Proc. nº 1037/2019
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 5 de Março de 2020
Descritores:
- Patente de Invenção
- Pedido de Extensão da Patente à RAEM
- Instrução do pedido
- Irregularidade na apresentação do pedido
SUMÁRIO:
I – Nos termos do nº 2 do artigo 131º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial da RAEM, o titular da patente concedida na República Popular da China, pretendendo estendê-la à RAEM, deve fazer a entrega do seu pedido no prazo de 3 meses após a publicação do aviso de concessão da patente no Boletim do Departamento Nacional de Propriedade Industrial.
II – A irregularidade da apresentação de algum documento necessário à instrução do pedido, se não for feita através do respectivo original, mas por simples fotocópia, deve ser suprida pela concessão da entidade competente de um prazo suplementar ao requerente, sob pena de serem violados os princípios da colaboração entre a Administração e os particulares” e da “eficiência e da desburocratização”, inscritos nos arts. 9º, nº2 e 12º do CPA, respectivamente.
Proc. nº 1037/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A e B com domicílio em XXX,---
Recorreram judicialmente para o TJB (Proc. nº CV2-19-0023-CRJ) ---
Do despacho de 14 de Março passado, da Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, ---
Que recusou o pedido de registo da extensão de patente de invenção J/3513.
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Por sentença de 25/06/2019 foi o recurso julgado procedente.
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É contra essa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações a entidade administrativa formulou as seguintes conclusões:
“A. Das disposições conjugadas dos artigos 135º, 131º, n.º 2 do R.J.P.I., do artigo 4 do Aviso do Chefe do Executivo n.º 7/2004 e do ponto n.º 1 do despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2004, resulta que, depois de concedido um direito de patente pela Direcção Nacional da Propriedade Intelectual da RPC, o respectivo Titular para obter na RAEM, a protecção decorrente de tal concessão, terá de preencher o formulário do pedido de extensão e provar através d documentos o direito que invoca.
B. As patentes cuja protecção são solicitadas na (CNIPA), já se encontram redigidas em chinês ni sendo preciso a tradução dos documentos, logo o prazo concedido de 3 meses (artigo 131/2) é suficiente para o interessado obter toda a documentação e pedir a extensão a contar da data publicação do aviso da concessão da patente no Boletim de Patente da (CNIPA), sob pena de declarada nula (artigo 131/5).
C. E como tem sido entendido pela DSE, os prazos da extensão de patente são os determinados no respectivo capítulo (Artigos 129º a 135º). Não cabe nestes processos de registo de extensão, conceder novos prazos, como seja a notificação do artigo 9º, na medida em que os interessados tem a documentação emitida pela respectiva entidade em tempo considerado útil.
D. A não se entender assim, salvo melhor entendimento, ia colidir com os interesses de terceiros que na RAEM comercializassem os produtos abrangidos pela invenção. Com efeito, os direitos conferidos pela patente (artigo 104º), estão sujeitos à regra do esgotamento dos direitos, que opera em relação aos produtos abrangidos pela patente após a sua comercialização. Para evitar essa situação é que a lei determina um prazo fixo de 3 meses para o titular decidir onde quer pedir a extensão da patente.
E. O Requerente (ou o representante legal) tem conhecimento que o pedido não podia ser deferido sem a prova do direito, mas, por razões que a DSE desconhece, realizou os seguintes procedimentos que, salvo o devido respeito, o Mmº Juiz a quo não relevou: (i) Em 2019/01/02, entregou o respectivo impresso, juntou cópia da especificação da patente, emitida pela Administração Nacional de Propriedade Intelectual da China (CNIPA) com o número de publicação CN 10408146 B e pagaram a respectiva taxa; (ii) A patente foi publicada em 2018/10102, então o prazo para pedir a extensão terminara em 2019/01102; (iii) Ciente da obrigação de entregar os documentos oficiais, o I Mandatário, sem qualquer notificação por parte da DSE, entregou-os e juntou ainda a respectiva procuração em 2019/01/10.
F. Pelas razões expostas o argumento utilizado de não serem necessários os documentos oficiais, fica preterido, assim como a necessidade de a Entidade Recorrida notificar os Recorrentes antes de declarar a nulidade.
