Processo nº 794/2018
Data do Acórdão: 12MAR2020
Assuntos:
Desocupação do terreno
Falta de fundamentação
Preterição da audiência prévia
Princípio da boa fé
Princípios da adequação e da proporcionalidade
Actividade vinculada
SUMÁRIO
1. O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
2. Sob outro prisma, considera-se cumprido o dever de fundamentação, quer na forma da exposição directa das razões de facto e de direito, quer através da declaração da concordância ou da remissão para os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas nos termos autorizados pelo artº 115º/1 do CPA, quando o acto encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.
3. A audiência prévia prevista no artº 93º do CPA é corolária, por um lado, do direito à participação constitutiva na formação das decisões que lhes dizem respeito, ao qual corresponde o dever da Administração de proporcionar aos particulares a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento e associá-los à tarefa de preparar a decisão final, e por outro, do direito à contraditoriedade quanto ao eventual sentido, mormente desfavorável, da decisão a tomar pela Administração, por forma a evitar a prolação de uma decisão que constitui um ataque surpresa ao particular visado.
4. Por força do princípio da boa fé consagrado no artº 8º do CPA, a Administração não deve usar uma competência ou um direito, incluíveis na sua discricionariedade, cujo exercício, em caso concreto, entra em flagrante e injustificada contradição com o seu comportamento anterior.
5. Não obstante o comando da tutela do princípio da boa fé, a Administração, por um lado, deve actuar estritamente de acordo com a lei e na prossecução dos interesses públicos, não devendo ficar amarrada por intenções manifestadas por agente seu que manifestamente carecia do poder para a representar, e por outro, não pode actuar praeter-legem ou até contra-legem com o objectivo exclusivo de evitar ferir a confiança do particular criada pela sua actuação anterior.
6. Os princípios da adequação e da proporcionalidade funcionam no exercício dos poderes discricionários e não na actividade vinculada.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 794/2018
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
Sociedade de Investimento Imobiliário Fong Keng Van, S. A., devidamente identificada nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 13JUL2018, que lhe ordenou o despejo, no prazo de 60 dias, do terreno com a área de 4563 m², designado por lote 4 da zona A do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situado na península de Macau, descrito na CRP sob o nº 22293 a fls. 79 do livro B8K, cuja concessão foi declarada caducada por despacho do Chefe do Executivo de 03MAIO2018, assim como a remoção de todos os vergalhões de aço não utlizados que estão amontoados ao lado da estrutura de entivações e contenções provisória para as obras de fundações, resíduos sólidos e lixo que se encontram no local, concluindo e pedindo:
1. 本司法上訴之提起屬適時及適當,貴院具有權限審理本聲請;
2. 司法上訴人為被上訴批示所指之澳門半島蘇亞利斯博士大馬路及澳門商業大馬路之間「南灣湖計劃」 A區4地段(該地段標示於澳門物業登記局編號22293)之承批人。
3. 根據公佈於1989年12月29日第52期《澳門政府公報》第四期副刊的第203/GM/89號批示訂立的1991年07月30日的公證書作為憑證,當時的澳門政府以租賃方式將位於南灣及外港新填海區的多幅「南灣湖計劃」 A、B、C及D區的地段批予南灣發展股份有限公司(見文件3)。
4. 透過公佈於1994年07月27日第三十期《澳門政府公報》第二組的第92/SATOP/94號批示作為憑證,將一幅面積4,563平方米,稱為「南灣湖計劃」A區4地段的土地批給所衍生的權利有償移轉予司法上訴人(見文件6)。
5. 該土地應按照經06月22日第134/92/M號訓令修訂的04月18日第69/91/M號訓令所核准的有關A區的詳細計劃及有關規章,用作興建一幢屬分層所有權制度,作商業、辦公室和停車場用途的樓字。
6. 透過公佈於2006年08月21日第三十四期《澳門特別行政區公報》第一組的第248/2006號行政長官批示,廢止於1991年04月18日第十五期《澳門政府公報》第二組的第69/91/M號訓令所核准《南灣海灣重整計劃之細則章程》(見文件7)。
