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Processo nº 820/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Janeiro de 2020

ASSUNTO:
- Impugnação da decisão da matéria de facto
- Facto complementar/instrumental
- Responsabilidade solidária das concessionárias de jogo

SUMÁRIO :
- Segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
- Assim, a reapreciação da matéria de facto por parte deste TSI tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
- Pois, não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.
- O facto de que o depósito na Sala de VIP visa permitir a Autora exercer a actividade de bate-fichas, caso for provado, constitui um novo facto essencial, e não meramente instrumental ou complementar se a Autora, na petição inicial, alegou que o depósito destina-se para “為了避免在賭博時因轉移資金或幸運博彩籌碼所產生的滅失風險”.
- Não tendo provado que o depósito tem conexão com a actividade da exploração de jogo de fortuna e azar, não é exigível a concessionária de jogo responder solidariamente nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
O Relator,

Ho Wai Neng












Processo nº 820/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Janeiro de 2020
Recorrentes: A (Autora)
XX Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada (1ª Ré)
Recorridas: As Mesmas
YY Resorts (Macau) S.A. (2ª Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 20/03/2019, julgou-se parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu-se:
- condenar a 1ª Ré XX Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada a devolver à Autora A uma quantia de HKD$3,094,500.00, acrescido dos juros de mora, a taxa legal, contados a partir do 10/07/2017, até ao integral e efectivo pagamento.
- absolver a 2ª Ré YY Resorts (Macau) S.A. dos pedidos formulados pela Autora.
Dessa decisão vêm recorrer a Autora e a 1ª Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
Da Autora:
1. 上訴人根據第6/2002號行政法規第29條之規定針對第一被告XX娛樂一人有限公司及第二被告YY渡假村(澳門)股份有限公司提出要求他們需以連帶方式向上訴人支付澳門幣叄佰零玖萬肆仟伍佰圓正(MOP3,094,500.00)及自傳喚起計之遲延利息的請求。
2. 原審法院認為不存在任何已證事實證明涉案的存款是與推廣博彩有任何關聯,因此駁回上訴人針對YY需與XX以連帶責任方式向上訴人作出賠償此一部分的請求。
3. 除應有的尊重外,上訴人不能認同原審法院的見解,上訴人認為原審法院存在著錯誤解釋法律的瑕疵。
4. 根據第6/2002號行政法規第29條規定,“承批公司與博彩中介人就博彩中介人、其董事、合作人及在娛樂場任職的僱員在娛樂場進行的活動負連帶責任,並就彼等對適用的法律及法規的遵守情況負連帶責任”。
5. 根據上述行政法規第2條規定“為適用本行政法規及其他補足性法規的規定,娛樂場幸運博彩中介業務(以下簡稱“博彩中介業務”)是指向博彩者提供包括交通、住宿、餐飲、消遣等各種便利而收取由一承批公司支付的佣金或其他報酬作為回報,以推介娛樂場幸運博彩或其他方式的博彩的業務”。
6. 博彩中介人凡是向賭博者提供各種可產生推介娛樂場作用的便利時,就應視為博彩中介活動。
7. 博彩中介人接受賭博者存放現金、現金籌碼及幸運博彩籌碼在其貴賓廳內確是為賭博者帶來一種便利或方便,因為至少賭博者無需每次賭博後均需將剩餘的現金、現金籌碼或幸運博彩籌碼帶出賭場,之後在下次賭博時,再將賭資再次運入賭場內。
8. 毫無疑問,博彩中介人提供現金、現金籌碼及幸運博彩籌碼之寄存服務確令賭博者降低了滅失有關財產的風險。
9. 因此,博彩中介人提供現金、現金籌碼及幸運博彩籌碼之寄存服務是其中一種其向賭博者所提拱的一種便利。
10. 要知道,在澳門現行法制中,博彩承批人及博彩中介人均不賦予從事銀行業務,所以它們向賭客提供博彩信貸或接受存款均應該是以幸運博彩籌碼作出。
11. 按照一般經驗法則而言,使用幸運博彩籌碼必然是與賭博及推廣博彩有關聯。
12. 眾所週知,由於博彩承批人及博彩中介人均具有向賭客提供將現金或現金籌碼轉換為幸運博彩籌碼(即泥碼)的服務。
13. 因此,實務上,賭客寄存幸運博彩籌碼、現金或現金籌碼到貴賓廳實際上是等同的行為。
14. 因為賭客若果是寄存現金或現金籌碼,其可在賭博前馬上在貴賓廳的帳房將現金及現金籌碼兌換為幸運博彩籌碼以供賭博。
15. 在實務上,賭客的賭資必然是從賭場以外帶入賭場進行賭博的,所以賭客通常均會將現金賭資先存入貴賓廳,之後在賭博時使用該等現金購買幸運博彩籌碼。
16. 所以上訴人將涉案現金存入第一被告的貴賓廳內的行為應視為與博彩推廣有關聯。
17. 另一方面,上訴人認為參考中級法院2018年10月11日所作出的第 475/2018號合議庭裁判,亦可有助我們判斷涉案的存款活動是否與推廣博彩活動有任何關聯。
18. 上指裁判中提及到“Em primeiro lugar, havendo o depósito, significa que o depositante tem de voltar ao seu casino, quer para jogar novamente, quer para leventá-lo.
