Proc. nº 955/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A LIMITADA, sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o número XXXXX (SO), com sede em Macau, na XXXXXX, ---
Instaurou no TJB (Proc. nº CV1-16-0043-CAO) acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum ordinário contra: ---
B LIMITADA, sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o número XXXXX(SO), com sede em Macau, na XXXXXX, ---
Pedindo a condenação desta no pagamento de MOP$ 114.608.164,92 e juros, valor de que se acha credor em razão de uma subempreitada celebrada com a ré e por esta mal cumprida.
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A ré deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora no valor de MOP$ 207.593.061,63 e juros.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo reciprocamente as partes dos pedidos respectivos.
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Contra tal sentença, veio a ré interpor recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1.ª De acordo com a al. j)- al. a) do Saneador Despacho foi acordado o prazo de 450 dias nomeadamente para: desde a data do início dos trabalhos, para a construção das fundações com estrutura em cimento reforçado (cimento armado), trabalhos térreos, escavações e suportes laterais, drenagem subterrânea, instalação, paredes de suporte, placa e paredes de subsolo, paredes de tensão de corte, colunas, placas do piso térreo, terraço por cima do campo de basquete, instalação MEP (MEP installation, i.e., mechanical, electrical and plumbing installation), construção do auditório principal e da capela, reforço das estruturas, construção completa do edifício académico e sala para controlo dos quadros eléctricos incluindo as estruturas reforçadas, trabalhos de acabamento, instalação MEP, trabalhos paisagísticos e todos os trabalhos necessários;
2.ª Ora de acordo com a prova testemunhal quer produzida pela Ré quer produzida pela Ré nomeadamente pela testemunha C, foi esclarecido haver a presença no estaleiro de obra (sem que haja cheque requsition da B) da Companhia D em virtude da necessidade de remoção de pedra por causa da qualidade do solo.
3.ª Ora tendo sido detectada tal dificuldade, deveria-se de imediato ter comunicado ao dono de obra, e na falta de acordo entre empreiteiro e subempreiteiro accionar o disposto no art. 1141.º do CC no que respeita a modificações quanto ao preço e prazo de execução.
4.ª Mas tal não aconteceu, ou seja, em face às diculdades do solo, a Autora mais não fez que incumprir o contracto back to back e fazer adjudicações directas com uma empresa terceira sem consentimento da subempreiteira!
5.ª De acordo com o artigo 1146.º do CC existe um prazo convencionado de 30 dias para rectificação de defeitos.
6.ª Ora sendo esta obra fiscalizada com regularidade sobre a cada fase da construção os atrasos, a existirem teriam de ser rectificados pelo empreiteiro em primeiro lugar e havendo a a cláusula back to back com a B, tais relatórios obrigavam o empreiteiro e subempreiteiro, o que sucede é que a subempreiteira B nunca foi tida nem achada nas medições que iam sendo efectuadas, pois, a empreiteira não lhe dava conhecimento.
7.ª Como tal, se houve atrasos e se era necessário proceder a rectificações a subempreiteira não foi noticiada. Apenas sabia do que a empreiteira entendia comunicar, para à posteriori, a coberto desta razão e proceder a adjudicações directas com entidades terceiras, sem consentimento da B, a preços elevados ao do contrato, mas, que no final recaiam na conta do contrato celebrado com a B, o que não se concede.
8.ª Para além deste facto a fls. 5132 vem a empreiteira proceder à junção de uam tabela de defeitos, já depois de iniciados os autos da presente acção ordinária, em que consta uma referência (WO) que significa os trabalhos realizados pela B, subempreiteira, e outros (N/A) que significa trabalho realizado peal empreiteira e outra referência ( ) que de acordo com a testemunha da Autora E responde “talvez foi outra subempreiteira a fazer”.
9.ª E, desta forma, pretende ainda o pagamento de defeitos que não explica a que título recaem na copmpanhia B, mas que não entram em contas no montante apurado na al. li) ou seja, nos termos do contrato foi acordado que o valor da retenção não podia ser superior a 10% do valor da subempreitada tendo sido retido o montante de MOP27.150.988,38; (resposta ao quesito nº 23 da base instrutória).
10.ª Pergunta-se o valor de retenção supra servia afinal para que contingências de obra?
11.ª E que nunca foi devolvida sequer a caução que à subempreiteira B que havia prestado no inicio de obra no montante de MOP11,060.000,00 Cláusula 6 al. b) do contrato celebrado entre a Autora e Ré.