G. O prazo de 3 meses conta-se nos termos do artigo 272º alínea c) do CCM (neste sentido a Regra 83 do RECCPE), isto quer dizer que o prazo de entrega do pedido de extensão terminou em 2017/09/18.
H. No exame formal, apurou-se que os documentos comprovativos foram entregues intempestivamente.
I. Por despacho da Exma Sra Chefe do DPI, dessa data, foi declarada a nulidade do pedido de extensão, nos termos consignados nos artigos 135º, 85º e 131º, n.os 2 e 5.
J. Por isso, a decisão recorrida erra nos pressupostos de facto, o fundamento de recurso é uma questão inexistente os documentos foram entregues mas fora de prazo, o despacho da DSE que declarou a nulidade do pedido de extensão teve como fundamento a intempestividade da entrega dos documentos, pelo que, salvo melhor entendimento não ocorreu nenhuma irregularidade por parte da DSE.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente, ser revogada a douta sentença proferida pelo Mmº Tribunal a quo, e mantido o despacho que declarou a nulidade da extensão da patente n.º J/3513, publicado no BORAEM n.º 14- II Série, de 2019/04/13, conforme o n.º 2 e 5 artigo 131º do R.J.P.I.”
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Na entidade recorrida não respondeu ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“A) Em 2 de Janeiro de 2019, os Recorrentes apresentaram à DSE o pedido de extensão de patente de invenção na Direcção Nacional da Propriedade Intelectual n.º J/3513. O título/epígrafe da patente da invenção em causa é “Método e combinação destinados à demonstração objectiva de imagens médicas”.
B) Juntamente com o aludido pedido, os Recorrentes apresentaram também uma cópia da Descrição da Patente (N.º de anúncio da concessão CN 104081416B; data de anúncio da concessão 2018.10.02).
C) Em 10 de Janeiro de 2019, face ao pedido mencionado na alínea A), os Recorrentes apresentaram uma procuração à DSE, juntamente com o original da “Descrição da Patente”, a “Folha anexa do Duplicado da Caderneta do Registo da Patente” e o “Duplicado da Caderneta do Registo da Patente” autenticados pela Direcção Nacional da Propriedade Intelectual.
D) Em 14 de Março de 2019, o chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da DSE concordou com o conteúdo da Informação n.º 144/DPI/2019 e proferiu na mesma Informação o despacho que declarou nulo o pedido de extensão de patente de invenção n.º J/3513.
E) O supracitado despacho que declarou nulo o pedido de extensão de patente de invenção n.º J/3513, foi publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. n.º 14, II Série, de 3 de Abril de 2019.
F) Em 30 de Abril de 2019, os Recorrentes interpuseram recurso para este Tribunal.
G) A concessão da patente aos Recorrentes no Interior da China foi anunciada em 2 de Outubro de 2018.”.
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III – O Direito
A sentença recorrida apresenta o seguinte teor:
«Por força do art.º 4º do “Acordo de Cooperação entre a Direcção Nacional da Propriedade Intelectual e a Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau na Área dos Direitos de Propriedade Intelectual”, cuja publicação foi mandada pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 7/2004: “Para efeitos de protecção na R.A.E.M., podem os requerentes que tenham apresentado na DNPI pedido de patente de invenção ou os titulares de patente de invenção concedida pela mesma Direcção requerer a respectiva extensão à R.A.E.M. junto da DSE, nos termos previstos no RJPI da R.A.E.M.”
O art.º 135º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial prevê: “O disposto na subsecção anterior é correspondentemente aplicável aos pedidos de patentes formulados junto das demais entidades designadas a que se refere o artigo 85º, bem como às patentes concedidas pelas mesmas entidades.”
Assim sendo, ao pedido de extensão de patente formulado nos termos do “Acordo de Cooperação entre a Direcção Nacional da Propriedade Intelectual e a Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau na Área dos Direitos de Propriedade Intelectual”, cuja publicação foi mandada pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 7/2004, é aplicável, por forma de remissão, o disposto nos artigos 129º a 134º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Os n.ºs 2 e 5 do art.º 131º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial dispõem:
“(Efeitos da patente europeia)
(...)
2. No prazo de 3 meses após a publicação do aviso da concessão da patente no Boletim Europeu de Patentes, o titular deve fazer a entrega na DSE de uma tradução, para uma das línguas oficiais do Território, do título ou epígrafe que sintetize o objecto da invenção, da descrição do objecto da invenção e das reivindicações e efectuar o pagamento da correspondente taxa de publicação no Boletim Oficial.