Verifica-se assim uma possibilidade de manter ligação com o cliente.
Em segundo lugar, a respectiva sala de VIP de jogo pode aproveitar o depósito no próprio funcionamento, uma vez que com o depósito aumentou o seu fluxo de dinheiro ou de fichas, o que também reflecte na actividade de logo explorada pela concessionária”。
19. 既然沒有任何已證事實能證明涉案的款項是用於賭博以外的用途,似乎根據上指合議庭裁決的理解,由於有關款項能有助XX有更充分的資金周轉,間接亦有助YY的賭場業務發展,因此,涉案的存款活動應視為與博彩推廣有關聯的。
20. 更甚者,透過上訴人之證人的證言,上訴人是一名疊碼,而涉案的存款是具有擔保金作用,用以請求XX向其提供信貸許可以供其賭博。
21. 如此,透過此一輔助性事實,足以判斷到涉案的存款明顯是與賭博及推廣博彩有關聯。
22. 根據第6/2002號行政法規第30條第1款第3及5條規定、第16/2001號法律第6項之規定、第2/2006號法律第7條第1款1項、第7/2006號行政法規第3條第1款第2項,以及博彩監察協調局第1/2006號指引第6條之規定,博彩承批人負有監管在其娛樂場內的所有博彩中介人的業務。
23. 由於本案的已證事實中沒有任何事實能證明YY已履行其監管義務;反之,透過本案的所有已證事實可見,XX收取上訴人的存款後,需被多次要求還款,但至今仍未向上訴人退還任何的款項,此等事實足以反映YY根本沒有盡力履行監察博彩中介人業務的義務。
24. 根據上指中級法院合議庭所言,“o espírito normativo é no sentido de atribuir maior responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, pois sendo beneficiárias das actividades dos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, é razoável e lógica exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com os promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, as responsabilidades decorrentes das mesmas.
Se a concessionária não cumprir o seu dever de fiscalização, permitindo ou tolerando o promotor de jogo desenvolver este tipo actividade no seu casino, não deixará de ser considerada como responsável solidária pelos prejuízo decorrentes daquela actividade, nos termos do artº 29º do citado Regulamento Administrativo.”。
25. 因此,根據第6/2002號法律第29條之規定,YY須與XX一同以連帶責任的方式向上訴人履行還款責任。
26. 綜上所述,本上訴應裁定為成立,並根據第6/2002號法律第29條及第 30條第5款之規定,判處YY須與XX以連帶責任方式向上訴人履行支付澳門幣叄佰萬零玖圓肆仟伍佰圓正(MOP3,094,500.00)及自傳喚起計之遲延利息的責任。
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A 2ª Ré YY Resorts (Macau) S.A. respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 376 a 394 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Da 1ª Ré:
1) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 9.º, 15.º e 19.º da base instrutória e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pela Autora contra a 1.ª Ré, ao pagamento do montante de HKD$3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong), acrescida de juros de mora.
2) A acção que deu origem ao presente recurso, fundou-se em depósitos realizados a 11 de Outubro de 2013, 19 de Novembro de 2013, 18 de Setembro de 2014 e 14 de Abril de 2015, perfazendo um total de HKD$3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong).
3) De forma a provar que os quesitos 9.º e 15.º da base instrutória deveriam ter sido dado como não provados, e o quesito 19.º da base instrutória dado como não provado ou provado “antes que” a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., prova documental, mormente, a certidão extraída do processo de inquérito com o n.º 10653/2015, a fls. 200 e 202 dos presentes autos, e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, pela testemunhas Lok Wai Leng, testemunha da Ré, ora Recorrente.
