem causa de pedir, uma vez que ao autor cabe a tarefa de mencionar os factos concretos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido, por isso esses factos hão de ser articulados ponto a ponto de modo a que o tribunal possa inteirar-se da causa de pedir, ao passo que a função duma contestação-defesa se limita a repelir a pretensão do autor, negando de frente os factos já articulados pelo autor ou sem afastar a realidade desses factos, contradizendo o efeito jurídico que o autor pretende extrair dele, ou seja, repelir a pretensão do autor dentro de um contexto já traçado por factos concretamente articulados na petição.
Cremos que é por causa disso que o autor não pode substituir a exposição das razões de facto pela mera junção de documentos.
Portanto, in casu, por falta dos factos articulados pelo autor no que diz respeito à matéria alegada numa outra acção, o tribunal não pode lançar mão aos simples documentos juntos aos autos, mesmo não impugnados pela parte contrária, para formar a base fáctica em que se fundamenta a decisão de direito.
Assim sendo, esta matéria, não obstante identificada, não pode ser tida como alegada nem comprovada por efeito de revelia operante.
Improcede assim a impugnação da matéria nesta parte.
Passemos assim à apreciação da impugnação de direito, tendo em conta a factualidade tida por assente na primeira instância.
A deliberação ora impugnada tem o seguinte teor:
委任H核數師審計及重編由2008年至今公司帳目
Na petição inicial de acção, o Autor alegou em síntese que não havia fundamento legal para a reelaboração das contas de exercício anteriores, uma vez que tais contas já tinham sido preparadas, escrutinadas e aprovadas pela sociedade Ré e, subsequente, auditadas por um auditor oficial de contas inscrito nos serviços de finanças, e submetidas na repartição de finanças e validadas por aquela e que uma deliberação para designar novo auditor para reformular as contas já aprovadas da sociedade consubstancia de forma manifesta, um verdadeiro abuso do direito, na sua modalidade de venire contra factum proprium, que deverá ser sancionado com a respectiva invalidade.
Este entendimento não foi acolhido pelo Tribunal a quo nos termos seguintes:
Entende o Autor que, o facto de as contas terem sido já aprovadas e submetidas a todas as formalidades legais para a sua validação, a decisão agora tomada pela Ré consubstancia um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Salvo o devido respeito, não se afigura correcto assim qualificar a situação. É que, dizendo as contas respeito à actividade comercial da Ré é manifesto que esta tem todo o interesse em inteirar-se das mesmas em qualquer altura e garantir que nenhum engano nas contas tenha ocorrido. Por força desse interesse, não se afigura proibida à Ré socorrer-se de qualquer meio ao seu dispor, designadamente consultando ou até revendo as mesmas com auxílio de profissionais qualificados para o efeito independentemente da razão de ser por detrás da decisão.
O que eventualmente pode tornar tal pretensão abusiva nos termos indicados pelo Autor é o verdadeiro motivo da Ré corresponder a um mero capricho seu dirigido contra e em prejuízo de alguém. Porém, não vem indicada na deliberação nem nos factos alegados pelo Autor a razão de ser da deliberação. Com efeito, o que foi deliberado era simplesmente a designação da auditora Fong Meng Fan para proceder à auditoria e reelaboração das contas societárias desde 2008 até à presente data e o Autor apenas alegou que semelhante pretensão tinha sido manifestada numa assembleia geral realizada quase dois meses antes.
Nessas condições, não se pode impedir que a Ré reveja as suas contas e considerar a deliberação tomada viciada.
Bom, o fundamento invocado pelo Autor para impugnar a deliberação em causa é o abuso do direito de voto por parte dos outros dois sócios.
O carácter abusivo da deliberação não se encontra incluído no elenco dos fundamentos da invalidade de deliberação, enunciados nos artºs 228º e 229º do C. Comercial.
Assim, temos de recorrer ao princípio geral consagrado na lei civil.
O artº 326º do CC diz que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O exercício de um direito deve situar-se dentro dos limites das regras de boa fé, dos bons costumes e ser conforme com o fim social ou económico para que a lei conferiu esse direito: sempre que se excedam tais limites, há abuso de direito. A ilegitimidade não resulta da violação formal de qualquer preceito legal concreto, mas da utilização manifestamente anormal, excessiva, do direito – Ana Prata, in Dicionário Jurídico, 2ª, pág. 11.
