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Proc. nº 1319/2019/A

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, (A), do sexo masculino, solteiro, maior, guarda policial n.º 2***** do CPSP, residente em Macau, no ......, n.º ....º, EDF. ......, ...... KOK, ....º Andar, ..., ---
Vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança n.º 094/SS/2019, datado de 12 de Novembro de 2019, que o puniu com 15 dias de multa por infracção dos “outros deveres” previstos no artigo 16.º, n.º 2, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM) aprovado pelo DL n.º 66/94/M de 30 de Dezembro, ---
Invocando para tanto os requisitos do art. 121º, nº 1, do CPAC.
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Na contestação, a entidade requerida pugnou pelo indeferimento da pretensão do requerente.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“…Há que esclarecer, antes de mais, se estamos ou não perante acto de conteúdo positivo.
Cremos que a alteração provocada pelo acto suspendendo na esfera jurídica do requerente se apresenta óbvia. O requerente foi alvo de uma punição disciplinar, que tem o efeito de o compelir ao pagamento de uma soma pecuniária. Tanto basta para concluir pelo conteúdo positivo do acto.
Porque assim, vejamos se estão preenchidos aqueles requisitos, que, no caso vertente, acabam por se reduzir a dois, ou seja, os das alíneas b) e c), do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, por força da norma do n.º 3 do mesmo artigo, que, nas hipóteses de actos com a natureza de sanção disciplinar, como ora sucede, dispensa a demonstração da verificação do requisito da alínea a).
Como se disse e é sabido, os requisitos necessários à suspensão são de verificação cumulativa, pelo que bastará a falta de um deles para conduzir ao insucesso da providência.
Não se afigura que o processo aponte para a existência de fortes indícios de ilegalidade do recurso (artigo 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Administrativo Contencioso). Ao falar de fortes indícios de ilegalidade do recurso, a lei pretende aludir a uma situação de inviabilidade manifesta, notória e evidente do recurso contencioso - neste sentido, cf., v.g., o acórdão de 30 de Maio de 2002, do TSI, processo n.º 92/2002 -, o que nos remete para a sindicância de pressupostos essencialmente formais, tais como a legitimidade, a tempestividade e a recorribilidade, não havendo lugar, no procedimento de suspensão, a considerações sobre a validade do acto e a procedência do recurso contencioso.
Não se vislumbra, como dissemos, que haja indícios fortes dessa ilegalidade, e a autoridade requerida também o não aventa, pelo que temos, assim, preenchido o requisito da alínea c).
E no que toca ao requisito da alínea b), a partir dos elementos disponibilizados, não divisamos fundamentos ponderosos para considerar que o protelamento da execução, resultante da suspensão da eficácia do acto, possa trazer lesão relevante ao interesse público concretamente prosseguido pelo acto. A norma não se basta com qualquer lesão do interesse público. Exige que se trate de lesão grave e que esta ocorra no âmbito do interesse concretamente prosseguido pelo acto. Pois bem, estando em causa o pagamento de um montante pecuniário, que em nada briga com a permanência do requerente no serviço, o protelar da respectiva execução nenhum embaraço ou inconveniência relevantes aporta ao serviço, o que afasta a hipótese de verificação de lesão relevante do interesse público prosseguido pelo acto.
Daí que se creia igualmente preenchido o requisito da alínea b).