4) Os quesitos 9.º e 15.º foram quesitados da seguinte maneira: 9. Após o depósito, a 1.ª Ré emitiu o original do “Recibo de Depósito de fichas” n.º DA006337 mencionado substituindo-se com o “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006955, que emitiu novamente à Autora, com o seguinte conteúdo: “Certifica que A (depositante), n.º de cliente: 80440105, depositou a quantia de HKD$1,500,000.00 (um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong) em numerário?”
15. “Na mesma data (ou seja, 14 de Abril de 2015), a Autora trocou a quantia de RMB$324,272.00 (trezentos e vinte e quatro mil duzentos e setenta e dois renmimbis), mencionada, em cerca de HKD$408,000.00 (quatrocentos e oito mil dólares de Hong Kong,) mais o numerário que tinha levantado no banco, no valor de HKD$330,000.00 (trezentos e trinta mil dólares de Hong Kong), e o numerário que tinha na posse, no valor de HKD$262,000.00 (duzentos e sessenta e dois mil dólares de Hong Kong), perfazendo o total de HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong), voltou a depositar na sala VIP XX explorada pela 1.ª Ré?”
19. “Porém, a 1.ª Ré proibiu unilateralmente que a Autora levantasse tal montante de HKD$3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong)?”
5) Tendo sido a resposta dada aos quesitos da seguinte forma: 9. Provado que após o depósito, a 1.ª Ré recebeu o original do “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006337 mencionado substituindo-se com o “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006955, que emitiu novamente à Autora, com o seguinte conteúdo: “Certifica que A (depositante), n.º de cliente: 80440105, depositou a quantia de HKD$1,500,00.00 (um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong) em numerário.”
15. Provado que no dia 14 de Abril de 2015, a Autora depositou HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong) na sala VIP XX explorada pela 1.ª Ré.”
19. Provado que a 1.ª Ré não deixou a Autora levantar tal montante de HKD$3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong).
6) A convicção do tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas da Autora, para provar os alegados depósitos realizados junto da ora Recorrente, e a impossibilidade de levantamento daquele depósitos, assim como, da prova documental oferecida aos autos.
7) A condenação da ora Recorrente assentou em depósitos alegadamente realizados pela Autora junto da tesouraria da mesma, e da impossibilidade de levantamento e, consequente não restituição daquela quantia.
8) Sucede que, a não restituição dos montantes, como peticionados pela Autora, ou bem que advém do facto de se tratar de quantias que não foram depositadas, ou, do facto de a quantia não se encontrar no poder da ora Recorrente, i.e., ter sido levantada pela Autora.
9) Razão pela qual a ora Recorrente lança mão da prova testemunhal e documental, de modo a provar que os quesitos 9.º e 15.º da base instrutória deveriam ter sido dados como não provados, por as quantias não terem sido depositadas e o quesito 19.º dado como não provado “antes que”, visto tal impossibilidade de levantamento ou não restituição, referente a um dos depósitos, derivar do facto de o montante já ter sido levantado e às restantes por não terem sido depositadas.
10) Do depoimento da testemunha da ora Recorrente, salientam-se as passagens relativas a procedimentos da tesouraria para levantamentos de depósitos: Recorded 24 Jan 2019, Translator 1, 11.36.59 aos 01minutos e 39segundos: “Primeiro tem que ter o talão. A primeira página do talão....e depois vamos nós verificar se está lá as cópias e se o registo informático também confirma. Se sim, então restituímos o dinheiro”.
11) E ainda, relativamente ao registo informático, Recorded 24 Jan 2019, Translator 1, 11.45.26 aos 02minutos e 08segundos: “Eu acho que sim. É que nós temos que inserir os dados [no sistema informático, leia-se] conforme é que se as coisas não se baterem bem.”
12) Daqui retira-se a necessidade de lançamento dos dados de depósito e levantamento, para que os valores sejam depositados. E não só, a necessidade de o talão ter sido emitido de acordo com as práticas habituais da Ré, ora Recorrente.
13) E, contrapondo este depoimento à informação constante das fls. 200 a 202 dos presentes autos, verifica-se que não há registo dos depósitos dos talões com o n.º DA006955 e DA014211.
14) Da conjugação da prova testemunhal com a prova documental constante dos autos, nomeadamente, a certidão a fls. 200 a 202 dos presentes autos, verifica-se que as quantias relativas aos supra melhor referidos talões de depósito nunca foram registadas no sistema informático e, também não se concede que fosse um mero procedimento interno, que não acarretasse consequências.
15) A prova documental a que nos referimos foi oferecida aos autos pela Autora, e havendo dúvidas sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, deverá recair sobre quem contra quem aproveita o facto, nos termos do artigo 437.º do Código de Processo Civil.
16) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 9.º e 15.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil. (sublinhado e negrito nosso)
17) Termos em que, deverá ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de facto por violação dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, e os quesitos 9.º e 15.º da base instrutória sejam dados como não provados.
18) Subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada aos quesitos em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
19) De outra sorte, de modo a provar que o quesito 19.º, deveria ter sido dado como não provado ou provado “antes que” no sentido do levantamento de uma das quantia alegadamente depositadas e outras duas quantias, relativas aos talões DA06955 e DA014211 não terem sido depositadas e uma delas levantada, a Recorrente lança mão da prova da prova testemunhal supra melhor referida e da referida certidão do processo de inquérito, a fls. 200 e 202 dos presentes autos.
20) Pois bem, conforme decorre do acórdão de matéria de facto, e da sentença final, a convicção do tribunal a quo apoiou-se essencialmente nestas testemunhas, e entre outros na prova documental a fls. 200 a 202, entre outras.
21) Ademais, necessário é relembrar que, foi a Autora que, de sua livre e espontânea vontade, juntou aos autos certidão em que estão postos a nú todos os movimentos da conta da Autora, nomeadamente o levantamento da quantia titulada pelo talão de depósito com o n.º DB002461, assim, como a inexistência do depósito das quantias tituladas pelos talões de depósito n.º DA006955 e DB002461. (sublinhado e negrito nosso)
22) Não se pode lançar mão da certidão a fls. 200 a 202 dos presentes autos, para o tribunal a quo apoiar a sua convicção pelo depósito e, desprezar o levantamento do depósito que dali também consta.
23) Assim como, com o devido respeito, não nos parece plausível, pese embora o princípio da livre apreciação de prova impere, que não se veja a prova documental conjugada com a testemunhal num todo. E, que se aceite, assim, que foi feito um depósito mas que não foi feito um levantamento!
24) A instâncias do depoimento da testemunha da ora Ré, é referido o seguinte, quando lhe é exibida a referida certidão, pág. 201, a 4.ª linha, Recorded 24 Jan 2019, Translator 1, 11.22.36 aos 06minutos e 27segundos: “Também é o recibo do talão, o depósito. É 500mil”.
25) Dizendo de seguida, quando perguntada sobre a linha seguinte, Recorded 24 Jan 2019, Translator 1, 11.22.36 aos 06minutos e 40segundos, a testemunha disse: “Levantamento de 500mil.”
26) Sucede que, a corroborar o depoimento da testemunha, temos um levantamento registado no sistema informático da ora Recorrente, assim como, o balanço da conta da Autora a zeros!
27) Relembra-se o preceituado no artigo 437.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
28) No caso em apreço, com o devido respeito, terão que haver fundadas dúvidas sobre o facto de o montante não ter sido levantado, e não aceitar tão só o depósito e desconsiderar liminarmente o levantamento que foi realizado.
29) Indo tal conduta contra todas as regras e experiência comum, pois, não se concede que se possa provar um depósito, suportando-se num documento que atesta depósito e levantamento, e, não se prove o levantamento.
30) Pelo que, ao dar como provado o quesito 19.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil. (sublinhado e negrito nosso)
31) Devendo, assim, ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de facto por violação dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, e o quesito 19.º da base instrutória seja dado como não provado ou provado “antes que”, no sentido da devolução do montante que aparece como levantado no sistema informático e as duas quantias que não aparecem no sistema informático.
32) Ou, subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada aos quesitos em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
33) O tribunal a quo fundou a sua convicção no depósito de três milhões de dólares de Hong Kong junto da ora Ré, e que a Ré, ora Recorrente não o havia restituído.
34) Muito mal andou o tribunal a quo, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil.
35) A ora Recorrente, não pode devolver aquilo que não tem consigo, sob pena de estarmos perante uma situação de enriquecimento sem causa.
36) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010, reza o seguinte: “- O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.”
37) A ora Recorrente não se encontra numa situação de enriquecimento sem causa, por não preenchimento cumulativo dos quatro requisitos, i.e., não há um enriquecimento, sem razão atendível, à custa do empobrecimento de outrém, e quanto à questão de outro mecanismo da lei, facto é que não se pode indemnizar aquilo que já foi restituído.
38) Não pode a ora Recorrente devolver aquilo que não está em seu poder, não porque se tenha locupletado de tal quantia, mas porque tal quantia foi levantada conforme decorre de informação colhida no sistema informático.