Há abuso de direito quando, não obstante formalmente não contrário à lei, o exercício do direito pelo seu titular exceda os limites internos desse direito, impostos pela boa fé, bons costumes e pelo fim social a que visa a lei ao estabelecer tal direito.
Como se sabe, a boa fé é um conceito indeterminado, cabe ao julgador ajuizar se, perante as circunstâncias concretas, o exercício do direito pelo seu titular representa uma actuação por parte do seu titular que viola as regras de honestidade e a lealdade, vigentes e dominantes num determinado momento histórico e numa determinada colectividade.
Tal como vimos supra quando apreciámos a impugnação da deliberação sobre o ponto 1.1. da ordem de trabalhos, os bons costumes são conceitos indeterminados ou uma cláusula geral do direito privado. Actos contrários aos bons costumes são actos imorais, ofensivos da moral pública.
Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder. É preciso, como acentuava M. Andrade, que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
Se, para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, a consideração do fim económico ou social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. ……
De qualquer modo, para que haja lugar ao abuso do direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito. – Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, 7ª, pág. 536 e 537.
Munidos desses ensinamentos doutrinários, voltamos ao caso sub judice.
Está em causa o direito de voto, legalmente reconhecido aos sócios de uma sociedade comercial – artº 195º/1-d) e 216º do C. Comercial.
Reza o artº195º/1-d) do C. Comercial que todo o sócio tem direito a participar nas deliberações sociais, nos termos e com as limitações previstas na lei e sem prejuízo de outros direitos especialmente consagrados.
Por sua vez, o artº 216º do C. Comercial diz:
Além das matérias que lhes são especialmente atribuídas por lei, compete aos sócios deliberar sobre as seguintes matérias:
a) Eleição e destituição da administração e do órgão de fiscalização;
b) O balanço, a conta de ganhos e perdas e o relatório da administração referentes ao exercício;
c) O relatório e o parecer do conselho fiscal ou do fiscal único;
d) Aplicação dos resultados do exercício;
e) Alteração dos estatutos;
f) Aumento e redução do capital social;
g) Cisão, fusão e transformação da sociedade;
h) Dissolução da sociedade;
i) As que não estejam, por disposição legal ou estatutária, compreendidas na competência de outros órgãos da sociedade.
Quanto ao fim social e económico do direito de voto na assembleia geral de uma sociedade comercial, podemos dizer que o direito de voto representa uma forma de participação na vida da sociedade, para a realização do interesse da sociedade e do interesse comum dos sócios.
A deliberação em causa designa um auditor para examinar e reformular as contas da sociedade desde 2008.
Não é questionável a competência da assembleia geral que tem sempre o poder de designar, através da sua deliberação, um auditor para reexaminar e reformular as contas dos exercícios anteriores.
Tal como disse e bem na sentença recorrida, ……dizendo as contas respeito à actividade comercial da Ré é manifesto que esta tem todo o interesse em inteirar-se das mesmas em qualquer altura e garantir que nenhum engano nas contas tenha ocorrido. Por força desse interesse, não se afigura proibida à Ré revendo as mesmas com auxílio de profissionais qualificados para o efeito independentemente da razão de ser por detrás da decisão.
Pois, não se vê em que termos a deliberação ou o exercício por parte dos restantes sócios do seu direito de voto são susceptíveis de exceder os limites da boa fé, dos bons costumes e prosseguir interesses contrários ao fim social e económico a que visa a criação do direito de voto.
No que diz respeito ao abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, não cremos que foi o que sucedeu com a deliberação, uma vez que designar um profissional para reexaminar e reformular as contas tem por objecto repor as eventuais irregularidades ou ilegalidades das contas dos exercícios anteriores, entretanto detectadas ao longo de reexame, o que, na falta do suporte fáctico demonstrativo do alegado intuito de prejudicar o Autor e favorecer à Ré ou aos restantes dois sócios, não pode ser interpretado como o exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta anteriormente assumida (vide o Acórdão do STJ, no processo 97A928 de 07JUL1998, aqui citado a título de jurisprudência no direito comparado), e o reexame e a reformulação das contas dos exercícios anteriores não têm a virtualidade de consubstanciar a frustração da confiança ou expectativas, por parte do Autor enquanto sócio, na regularidade ou na legalidade das contas anteriores, mesmo já aprovadas e submetidas aos serviços competentes para efeitos fiscais.