7. 其後,透過公佈於2007年05月23日第二十一期《澳門特別行政區公報》第二組的第52/2007號運輸工務司司長批示,批准更改該土地的用途,並修改其批給合同,將該土地改為用作興建一幢28層高,包括三層地庫及一層避火層的五星級酒店,土地的利用期限至2008年08月18日止,土地租賃的有效期至2016年07月30日(見文件8)。
8. 於2008年04月15日,司法上訴人代表向土地工務運輸局提出該土地利用延長的申請(見文件9)。
9. 司法上訴人於土地利用期至2008年08月18日屆滿之規定,已對該土地開展了工程,包括已完成該土地100%地樁基礎工程及95%地庫工程。
10. 自2008年起,司法上訴人之兩名股東“翡翠集團娛樂有限公司”及“翡翠酒店發展有限公司”因發展該土地不斷發生訴訟,除此之外,上述訴訟更對該土地構成各種無法單方面解除的負擔,尤其是於澳門物業登記局登記日期為2009年07月l3日登錄編號為69081C曾作出之查封登記,以及登記日期為2008年09月24日之登錄編號為32145F曾作出之假扣押登記。
1l. 為處理延長該土地利用期的申請,於2008年09月23日,土地工務運輸局土地管理廳作出了第063/DSODEP/2008號報告書(見文件11),當時該局有意給予36個月利用期予司法上訴人完成對該土地的利用,但正是由於上述訴訟及查封,土地工務運輸局透過第139/1386.02/DSODEP/2009號公函通知司法上訴人,對司法上訴人提出延長該土地利用期之請求的評估工作將暫停,直至通過應得的判決為止(見文件12)。
12. 及後,因發展該土地產生多個訴訟卷宗,上述訴訟及相關保全措施亦曾登錄於司法上訴人之商業登記上,於澳門商業及動產登記局之登錄編號分別為AP.55/05092008、AP.20/23092008、AP.24/14102008、AP.23/19112009、AP.40/10122009及AP.46/22052012(見文件2)。
13. 該土地標示於物業登記局B8K冊第79頁第22293號,而批給所衍生的權利以司法上訴人的名義登錄於F20K冊第86頁第4299號,該土地現設有意定抵押及收益用途之指定,並以中國工商銀行(澳門)股份有限公司的名義分別登錄於第188527C號及第35196F號。
14. 於2015年04日24日,司法上訴人向土地工務運輸局申請該土地的利用期績期及發出工程准照,司法上訴人當時是具備充足條件於該土地的租賃期屆滿前完成施工及臨時批給合同的全部義務。
15. 運輸工務司司長直至於2016年06月29日才作出批示,否決司法上訴人上述延長該土地利用期至2016年07月29日的申請。
16. 於2016年07月份,司法上訴人針對上述行政行為分別向運輸工務司司長 閣下及尊敬的中級法院法官 閣下提起聲明異議和司法上訴,司法上訴至今仍然待決。
17. 於2018年7月25日,司法上訴人獲悉土地工務運輸局發出的第0476/1386.04/DSO/2018號公函及運輸工務司司長於2018年7月13日在第224/DSO/2018號建議書上所作“同意”之批示。
18. 按照《行政程序法典》規定,在一般情況下,行政當局作出有關決定時應闡述其作出該決定之事實依據及法律依據;然而,運輸工務司司長僅在第224/DSO/2018號建議書上作出“同意”二字之批示,使司法上訴人無法完全明白和準確判斷有關決定的詳細內容,包括該決定所包含的事實依據和法律依據。
19. 由於被上訴批示在形式上未能完全合符《行政程序法典》第115條第1款後半部份規定,屬於含糊和不充分;按照同一條文第2款的規定,其後果等同於無說明理由。所以,司法上訴人認為,根據同一法典第124條的規定,有關行為應依法被撤銷。
20. 另一方面,司法上訴人經告知行政當局將按照第10/2013號法律《土地法》第179條第2款,以及經作出必要配合的08月21日第79/85/M號法令《都市建築總章程》第55條第2款的規定,由有關通知之日起45天內執行行政勒遷。
21. 表面上,運輸工務司司長所作的決定給予的期間(60日)較法令所訂的期間 (45日)為長,似乎對司法上訴人較為有利;但也不會因此而免除其履行說明理由的責任,因為,運輸工務司司長應明確指出給予60日期間的事實和法律依據,以讓司法上訴人知悉和完全掌握有關情況。
22. 運輸工務司司長在給予司法上訴人60日清遷期限時未能清楚說明和解釋給予上指期限的具體事實依據和法律依據,單從批示的內容和形式來看,被上訴批示都未能完全合符同一法典說明理由的要求。因此,按照《行政程序法典》第115條第2款的規定,未盡說明理由之義務等同於無說明理由,根據同一法典第124條的規定,被上訴批示應被撤銷。
23. 承上,由於被上訴批示嚴重限制積極發展地段的司法上訴人對政府善意行事的合理期盼,尤其澳門特別行政區政府代表已不止一次公開表示,在沒有對被上訴批示所針對的地段作明確規劃之前,不會主動收回有關土地;但被上訴批示完全不理會實際情況,尤其運輸工務司司長完全罔顧司法上訴人已完成該土地100%地樁基礎工程及95%地庫工程之事實而作出清遷命令,違反《行政程序法典》中所訂定的善意原則。
24. 倘若被清遷後,倘若司法上訴人最終在針對行政長官宣告該土地失效的司法上訴中勝訴,則司法上訴人再發展有關地段便會顯得困難。而且從被上訴批示的命令和既證事實所見,既然澳門特別行政區政府至今仍未為有關地段作明確規劃,被上訴批示卻貿然命令司法上訴人必須於60日期間來進行清遷,這無疑對司法上訴人造成確切的負面影響。
25. 基於被上訴批示侵犯了司法上訴人對澳門特別行政區政府代表在公開場合承諾在沒有對土地作具體規劃前不作清遷的信任,而有關命令將實質地損害著司法上訴人的權益,因此,按照《行政程序法典》第124條的規定,被上訴批示應被撤銷。
26. 另一方面,被上訴批示尚明顯地對司法上訴人的法律狀況構成實質影響,然而運輸工務司司長在作出上述批示之前,從未依法給予機會,讓司法上訴人及時在有關程序中發表意見和展明立場。
27. 事實上,根據《行政程序法典》第10條、第93條第1款、第94條、第96條及第97條的規定,基於有關程序中並不存在依法不進行聽證或免除聽證之情況,故為保障司法上訴人的辯論原則和參與原則,司法上訴人有權在運輸工務司司長援引第224/DSO/2018號建議書作出有關批示前,獲得不少於10日之期間,以便就上指建議書及其內提出的理由作出書面聽證。
28. 因此,鑒於本司法上訴所針對的批示違反了《行政程序法典》第93條第1款之規定,侵犯了司法上訴人基本權利之根本內容,因此,按照同一法典第122條第2款d)項的規定,該批示屬於無效。
29. 此外,事實上從土地工務運輸局於第0476/1386.04/DSO/2018號公函所附的現場照片所見,可清晰見到現場土地面積甚廣和物件眾多,當中包括司法上訴人上述已完成的工程部份。客觀而言,被上訴批示只給予司法上訴人60日清遷期間以遷離現場和完全清理現場相關物品,按照一般的經驗法則而言,在60日這麼短促的期間內要求司法上訴人履行相關的清遷義務,事實上屬是不適當和不足夠的。
30. 再者,考慮到倘若司法上訴人不遵守上述清遷期,便需承擔相應的法律後果。惟經客觀分析,60日清遷期的確難以讓司法上訴人妥善履行相應的清遷義務;有關決定無疑除損害著司法上訴人的權益之外,亦與廣大市民的公共利益、社會福祉背道而馳。倘由任何對事情具備基本認知的人作簡單比對,便可得知運輸工務司司長在作出有關決定所犧牲的上指利益,事實上是不能接受的。
31. 綜上所述,司法上訴人認為,基於被上訴批示已超越了適度及適當原則的限度和界限,侵犯了司法上訴人的利益,且違反該批示的後果是帶有懲罰性的。因此,按照《行政程序法典》第124條的規定,被上訴批示應依法被撤銷。
32. 經綜合以上數條的原因,懇請尊敬的法官 閣下根據《行政訴訟法典》第21條第1款c)項、d)項,以及同一條文第2款a)項的規定,由於被本司法上訴所針對之批示出現以上所述及的瑕疵,故應依法被宣告無效或被撤銷。
五、請求
基於上述原因,懇請尊敬的法官 閣下:
一、 接納本司法上訴,並傳喚作出被上訴批示之實體作出答辯並以便其在法定期間內答辯以及將行政卷宗之正本移送予法院;
二、 裁定本司法上訴所針對之批示之行政行為屬無效,或屬可撤銷,廢止被上訴之批示。
Citado, veio o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas contestar pugnando pela improcedência do recurso.