39) Decaindo a obrigação de restituição, terá que decair a responsabilização da 1.ª Ré, porque não estão reunidas as condições para que a ora Recorrente seja obrigada a restituir qualquer valor à Autora, ora Recorrida.
40) No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que a obrigação de restituição não existe, não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar a partir da citação.
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A Autora respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 366 a 373 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A 1ª Ré foi estabelecida no dia 12 de Julho de 2006 em Macau e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau no dia 22 de Agosto de 2006, sob o nº *****(SO). (alínea A) dos factos assentes)
- Cujo objectivo é a exploração das actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino (doc. 2). (alínea B) dos factos assentes)
- A 2ª Ré foi estabelecida no dia 17 de Outubro de 2001 e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau nesse mesmo dia, sob o nº *****(SO) (doc. 3). (alínea C) dos factos assentes)
- Cujo objectivo é a exploração dos jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino (doc. 3). (alínea D) dos factos assentes)
- No dia 28 de Junho de 2002, a 2ª Ré assinou o “Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau” com a RAEM (doc. 4). (alínea E) dos factos assentes)
- No dia 08 de Setembro de 2006, a 2ª Ré assinou a “Primeira Alteração ao Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau” com a RAEM (doc. 5). (alínea F) dos factos assentes)
- Conforme a cláusula 106ª do contrato mencionado no artigo 5º da petição inicial, este contrato começou a produzir efeitos no dia 27 de Junho de 2002 (doc. 4). (alínea G) dos factos assentes)
- A 1ª Ré é promotora de jogo desde 2005, com o nº E089 (doc. 6). (alínea H) dos factos assentes)
- A 2ª Ré permite à 1ª Ré exercer a actividade de promoção de jogos e a actividade de concessão de crédito nos estabelecimentos por si explorados ao abrigo do “Contrato de promoção de jogos” e do “Acordo de autorização para concessão de credito” celebrados entre as mesmas. (alínea I) dos factos assentes)
- A 1ª Ré constituiu a Sala VIP XX no estabelecimento explorado pela 2ª Ré. (alínea J) dos factos assentes)
- A Autora era cliente da Sala VIP XX explorada pela 1ª Ré. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- A Autora abriu uma conta de jogo na Sala VIP XX, com o n.º 80440105. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- No dia 11 de Outubro de 2013, B, amiga da Autora, levantou da sua conta de depósito a prazo/especializado do Banco da China (n.º da conta: 19-88-**-******), com prazo expirado, a quantia de HKD$1.004.562,70 em numerário. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Na mesma data (ou seja 11 de Outubro de 2013), a Autora depositou a quantia de HK$1.000.000,00 (um milhão dólares de Hong Kong) em numerário na Sala VIP XX explorada pela 1ª Ré. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Após o depósito, a 1ª Ré emitiu à Autora “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006337, com o seguinte conteúdo: “Certifica que A (depositante), n.º de cliente: 80440105, depositou a quantia de HKD$1.000.000,00 (um milhão dólares de Hong Kong) em numerário”. (resposta ao quesito 6 da base instrutória)
- No dia 19 de Novembro de 2013, a Autora levantou da sua conta de moeda estrangeira do Banco China Sucursal de Macau (n.º da conta: 19-88-**-******) a quantia de RMB¥101.290,00 (cento e um mil duzentos e noventa renminbis) em numerário. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- No dia 19 de Novembro de 2013, a Autora depositou HKD$500.000,00 (quinhentos mil dólares de Hong Kong) na Sala VIP XX explorada pela 1ª Ré. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Após o depósito, a 1ª Ré recebeu o original do “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006337 mencionado substituindo-o com o “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006955, que emitiu novamente à Autora, com o seguinte conteúdo: “Certifica que A (depositante), n.º de cliente: 80440105, depositou a quantia de HKD$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong) em numerário”. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- No dia 19 de Setembro de 2014, a Autora depositou o HKD$500.000,00 (quinhentos mil dólares de Hong Kong) na Sala VIP XX explorada pela 1ª Ré. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- Após o depósito, a 1ª Ré emitiu à Autora “Recibo de depósito de fichas” n.º DB002461, com o seguinte conteúdo: “Certifica que A (depositante), n.º de cliente: 80440105, depositou a quantia de HKD$500.000,00 em numerário”. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Nos dias 13 e 14 de Abril de 2015, a Autora levantou da sua conta do Banco da China no Interior da China (n.º da conta: 7133********) respectivamente as quantias de RMB¥194.272,00 (cento e noventa e quatro mil duzentos e setenta e dois renminbis) e de RMB¥130.000,00 (cento e trinta mil renminbis) em numerário. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- No dia 14 de Abril de 2015, a Autora levantou da sua conta em dólares de Hong Kong do Banco da China (n.º da conta: 19-11-**-******) a quantia de HKD$330.000,00 (trezentos e trinta mil dólares de Hong Kong) em numerário. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- No dia 14 de Abril de 2015, a Autora depositou HKD$1.000.000,00 (um milhão dólares de Hong Kong) na Sala VIP XX explorada pela 1ª Ré. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- Após o depósito, a 1ª Ré emitiu à Autora “Recibo de depósito de fichas” n.º DA014211, com o seguinte conteúdo: “Certifica que A (depositante), n.º de cliente: 80440105, depositou a quantia de HKD$1.000.000,00 (um milhão dólares de Hong Kong) em numerário”. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- Neste contexto, após os depósitos respectivamente efectuados nos dias 11 de Outubro de 2013, 19 de Novembro de 2013, 18 de Setembro de 2014 e 14 de Abril de 2015, do montante de HKD$3.000.000,00 (três milhões dólares de Hong Kong) na Sala VIP XX explorada pela 1ª Ré, a Autora nunca levantou tal montante. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- No dia 09 de Setembro de 2015 em Macau, a Autora pediu à 1ª Ré que restituísse imediatamente tal montante de HKD$3.000.000,00 (três milhões dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- A 1ª Ré não deixou a Autora levantar tal montante de HKD$3.000.000,00 (três milhões dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- A Autora deslocou-se várias vezes à Sala VIP XX exigindo o levantamento desse montante de HKD$3.000.000,00 (três milhões dólares de Hong Kong), mas foi recusada pelos funcionários da Sala VIP. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
*
III – Fundamentação
A. Do recurso da 1ª Ré:
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Vem a 1ª Ré impugnar a decisão da matéria de facto respeitante aos quesitos 9º, 15º e 19º da base instrutória, a saber:

   Após o depósito, a 1ª Ré recebeu o original do “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006337 mencionado substituindo-o com o “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006955, que emitiu novamente à Autora, com o seguinte conteúdo: “Certifica que A (depositante), n.º de cliente:80440105, depositou a quantia de HKD$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong) em numerário”?
15º
Na mesma data (ou seja 14 de Abril de 2015), a Autora trocou a quantia de RMB$324.272,00 (trezentos e vinte e quatro mil duzentos e setenta e dois renminbis), mencionada, em cerca de HKD$408.000,00 (quatrocentos e oito mil dólares de Hong Kong), mais o numerário que tinha levantado no banco, no valor de HKD$330.000,00 (trezentos e trinta mil dólares de Hong Kong), e o numerário que tinha na posse, no valor de HKD$262.000,00 (duzentos e sessenta e dois mil dólares de Hong Kong), perfazendo o total de HKD$1.000.000,00 (um milhão de dólares de Hong Kong), voltou a depositar na Sala VIP XX explorada pela 1ª Ré?
19º
Porém, a 1ª Ré proibiu unilateralmente que a Autora levantasse tal montante de HKD$3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong)?
As respostas dadas aos referidos quesitos foram as seguintes:
Quesito 9º: PROVADO que após o depósito, a 1ª Ré recebeu o original do “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006337 mencionado substituindo-o com o “Recibo de depósito de fichas” n.º DA006955, que emitiu novamente à Autora, com o seguinte conteúdo: “Certifica que A (depositante), n.º de cliente: 80440105, depositou a quantia de HKD$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong) em numerário”.
   QUESITO 15º: PROVADO que no dia 14 de Abril de 2015, a Autora depositou HKD$1.000.000,00 (um milhão dólares de Hong Kong) na Sala VIP XX explorada pela 1ª Ré.
   QUESITO 19º: PROVADO que a 1ª Ré não deixou a Autora levantar tal montante de HKD$3.000.000,00 (três milhões dólares de Hong Kong).
Na óptica da 1ª Ré, os factos vertidos nos quesitos 9º e 15º deveriam ser dados como não provados, por as quantias não terem sido depositadas e o quesito 19º dada como não provado, visto tal impossibilidade de levantamento ou não restituição, referente a um dos depósitos, derivar do facto de o montante já ter sido levantado e às restantes por não terem sido depositadas.
Quid juris?