Não há portanto, com a tomada da deliberação em causa, abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium.
Ademais, para reforçar a sua conclusão pela inverificação do abuso de direito, o Tribunal a quo, abordou a questão da caducidade do direito de exigir a prestação das contas, concluindo e decidindo nestes termos:
É que, as contas já foram prestadas e o que está agora em causa é a revisão e reelaboração das mesmas. Assim, é destituído de fundamento fazer referência a prazos para exigir a apresentação de contas. É que, tais prazos referem-se aos casos em que nunca antes as mesmas tinham sido apresentadas, não sendo manifestamente o caso dos autos.
Além disso, o prazo de prescrição destina-se a impedir que terceiros interessados, designadamente sócios da Ré, exijam a sua prestação depois de caducado o prazo. Novamente não é o caso dos autos em que a Ré, na gestão dos próprios interesses, decide autonomamente na reelaboração das contas.
Ora, não obstante para reforçar a sua conclusão pela inverificação do abuso de direito, o Tribunal a quo está, no fundo, a conhecer ex oficio desta questão.
Tal como sucede com a impugnação da sentença recorrida, no que respeito à deliberação sobre o ponto 1.1 da ordem de trabalhos, a decisão sobre a questão da caducidade do prazo para exigir a prestação das contas esta parte da sentença recorrida não pode deixar de ser inócua, uma vez que, não sendo de conhecimento oficioso, nunca foi suscitada na petição inicial com a devida observância do disposto no pelo artº 389º/1-b) do CPC, que impende sobre o autor ónus de alegar.
Tendo sido suscitada, para nós “ex novo”, só agora em sede do presente recurso, a questão de caducidade do prazo para exigir a prestação de contas não pode constituir objecto do presente recurso.
4. Do ponto 3 da ordem de trabalhos
O assunto agendado na convocatória é o seguinte:
“討論及議決計算股東損害公司利益價值及適議解決方案”
Após a discussão, foi aprovada por maioria de votos a esta deliberação:
“就委託行政管理機關成員F及I製作報告書,並根據是否有證據下證明有否股東損害公司利益”
O Autor impugnou, com vários fundamentos, a deliberação sobre o ponto 3 da ordem de trabalhos.
Na primeira instância, todos os fundamentos foram julgados improcedentes.
Apenas inconformado com a decisão recorrida na parte que não acolheu as teses da existência de conflito de interesses, e do abuso da posição de sócio dominante, o Autor veio recorrer para esta segunda instância.
Comecemos pela alegada existência de conflitos de interesses.
Tal como sucedeu com a impugnação das deliberações sobre os pontos 1.1, 1.2 e 3, o recorrente começou por atacar a matéria de facto tendo dito que nela deveria ter sido incluída a restante matéria, alegada na petição inicial da acção, não contestada pela Ré, por efeito de revelia operante.
Todavia, para nós, conforme se verá infra, esta matéria não se mostra necessária à apreciação das questões que se colocaram.
Para construir a tese da alegada existência de conflitos de interesses, o Autor tentou convencer o Tribunal de que, ao votarem a favor da deliberação em causa, que nomeou a si próprios para elaborar o relatório com vista a ficcionar e imputar ao Autor todos os prejuízos da Ré e conseguir para si uma vantagem especial na partilha dos bens sociais em prejuízo do Autor, os dois restantes sócios, vencedores na votação, estiveram a violar o disposto no artº 219º do C. Comercial por ter agido em manifesto conflito de interesses
Para o Autor, esse fim e essa intenção subjacentes à deliberação, foram revelados à saciedade pelas circunstâncias alegadas na petição inicial, nomeadamente na matéria que não foi tidas por assente na primeira instância.
Diz o artº 219º do C. Comercial que o sócio não pode votar, nem pessoalmente nem por meio de representante, nem representar outro sócio numa votação, sempre que, em relação à matéria objecto da deliberação, se encontre em conflito de interesses com a sociedade.