Não havendo lugar à produção de prova, foram a recorrente e a entidade recorrida notificadas para apresentar alegações facultativas.
Tanto a recorrente como a entidade recorrida apresentaram alegações facultativas, reiterando a recorrente grosso modo os mesmos fundamentos já deduzidos na petição do recurso e insistindo a entidade recorrida na improcedência do recurso.
Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela improcedência do presente recurso.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e inexistem nulidades e questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso e reiteradas nas alegações facultativas, são as questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da falta de fundamentação;
2. Da preterição da audiência;
3. Da violação do princípio da boa fé; e
4. Da violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade.
Apreciemos.
1. Da falta de fundamentação
Em dois aspectos a recorrente assaca ao despacho recorrido o vício da falta de fundamentação.
O primeiro aspecto refere-se ao teor do próprio despacho.
Alega a recorrente que, consistindo na mera expressão “Concordo”, aposta sobre a proposta nº 224/DSO/2018, o despacho recorrido tão simples não permite à recorrente compreender o teor do despacho recorrido, nomeadamente os fundamentos de facto e de direito da decisão em que se apoia a decisão.
Como se sabe, o acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Sob outro prisma, considera-se cumprido o dever de fundamentação, quer na forma da exposição directa das razões de facto e de direito, quer através da declaração da concordância ou da remissão para os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas nos termos autorizados pelo artº 115º/1 do CPA, quando o acto encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.
In casu, a fundamentação foi feita justamente na segunda forma, ou seja, através da declaração da concordância para os fundamentos da proposta nº 224/DSO/2018.
Ora, basta uma simples leitura dessa proposta nº 224/DSO/2018, é de concluir que foi cabalmente cumprido o dever de fundamentação pela entidade recorrida, uma vez que o mesmo acto em si encerra os fundamentos de facto e de direito que nos permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para emanar a ordem de despejo do terreno e a remoção dos objectos que se encontram colocados no mesmo terreno.
Igualmente, uma leitura simples da petição de recurso permite-nos a confirmar que, pelos fundamentos de recurso invocados, a recorrente se apercebeu perfeitamente das razões de facto e de direito que levaram a Administração a decidir como decidiu.
Quanto ao segundo aspecto, a recorrente disse que em vez de ser de 45 dias o prazo legal para a desocupação, fixado no artº 55º/2 do D. L. nº 79/85/M, ex vi do artº 179º da Lei de Terras, a Administração não explicou qual é a razão que a levou a fixá-lo em 60 dias, um prazo maior do que o legalmente fixado.
Pois, para a recorrente, não obstante em benefício do particular, o alargamento do prazo carece de ser fundamentado pela Administração.
Ora, independentemente da questão de saber se é efectivamente em 45 dias que deve ser fixado o prazo pela Administração no caso em apreço, é sempre de dizer que a recorrente não tem a legitimidade para reagir contra e queixar-se de uma decisão que lhe trouxe vantagens.
Na verdade, para ter legitimidade de recorrer de uma decisão, é preciso que a pessoa seja directa e efectivamente prejudicada pela mesma decisão.
Não lhe fazendo sofrer de quaisquer prejuízos directos e efectivos, antes pelo contrário trazendo-lhe benefícios mais do que a lei fixa (segundo alegou), a recorrente não tem legitimidade de reagir contra a fixação do prazo em 60 dias.
Improcede in totum a arguição da falta de fundamentação.
2. Da preterição da audiência
Em síntese, a recorrente entende que, sendo constitutiva de encargos que se impendem sobre ela, a ordem da desocupação do terreno e da remoção dos objectos nele existentes deveria ter sido precedida da audiência prévia.
Não se tendo procedido dessa maneira nem se encontrando a lidar com qualquer das situações permissivas da inexistência ou dispensa da audiência prévia, previstas nos artºs 96º e 97º do CPA, a Administração fez inquinar a sua decisão por vício da preterição da audiência.
Ora, por força do princípio da participação consagrado no artº 10º do CPA, os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disseram respeito, designadamente através da respectiva audiência.
Concretizando este princípio, dispõe o artº 93º do CPA que “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvido no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informado, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
Trata-se de um direito legalmente conferido aos particulares à participação constitutiva na formação das decisões que lhes dizem respeito, ao qual corresponde o dever da Administração de proporcionar aos particulares a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento e associá-los à tarefa de preparar a decisão final.