Como é sabido, segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.º do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fls. 220 e 221)
Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do artºs. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo nº 551/2012)
Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
Ou seja,
Uma coisa é não agradar o resultado da avaliação que se faz da prova, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
No caso em apreço, o Tribunal a quo justificou a sua convicção pela forma seguinte:
   “…
   A convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nos documentos de fls. 10 a 106, 128 a 134, 189, 197 a 204 e 268 a 272 dos autos, cujo teor se dá reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
   Os factos relativos da abertura da conta na Sala VIP explorada pela 1ª Ré e do levantamento de dinheiro nos bancos pela Autora e pela sua amiga, são bastantes para suportar os respectivos factos com os documentos juntos aos autos de fls. 199, 53 a 57, 59 a 71, 76 a 100, complementado com o depoimento das testemunhas B e C. No entanto, apenas as declarações destas duas testemunhas, sem outro suporte, é insuficiente para concluir pelos factos de reembolso da dívida à Autora por B e C.
   Em especial, sobre os factos de depósito alegados pela Autora na tesouraria da Sala VIP, consta dos autos as cópias dos talões de depósito emitidos pela 1ª Ré de fls. 58, 73 a 75, 102 a 103. Embora essa Ré não reconheceu da autoria desses documentos, mas os documentos em causa foram emitidos conforme os seus padrões, assim como as assinaturas apostas nos dois talões de depósitos correspondem com as assinaturas dos funcionários da 1ª Ré, obtidas durante a investigação criminal e que consta dos documentos de fls. 269 a 272. Do depoimento da testemunha D, ex-empregada da 1ª Ré, se retira que esses documentos não constam as assinaturas de todos os funcionários de tesouraria da 1ª Ré, na verdade, a assinatura aposta no talão n°006337 não se corresponde com nenhuma das assinaturas dos referidos documentos, mas consta do sistema informático da 1ª Ré o registo desse depósito, portanto, a falta de correspondência das assinaturas consta do talão e as dos documentos fls. 269 a 272 não permite dizer que o talão não foi emitido pela 1ª Ré. Por outro banda, não consta do sistema informático (fls.200 a 202) o registo dos três depósitos também não implica que não houve realmente esses depósitos, pois, o registo no sistema informático é apenas processamento interno elaborada unilateralmente pela 1ª Ré, sem intervenção do depositante, o que não é prova apta e suficiente para comprovar que não houve depósito, visto que a falta de registo poderá resultar somente de a Ré, por negligência sua, não o ter feito. Para além dos talões de depósitos, tomamos em consideração ainda as provas documentais de levantamento de dinheiro ou no mesmo dia ou dia anterior do depósito, complementado com o depoimento das testemunhas, que deram conta de ter acompanhado a Autora a proceder aos referidos depósitos. Em conjugação dessas provas, convencemos positivamente pelos factos de depósito alegado pelo Autor, assim deram-se por provados os factos dos quesitos 5º, 6º, 8º, 9º, 11º, 12º, 15º, 16º, nos termos respondidos.
   De acordo com o depoimento das testemunhas do Autor, que deram conta de que a Autora foi várias vezes à sala VIP para o levantamento do depósito em Setembro, mas foi, sempre, recusado, conjugado com o facto de instauração da presente acção pela Autora, podemos concluir positivamente os factos constantes dos quesitos 17º a 20º.
   Não foi produzida prova suficiente para comprovar o facto do quesito 3º.
   …”.
Ora, em face da prova efectivamente produzida e atentas as regras e entendimento acima enunciados, não assiste razão à 1ª Ré ao colocar em causa a apreciação e julgamento da matéria de facto realizada pelo douto Tribunal a quo que não poderia ter decidido em sentido diverso daquele que decidiu.
Aliás, a falta de registo de informático dos depósitos em causa não comprova necessariamente que tais depósitos não foram realizados.
Face ao expendido, é de negar provimento ao recurso nesta parte.
2. Do mérito da sentença condenatória:
A sentença recorrida na parte que diz respeito à condenação da 1ª Ré tem o seguinte teor:
   “…
   Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
   Com a presente acção, pretendeu a Autora que seja indemnizado pelas Rés do montante de MOP$3.094.500,00, com os respectivos juros moratórios, alegando que era membro da Sala VIP XX explorada pela 1ª Ré, em 11/10/2013, 19/11/2013, 18/09/2014 e 14/04/2015, depositou o montante total de HKD$3.000.000,00 na referida Sala VIP, tendo esta emitido um talão de depósito com assinatura do seu funcionário. No dia 9 de Setembro de 2015, a Autora pretendeu levantar o valor depositado mas foi recusado pela 1ª Ré, entendendo que 1ª Ré, na qualidade de depositário, tem a obrigação da restituição dessa quantia e tem também a 2ª Ré a obrigação solidária pela restituição, por ser esta concessionária de jogo e nessa qualidade, assume a responsabilidade de indemnizar aos terceiros os danos causados pelos actos da 1ª Ré, por força do disposto do artº 23º e 29º do Regulamento Administrativo nº6/2002.