A lei fala de “em conflito de interesses com a sociedade”.
Portanto, é pela sua posição perante a sociedade que o sócio não tem legitimidade de votar.
Ora, o bem jurídico, que a lei visa tutelar através a restrição do direito de voto, inerente à qualidade do sócio enquanto tal, é a protecção dos interesses da sociedade em caso de conflito de interesses entre o sócio e a sociedade, ou seja, nas palavras de Pinto Furtado, não permitir o sócio, através do seu voto, aproveitar-se da sociedade, numa relação em que surge como extrassocialmente interessado, para alcançar ou influir na obtenção do consentimento societário (in Deliberações de Sociedades Comerciais, pág. 77).
In casu, mesmo tidas em conta as circunstâncias factuais (a intenção por parte dos restantes dois sócios de prejudicar o Autor) que o Autor pretende ver incluídas na matéria de facto assente, os restantes dois sócios, não se encontravam em conflito de interesses com a sociedade, uma vez que, pelo seu conteúdo, a deliberação em causa tem por objectivo fixar o método a fim de apurar se houve condutas por parte de sócios que causaram danos à Ré ao longo dos anos e portanto não pode deixar de ser considerada a formação de uma vontade colectiva de defender os interesses da Ré.
Assim sendo, ao votarem a favor de uma deliberação que visa defender os interesses da sociedade, os sócios não podem, por natureza, estar em conflito de interesses com a sociedade.
Improcede a tese de conflito de interesse, apoiada no artº 219º do C. Comercial.
Então passemos a apreciar a tese de abuso de maioria, alegadamente fundada nos artºs 475º e 212º do C. Comercial.
Para o Autor, a deliberação contém em si uma violação do princípio da igualdade de tratamento dos sócios, consubstancia uma discriminação injusta do Autor e abuso de poder, sancionado nos termos dos artºs 212º e 475º do CCom, que configura também um abuso do direito e uma violação dos bons costumes cuja consequência é a respectiva nulidade nos termos das alíneas c) do nº 1 do artº 228º do CCom, ou se assim não se entender, por anulabilidade, nos termos previstos pela alínea a) do nº 1 do artigo 229º do mesmo diploma legal – vide artºs 114º e 115º da petição inicial.
Reza o artº 475º do C. Comercial que:
1. O sócio dominante que, por si só ou por intermédio de outras sociedades de que seja também sócio dominante ou com outros sócios a quem esteja ligado por acordos parassociais, use o poder de domínio de maneira a prejudicar a sociedade ou os outros sócios nos termos do n.º 3 do artigo 212.º, é punido com pena de multa até 120 dias.
2. Com a mesma pena é punido o administrador, secretário, membro do conselho fiscal ou fiscal único de sociedade que pratique ou celebre ou não impeça, podendo fazê-lo, a prática ou celebração de qualquer acto ou contrato previsto nas alíneas b), c) e d) do n.º 3 do artigo 212.º
3. São ainda punidos com a mesma pena os sócios que concorram com os seus votos para a aprovação da deliberação prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo 212.º, assim como os administradores que a ela dêem execução.
Por sua vez, o artº 212º, para o qual remete o artº 475º/1 diz que
1. Sócio dominante é a pessoa singular ou colectiva que, por si só ou conjuntamente com outras sociedades de que seja também sócio dominante ou com outros sócios a quem esteja ligado por acordos parassociais, detém uma participação maioritária no capital social, dispõe de mais de metade dos votos ou do poder de fazer eleger a maioria dos membros da administração.
2. O sócio dominante que, por si só ou por intermédio das pessoas mencionadas no número anterior, use o poder de domínio de maneira a prejudicar a sociedade ou os outros sócios, responde pelos danos causados àquela ou a estes.
3. Constituem, nomeadamente, fundamento do dever de indemnizar:
a) Fazer eleger administrador ou membro do conselho fiscal ou fiscal único que sabe ser inapto, moral ou tecnicamente;
b) Induzir administrador, gerente, procurador, membro do conselho fiscal ou fiscal único ou secretário da sociedade a praticar acto ilícito;
c) Celebrar, directamente ou por interposta pessoa, contrato com a sociedade de que seja sócio dominante, em condições discriminatórias e de favor, em seu benefício ou de terceiro;
d) Induzir a administração da sociedade ou qualquer gerente ou procurador desta a celebrar com terceiro contrato em condições discriminatórias e de favor, em seu benefício ou de terceiro;
e) Fazer aprovar deliberações com o consciente propósito de obter, para si ou para terceiro, vantagem indevida em prejuízo da sociedade, de outros sócios ou de credores daquela.
