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Processo nº 792/2018
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 05 de Março de 2020

ASSUNTO:
- Falta de fundamentação
- Falta da audiência prévia do interessado
- Princípios da proporcionalidade e da justiça

SUMÁRIO:
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA).
- A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
- A preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.
- Os princípios da proporcionalidade e da justiça não são operantes nas actividades administrativas vinculadas.
O Relator,
Ho Wai Neng








Processo nº 792/2018
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 05 de Março de 2020
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário X, S.A.
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Sociedade de Investimento Imobiliário X, S.A., melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 13/07/2018, que ordenou o despejo do terreno com a área de 1,233m2, designado por lote 1 da Zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, no prazo de 60 dias, com a demolição de construções e remoção de todos os bens móveis, concluíndo que:
a) Vem o presente recurso interposto do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 13 de Julho de 2018, exarado na Proposta n.º 212/DSO/2018, comunicado à Recorrente pelo Ofício n.º 478/2312.02/DSO/2018, de 19 de Julho de 2018, que ordenou o despejo do terreno com a área de 1 233 m2, designado por lote 1 da zona C do empreendimento denominado "Fecho da Baía da Praia Grande", situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., a fls. … do livro ... (o ''Terreno'');
b) Por Despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, tornado público pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 17/2018, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2018, foi declarada a caducidade da concessão do Terreno;
c) Em 15 de Junho de 2018, a Recorrente impugnou contenciosamente o acto do Chefe do Executivo que declarou essa caducidade, processo que corre termos nesse tribunal com o n.º 578/2018;
d) O acto é recorrível uma vez que a Recorrente lhe imputa vícios e ilegalidades próprias, integrando, assim, a excepção mencionada no n.º 4 do artigo 138.º do CPA;
e) A decisão da Administração vertida no acto recorrido, altamente lesiva dos direitos e interesses da Recorrente, não foi precedida da necessária audiência prévia prevista nos artigos 93.º e ss do CPA;
f) Acontece que a Administração também não procedeu à audiência prévia antes da tomada de decisão de declaração de caducidade;
g) A Entidade Recorrida não só não cumpriu o artigo 93.º, como não justificou a sua decisão de não audição da interessada, sendo que, do acto recorrido a Recorrente não consegue retirar qual a razão para esse facto, que, no entender da Recorrente, configura, por si, vício de forma por falta de fundamentação;
h) Se a Entidade Recorrida o fez:
(iv) por esquecimento, não é juridicamente aceitável;
(v) recorrendo à excepção mencionada na alínea a) do artigo artigo 97.º, tal não seria possível uma vez que a interessada não foi ouvida em sede de procedimento de declaração de caducidade;
(vi) por entender que não houve instrução, tal não corresponde à verdade já que, após a declaração de caducidade, a Entidade Recorrida fez um levantamento da situação concreta dos terrenos, fazendo um registo factual, nomeadamente fotográfico que, aliás, juntou ao acto recorrido, o que corresponde a uma instrução,
pelo que não se pode deixar de concluir que, em qualquer dos casos, esta falta de audição da interessada terá de ser sancionada com anulabilidade do acto.
i) Se a Recorrente tivesse sido notificada para se pronunciar, teria algo de novo a acrescentar já que, entre a data de declaração de caducidade e o despejo, a Recorrente intentou o Recurso Contencioso de Anulação, onde levantou questões, a seu ver, relevantes e que obstam à própria declaração de caducidade, facto que à data do despejo a Entidade Recorrida não tinha ainda conhecimento;
j) O princípio do aproveitamento do acto administrativo inválido deve ser a excepção, e não a regra, não devendo permitir-se que a omissão de diligências passe a ser um padrão nos procedimentos e que, dessa forma, a Administração, deixe de ouvir os interessados antes de tomar decisões que os afectam;
k) Razão pela qual o procedimento administrativo adoptado está ferido de vício de forma, por falta de fundamentação e também por preterição das formalidades essenciais, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 93.º do CPA, o que determina a ilegalidade do acto e a sua anulabilidade nos termos do disposto no artigo 124.º do referido diploma legal;
l) O acto recorrido viola os princípios da justiça, da protecção dos direitos e interesses dos residentes, bem como o princípio da proporcionalidade;
m) Porque a lei não impõe à Administração um prazo para que esta proceda ao despejo após a declaração de caducidade;
n) O acto de despejo, embora seja um acto de execução do acto da caducidade, tem alguma margem de discricionariedade no âmbito da qual a Administração não pode deixar de ponderar os valores e os interesses em causa, pois é à Administração que cabe ponderar e escolher o momento em que deverá ordenar o despejo!