Como tal, mostram-se preenchidos os exigidos requisitos do aludido artigo 120.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, assim resultando prejudicada a abordagem ponderativa prevista no seu n.º 4.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido da concessão da pretendida providência de suspensão de eficácia.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1. O recorrente é guarda policial (n.º 2*****) do CPSP.
2. Por alegadamente ter participado na actividade da Secção de Macau da “Associação Internacional de Polícia”, no dia 2 de Maio de 2019 e, ao mesmo tempo, e sem autorização do CPSP, se ter tornado membro da referida Associação, exercendo o cargo de Secretário do Conselho Fiscal da Associação, foi instaurado contra si um processo disciplinar, no termo do qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de 20 dias de multa, pelo Comandante do CPSP.
3. O recorrente recorreu hierarquicamente para o Secretário.
4. Foi no âmbito do respectivo procedimento emitido o seguinte parecer:
“Assunto: Recurso hierárquico interposto da pena disciplinar
Requerente: Guarda n.º 2*****, A
Autos: Processo Disciplinar n.º 130/2019
1. O presente processo foi instaurado de acordo com o relatório do Departamento de Informações, no qual se verificou que as informações e as fotografias publicadas no website da “Secção de Macau da Associação Internacional de Polícia” demonstram que a Delegação da “Secção de Macau da Associação Internacional de Polícia”, chefiada pelo seu Presidente, participou na “Exposição de Educação sobre a Segurança Nacional do Ano 2019, co-organizada pelo governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) e o Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM”. Através destas, verificou-se que o arguido usava o uniforme desta Associação e participou em tal exposição como membro associado. Além disso, segundo a nota de imprensa publicada em 2 de Maio de 2019 no Jornal Ou Mun, mostra-se que a Delegação da “Secção de Macau da Associação Internacional de Polícia”, composta por 26 elementos e chefiada pelo seu Presidente, XXX, participou na “Exposição de Educação sobre a Segurança Nacional do Ano 2019” (fls. 2 a 12 dos autos).
2. Após a investigação, apura-se que o arguido, sem autorização superior, participou como membro associado numa actividade de visita organizada pela “Secção de Macau da Associação Internacional de Polícia”; e, com o indeferimento do seu pedido pelo superior, ainda inscreveu-se na “Secção de Macau da Associação Internacional de Polícia” e exerce as funções de vice-secretário geral da Direcção Geral.
3. O arguido, sem autorização prévia, exerce as funções de vice-secretário geral da Direcção Geral da “Secção de Macau da Associação Internacional de Polícia” e participou na actividade desta Associação, o que viola os “outros deveres” previstos no art.º 16.º, n.º 2, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
4. Face ao caso acima referido, foi aplicada ao arguido a pena disciplinar de “20 dias de multa”.
5. Em 28 de Outubro de 2019, o requerente interpôs, por escrito, recurso hierárquico (recurso hierárquico necessário) da pena aplicada no presente processo.
6. Os pontos 1 a 5 da petição do recurso hierárquico são os pressupostos do recurso hierárquico e a aplicação da lei.
7. Nos pontos 6 a 8 da petição do recurso hierárquico, o requerente alegou: no douto despacho do Comandante do CPSP indicou-se que o requerente violou os “outros deveres”, mas os quais não são estipulados no art.º 16.º, n.º 2, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, pelo que existe o erro notório na aplicação da lei (ponto 7 da petição do recurso). Supõe-se que o despacho do Comandante do CPSP pretenda referir o disposto do art.º 16.º, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (ponto 8 da petição do recurso).
8. Nos pontos 9 a 16 da petição do recurso hierárquico, o requerente alegou: relativamente ao pedido apresentado pelo requerente de inscrição naquela Associação e de exercício de funções nos órgãos de direcção desta Associação, o CPSP proferiu um despacho de indeferimento quando não é possível produzir qualquer conflito entre o exercício das suas funções no Departamento Policial das Ilhas / Divisão Policial do Aeroporto e o exercício das funções naquela Associação sem fins lucrativos, o que violou manifestamente o direito do requerente à liberdade de associação, conferido pelo art.º 27.º da Lei Básica e art.º 22.º do Pacto Internacional sobra os Direitos Civis e Políticos aplicável por força do art.º 40.º da Lei Básica e, interpretou excessivamente os “outros deveres” previstos no art.º 16.º, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
9. Por fim, o requerente pediu: uma vez que o acto administrativo recorrido violou a Lei Básica e aplicou erradamente a lei, assim, deve ser revogado o despacho proferido em 14 de Outubro de 2019 pelo Comandante do CPSP.
10. Resposta ao ponto 7 acima indicado:

Após a revisão dos “Acusação” (fls. 69 a 71 dos autos) e “Despacho por mim proferido” (fls. 84 e 85 dos autos) do Processo Disciplinar n.º 130/2019, verifica-se que existe um “erro de escrita”. No artigo 16.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, não há “os n.º 1, n.º 2, n.º 3”, mas só existem as “al. a), al. b), al. c)...”, pelo que tal “erro de escrita” não conduz à invocação errada de um outro dispositivo legal. De acordo com o ponto 8 da petição do recurso hierárquico, é obviamente que, perante aquele “erro de escrita”, o requerente pode correctamente compreender o artigo invocado (alínea b) do art.º 16.º).
11.Resposta ao ponto 8 acima indicado:
Nos termos do disposto no art.º 27.º da Lei Básica e art.º 22.º do Pacto Internacional sobra os Direitos Civis e Políticos aplicável por força do art.º 40.º da Lei Básica, o requerente tem direito à liberdade de associação. No entanto, o requerente, devido à sua profissão, como funcionário público / pessoal das Forças de Segurança, também é regulado pelas legislações relevantes (as legislações relativas ao funcionário público / pessoal das Forças de Segurança, incluindo: o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, o Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, etc...). Em 2013, o requerente apresentou, por escrito, ao CPSP o pedido de inscrição de membro associado na “Secção de Macau da Associação Internacional de Polícia”. De acordo com as informações do CPSP, demonstra-se que tal pedido foi autorizado em 14 de Junho de 2013 e, cujo termo ocorreu em 31 de Dezembro de 2017, então, até à presente data, não lhe deu mais autorização. Devido ao incidente deste género, foi aplicada ao requerente a pena disciplinar em 2018 (processo disciplinar n.º 139/2018). O requerente viola, constantemente e dolosamente, os “outros deveres” previstos pelo art.º 16.º, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
Submete-se à apreciação do Exm.º Secretário para a Segurança.
Corpo de Polícia de Segurança Pública, aos 30 de Outubro de 2019.
Comandante do CPSP,
(ass.: vide o original)
YYY, superintendente-geral”.