Por outro lado, o estabelecimento do direito à audiência prévia visa assegurar aos particulares interessados o contraditório quanto ao eventual sentido, que lhe é desfavorável, da decisão a tomar pela Administração, por forma a evitar a prolação de uma decisão que constitui uma surpresa ao visado.
Todavia, tal como sucede com a maioria dos princípios, senão todos, por mais sagrados sejam, comportam excepções.
O princípio da participação não pode fugir a esta regra.
Na verdade, a própria lei estabelece dois grupos de excepções ao princípio da participação retirando aos particulares o seu direito à audiência prévia, quais são o grupo das circunstâncias determinantes da inexistência de audiência dos interessados e o das da dispensa de audiência dos interessados, previstas nos artºs 96º e 97º do CPA.
Dispõem estes dois artigos:
Artigo 96.º
(Inexistência de audiência dos interessados)
Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente;
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.
Artigo 97.º
(Dispensa de audiência dos interessados)
O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
Tal como disse e bem a recorrente, in casu não estamos perante qualquer das situações previstas nesses dois artigos.
Todavia, nem por isso a falta de audiência da recorrente antes da tomada da decisão ora recorrida constituiu uma preterição de uma formalidade essencial capaz de invalidar a decisão.
Pois de acordo com a matéria de facto dada por assente, o acto ora recorrido que ordenou o despejo do terreno e a remoção dos objectos nele existentes foi praticado na sequência lógica e cronológica da declaração de caducidade da concessão num procedimento administrativo em que, cremos nós, foi dado cumprimento ao contraditório através da audiência prévia, antes da declaração da caducidade.
Notificada da declaração da caducidade da concessão, a recorrente, enquanto concessionária, deveria ter contado com a subsequente ordem de despejo, vinculativamente decorrente da lei – artº 179º/1-1) da Lei de Terras.
Assim sendo, se já lhe tiverem sido bem assegurados o contraditório e a participação constitutiva no procedimento de formação do acto da declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, já nada se justifica a audição, de novo, da recorrente quanto à ordem de desocupação que, face à lei, é consequência jurídica necessária ipso iuris decorrente da declaração da nulidade da concessão.
Sendo consequência jurídica necessária da declaração da nulidade da concessão, ao ordenar a desocupação do terreno e a remoção dos objectos nele existentes, a Administração não fez mais do que o uso de um poder na actividade vinculada.
Na esteira da doutrina preconizada nos seus Doutos Acórdãos, nomeadamente os tirados nos processos nºs 20/2016 e 91/2018, o Venerando Tribunal de Última Instância chegou a afirmar no sentido de que se a decisão administrativa tomada for a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artº 93º/1 do CPA degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo, não geradora da invalidade da mesma decisão.
É justamente o que sucedeu in casu.
Portanto, improcede o recurso nesta parte.
3. Da violação do princípio da boa fé
A recorrente imputou à Administração a violação do princípio da boa fé, consagrado no artº 8º do CPA, tendo para o efeito alegado que com a decisão de reaver o terreno, a Administração feriu a confiança que ela depositou no Governo da RAEM que, através de representante seu, declarou, mais do que uma vez, ao público que não iria tomar iniciativa de reaver o terreno enquanto não tiver sido concluído o planeamento para o aproveitamento do terreno e que a Administração ignorou de todo em todo o facto de terem sido entretanto concluídos 100% das obras de fundações e 95% da construção das estruturas da cave no terreno.
Reza o artº 8º do CPA que:
1. No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2. No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial:
a) Da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa;
b) Do objectivo a alcançar com a actuação empreendida.
Enquanto princípio geral de direito, o princípio da boa fé constitui uma linha geral de orientação jurídica, um padrão ético-jurídico de avaliação das condutas humanas, como honestas, correctas, leais – nesse sentido, vide Mário Esteve de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in CPA, anotação I ao artº 6º-A .
A nossa lei manda que, no cumprimento do princípio da boa fé, pela Administração deva ser ponderada a confiança que o particular nela depositou atendendo às atitudes e actuações anteriores da Administração ao longo do tempo – artº 8º do CPA.
Portanto, o bem jurídico que a norma visa tutelar é a expectativa por parte do particular de que a Administração não iria usar uma competência ou um direito, cujo exercício entra em flagrante e injustificada contradição com o seu comportamento anterior.
Todavia, para nós, não deve ser abrangida, aqui no âmbito da tutela pelo princípio da boa fé, qualquer expectativa por parte do particular, pois pelo menos é preciso que a expectativa seja fundada e legítima.
E só perante casos concretos é que estamos habilitados a ajuizar se a expectativa é fundada e legítima e se a actuação por parte da Administração fere a expectativa fundada e legítima do particular.
In casu, a recorrente limitou-se alegar que o Governo da RAEM, através do representante seu, declarou, mais do que uma vez, ao público, que não iria tomar iniciativa de reaver o terreno enquanto não tiver sido elaborado o planeamento para o aproveitamento do terreno.
Antes de mais, é de salientar que não sabemos se o alegado corresponde à verdade, nem é do nosso conhecimento se entretanto a Administração já tem o alegado planeamento elaborado.
Todavia, hipoteticamente falando, mesmo o Governo tivesse chegado a fazer tais declarações, a expectativa da recorrente não deveria ter sido tutelada no âmbito da protecção do princípio da boa fé.
A recorrente, enquanto concessionária do terreno, não pode deixar de saber que, face à lei, não tendo sido definitivamente aproveitado dentro do prazo legal o terreno, a sua concessão será vinculativamente declarada caducada, e na sequência da declaração da caducidade da concessão, também em face da lei, não restará outra alternativa à Administração que não seja a de reaver o terreno.