(...)
5. O pedido de extensão da patente é declarado nulo se não forem entregues as traduções necessárias ou pagas as taxas devidas no prazo fixado.”
A alínea e) do n.º 1 e o n.º 2 do art.º 9º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial dispõem:
“Artigo 9º
(Fundamentos gerais de recusa)
1. São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial:
(...)
e) A falta de apresentação de documentos exigíveis nos termos do presente diploma ou das respectivas normas regulamentares;
(...)
2. Nos casos das alíneas e) a g) do número anterior, o processo não pode ser submetido a despacho sem prévia notificação ao requerente, por ofício, de um prazo para regularização da situação.”
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De antemão, entende este Tribunal que é indispensável distinguir as duas questões. Primeiro, se é tempestivo o pedido de extensão inteiro formulado pelos Recorrentes?; segundo, mesmo que seja tempestivo o pedido formulado pelos Recorrentes, se esse pedido é apresentado juntamente com os documentos legalmente exigidos? E quais são as consequências da falta de apresentação dos referidos documentos?
Nos termos art.º 40 do “Acordo de Cooperação entre a Direcção Nacional da Propriedade Intelectual e a Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau na Área dos Direitos de Propriedade Intelectual”, cuja publicação foi mandada pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 7/2004, ao abrigo do n.º 2 do art.º 131º e art.º 135º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, em conjugação com a alínea c) do art.º 272º do Código Civil, e tendo-se em conta que a concessão da patente da invenção em causa no Interior da China foi anunciada em 2 de Outubro de 2018, averigua-se que o pedido de extensão formulado, em 2 de Janeiro de 2019, pelos Recorrentes junto da DSE é tempestivo. Afigura-se que a DSE não questionou este ponto.
Portanto, in casu, não é necessário discutir sobre a primeira questão supra mencionada, mas sim a segunda questão, ou seja, se os Recorrentes apresentaram os documentos previstos na lei dentro do prazo?
Salvo o devido respeito e a melhor opinião, este Tribunal crê que, independentemente de ser correcta ou não a interpretação defendida pela DSE, de modo a considerar que os Recorrentes necessitavam de apresentar a “Descrição da Patente” oficial emitida pela Direcção Nacional da Propriedade Intelectual, não devia a DSE declarar imediatamente nulo o pedido de extensão formulado pelos Recorrentes, mas sim, devia, nos termos do n.º 2 do art.º 9º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, conceder aos Recorrentes a oportunidade para a sanação do vício, com vista à implementação do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares e do princípio da desburocratização.
Como mencionado no acórdão proferido, em 6 de Julho de 2017, no processo n.º 245/2017 pelo douto Tribunal de Segunda Instância:
“De facto, o titular da patente concedida na República Popular da China que pretende requerer a extensão da sua patente à R.A.E.M. deve fazer a entrega do seu pedido no prazo de 3 meses após a publicação do aviso de concessão da patente no Boletim do Departamento Nacional de Propriedade Industrial. É o que está previsto no n.º 2 do artigo 131º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial da R.A.E.M., aplicável por força do disposto no artigo 135º do mesmo diploma legal.
Mas isso não significa que, tendo o requerente formulado o pedido de extensão da patente dentro do prazo legal, mas não apresentado todos os documentos necessários para a sua apreciação, a Direcção dos Serviços de Economia pode pura e simplesmente declarar nulo o seu pedido, sem antes ter concedido oportunidade ou prazo para o requerente regularizar o seu pedido.
Em bom rigor, essa actuação por parte dos Serviços de Economia pode ofender o princípio da desburocratização e da eficiência previsto no artigo 12º do Código do Procedimento Administrativo, na medida em que exige que a Administração Pública deve funcionar de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões.
E como corolário deste princípio, temos a disposição geral prevista no n.º 2 do artigo 9º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, nela se consigna que, entre outros casos, verificando-se a falta de apresentação de documentos exigíveis nos termos daquele diploma legal ou a falta de pagamento das taxas devidas, o processo não pode ser submetido a despacho sem prévia notificação ao requerente de um prazo para regularização da situação.
Pelo que neste aspecto, andou bem o Tribunal recorrido.”
Entende este Tribunal que a tese supracitada é indubitavelmente correcta e merece ser seguida.