12.ª Como tal a ser assacado qualquer defeito, deveria-se ter accionado o valor de contigência supra.
13.ª Mas, não esqueçamos que sendo esta obra de tal envergadura de acordo com fls. 185 havia ainda um período coberto para correcção de defeitos até 12 meses após os 720 dias da apólice.
14.ª Foi a companhia Fidelidade accionada para estes efeitos de atraso de obra?
15.ª Se o foi a empreiteira assim não o demonstrou!
16.ª E se dúvidas subjacem houve uma extensão de período por parte da seguradora que manteve a apólice por mais 12 meses de acordo com fls. 1541 após unilateralmente vide al. ee) a empreiteira ter rescindido o contrato a B e quando se encontrava já construído 45,94% de obra cujos custos de adido com o medidor do dono de obra recaiam totalmente sob o contrato com a subempreiteira B vide al. u) resposta ao quesito n.º 2 da base instrutória.
17.ª O contrato de seguro o qual servia quer para atraso quer para rectificação de defeitos foi activado?
18.ª Ademais a apoílice de seguro também foi de acordo com a al. e) Anexo D), apólices e seguros (dos Factos Assentes) e ao abrigo da calúsula back to back, pergunta-se se não foi accionada pelo empreiteiro porque há-de o empreiteiro receber qualquer indemnização por atrasos de obra se a terem existido também seria responsabilizado?
19.ª Foi o empreiteiro responsabilizado pela companhia de seguro Fidelidade? Foi accionada a apólice de seguros?
20.ª Diz-nos o art. 422.º do Código Civil que: 1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
21.ª A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.”
22.ª De acordo com al. y) da Base Instrutória (resposta ao quesito n.º 6 da base instrutória) considera que a Ré B “começou a faltar com os pagamentos aos seus subempreiteiros, seus fornecedores, seus, prestadores de serviços, seguros e seus trabalhadores (resposta ao quesito n.º 5 da Base instrutória).
23.ª Ora a questão a saber é se houve o cumprimento da cláusula 5 do contrato celebrado entre Autora e Ré nos termos do qual, e sempre de acordo com o back
24.ª to back scheme foram os pagamentos feitos à Ré no prazo de 14 dias após certificado de emissão pelo quantaty survey do dono da obra?
25.ª A resposta é claramente Não!
26.ª Basta somente ler atentamente as alíneas al. k), al. r), e al. u) do douto Saneador Despacho para se concluir que a Autora é devedora da Ré.
27.ª E esta situação já existia na data de 9 de Outubro de 2015.
28.ª Tendo a Ré B desde o início do contrato requerido os pagamentos após certificação pelo quantaty survey, sem que a Autora desse a conhecer as certificações e variações de obra.
29.ª De acordo com a al.s) dos Factos Assentes foram apenas feitos à Ré dois pagamentos directos um a 24.01.2014 e até 10.08.2015 no montante de MOP72.989.730,84.
30.ª Desta forma é absolutamente lícito uma parte não cumprir enquanto a outra não cumpre.
31.ª Muito bem andou o Tribunal a quo na fundamentação que fez das contas, em face de todo o alegado pela Autora, ou seja, ao entender ser a Ré credora do valor MOP38,587,464.91.
32.ª Por outro lado, mal andou o tribunal a quo ao entender que o atraso de obra se deve à Ré havendo a cláusula back to back, em que os pagamentos não seguiram o disposto no contrato celebrado vide cláusula 5.
33.ª Por outro lado, não se pode responsabilizar a Ré em virtude de determinadas condições do solo, haver necessidade de utilizar outros equipamentos e esta situação acarretar mais custos e atraso de obra.
34.ª Pois esta foi a situação que ocorreu na realidade.
35.ª Por outro lado a Autora incumpriu o contrato ao recorrer a terceiros e impondo o pagamento dos mesmos à conta da Ré, porque esta circunstância não se encontra inserida no conceito back to back scheme.
36.ª Finalmente ainda a considear, o que não se concede que este Douto Tribunal Ad quem atenda a fundamentação da Sentença ora recorrida, mesmo assim a Ré é credora do montante MOP4,879.314,91.
37.ª Devendo por conseguinte este Tribunal ad quem atender o presente Recurso determinando o seu pagamento imediato.