Alías, já foram repetidamente afirmado pela jurisprudência unânime dos Tribunais de Macau que a declaração da caducidade da concessão, com fundamento no decurso do prazo de aproveitamento sem que tenha sido definitivamente aproveitado o terreno, assim como a subsequente ordem de desocupação, integram o exercício do poder na actividade vinculada.
Na verdade, enquanto corpo único internamente hierarquizado, a Administração tem de estabelecer contactos com o público em geral e particulares através de seus funcionários ou agentes.
Pode acontecer que, estes funcionários ou agentes falaram ao público, fora da sua competência ou sem que tenham sido devidamente para tal credenciados ou autorizados.
Assim, mesmo que houvesse alguém, a aparecer como se estivesse na veste do representante da Administração, manifestando intenções quanto à solução a dar a um determinado assunto ou assumindo compromissos de actuar ou não actuar de uma determinada maneira num procedimento administrativo em curso ou sobre determinado assunto, o particular participante no procedimento ou interessado no assunto deveria ter o mínimo de cuidado para, antes de confiar e formar expectativa quanto à viabilidade da concretização de tais intenções manifestadas ou compromissos assumidos, avaliar se este alguém realmente tem a capacidade ou a legitimidade para manifestar tais intenções ou poder assumir tais compromissos, assim como a viabilidade em face da lei e a conformidade à lei daquilo que se intenciona a fazer ou daquilo a que se compromete.
A proceder de outra maneira, a expectativa, mesmo criada e formada na cabeça do particular, pode não ser fundada e legítima, e portanto, não é digna da protecção jurídica.
Justamente neste tipo de situações, se a Administração não vier a actuar de acordo com tais intenções manifestadas ou compromissos assumidos, nem sempre é invocável o princípio da boa fé para invalidar o acto que acabou por ser praticado
Isto porque, por um lado, a Administração deve actuar estritamente de acordo com a lei e na prossecução dos interesses públicos, não devendo ficar amarrada por intenções manifestadas por aqueles que manifestamente careciam do poder para a representar, e por outro, não pode a Administração actuar praeter-legem ou até contra-legem com o objectivo exclusivo de evitar ferir a confiança do particular criada pela sua actuação anterior que, em caso algum, pode ser invocada como fundamento para invalidar actos válidos ou convalidar actos inválidos.
De resto, como é geralmente entendido, o princípio apresenta-se exclusivo da actividade discricionária – nesse sentido, vide o Acórdão do TSI de 27JUL2019 no proc. Nº 531/2018.
In casu, estamos perante uma ordem de despejo, imposta pelo artº 179º/1-1) da Lei de Terra na sequência da declaração da caducidade da concessão.
Assim sendo, independentemente de a hipotéctica expectativa da recorrente ter ou não a dignidade para ser tutelada no âmbito do princípio da boa fé, por razões que vimos supra, o certo é que dada a natureza não discricionária, antes pelo contrário vinculativa por imposição legal, da ordem de despejo, o princípio da boa fé não é aqui invocável para invalidar a ordem de despejo.
Improcede esta parte do recurso.
4. Da violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade.
Finalmente a recorrente assacou à Administração a violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade.
A propósito do âmbito da aplicação desses princípios gerais de direito, que ganham algumas particulares no Direito Administrativo, os Tribunais administrativos da RAEM já chegaram a pronunciar-se repetida e unanimemente que os tais princípios só funcionam no exercício dos poderes discricionários – vide os Acórdãos do TUI nos proc. nºs 32/2016, 79/2015, 46/2015, 14/2014, e os Acórdãos do TSI, nos proc. nºs 966/2018, 969/2018.
In casu, tal como vimos supra, a emanação de uma ordem de despejo decorre da norma imperativa do artº 179º/1-1) da Lei de Terras.
Dada a óbvia vinculatividade jurídica, é impertinente a invocação dos princípios da adequação e da proporcionalidade.
Em conclusão:
1. O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
2. Sob outro prisma, considera-se cumprido o dever de fundamentação, quer na forma da exposição directa das razões de facto e de direito, quer através da declaração da concordância ou da remissão para os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas nos termos autorizados pelo artº 115º/1 do CPA, quando o acto encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.
3. A audiência prévia prevista no artº 93º do CPA é corolária, por um lado, do direito à participação constitutiva na formação das decisões que lhes dizem respeito, ao qual corresponde o dever da Administração de proporcionar aos particulares a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento e associá-los à tarefa de preparar a decisão final, e por outro, do direito à contraditoriedade quanto ao eventual sentido, mormente desfavorável, da decisão a tomar pela Administração, por forma a evitar a prolação de uma decisão que constitui um ataque surpresa ao particular visado.
4. Por força do princípio da boa fé consagrado no artº 8º do CPA, a Administração não deve usar uma competência ou um direito, incluíveis na sua discricionariedade, cujo exercício, em caso concreto, entra em flagrante e injustificada contradição com o seu comportamento anterior.
5. Não obstante o comando da tutela do princípio da boa fé, a Administração, por um lado, deve actuar estritamente de acordo com a lei e na prossecução dos interesses públicos, não devendo ficar amarrada por intenções manifestadas por agente seu que manifestamente carecia do poder para a representar, e por outro, não pode actuar praeter-legem ou até contra-legem com o objectivo exclusivo de evitar ferir a confiança do particular criada pela sua actuação anterior.
6. Os princípios da adequação e da proporcionalidade funcionam no exercício dos poderes discricionários e não na actividade vinculada.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar improcedente o recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 8UC.
Registe e notifique.
RAEM, 12MAR2020
Lai Kin Hong
Ho Wai Neng
Fong Man Chong (com declaração de voto vencido)
Mai Man Ieng
行政司法上訴卷宗編號 : 794/2018
上 訴 人 : 風景灣置業發展股份有限公司 (Sociedade de Investimento Imobiliário Fong Keng Van, S.A.)