4. O administrador, gerente, procurador, membro do conselho fiscal ou fiscal único ou secretário da sociedade que pratique ou celebre ou não impeça, podendo fazê-lo, a prática ou celebração de qualquer acto ou contrato previsto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, responde solidariamente com o sócio dominante pelos danos causados à sociedade ou directamente aos outros sócios.
5. Os sócios que dolosamente concorram com os seus votos para a aprovação da deliberação prevista na alínea e) do n.º 3, assim como os administradores que a ela dolosamente dêem execução, respondem solidariamente com o sócio dominante pelos prejuízos causados.
6. Se, em consequência da prática, celebração ou execução de qualquer acto ou contrato ou tomada de deliberação previstos nas alíneas b), c), d) ou e) do n.º 3, o património social se tornar insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos, pode qualquer credor exercer o direito à indemnização de que a sociedade seja titular.
Antes de mais, é de realçar que, para além de admitir a existência do chamado sócio dominante, a nossa lei, hoje em dia, não proíbe convenções entre sócios sobre o exercício do direito de voto.
Bastaria atentar no próprio reconhecimento das holdings, nas legislações dos diversos país, para logo por aí se ter de aceitar a legitimidade dos contratos parassociais – Pinto Furtado, op. cit. pág. 112.
Não obstante a sua admissão, a lei estabelece certas limitações aos sócios dominantes e acordos parassociais, por forma a proteger os interesses da sociedade e dos chamados sócios minoritários.
Em primeiro lugar, no âmbito do acordo parassocial, a lei não reconhece como válidas as estipulações pelas quais um sócio se obrigue a votar: a) seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos; b) aprovando sempre as propostas feitas por estes; ou c) exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de vantagens especiais – artº 185º/3 do C. Comercial.
Além disso, como cláusula geral, proíbe o uso do poder de domínio de votar, quer pelo sócio dominante quer pela pluralidade de sócios ligados por acordos parassociais, com o intuito de prejudicar a sociedade ou outros sócios, mediante recurso às sanções civis e criminais – artºs 212º e 475º do C. Comercial.
In casu, o Autor qualifica os votos dos dois restantes sócios para a aprovação da deliberação em causa como integráveis na situação de concurso dos votos, prevista no artº 475º/3, equiparada às situações do nº 1 do mesmo artigo para o efeito da punição.
Não tem razão o Autor.
O Autor teceu as suas considerações com base na matéria alegada na petição inicial, nomeadamente a alegada pelo Autor na petição inicial, mas não incluída na matéria de facto assente na primeira instância, por mero efeito de revelia operante.
Todavia, mesmo provada esta matéria, a deliberação em causa, pelo seu conteúdo, está longe demais de poder ter a virtualidade para nos levar a aceitar que ao votarem a favor da mesma deliberação, os restantes dois sócios estavam a usar ou abusar o poder de domínio maioritário com o consciente propósito de obter, para si, vantagem indevida em prejuízo do Autor.
Pois a deliberação limita-se designar os dois sócios para levar a cabo um relatório a fim de procurar saber se existem provas para demonstrar condutas por parte do Autor lesivas dos interesses da sociedade.
Qualquer que seja a intenção subjacente à opção de votar por parte dos dois sócios, o certo é que a tal deliberação, pelo seu conteúdo e alcance, ainda não está madurecida para consubstanciar o consciente propósito, por parte dos dois restantes sócios, de obter, para si, vantagem indevida em prejuízo da sociedade ou do Autor.
Na verdade, se vier a apurar comprovadamente a prática, por parte de sócios, de quem quer sejam, das condutas lesivas de interesses da sociedade, o alcance e o sentido da deliberação não é mais do que a tentativa de criar um meio instrumental para encontrar uma solução com vista a defender os interesses da sociedade e repor a justiça posta em crise por estas condutas lesivas dos interesses da sociedade.