DO PEDIDO
Termos em que e contando com o muito douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser revogada a decisão ora recorrida e substituída por outra na qual a Autora ora seja condenada no pagamento à Ré ora Recorrente no montante de MOP33,708.150.00.
Usando este Tribunal Ad quem da prerrogativa contida no art. 630 n.º 2 do Código de Processo Civil.
Assim procedendo Vossas Excelências à habitual e reiterada justiça como é Timbre deste Douto Tribunal!”
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Sem formular conclusões, a autora respondeu ao recurso da ré, pugnando pelo seu improvimento (fls. 6505-6513).
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Recorreu também a autora, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“a) Com o muito respeito devido, crê a Recorrente que a prova documental e testemunhal produzida nos autos deveria ter resultado num diferente juízo quanto à prova dos pontos 16, 20 e 21 da base instrutória.
b) Desde logo, a seguinte factualidade provada ajuda a entender a razão de ser dos pagamentos feitos a entidades terceiras pela A.:
• A A. celebrou, em 7 de Maio de 2013, um contrato de subempreitada com a R. (pontos C e D dos factos assentes);
• A partir do final de 2014 a R. começou a apresentar dificuldades financeiras (ponto 4 da base instrutória);
• A R. começou a faltar com os pagamentos aos seus subempreiteiros, seus fornecedores, seus prestadores de serviços, seguros, e seus trabalhadores (ponto 5);
• O que originou atrasos na obra (ponto 6);
• Além disso, os próprios fornecedores não procediam à entrega dos materiais enquanto os pagamentos não fossem efectuados (ponto 7);
• Nem os subempreiteiros da R. realizavam os seus trabalhos se os respectivos pagamentos não fossem efectuados (ponto 8);
• Perante esta situação, e para evitar sucessivos e prolongados atrasos na execução da obra, a A. foi forçada a efectuar esses pagamentos aos subempreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços, seguros, e trabalhadores da R. (ponto 9).
c) Em súmula, resulta da factualidade considerada provada que a A., a certa altura, teve que começar a efectuar pagamentos a terceiros por conta da R., para evitar que a obra simplesmente parasse.
d) A R. era a responsável, nos termos do contrato de subempreitada, pela execução da totalidade da obra sob discussão, o que incluía, naturalmente, a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas relacionadas com o fornecimento de materiais e mão de obra necessários.
e) Porque assim era, a R. não tinha qualquer responsabilidade, ou deve, de pagar qualquer fornecimento de materiais ou trabalho no local da obra, cabendo-lhe apenas liquidar junto da R., nos termos e condições acordados, o preço contratual da subempreitada.
f) Quanto à questão de saber se é justificada a distinção entre os casos de despesas comprovadamente realizadas e para as quais existe pedido ou consentimento escrito da R. e aqueles em que, estando provados os pagamentos por cheque ou recibo, não existe pedido ou consentimento escrito da R., as testemunhas ouvidas em audiência prestaram depoimentos que a A. julga serem esclarecedores.
g) A testemunha indicada pela C explicou a situação que levou a A. a concordar em adiantar pagamentos de despesas com a obra a terceiros em benefício da R., explicando ao Tribunal que a R. começou a não ter capacidade para continuar a pagar os seus fornecedores e subempreiteiros, pelo que foi acordado, em reuniões com a R., que a A. começaria a pagar estas despesas quando tal fosse necessário.
h) Tal acordo é consistente com a prática da A. ao longo de quase 2 anos de adiantar valores em somas muito significativas a favor da R. para que a obra pudesse avançar.
i) Como é demonstrado por toda a documentação relativa a pagamentos junta aos autos para prova da matéria do ponto 20 da base instrutória, tais pagamentos foram todos efectuados relativamente a materiais e trabalho destinados à obra objecto do contrato de subempreitada, obra essa que era da total e exclusiva responsabilidade da R..
j) De toda a documentação junta aos autos para prova dos pagamentos realizados a entidade terceiras, não pode restar dúvida de que todos eles se referem à obra objecto do contrato de subempreitada, ou seja, a construção do novo campus da Universidade de São José.
k) Para assim concluir, poderá atentar-se em como toda a documentação de pagamento às referidas entidades é referenciada com o código do projecto BC109, que respeita à aludida obra, como é possível observar pela referência no respectivo contrato e foi corroborado pela testemunha F.
l) Também a testemunha E foi consistente ao explicar esta questão no mesmo sentido.