o) Em 3 de Maio de 2018, o Chefe do Executivo declarou a caducidade do Terreno, a qual foi tornada pública no dia 16 do mesmo mês;
p) A caducidade foi imediatamente comunicada à Conservatória e encontra-se registada por averbamento à respectiva inscrição; e
q) Em 13 de Julho de 2018 a Entidade Recorrida determinou o despejo;
r) Ou seja, concretizada a ordem de despejo estão reunidas as condições para que a Administração concessione o Terreno a terceiros;
s) À Recorrente é reconhecido o direito de impugnação da decisão administrativa de caducidade, na qual invocou, entre outros vícios assacados ao acto, uma causa impeditiva que, por si só, impede que o presente despejo seja ordenado, pois o acto recorrido executa uma declaração relativa a uma caducidade que não se verificou!
t) Até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que apreciar esta questão há uma hipótese objectiva da declaração de caducidade ser considerada inválida e da concessão voltar à esfera da Recorrente e ser cancelado o registo de caducidade;
u) Acresce que não existe imposição legal ou razão de urgência, nem a Entidade Recorrida as invocou no acto recorrido, para que o despejo seja ordenado imediatamente a seguir à declaração de caducidade e antes de ser proferida decisão a esclarecer a validade do acto que declarou a caducidade;
v) O Chefe do Executivo demorou quase dois anos a declarar a caducidade após o terminus da prevista no contrato de concessão do Terreno;
w) Por um lado, a Recorrente não conhece qualquer razão de interesse público que justifique o despejo antes que seja conhecida a decisão judicial relativa ao acto que declarou a caducidade e, por outro, a concessão do Terreno a terceiros causa lesão irreparável e colide com os direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente;
x) Está em causa a violação do princípio da necessidade e do equilíbrio;
y) A suspensão de eficácia do acto que declarou a caducidade, bem como do acto que ordenou o despejo, seria, no entender da Recorrente, uma forma jurídica adequada para prevenir esta situação e para acautelar a sua posição, no entanto, esse não tem sido o entendimento dos tribunais superiores que negaram provimento a todos os pedidos de suspensão de eficácia do acto de declaração de caducidade, bem como a todos os pedidos de suspensão de eficácia do acto de despejo de que a Recorrente tem conhecimento;
z) A lei permite situações de dispensa de concurso público, caso em que nem todas as intenções de concessão serão públicas e conhecidas e impedindo a Recorrente de fazer uso, por exemplo, de um pedido de suspensão de eficácia do acto de despejo ou do acto de caducidade, que até pode ser tardio e inútil, se o despejo já tiver sido efectivado e a Recorrente dessapossada do Terreno;
aa) Os prejuízos da Recorrente são de difícil reparação e quantificação já que nenhuma indemnização poderá calcular, de forma adequada, a compensação pelo investimento que a Recorrente teria com o Terreno se o tivesse aproveitado da forma por si planeada;
bb) Face ao recurso pendente e à incerteza jurídica em causa, não se vê de que forma seja mais adequado despejar primeiro, obrigando a Recorrente à remoção de materiais e/ou à demolição de estruturas no Terreno, alterando a situação jurídica existente, para reinvestir depois, caso seja dado provimento ao Recursos Contencioso de Anulação;
cc) Se não há intenção de concessionar e desenvolver o Terreno no imediato então também não é essencial nem necessário ordenar o despejo da Recorrente durante a pendência do Recurso Contencioso de Anulação, sendo o acto recorrido uma medida desproporcional face ao sacrifício dos interesses da Recorrente que estão em causa;
dd) O prejuízo que a actuação da Administração pode, nos termos acima expostos, causar à Recorrente é absolutamente desproporcional a qualquer benefício para o interesse público (que, como se disse, não se vislumbra qual seja);
ee) Ao ordenar o despejo face a toda esta incerteza jurídica, tendo em conta o enorme risco para os direitos e interesses da Recorrente, não estando em risco nenhum interesse público urgente e relevante e não estando obrigada a declarar o despejo num momento determinado, a Administração fez uma errada avaliação e violou de forma grave o princípio da justiça, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes e da proporcionalidade previstos nos artigos 4.º, 5.º e 7.º do CPA e manifestou também total desrazoabilidade no uso desses poderes discricionários.