被 上 訴 實 體 :運輸工務司司長
落敗票聲明 (Declaração de Voto Vencido)
第一部份: 前言
在尊重合議庭多數意見之前提下,本人對本案的理據及判決部分皆持不同的觀點,故作成本落敗票聲明。
*
一、 本案為行政長官對有關土地臨時批給失效後,承批人不服向中級法院提起司法上訴(卷宗編號Proce nº 586/2018),在卷宗未有確定判決之前,運輸工務司司長根據《土地法》第208條及第209條之規定作出騰空土地的命令。
二、 在上述案件內,上訴人提出阻止宣告失效之理由,但法院未就該事宜作出認定,在本案件內,上訴人稱:
「31. 其後,土地工務運輸局於2018年05月16日發出之第144/DAT/2018號公函通知司法上訴人,據該公函所載之批示指出,經由尊敬的澳門特別行政區行政長官 閣下於2018年5月3日作批示,根據及基於作為上述行政長官批示組成部分的運輸工務司司長二零一六年十一月四日意見書,聲請人持有的該幅面積4,563平方米,位於澳門半島,稱為「南灣湖計劃」A區4地段的土地的批給,由於有效期屆滿,已被宣告失效。
32. 由於司法上訴人認為其權利及受法律保障之利益因上述行政長官 閣下所作的行政行為受到侵害,司法上訴人已先後根據《行政程序法典》及《行政訴訟法典》的相關規定,向 貴院提起司法上訴及效力之中止之訴。前者的訴訟程序尚處待決階段,後者作為前者第586/2018號司法上訴卷宗的附案,貴院已作出了第586/2018/A號效力之中止卷宗的合議庭裁判(見文件16)。」
基此,在尊重不同意見的前提下,本人認為較佳的處理做法是應先中止本案之程序,待上述案件有終局裁判為止。
但由於這並非法庭的大多數的立場,而且對本案之實體問題作出認定,故亦需對此作出分析及表明立場。
*
第二部份: 請求
一、有關批給涉及一幅面積4,563平方米、位於澳門半島「南灣湖計劃」A區4地段的土地,透過公佈在一九九四年七月二十七日第三十期«澳門政府公報»第二組的第92/SATOP/94號批示將土地批予風景灣置業發展股份有限公司;
二、 根據第52/2007號運輸工務司司長批示的規定,批給期至2016年7月30日屆滿;
三、上訴人請求法院撤銷行政長官於2018年5月3日作出之宣告其獲批之上述土地失效之批示(刋登在2018年5月16日之«政府公報»內-見第20/2018號運輸工務司司長批示),有關案件編號為586/2018。
*
四、 在本案裏,上訴標的為運輸工務司司長於2018年7月13日作出命令騰空土地的批示,上訴人提出之理據為:
1) – 損害聽證權;
2) – 有關決定欠缺理由說明;
3) – 違反行政法之基本原則:善意原則、合適原則及適度原則。
*
第三部份: 事實
先列出對解決爭議問題屬關鍵、且獲證實之事實:
1. 司法上訴人為被上訴批示所指之澳門半島蘇亞利斯博士大馬路及澳門商業大馬路之間「南灣湖計劃」 A區4地段(該地段標示於澳門物業登記局編號22293)之承批人。
2. 根據公佈於1989年12月29日第52期《澳門政府公報》第四期副刊的第203/GM/89號批示訂立的1991年07月30日的公證書作為憑證,當時的澳門政府以租賃方式將位於南灣及外港新填海區的多幅「南灣湖計劃」 A、B、C及D區的地段批予南灣發展股份有限公司(見文件3)。
3. 透過公佈於1994年07月27日第三十期《澳門政府公報》第二組的第92/SATOP/94號批示作為憑證,將一幅面積4,563平方米,稱為「南灣湖計劃」A區4地段的土地批給所衍生的權利有償移轉予司法上訴人(見文件6)。
4. 該土地應按照經06月22日第134/92/M號訓令修訂的04月18日第69/91/M號訓令所核准的有關A區的詳細計劃及有關規章,用作興建一幢屬分層所有權制度,作商業、辦公室和停車場用途的樓字。
5. 透過公佈於2006年08月21日第三十四期《澳門特別行政區公報》第一組的第248/2006號行政長官批示,廢止於1991年04月18日第十五期《澳門政府公報》第二組的第69/91/M號訓令所核准《南灣海灣重整計劃之細則章程》(見文件7)。
6. 其後,透過公佈於2007年05月23日第二十一期《澳門特別行政區公報》第二組的第52/2007號運輸工務司司長批示,批准更改該土地的用途,並修改其批給合同,將該土地改為用作興建一幢28層高,包括三層地庫及一層避火層的五星級酒店,土地的利用期限至2008年08月18日止,土地租賃的有效期至2016年07月30日(見文件8)。
7. 於2008年04月15日,司法上訴人代表向土地工務運輸局提出該土地利用延長的申請(見文件9)。
8. 司法上訴人於土地利用期至2008年08月18日屆滿之規定,已對該土地開展了工程,包括已完成該土地100%地樁基礎工程及95%地庫工程。
9. 自2008年起,司法上訴人之兩名股東“翡翠集團娛樂有限公司”及“翡翠酒店發展有限公司”因發展該土地不斷發生訴訟,除此之外,上述訴訟更對該土地構成各種無法單方面解除的負擔,尤其是於澳門物業登記局登記日期為2009年07月l3日登錄編號為69081C曾作出之查封登記,以及登記日期為2008年09月24日之登錄編號為32145F曾作出之假扣押登記。
10. 為處理延長該土地利用期的申請,於2008年09月23日,土地工務運輸局土地管理廳作出了第063/DSODEP/2008號報告書(見文件11),當時該局有意給予36個月利用期予司法上訴人完成對該土地的利用,但正是由於上述訴訟及查封,土地工務運輸局透過第139/1386.02/DSODEP/2009號公函通知司法上訴人,對司法上訴人提出延長該土地利用期之請求的評估工作將暫停,直至通過應得的判決為止(見文件12)。