Sendo meramente hipotéticos, senão demasiado prematuros, os fundamentos ora invocados pelo Autor, não têm a virtualidade de inquinar a deliberação das invalidades que a imputou o Autor.
Finalmente, quanto ao abuso de direito, é de repetir aquilo que já dissemos supra em relação à deliberação sobre o ponto 1.1 da ordem de trabalhos, ao votarem como votaram, os restantes dois sócios não estavam a actuar excedendo intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou em manifesta contrariedade ao fim social e económico a que visa o direito de votar.
5. Do ponto 6 da ordem de trabalhos
Foi agendado no ponto 6 da ordem de trabalhos que 委任行政管理機關成員具體執行股東決議及行使以經理身份管理公司的權力 .
Após a discussão, a assembleia geral aprovou a deliberação no sentido de que 授權行政管理機關成員處理關於公司的訴訟及澳門銀行更新資料、簽名樣式及印章 .
Foi com fundamento na desconformidade entre a ordem de trabalhos e a deliberação aprovada, e na violação do disposto no artº 219º do C. Comercial, o Autor impugnou a deliberação na acção.
Ambos os fundamentos foram julgados improcedentes na primeira instância.
Inconformado apenas com a decisão que não acolheu o fundamento na invocada violação do disposto no artº 219º do C. Comercial, veio o Autor recorrer para este TSI.
Além disso, suscitou a questão de que, na sequência da declaração da invalidade da deliberação sobre o ponto 4 na sentença recorrida, a deliberação sobre o ponto 6 deveria ter sido declarada inválida, uma vez que aquela deliberação se encontra na dependência lógica daquela outra sobre o ponto 4.
Na verdade, na sentença recorrida, foi anulada a deliberação sobre ponto 4, que aprovou a exoneração do Autor do cargo de administrador/gerente da Ré, com fundamento na violação do disposto no artº 222º/1-d) do C. Comercial, à luz do qual o aviso convocatório deve, no mínimo, conter a ordem de trabalhos da reunião, com menção especificada dos assuntos a submeter a deliberação dos sócios.
E ao que parece, foi na sequência da destituição do Autor da gerência da Ré que surgiu o assunto agendado no ponto 6 para a manter a funcionalidade da gerência.
Não obstante impugnada pela Ré, no âmbito do recurso por ela interposto para este TSI, foi mantida a decisão da primeira instância que decidiu anular a deliberação sobre o ponto 4 da ordem de trabalhos.
Não tendo sido destituído o Autor por ter sido entretanto anulada a deliberação que o exonerou, a gerência da Ré permanece inalterada, o que retira logo qualquer utilidade à deliberação sobre o ponto 6 da ordem de trabalhos, que no fundo decidiu restruturar a composição de toda a gerência e incumbí-la de algumas tarefas.
Todavia, tendo em conta a recorribilidade da tal decisão nossa que manteve a anulação da deliberação sobre ponto 4 da ordem de trabalhos e prevenindo a eventual revogação da anulação em sede de eventual recurso para o Venerando TUI, devemos conhecer a questão suscitada pelo Autor em sede do presente recurso sobre o ponto 6 da ordem de trabalhos.
Em sede do presente recurso, continua o Autor a entender que a deliberação ficou inquinada com o conflito de interesses, nos termos do disposto no artº 219º do C. Comercial.
Ora, tal como dissemos supra na parte referente à impugnação da deliberação sobre o ponto 3, a lei fala de “em conflito de interesses com a sociedade”.
Portanto, é pela sua posição perante a sociedade que o sócio não tem legitimidade de votar.
Tendo em conta que o bem jurídico, que a lei visa tutelar através a restrição do direito de voto, inerente à qualidade do sócio enquanto tal, é a protecção dos interesses da sociedade em caso de conflito de interesses entre o sócio e a sociedade, ao votarem a favor da nomeação da nova gerência e da confiança a ela de algumas tarefas integráveis na competência de um órgão social, não vimos em que termos os restantes dois sócios poderiam estar a, através do seu voto, aproveitar-se da sociedade, numa relação em que surge como extrassocialmente interessado, para alcançar ou influir na obtenção do consentimento societário.