m) Considerando a prova documental e testemunhal produzida sobre o ponto em causa, e inexistindo qualquer prova em contrário, afigura-se claro que os pagamentos feitos pela A. a entidades terceiras, devidamente documentados e comprovados nos aos autos, forma efectuados por conta e em benefício da R..
n) Neste contexto, entende a A. que o facto de alguns desses pagamentos não estarem instruídos com pedido ou consentimento escrito por parte da R. não deve relevar para efeito de se julgar, sem mais, que os mesmos foram realizados sem o seu pedido ou consentimento.
o) Em primeiro lugar, porque existia um acordo geral entre a A. e a R. sobre o pagamento a terceiros fornecedores e prestadores de serviços, e foi sob esse acordo geral que todos os pagamentos foram realizados.
p) Em segundo lugar, porque esses pagamentos foram feitos em benefício da R., servindo para pagar dívidas da R., numa obra pela qual a R. era a única exclusiva responsável.
q) Em terceiro lugar, porque se trata de pagamento que a R. nunca recusou, e mais, de pagamentos que custearam materiais e trabalho de terceiros que foram incorporados numa obra que vinha sendo executada pela R., e cujo grau de execução foi, após a resolução da subempreitada, medido e avaliado, sendo o respectivo valor levado a crédito da mesma R..
r) Não se afigurando como solução correcta a de considerar que, pela mera circunstância de faltar documento escrito pelo qual a R. pedisse ou consentisse a despesa, tal pedido ou consentimento simplesmente não existiu.
s) Nestes casos, em que está demonstrado por cheque ou recibo que o pagamento ocorreu, diz-nos a lógica e a experiência comum que se verificou, no mínimo, um consentimento tácito por parte da R., traduzido na utilização, em seu benefício, dos materiais e serviços pagos pela A..
t) As despesas provadas incorridas pela A. em favor e em benefício da R., no valor total de MOP$50.491.331,14, devem, pois, ser levadas a seu crédito na conta final.
u) Ainda que assim não se entendesse, estaríamos então perante uma situação de manifesto enriquecimento sem causa por parte da R., o que de igual modo daria à A. direito ao peticionado reembolso, nos termos dos artigos 467.º e seguintes do Código Civil.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA.”
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Não houve resposta da ré ao recurso interposto pela autora.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
“a) A Autora é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto comercial a actividade de realização de sondagens geológicas, consolidação de terrenos e fundações; construção e reparação de edifícios; trabalhos de engenharia civil; trabalhos de instalações que concorrem para a construção de edifícios; construções e obras públicas; (alínea a) dos factos assentes)
b) A Ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto comercial a actividade de realização de obras de construção (建築工程); (alínea b) dos factos assentes)
c) Após a assinatura do Contrato de Empreitada com o dono da obra, a Autora, decidiu subcontratar a Ré para a realização dos trabalhos referidos no artigo 6º no âmbito do Contrato de Empreitada; (alínea c) dos factos assentes)
d) Assim a Autora e a Ré assinaram, em 7 de Maio de 2013, uma “Letter of Acceptance” / Carta de Aceitação, datada 30 de Abril de 2013; (alínea d) dos factos assentes)
e) Juntamente com a Carta de Aceitação, a Autora entregou à Ré - na pessoa do Sr. G, tendo esta tomado conhecimento e carimbado todas as folhas -, os seguintes anexos:
a) Anexo A - Carta da B, ora Ré, datada de 15 de Abril de 2013;
b) Anexo B - Custos orçamentados para os trabalhos de “Fit-out and finishing Works package”;
c) Anexo C, Carta de aceitação datada de 26 de Novembro de 2012;
d) Anexo D, Apólices de seguros; e
e) Acordo de contrato de fornecimento de (barras) de ferro.