11. 及後,因發展該土地產生多個訴訟卷宗,上述訴訟及相關保全措施亦曾登錄於司法上訴人之商業登記上,於澳門商業及動產登記局之登錄編號分別為AP.55/05092008、AP.20/23092008、AP.24/14102008、AP.23/19112009、AP.40/10122009及AP.46/22052012(見文件2)。
12. 該土地標示於物業登記局B8K冊第79頁第22293號,而批給所衍生的權利以司法上訴人的名義登錄於F20K冊第86頁第4299號,該土地現設有意定抵押及收益用途之指定,並以中國工商銀行(澳門)股份有限公司的名義分別登錄於第188527C號及第35196F號。
13. 於2015年04日24日,司法上訴人向土地工務運輸局申請該土地的利用期績期及發出工程准照,司法上訴人當時是具備充足條件於該土地的租賃期屆滿前完成施工及臨時批給合同的全部義務。
14. 運輸工務司司長直至於2016年06月29日才作出批示,否決司法上訴人上述延長該土地利用期至2016年07月29日的申請。
15. 於2016年07月份,司法上訴人針對上述行政行為分別向運輸工務司司長及中級法院法官提起聲明異議和司法上訴,司法上訴至今仍然待決。
16. 於2018年7月25日,司法上訴人獲悉土地工務運輸局發出的第0476/1386.04/DSO/2018號公函及運輸工務司司長於2018年7月13日在第224/DSO/2018號建議書上所作“同意”之批示。
17. 運輸工務司司長所作的決定由有關通知之日起60日執行行政勒遷。
18. 此外,事實上從土地工務運輸局於第0476/1386.04/DSO/2018號公函所附的現場照片所見,可清晰見到現場土地面積甚廣和物件眾多,當中包括司法上訴人上述已完成的工程部份。
第四部份: 法理分析
一、 按照同類案之裁判理由,主流的意見認為:
1) - 有關通知遷出被宣告失效土地的騰空土地命令是一個行政行為,可以提起行政司法上訴。
2) - 騰空土地程序是宣告失效程序之延續及組成部份。
3) - 除非有特別理由提出,或特別狀況,否則在執行程序內無需再聽證,亦無需再進行其他調查措施。
4) - 按照這個思路,承批人在主宣告批給失效的訴訟內提出的上訴理據,對命令騰空土地的程序必然產生關連作用。
*
二、 如此,在尊重不同意見之前提下,關於宣告土地批給(concessão)失效之問題,在2018年6月7日第377/2015號案件(落敗票聲明)、2018年6月28日第499/2016號案件(落敗票聲明)及2018年7月12日第617/2015號案件(投票表決聲明),已闡述本人在法律上之觀點及立場,上述案件之投票聲明中之第四部份: 法律分析,經必要配合後(mutatis mudantis),亦適用於本案,其內容在此視為完全轉錄,作為本案表決聲明之組成部份。
在涉及南灣湖土地的問題上,主要的結論部份為:
第五部份 : 結論
綜上所述,本個案存在多處法律相悖之處,其中包括:
一、 土地批給合同包含兩個核心元素: 狹意之批給–指行使當局之權力,單方設定一些基本內容,原則上不允許另一方變更,例如批准行政相對人使用公共資源 (在特定條件下),這永遠都是由行政當局掌握的權力,從不會發生私人對政府作出批給。因為批給是統治權的一種體現。
另一個就是合同之元素,它源自立約雙方之合意(共識)而達成之一種協議,關於這部分之內容,在不抵觸行政法基本原則的前提下,仍然受合同法的基本原則約束,信約必守原則,善意履行協議,對應給付等這一系列原則仍然是行政合同 (土地批給合同就是其中一種) 的規範性準則,雙方當事人仍須遵守。
葡萄牙行政法學院教授 Prof. Marcelo Rebelo de Sousa在其《行政法總論》(Direito Administrativo Geral, Tomo III)1一書中,關於履行行政合同時應遵守的基本原則及規範時就指出:
“ 行政合同之履行受制於行政活動之各項基本原則,法律特別強調善意原則,謀求公共利益原則,及合法性原則,權利及義務雙方皆須遵守。」
履行行政合同之特別原則包括「個人執行原則(princípio da execução pessoal),雙方合作原則 (princípio da colaboração reciproca),及共同關係人保護原則 (princípio da protecção do co-contratante ……”。
二、 在訂立行政合同後,如基於公共利益之需要,立法者仍然承認行政當局享有一個超然的權力,正因為如此,立法者在《行政程序法典》第167條中規定:
第一百六十七條
(行政當局之權力)
除因法律規定或因合同之性質而不得作出下列行為外,公共行政當局得:
a)單方變更給付之內容,只要符合合同標的及維持其財政平衡;
b)指揮履行給付之方式;
c) 基於公共利益且經適當說明理由,單方解除合同,但不影響支付合理之損害賠償;
d)監察履行合同之方式;
e)科處為不履行合同而定之處罰。
這一條條文清楚反映出作為行政合同之其中一方之立約人 - 行政當局,其地位超然,在某方面凌駕於私人立約人之上,但並非全無代價,例如如行政當局單方變更合同內容,同時影響另一方立約人之財政平衡 (即造成大幅度之財政超支,而且不合理),行政當局雖然為了公共利益可單方變更合同內容,但須作出賠償。這一點明顯體現出行政當局有足夠權力及手段去謀求及實踐公共利益。