Assim sendo, ao votarem a favor de uma deliberação que visa manter a funcionalidade de gerência através da nomeação dos seus membros, os sócios não se encontram em conflito de interesses com a sociedade.
Improcede a tese de conflito de interesse, apoiada no artº 219º do C. Comercial.
Concluindo:
1. O artº 222º/1-d) do Código Comercial exige que do convocatório conste a menção especificada dos assuntos a submeter a deliberação dos sócios. Em face do disposto nessa norma, a expressão “a exoneração do cargo de um administrado, na qualidade de gerente” não pode deixar de ser considerada insuficientemente clara para satisfazer a exigência legal da “menção especificada”, dado que, a tal expressão, nos termos em que foi redigida, é tão abstracta e escassa que não habilita os sócios a conhecer a quem visa a proposta exoneração e por causa de que justifica a proposta exoneração de um membro do órgão social.
2. Em face do disposto no artº 198º/1 do Código Comercial, à luz do qual salvo disposição legal que o permita, não podem ser distribuídos aos sócios quaisquer bens da sociedade senão a título de lucro, a Ré não pode distribuir, mediante a deliberação da assembleia, os bens insusceptíveis de ser qualificados como lucro da sociedade, isto é, resultado produtivo da actividade societária num determinado exercício, líquido, isto é, após o abatimento do passivo, e excedente do capital e das reservas – o artº 198º/2 do Código Comercial.
3. Confrontada com a omissão de decisão sobre o seu pedido, o meio de reacção idóneo ao dispor da parte que o formulou deve ser a arguição da nulidade por omissão de pronúncia e não a mera repetição do mesmo em sede de recurso.
4. Todas as nulidades processuais compartilham uma característica comum que é a circunstância de o Juiz que a cometeu não ter chegado formular qualquer juízo de valor sobre a legalidade do seu acto, comissivo e omissivo, limitando-se a praticar um acto ou omitir um acto sem que se tenha pronunciar sobre a conformidade ou não do seu acto com a lei.
5. Face ao disposto no artº 231º/6 do Código Comercial, o tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para substituir a deliberação por outra, em assembleia geral convocada para o efeito.
6. Esta norma permite que a sociedade, ré de uma acção de impugnação de deliberações tomadas pela assembleia geral, requeira ao tribunal um prazo para, em substituição da deliberação impugnada, tomar uma nova deliberação sem o vício que invalida a anterior deliberação nessa acção impugnada.
7. Não obstante o silêncio da lei quanto ao terminus ad quem para o exercício da faculdade de requerer o prazo para renovar deliberação impugnada, é razoável afirmar ser extemporâneo um tal requerimento apenas formulado em sede de alegações de direito, ou seja, num momento em que se encontram findas as fases de articulados, de saneamento e preparação do processo e de instrução do processo, e fixada a matéria de facto.
8. Há abuso de direito quando, não obstante formalmente não contrário à lei, o exercício do direito pelo seu titular exceda os limites internos desse direito, impostos pela boa fé, bons costumes e pelo fim social a que visa a lei ao estabelecer tal direito. Fala-se de abuso de direito, é preciso que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
9. Actos contrários aos bons costumes são actos imorais, ofensivos da moral pública. Os bons costumes são noção variável, com os tempos e os lugares, abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento. O aplicador do direito deve apreciar caso a caso, tendo em conta os factos e as circunstâncias concretas, se um determinado negócio é ofensivo dos bons costumes.
10. Para além de admitir a existência do chamado sócio dominante, a nossa lei, hoje em dia, não proíbe convenções entre sócios sobre o exercício do direito de voto. Não obstante a sua admissão, a lei estabelece certas limitações aos sócios dominantes e acordos parassociais, por forma a proteger os interesses da sociedade e dos chamados sócios minoritários. Em primeiro lugar, no âmbito do acordo parassocial, a lei não reconhece como válidas as estipulações pelas quais um sócio se obrigue a votar: a) seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos; b) aprovando sempre as propostas feitas por estes; ou c) exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de vantagens especiais – artº 185º/3 do C. Comercial. Além disso, como cláusula geral, proíbe o uso do poder de domínio de votar, quer pelo sócio dominante quer pela pluralidade de sócios ligados por acordos parassociais, com o intuito de prejudicar a sociedade ou outros sócios, mediante recurso às sanções civis e criminais – artºs 212º e 475º do C. Comercial.