(alínea e) dos factos assentes)
f) Durante as negociações do contrato de subempreitada a Ré fez-se representar junto da Autora por um dos directores, o Sr. G; (alínea f) dos factos assentes)
g) Nos termos do disposto na cláusula 15ª do contrato de subempreitada (site organization), o Sr. G era a pessoa que estava adstrita e seria responsável por trabalhar, a tempo inteiro, na gestão e execução do projecto, tal como a Ré aceitou e se vinculou; (alínea g) dos factos assentes)
h) Por acordo de ambas as partes, o contrato de subempreitada foi adjudicado à Ré pelo valor de MOP342.829.410,00, que exclui o preço para “Fit Out and Finishes Work’s packages”; (alínea h) dos factos assentes)
i) A data do início da execução das obras foi fixada em 3 de Maio de 2013, por “Aviso de Início dos Trabalhos” emitido pela companhia “MPS” para a Autora e, subsequentemente, pela Autora para a Ré, em cumprimento do previsto na cláusula nº 3 do Contrato de subempreitada; (alínea i) dos factos assentes)
j) Através do contrato de subempreitada a Ré obrigou-se, em cumprimento do previsto na cláusula nº 5, a prestar os seguintes trabalhos, nos prazos infra referidos:
a) 1ª Secção - 450 dias, desde a data do início dos trabalhos, para a construção das fundações com estrutura em cimento reforçado (cimento armado), trabalhos térreos, escavações e suportes laterais, drenagem subterrânea, instalação, paredes de suporte, placa e paredes de subsolo, paredes de tensão de corte, colunas, placas do piso térreo, terraço por cima do campo de basquete, instalação MEP (MEP installation, i.e., mechanical, electrical and plumbing installation), construção do auditório principal e da capela, reforço das estruturas, construção completa do edifício académico e sala para controlo dos quadros eléctricos incluindo as estruturas reforçadas, trabalhos de acabamento, instalação MEP, trabalhos paisagísticos e todos os trabalhos necessários;
b) 2ª Secção - 450 dias, desde a data do início dos trabalhos, para trabalhos paisagísticos nas áreas exteriores, incluindo estradas de acesso, portão, muros externos, praça, parque de estacionamento no piso térreo, jardins no piso térreo e no terraço por cima do campo de basquete, posto do guarda e todos os trabalhos necessários;
c) 3ª Secção - 630 dias, desde a data do início dos trabalhos, para trabalhos de acabamento, instalação MEP (MEP installation, i.e., mechanical, electrical and plumbing installation), trabalhos paisagísticos, entre outros trabalhos para finalizar a construção da cave, do auditório principal e da capela;
d) 4ª Secção - 720 dias, desde a data do início dos trabalhos, para a construção completa do dormitório, incluindo reforço das estruturas, construção completa do edifício académico e sala para controlo dos quadros eléctricos incluindo as estruturas reforçadas, trabalhos de acabamento, instalação MEP, trabalhos paisagísticos e todos os trabalhos necessários;
(alínea j) dos factos assentes)
k) Os pagamentos são feitos com base em “back to back scheme”, isto é, efectuados pelo valor do trabalho efectivamente concluído e/ou realizado de acordo com as estipulações inseridas na “Bill of quantity” e nas quantidades acordadas com o Cliente (dono da obra); (alínea k) dos factos assentes)
l) O dono da obra nomeou como medidor-orçamentista (quantity surveyor) a companhia H Ltd (doravante “quantity surveyor”); (alínea l) dos factos assentes)
m) A Autora tinha também o seu próprio medidor-orçamentista (quantity surveyor) para puder efectuar os pagamentos à Ré pelos trabalhos efectivamente concluídos e/ou realizados; (alínea m) dos factos assentes)
n) Em todos os pagamentos a serem efectuados seria retido pela Autora uma percentagem, até um limite máximo de 10%, do valor do subcontrato de empreitada a título de reservas para contingências; (alínea n) dos factos assentes)
o) Concordaram também em providenciar, à custa da Ré, com excepção dos salários do pessoal de gestão da A, todas as provisões necessárias, incluindo mas não se limitando, os serviços temporários, instalações na obra, acesso e armazenamento, maquinarias e ferramentas, monitorização da obra, remoção de lixo, adequadas plataformas de trabalho e andaimes, equipamento e serviços de segurança, desobstrução de áreas ocupadas por ocupadas por ocupantes ilegais, incluindo a prestação de qualquer compensação financeira e custo associado, etc., de acordo com as cláusulas sob Bill 1 – Preliminares; (alínea o) dos factos assentes)
p) A Autora enviou, em 14 de Julho de 2015, uma carta / aviso à Ré, através da qual informou que a obra estava a registar atrasos significativos, apresentava defeitos e que a Ré teria de acatar as ordens da Autora; (alínea p) dos factos assentes)