ff) Por tudo o acima exposto, o acto recorrido incorre em vício de forma, por falta de audência prévia e falta de fundamentação (também o artigo 115.º/2 CPA), nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC e viola a lei, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC, e, em particular:
• lesa direitos e interesses legalmente protegidos;
• manifesta total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
• viola os princípios da justiça, da proporcionalidade e o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes previstos nos artigos 4.º, 5.º e 7.º do CPA;
devendo, por isso, ser anulado de acordo com o artigo 124.º do CPA.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 66 a 82 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Tanto a Recorrente como a Entidade Recorrida ambas apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas, respectivamente, na petição inicial e na contestação.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“…
Na petição inicial e alegações facultativas, a recorrente solicitou a anulação do despacho proferido pelo Exmo. Senhor STOP e traduzido em ordenar a desocupação no prazo de 60 dias, assacando a preterição da audiência bem como a violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos.
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Para os devidos efeitos, perfilhamos a sensata jurisprudência que preconiza (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º789/2018 e n.º843/2018): “I - O acto do Secretário do Governo que manda proceder à devolução do terreno, na sequência do acto do Chefe do Executivo que declara a caducidade da concessão, em virtude do decurso do respectivo prazo de duração sem aproveitamento, limita-se a dar execução a este. II - Se do acto que declara a caducidade foi interposto recurso contencioso e se para decretar a devolução do terreno não teve lugar nenhum acto de instrução relevante, torna-se despiciendo proceder a audiência de interessados. III - Só em casos de erro grosseiro e manifesto pode o tribunal fazer censura a um acto discricionário anulando-o com base na violação de princípios gerais de direito administrativo, tais como o do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, da proporcionalidade e da justiça.”
Procedendo à análise comparativa, podemos chegar a colher que os pressupostos de facto e direito do despacho impugnados nestes autos e a causa de pedir reiteradamente invocada pela ora recorrente são idênticos aos verificados nos Processos n.º789/2018 e n.º843/2018.
Convém ter presente que o Venerando TUI vem asseverando que com a declaração de caducidade da concessão, há de proceder ao despejo do terreno que tem sido ocupado pelo concessionário, desocupação esta que é uma decorrência normal e necessária daquela decisão; depois da declaração de caducidade da concessão, normalmente não há necessidade de proceder novamente à instrução nem à audiência de interessados antes da decisão de despejo (vide. Acórdão no Processo n.º89/2018). Pois, o acto que determina despejo da concessionária, após declaração de caducidade da concessão, não tem de ser precedido de audiência daquela, por se tratar de acto vinculado; do disposto na alínea 1) do n.º1 do artigo 179.º da Lei de Terras, não resulta que a Administração possa deixar de executar o acto, determinando o despejo do terreno, a lei não concede à Administração margem de livre apreciação ou decisão, para aguardar ou deixar de aguardar a impugnação do acto que declarou a caducidade ou para aguardar quaisquer outros eventos. (vide. Acórdão no Processo n.º80/2019)
Ressalvado merecido respeito pelo melhor entendimento em sentido diferente, estamos convictos de que as inculcas jurisprudenciais supra aludidas são válidas e aplicáveis ao caso sub judice, o que nos cauciona a concluir que são infundados os argumentos da recorrente.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso…”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se regularmente patrocinadas.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
É assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa face aos elementos probatórios existentes nos autos:
1. Por despacho do Chefe do Executivo de 03/05/2018, foi declarada a caducidadeda concessão do terreno com a área de 1233 m2, designado por lote 1 da zona C do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º ... a fls. … do livro ..., a que se refere o Processo n.º 60/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 04/11/2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do STOP n.º 17/2018, no Boletim Oficial da RAEM, n.º 20, II Série, de 16/05/2018, e que foi notificada a Recorrente através do ofício n.º 146/DAT/2018 no mesmo dia.