De facto, in casu, após a apresentação do pedido de extensão em 2 de Janeiro de 2019, os Recorrentes apresentaram, em 10 de Janeiro de 2019, por iniciativa própria, o original da “Descrição da Patente”, a “Folha anexa do Duplicado da Caderneta do Registo da Patente” e o “Duplicado da Caderneta do Registo da Patente” autenticados pela Direcção Nacional da Propriedade Intelectual. Se a DSE entendesse que os aludidos documentos eram insuficientes, deveria a mesma notificar, nos termos do disposto do disposto no n.º 2 do art.º 9º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, os Recorrentes para entregarem os documentos em falta que sejam necessários no entendimento da DSE, e não deveria rejeitar imediatamente o pedido formulado pelos Recorrentes.
Pelas razões acima expostas, entende este Tribunal que deve anular a decisão recorrida.
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5) Decisão:
Nos termos expostos, este Tribunal concede provimento ao presente recurso judicial e decide revogar a decisão recorrida. A DSE deve, conforme a situação actual do Processo Administrativo, proceder à apreciação formal do pedido formulado pelos Recorrentes e providenciar a realização dos ulteriores procedimentos quando não se verificarem as demais razões impedientes. A par disso, a DSE deve dar tempo extra aos Recorrentes para a apresentação dos documentos em falta, se esta entender que ainda existem documentos necessários em falta».
A sentença acabada de transcrever está correcta e merece a nossa concordância, pelo que a confirmamos inteiramente, nos termos do art. 631º, nº5, do CPC, quer na fundamentação, quer na decisão propriamente dita, pelo que nos dispensamos de quaisquer outros considerandos.
Acrescente-se somente que, se para a Administração o prazo terminava em 2/01/2019, face ao art. 131º, nº2, do RJPI, foi precisamente nessa data que os requerentes apresentaram o pedido de extensão da patente de invenção na DSE (facto A). Juntaram nessa data cópia da descrição da patente, é certo (facto B). Mas em 10/01/2019 juntaram o original da Descrição da Patente, a Folha Anexa do duplicado da Caderneta do Registo da Patente autenticados pela Direcção nacional da Propriedade Intelectual.
Como se sabe, aqueles elementos são claramente instrutórios de um pedido, que tem que ser apresentado no prazo referido no nº 2, do art. 131º do RJPI. Mas os elementos instrutórios, se devem ser apresentados simultaneamente, por regra ou por princípio, a verdade é que a falta de algum não pode ser motivo para a declaração de nulidade do pedido de extensão, pois o art. 9º, nº2 do RJPI estabelece uma regra geral, segundo a qual “o processo não deve ser submetido a despacho sem prévia notificação ao requerente, por ofício, de um prazo para regularização da situação”.
E entre as situações a “regularizar” está precisamente a de haver falta de apresentação dos documentos exigíveis nos termos desse diploma (alínea e), do nº1, do art. 9º cit.).
Esta oportunidade, que deve ser dada aos interessados requerentes, está, de resto, em linha com os princípios gerais de direito administrativo que sempre devem estar presentes no exercício da actividade administrativa, como é o caso do da “colaboração entre a Administração e os particulares” (art. 9º, do CPA) e da “desburocratização e da eficiência” (art. 12º), do CPA), tal como este tribunal teve oportunidade de afirmar uma vez, pelo menos (Ac. do TSI, de 6/07/2017, Proc. nº 245/2017).
Ora, no caso, os interessados/recorridos entregaram em tempo tudo o que havia a entregar e, nessa medida, cumpriram o disposto no art. 131º, nº2, do RJPI. Se algum documento estivesse fotocopiado, como estava, efectivamente, tal não deveria ser motivo para rejeitar a pretensão ou declarar nulo o pedido de extensão da patente, mas sim para a Administração cumprir aqueles princípios e o artigo 9º, nº2, do RJPI, concedendo prazo suplementar para a regularização da situação, que no caso era apenas de forma e não de substância. Regularização, no entanto, que logo deixou de poder ser determinada pela Administração face à apresentação voluntária dos originais em 10/01/2019 por iniciativa dos interessados.
Improcede, pois, o recurso.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, conformando a sentença impugnada.
Sem custas.
T.S.I., 5 de Março de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Proc. nº 1037/2019 12