q) Devido ao desentendimento entre a Autora e a R., aquela informou à Ré que o contrato de subempreitada se encontrava resolvido em 9 de Outubro de 2015; (alínea q) dos factos assentes)
r) De acordo com o cálculo efectuado pelo medidor-orçamentista (quantity surveyor) do dono da obra aos trabalhos efectuados até ao dia 25.02.2016, acrescidos de trabalhos de variação, materiais no estaleiro, depósito e uma retenção de 10%, o montante global foi de MOP266.605.798,21 (duzentos e sessenta e seis milhões seiscentas e cinco mil patacas setecentas e noventa e oito e 21 avos), - cfr. cartas enviadas à Autora pelo medidor-orçamentista (quantity surveyor) do dono da obra e pela empresa responsável pela fiscalização da obra na RAEM, respectivamente datadas de 16 e de 26 de Outubro de 2015; (alínea r) dos factos assentes)
s) Autora efectuou pagamentos directos à Ré de 24.01.2014 e até 10.08.2015, no montante de MOP72.989.730,84; (alínea s) dos factos assentes)
t) Durante a vigência da relação contratual entre a Autora e a Ré, esta estava contratualmente obrigada a proceder aos pagamentos a todas as entidades com quem lidava no âmbito da execução do contrato, incluindo os seus trabalhadores; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
u) O valor total dos trabalhos desenvolvidos pela Ré até 09.10.2015, acrescido do valor dos trabalhos de variação e materiais no estaleiro, depósito e a retenção de 10% era de MOP244.358.895,38; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
v) O valor referido no item anterior teve por base o orçamento apresentado pelo medidor-orçamentista do dono da obra, considerando o trabalho efectivamente realizado e concluído pela Ré tendo igualmente em consideração os valores que foram apresentados à Autora pelo medidor orçamentista do dono da obra; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
w) A partir do final de 2014 a Ré começou a apresentar dificuldades financeiras; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
x) A Ré começou a faltar com os pagamentos aos seus subempreiteiros, seus fornecedores, seus prestadores de serviços, seguros, e seus trabalhadores; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
y) O que originou atrasos na obra; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
z) Além disso, os próprios fornecedores não procediam à entrega dos materiais enquanto os pagamentos não fossem efectuados; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
aa) Nem os subempreiteiros da Ré realizavam os seus trabalhos se os respectivos pagamentos não fossem efectuados; (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
bb) Perante esta situação, e para evitar sucessivos e prolongados atrasos na execução da obra, a Autora foi forçada a efectuar esses pagamentos aos subempreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços, seguros, e trabalhadores da Ré; (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
cc) Pela execução dos trabalhos realizados no âmbito do contrato de subempreitada, a Autora pagou à Ré a quantia de MOP52.375.633,61; (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
dd) A Autora entregou à Ré o montante de MOP15.859.298,66, para pagar os salários aos seus trabalhadores; (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)
ee) No total a Ré recebeu directamente da Autora, até 9 de Outubro de 2015, pagamentos no valor de MOP68.234.932,27; (resposta ao quesito nº 12 da base instrutória)
ff) A Autora pagou por conta da Ré os seus seguros no montante de MOP3.421.897,30; (resposta ao quesito nº 14 da base instrutória)
gg) A Autora pagou ao fornecedor da Ré I Limited, por conta desta, quando a obrigação de pagamento pertencia à Ré, a quantia de MOP6.205.500,00; (resposta ao quesito nº 17 da base instrutória)
hh) A Autora pagou ao fornecedor da Ré J Limited -, por conta da Ré a quantia de MOP4.926.700,00; (resposta ao quesito nº 18 da base instrutória)
ii) A Autora, por conta da Ré, pagou entidades terceiras, nomeadamente subempreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços e trabalhadores a quantia de MOP122.982.400,90, sem incluir as quantias referidas nos itens 17º e 18º; (resposta aos quesitos nºs 16, 20 e 21 da base instrutória)
jj) Nos termos do contrato foi acordado que o valor da retenção não podia ser superior a 10% do valor da subempreitada tendo sido retido o montante de MOP27.150.988,38; (resposta ao quesito nº 23 da base instrutória)
kk) Por carta datada de 3 de Dezembro de 2015, a Autora interpelou a Ré para proceder ao pagamento da quantia em dívida no prazo de 20 dias; (resposta ao quesito nº 24 da base instrutória)
ll) O certificado nº 11 emitido pela H indicava que o total do trabalho realizado era igual a MOP176.385.793,72; (resposta ao quesito nº 26 da base instrutória)