3. O técnico do DSSOPT elaborou, em 11/07/2018, a seguinte proposta (nº 212/DSO/2018):
“…
1. Por despacho do Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018, foi declarada a caducidadeda concessão do terreno com a área de 1233 m2, designado por lote 1 da zona C do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º ... a fls. … do livro ..., a que se refere o Processo n.º 60/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do STOP n.º 17/2018, no Boletim Oficial da RAEM n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2018, e foi notificado à «Sociedade de Investimento Imobiliário X, S.A.» o conteúdo do referido despacho pelo ofício n.º 146/DAT/2018 de 16 de Maio. (Anexo 1)
3. Conforme as fotografias tiradas pelo pessoal deste departamento em 31 de Maio de 2018, verifica-se que no terreno referido existem veículos automóveis cujos proprietários são desconhecidos, areias e pedras, materiais e máquinas de construção, contentores e armazém em estrutura metálica. (Anexo 2)
4. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve considerar-se o seguinte:
4.1 Nos termos do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 136.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.º do CPA;
4.2 Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do «Código do Processo Administrativo Contencioso» aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M de 13 de Dezembro, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
4.3 Assim sendo, quer interponha o recurso contencioso quer não, a ordem emitida pela Administração pode ser executada;
4.4 Com base no n.º 2 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras», o despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.º 79/85/M, «Regulamento Geral da Construção Urbana» (RGCU), de 21 de Agosto;
4.5 Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.º da «Lei de terras».
5. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da «Lei de terras» e com o artigo 55.º do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
5.1 Ordenar o despejo da «Sociedade de Investimento Imobiliário X, S.A.», no prazo de 60 dias contado a partir da data de notificação, do terreno com a área de 1233 m2, designado por lote 1 da zona C do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situado na península de Macau, descrito na CRP sob o n.º ... a fls. … do livro ..., cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018, devendo demolir e remover construções temporárias de estrutura metálica, remover todos os bens móveis existentes no local, tais como todas as areia e pedra, materiais e máquinas de construção, contentores e os resíduos sólidos e lixo, bem como os veículos automóveis lá estacionados;
    Caso não se execute voluntariamente no referido prazo de 60 dias,
5.2 A DSSOPT irá executar coercivamente o referido despejo de acordo com o artigo 56.º do RGCU.
À consideração superior…”.
4. O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 13/07/2018, proferiu, na proposta n.º 212/DSO/2018 de 11/07/2018, o seguinte despacho: “Concordo”.
5. Pela Ordem Executiva n.º 113/2014, o Chefe do Executivo delegou no STOP as competências executivas em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999.
6. A Ordem Executiva nº 113/2014, de 20/12/2014, foi publicada no B.O. de 20/12/2014, I Série, Número Extraordinário.
*
IV – Fundamentação
Imputa a Recorrente ao acto recorrido os seguintes vícios:
- falta de fundamentação;
- falta de audiência prévia; e
- violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça.
Vamos agora analisar se assiste razão à Recorrente.
(1) Da falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados”.
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e do parecer integrante, na nossa opinião, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente. Dele resulta que foi ordenada a desocupação do terreno em consequência da declaração da caducidade da concessão.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
(2) Da falta de audiência prévia:
Como é sabido, a audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
A doutrina e a jurisprudência portuguesa, cujo sistema jurídico é igual ou semelhante ao nosso, pelo que citamos a título do Direito Comparado, têm vindo a entender que a preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada (Ac. do STA, proferidos nos Recursos nºs 1240/02, 671/10 e 833/10, respectivamente, de 03/03/2004, 10/11/2010 e 11/05/2011).
No caso em apreço, com a declaração da caducidade da concessão, a desocupação do terreno é inevitável nos termos da al. 1) do nº 1 do artº 179º da actual Lei de Terras (Lei nº 10/2013).
Trata-se, portanto, duma actividade vinculada da Administração.
Nesta conformidade, a audiência prévia da Recorrente deixa de ter qualquer efeito útil, uma vez que nada pode influenciar a decisão a tomar pela Entidade Recorrida.
(3) Da violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça:
Os vícios supra identificados só existem nas actividades administrativas discricionárias.
No caso em apreço, com a declaração da caducidade da concessão, a desocupação do terreno é inevitável nos termos da al. 1) do nº 1 do artº 179º da actual Lei de Terras (Lei nº 10/2013).
Trata-se, portanto, duma actividade vinculada da Administração.
Ora, sendo uma actividade administrativa vinculada, os alegados vícios nunca são operantes.
No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do TUI, de 08/06/2016 e 22/06/2016, proferidos, respectivamente, nos Proc. nº 9/2016 e 32/2016.
Improcedem, assim, estes fundamentos do recurso.
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Tudo visto, resta decidir.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
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Custas pela Recorrente com 8UC taxa de justiça.
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Notifique e registe.
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RAEM, aos 05 de Março de 2020.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng

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