11. Tendo em conta que o bem jurídico, que o artº 219º do Código Comercial visa tutelar através a restrição do direito de voto, inerente à qualidade do sócio enquanto tal, é a protecção dos interesses da sociedade em caso de conflito de interesses entre o sócio e a sociedade, ao votarem a favor da designação a si próprios para levar uma investigação com vista a apurar se há provas demonstrativas das condutas lesivas dos interesses da sociedade por parte de um outro sócio e a favor da nomeação a si próprios para membros da nova gerência e da confiança a ela de algumas tarefas integráveis na competência de um órgão social, não se vê em que termos os sócios votantes poderiam estar a, através do seu voto, aproveitar-se da sociedade, numa relação em que surge como extrassocialmente interessado, para alcançar ou influir na obtenção do consentimento societário, e portanto, em conflito de interesses a que se refere o citado artº 219º.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
* Não conhecer o pedido da substituição da deliberação nos termos prescritos no artº 231º/6 do Código Comercial, formulado pela Ré em sede de recurso;
* Julgar improcedente o recurso interposto pela Ré B, Lda.;
* Julgar improcedente uma parte da impugnação da matéria de facto suscitada pelo Autor e não tomar conhecimento da restante parte da impugnação, nos termos acima consignados na fundamentação; e
* Julgar deserta uma parte do recurso interposto pelo Autor e improcedente a restante parte do recurso interposto pelo Autor, nos termos acima consignados na fundamentação.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
RAEM, 27FEV2020
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 E não pelo sócio F e pelo não sócioD, pessoa da sua confiança como vem alegado visto que, segundo a cópia da certidão do registo comercial junta a fls 26 a 29, o sócio Lin deixou de exercer as funções de gerente do grupo A, em 5 de Março de 2009.
2 O primeiro fundamento invocado pelo Autor para ver a deliberação invalidada diz respeito à distribuição dos bens sociais antes da dissolução e liquidação não tendo a liquidação sido aprovada por votos suficientes para o efeito.
Nas alegações de direito, a Ré insiste que a deliberação estava apenas a proceder à distribuição de lucros, permitida nos termos do artigo 198º, nº 1, do Código Comercial.
Segundo essa norma “Salvo disposição legal que o permita, não podem ser distribuídos aos sócios quaisquer bens da sociedade senão a título de lucro.”
Nada de mais errado visto que a redacção da deliberação não permite qualquer engano quanto à natureza do acto, qual seja, a distribuição dos bens sociais e não de lucros.
Portanto, urge aquilatar se a Ré estava dissolvida e o seu património liquidado e, no caso negativo, a Ré podia distribuir os seus bens antes da dissolução e liquidação do seu património.
*
Elenca o artigo 315º do Código Comercial as diferentes formas por que uma sociedade se dissolve, designadamente por meio de deliberação dos sócios.
Está provado que, antes da realização da assembleia geral de 20 de Janeiro de 2017, os sócios da Ré acordaram por unanimidade que, em virtude de divergências insanáveis entre os mesmos, a mesma deveria ser dissolvida sendo os bens da mesma distribuídos depois de satisfeitos os eventuais credores sociais.
Apesar do acordo dos sócios, nada demonstra que o mesmo veio a ser vertido numa deliberação social. Também não consta dos autos indicação de que a Ré se encontrava dissolvida pelas restantes formas de dissolução previstas no artigo 315º do Código Comercial.
Assim, nunca pode ocorrer a liquidação do património social da Ré. Pois, conforme o artigo 316º, nº 1, do Código Comercial, “A dissolução tem como efeito a entrada da sociedade em liquidação.”
Segundo o artigo 323º do Código Comercial, a partilha do activo da sociedade só se faz depois de liquidados os encargos e as dívidas e de aprovadas as contas finais e, apenas, nos termos previstos nesta norma.
Nessa base, é manifesto que a primeira parte da deliberação violou todas as normas acima elencadas sendo anulável nos termos do artigo 229º, nº 1, a).
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Ac. 854/2018-128