mm) A Ré em 25.11.2015 por meio de carta endereçada à Autora interpelou esta para proceder ao pagamento do montante que entende estar em falta; (resposta ao quesito nº 28 da base instrutória)
nn) A Autora teve de proceder ao armazenamento dos andaimes que a Ré deixou na obra; (resposta ao quesito nº 30 da base instrutória)
oo) Pelo armazenamento do material referido no item anterior a Autora pagou MOP108.150,00; (resposta ao quesito nº 31 da base instrutória)
pp) De acordo com o contrato celebrado entre Autora e Ré a obra devia estar concluída em 22.04.2015; (resposta ao quesito nº 32 da base instrutória)
qq) À data da resolução do contrato a Ré havia construído aproximadamente 45,94% da obra; (resposta ao quesito nº 33 da base instrutória)
rr) Atento o estado da obra à data da resolução, a data expectável para a conclusão dos trabalhos passou a ser de 2 de Novembro de 2016; (resposta ao quesito nº 35 da base instrutória)
ss) Foi a Ré que deu causa ao atraso da obra por 560 dias; (resposta ao quesito nº 36 da base instrutória)
tt) O custo por cada dia de atraso é de MOP60.000,00. (resposta ao quesito nº 37 da base instrutória)”
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III – O Direito
1 - Do 1º Recurso (da ré)
Parece ter sido intenção da recorrente restringir o recurso à matéria da nulidade que imputou à sentença, nos termos do art. 571º, als. c) e d), do CPC, por alegada violação dos arts. 1141º, 1146º e 422º do Código Civil.
Apreciando.
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1.1 - A primeira questão suscitada pela recorrente diz respeito ao art. 1141º do CC (alterações necessárias), respeitante a modificações quanto ao preço e prazo de execução. Para a recorrente deveria ter sido comunicada ao dono da obra a dificuldade encontrada no solo onde a obra se ergueu, e na falta de acordo entre empreiteiro e subempreiteiro, haveria que accionar o referido preceito.
Contudo, e salvo melhor opinião, a invocação do preceito só teria sentido enquanto modo de dizer que a sentença errou juridicamente ao não ter tomado em consideração aquela disposição legal. Só que para que esta alegação pudesse proceder, seria necessário que ela se alicerçasse em factos que estivessem demonstrados e pudessem subsumir-se à sua previsão. Todavia, nada está provado acerca do assunto invocado pela recorrente, não tendo sequer feito parte da matéria da Base Instrutória, nem tampouco dos articulados das partes.
Improcede, pois, esta alegação.
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1.2 - A segunda questão suscitada pela recorrente respeita à aplicação do art. 1146º do CC (denúncia dos defeitos).
No seu entender, se havia defeitos, deveria o dono da obra denunciá-los ao empreiteiro para os corrigir ou mandar corrigir à subempreiteira. Todavia, diz a recorrente, as rectificações, sem comunicação à recorrente, eram efectuadas por terceiros e sem o seu próprio consentimento. Pergunta, então, depois para que serviria o valor de 10% (alínea N) dos factos assentes) senão para reservas de contingência? Acrescenta, uma vez mais em forma de pergunta, que, se o contrato de seguro não foi accionado, por que há-de o empreiteiro receber qualquer indemnização por atrasos da obra pelos quais, a terem existido, também a teriam responsabilizado?
Estas questões, para poderem desencadear algum tipo de efeito favorável à recorrente deveriam ter respaldo na factualidade provada. Ora, o TSI perante os factos provados, não tem meio de responder-lhe, muito menos para acudir à sua aparente tese de exclusão de responsabilidade. Todas as preocupações agora manifestadas pela recorrente no recurso deveriam ter sido equacionadas a seu tempo durante as peças processuais em que interveio nos autos, a fim de que pudessem permitir a prova dos factos pertinentes.
Assim, sem mais dados do que aqueles que se mostram demonstrados, não pode o TSI reconhecer qualquer razão à recorrente quanto a esta questão.
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1.3 - Prosseguiu a recorrente a sua impugnação contra a sentença, chamando a atenção para o art. 422º do CC (Excepção de não cumprimento do contrato).
Segundo podemos depreender da alegação, não teria a ré que cumprir a sua prestação do sinalagma, enquanto a autora não cumprisse a sua, pagando no prazo de 14 dias aquilo que lhe ia sendo devido pelos trabalhos executados. Concorda, por isso, com a sentença, quando lhe reconhece ser credora da autora do valor de MOP$ 38.587.464,91. Mas já dela discorda, na parte em que lhe imputa os atrasos de obra, tendo em conta as condições do solo que encontrou, havendo necessidade de utilizar outros equipamentos e esta situação acarretar mais custos e atrasos.