5. No dia 12/11/2019 o Secretário para a Segurança alterou a pena de 20 para 15 dias de multa, nos termos do seguinte despacho (a.a.):
DESPACHO n.º 094/88/2019
Assunto: Recurso hierárquico
Requerente: Guarda do CPSP n.º 2*****, A
Autos n.º: Processo Disciplinar do CPSP n.º 130/2019
O requerente interpôs recurso hierárquico do despacho proferido em 14 de Outubro de 2019 pelo Comandante do CPSP no âmbito do processo disciplinar em epígrafe que, aplicou ao requerente uma pena de 20 dias de multa, pelo motivo de que o requerente, sem autorização prévia, exerceu o cargo de vice-secretário geral da Direcção Geral da “Sessão de Macau da Associação Internacional de Polícia” e, participou na actividade desta Associação, o que viola os “outros deveres” previstos no art.º 16.º, n.º 2, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
Examinados os autos, apura-se que o requerente exerceu o cargo de vice-secretário geral da Direcção Geral da “Sessão de Macau da Associação Internacional de Polícia” sem autorização e, esse acto viola os “outros deveres” previstos no art.º 16.º, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau. Mas, verifica-se uma falha no fundamento do despacho recorrido.
Por outro lado, de acordo com os elementos constantes dos autos, não se verifica que o acto do requerente produz efectivamente os resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, pelo que não se verificam as circunstâncias agravantes previstas no art.º 201.º, n.º 2, al. f) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
Pelos expostos, no uso das competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 111/2014 e, nos termos do art.º 292.º, n.º 3 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau e art.º 161.º do Código do Procedimento Administrativo, o Secretário para a Segurança vem modificar o fundamento do acto recorrido para: “o requerente exerceu o cargo de vice-secretário geral da Direcção Geral da “Sessão de Macau da Associação Internacional de Polícia” sem autorização, o que viola os “outros deveres” previstos no art.º 16.º, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.” e, alterar a pena aplicada para 15 dias de multa.
Gabinete do Secretário para a Segurança da RAEM, aos 12 de Novembro de 2019.
Secretário para a Segurança
ZZZ
(ass.: vide o original).
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IV – O Direito
1. Em primeiro lugar, não restam dúvidas de que o acto suspendendo tem um conteúdo positivo, face à alteração” que provoca no “status do requerente. Razão por que pode ser suspensa a sua eficácia, segundo o disposto no art. 120º, al. a), do CPAC.
2. Em segundo lugar, e entrando já directamente na análise dos requisitos substantivos da providência, somos a considerar que, pelo facto de o acto constituir uma sanção disciplinar, o requisito positivo dos prejuízos de difícil reparação constante da alínea a), do nº 1, do art. 121º do CPAC se deve ter por verificado, face ao comando do nº 3 do mesmo preceito.
Quanto ao requisito negativo da alínea b), do nº 1, não se crê que a suspensão, se decretada, importe “grave lesão do interesse público”, tendo em conta quer a pouca severidade da sanção, a sua natureza pecuniária (multa) e o seu relativamente reduzido montante.
Relativamente ao requisito negativo da alínea c), do mesmo nº 1, igualmente somos a entender que se não divisam quaisquer elementos que nos permitam inferir pela ilegalidade da interposição do recurso, traduzida esta, como é sabido, na ocorrência de factores exceptivos de natureza processual - como por exemplo, a extemporaneidade do recurso, a ilegitimidade, a irrecorribilidade -, que impeçam uma decisão de mérito.
Sendo assim, nenhum obstáculo existe ao deferimento da pretensão.
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V – Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar procedente a providência, decretando-se a suspensão de eficácia do acto.
Sem custas.
T.S.I., 23 de Janeiro de 2020
(Relator) José Cândido de Pinho
Mai Man Ieng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong


Proc. nº 1319/2019/A 9