三、 如果說在整個履行批給合同之過程中承批人有過錯,行政當局亦有過錯! 而所用的處理手法亦不符合決定原則 (見 «行政程序法典» 第11條),亦違反善意原則 (同法典第8條)及適度原則。主要原因為第69/91/M號訓令已透過2006年8月21日第248/2006號行政長官批示予以廢止,城規部門未能為該區域訂定新的規劃指引及發出街道準線圖,故土地利用一直未能進行。
四、 行政當局在無南灣湖城市規劃的前提下,如何要求承批人發展土地?再加上按«民法典»第323條之規定,一方承認另一方權利時,亦阻止宣告權利失效。
五、 由此可知,責任應由行政當局承擔。
一如我們所強調,在批給合同內,批給方與承批方皆有主給付及輔助給付之義務,特徵在於雙方以合同及法規為基礎互相合作及善意履行有關規定,有別於在一般情況下向行政當局提出的單獨請求。
六、 行政當局的建議書整個篇幅以承批人有過錯為前提,行政當局無過錯,故建議將批給宣告失效,我們認同這種思維方式(須考慮過錯的問題),但不認同建議書的結論內容,因為承批人並非是唯一的過錯方,而行政當局亦有責任,如前文分析般,因為行政當局的過錯及拖延,例如無城市規劃或更改該區域的規劃,導致承批人未能開展土地的利用,而承擔責任方應為行政當局。
七、 按上文分析及結論,«土地法»第47條的規定之批給期,我們認為是懲罰性除斥期,如因行政當局之過錯,無履行相關義務導致承批人無條件展開土地之利用,則可以延期,但決定權由行政當局掌握。本案就是一個典型的情況。
八、 按照«民法典»第323條之規定,當行政當局作出任何體現其承認承批人有權利用土地時,行政當局會被阻止宣告土地利用權之失效。
九、 續期及延期是兩個不同概念,法律不允許續期,並不表示不可延期,尤其是補償因行政當局因而拖長之時間。2
十、 至今特區政府都無關於南灣湖的規劃,如何發展該區?建築高度為多高?有什麼規劃?如何叫承批人設計建築計劃?
十一、 立法者在«土地法»第104條第5款內明確使用“過錯”這個概念,即要求行政當局必須考慮未能在指定期內利用土地的原因誰屬,如為行政當局,後者應承擔責任。”
三、 事實上,在命令騰空批給失效的土地的程序內依然存在許多問題:
a) - 土地佔用人提出多項理由,例如因存放大型物件在土地上(甚至是結構建築物),未能在指定期內遷出土地,行政機關應否進行調查及分析?
b) - 又或在土地上存放有大量屬於第三人的財物,在搬遷時需協調或採取特別措施,故亦無法於指定期內遷出土地,是否應聽證及調查?
c) - 又或有關遷出需另一政府部門的協助或支援等。
所以免聽證或不作調查,不是必然的處理方法,而是因應每宗具體個案而定。
d) - 又或上訴人提出在主案內無提出的理據,是否應作出審理?
這一切都是值得研究及分析的問題。
四、 按照上文所引述的既證事實,存在多項理由及事實阻止除斥期屆至,尤其是:
“(…)
4. 該土地應按照經06月22日第134/92/M號訓令修訂的04月18日第69/91/M號訓令所核准的有關A區的詳細計劃及有關規章,用作興建一幢屬分層所有權制度,作商業、辦公室和停車場用途的樓字。
5. 透過公佈於2006年08月21日第三十四期《澳門特別行政區公報》第一組的第248/2006號行政長官批示,廢止於1991年04月18日第十五期《澳門政府公報》第二組的第69/91/M號訓令所核准《南灣海灣重整計劃之細則章程》(見文件7)。
6. 其後,透過公佈於2007年05月23日第二十一期《澳門特別行政區公報》第二組的第52/2007號運輸工務司司長批示,批准更改該土地的用途,並修改其批給合同,將該土地改為用作興建一幢28層高,包括三層地庫及一層避火層的五星級酒店,土地的利用期限至2008年08月18日止,土地租賃的有效期至2016年07月30日(見文件8)。
7. 於2008年04月15日,司法上訴人代表向土地工務運輸局提出該土地利用延長的申請(見文件9)。
8. 司法上訴人於土地利用期至2008年08月18日屆滿之規定,已對該土地開展了工程,包括已完成該土地100%地樁基礎工程及95%地庫工程。
9. 自2008年起,司法上訴人之兩名股東“翡翠集團娛樂有限公司”及“翡翠酒店發展有限公司”因發展該土地不斷發生訴訟,除此之外,上述訴訟更對該土地構成各種無法單方面解除的負擔,尤其是於澳門物業登記局登記日期為2009年07月l3日登錄編號為69081C曾作出之查封登記,以及登記日期為2008年09月24日之登錄編號為32145F曾作出之假扣押登記。
故此,批給失效的原因在於行政當局,即後者在過錯的情況下造成,宣告臨時批給失效的理據不成立,繼而引致要求承批人騰空土地的理由亦不成立。
五、 加上針對宣告臨時批給失效的訴訟仍在待決期間,如行政當局在這般時間作出騰空土地的命令,應進行聽證,因為之前的宣告失效批示的合法性受到質疑,除非有特殊的原因及迫切性或援引公共利益,但本案不屬此列。
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據上論結,在尊重不同見解的前提下,在不妨礙對本案涉及之問題作更深入研究之情況下,按照卷宗所載之資料及證據,由於有關批示沾有多項有違行政法基本原則之瑕疵,應撤銷運輸工務司司長命令騰空有關土地之批示。
2020年3月12日。
第二助審法官
_________________
馮文莊
1 D. Quixote, 2ª edição, 第402頁及續後。
2一如足球比賽,在不改變90分鐘完場的前提下,如因各種原因導致浪費了時間(例如球員受傷、球迷入場搗亂),應作出時間上的補償。
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794/2018-32