   Na contestação, a 1ª Ré negou que tinha recebido a quantia alegadas pela Autora, enquanto a 2ª Ré pugnou que a responsabilidade solidária imposta pelo artº29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 visa tutelar interesse colectivo da RAEM e não interesse particular, não sendo aplicável à eventual obrigação da indemnização por parte da 1ª Ré perante a Autora resultante meramente duma relação jurídica tecida entre eles.
   Depósito
   A Autora alegou que depositou, por várias vezes, numerários no valor total de HKD$3.000.000,00 na sala VIP XX, tendo este lhe emitido recibos de depósito.
   Dispõe-se o artº1111º do C.C., “Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que o guarde, e a restitua quando for exigida.”
   Vem comprovada que, a Autora depositou na Sala VIP XX da 1ª Ré a quantia de HKD$1.000.000,00, HKD$500.000,00, HKD$500.000,00, HKD$1.000.000,00, em 11 de Outubro de 2013, 19 de Novembro de 2013, 18 de Setembro de 2014 e 14 de Abril de 2015, respectivamente, tendo a 1ª Ré emitido à Autora recibos de depósito de fichas nºDA006955, nºDB002461 e nºDA014211.
   A factualidade apurada demonstra que foi entregue dinheiro pela Autora à 1ª Ré para que o guarde na sala VIP explorada por ela, contra a emissão de recibo de depósito, dúvidas não deverão haver que entre a Autora e a 1ª Ré é estabelecido relação de depósito em que aquela é depositante e esta depositária.
   De acordo com o preceito acima transcrito, o depositário tem a obrigação de restituir a coisa quando for exigida
   Conforme os factos assentes, a Autora exigiu à 1ª Ré, em 9 de Setembro de 2015, e depois, por diversas vezes, a restituição do montante depositado. Uma vez que foi interpelada para o cumprimento da obrigação contratual, tem a 1ª Ré o dever de restituir à Autora o valor em HKD$3.000.000,00, correspondente a MOP$3.094.500,00.
   Pelo que é de julgar procedente o pedido de restituição em relação à 1ª Ré.
   …”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos provimento ao recurso da 1ª Ré nesta parte, remetendo para os fundamentos invocados na decisão impugnada.
B. Do recurso da Autora:
Na óptica da Autora, o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento ao absolver a 2ª Ré do pedido com fundamento na insuficiência de factos que permitem imputar àquela a falta de cumprimento do dever de fiscalização da actividade desenvolvida pela 1ª Ré no seu Casino, legalmente previsto na al. 5) do artº 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
Pois, entende que o Tribunal a quo deveria considerado, ao abrigo do nº 2 do artº 5º do CPC, o facto instrumental/complementar resultante do depoimento da testemunha, no sentido de que o depósito do numerário no valor de HKD$3.000.000,00 na Sala de VIP da 1ª Ré visa permitir a Autora exercer a actividade de bate-fichas, retirando assim a ilação judicial de que o depósito em causa tem conexão com a promoção da actividade de jogo e azar.
Quid júris?
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Vejamos.
Em primeiro lugar, o facto de que o depósito em causa visa permitir a Autora exercer a actividade de bate-fichas, caso for provado, constitui um novo facto essencial, e não meramente instrumental ou complementar tal como é pretendido pela Autora, já que a Autora, na petição inicial, alegou que o depósito destina-se para “為了避免在賭博時因轉移資金或幸運博彩籌碼所產生的滅失風險”.
Não sendo facto instrumental ou complementar, o Tribunal não pode dele conhecer sem alegação das partes.
Em segundo lugar, ainda que fosse instrumental ou complementar, não significa que o Tribunal a quo tem de acreditar no depoimento da testemunha, dando-o como provado.
Quanto à presunção judicial, a mesma consiste na ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, e só é admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (cfr. artºs 342º e 344º do C.C.).
No caso em apreço, nenhum facto assente e provado permite o Tribunal retirar a ilação de que o depósito em causa tem conexão com a promoção da actividade de jogo e azar.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos interpostos pela Autora A e pela 1ª Ré XX Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pelas Autora e 1ª Ré.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 23 de Janeiro de 2020.

(Relator) Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong



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820/2019