Ora, quanto a esta argumentação, repetimos aquilo que já atrás observamos: não há factos que sustentem a posição invocada pela ré/recorrente, já que, tanto quanto foi apurado, os atrasos da obra imputados à ré se ficaram a dever às dificuldades financeiras desta (x), y), x) a aa) dos factos provados).
E assim sendo, a invocação do regime do art. 422º mostra-se aqui totalmente despropositada.
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A recorrente afirma, ainda, que foi a autora quem incumpriu o contrato, na medida em que recorreu a terceiros, vindo depois a impor a si o pagamento dos respectivos custos, sem que isso se encontre inserido no conceito de “back to back scheme”.
Ora, também quanto a esta matéria de facto, nada existe provado nos autos que reflicta a tese da recorrente, não só quanto ao incumprimento que a ré imputa à autora, nem sequer quanto ao regime “back to back scheme” acordado, tal como ele se mostra definido na alínea K) dos factos assentes.
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Em suma, a sentença não padece das nulidades que lhe foram imputadas pela ré/recorrente (alíneas c) e d) do nº1, do art. 571º do CPC).
E porque o TSI não tem matéria fáctica que sustente a posição da ré/recorrente, os elementos adquiridos não imporiam diferente solução jurídica.
Por tudo isto, soçobra o recurso da ré.
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2 - Do 2º Recurso (da autora)
No seu recurso, a autora intenta demonstrar que o TJB incorreu em erro na apreciação de certos pontos de facto, os quais, se correctamente apreciados, levariam a um saldo pecuniário a seu favor, que justificariam a condenação da ré/recorrida.
E a reapreciação da prova recai nos pontos 16, 20 e 21 da Base Instrutória.
Vejamos.
Estes artigos questionavam o seguinte:
16º - A Autora pagou igualmente a quantia de MOP$ 276.018.812,10 por conta da Ré aos subempreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços e trabalhadores?
20º - A Autora despendeu a quantia de MOP$ 248.941.675,12 a título de pagamentos efectuados por conta da Ré a 138 entidades terceiras, nomeadamente subempreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços e trabalhadores?
21º - A Autora pagou a terceiros e em nome da Ré, num total de MOP$ 364.325.337,33, ou de MOP$ 52.864.676,12?
A resposta a estes três quesitos foi dada de forma unificada, nos seguintes termos:
«Provado apenas que a Autora, por conta da Ré, pagou a entidades terceiras, nomeadamente subempreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços e trabalhadores a quantia de MOP$ 122.982.400,90, sem incluir as quantias referidas nos itens 17º e 18º».
No 17º provou-se que “A Autora pagou ao fornecedor da Ré I Limited, por conta desta, quando a obrigação de pagamento pertencia à Ré, a quantia de MOP$ 6.205.500,00”
E no 18º, provou-se que “A Autora pagou ao fornecedor da Ré J Limited, por conta desta, a quantia de MOP$ 7.605.362,22”.
A matéria dos arts. 16º, 20º e 21º parece-nos estar feita em duplicado e com sobreposição de valores. Por outro lado, a pergunta feita no art. 21º é feita em alternativa, consoante a perspectiva de quem invocou os valores respectivos, o que não abona ao respeito pelo ónus de prova e pode gerar dúvidas nas respostas a dar.
Talvez esteja aí a dificuldade que a autora agora deixa reflectir no recurso jurisdicional. Mas vejamos.
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2.1 - A autora/recorrente discorda que o valor que pagou a terceiros fosse de apenas MOP$ 122.982.400,90. Foi superior, segundo diz. E o valor em falta deve-se ao facto de o tribunal não ter considerado todos os pagamentos feitos pela autora a entidades terceiras, por conta da ré, mas sim apenas ter relevado os pagamentos aos quais a ré tenha dado o seu consentimento e aprovação escrita.
A sua intenção é, pois, demonstrar que o TJB julgou mal esta matéria de facto e para tanto transcreve parte dos depoimentos testemunhais, que pede ao TSI para relevar no sentido por si defendido.
Vejamos.
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2.2 - Realmente, o colectivo do julgamento da matéria de facto deu aquela explicação para não considerar todos os pagamentos feitos pela autora em nome da ré, acrescentando ainda que a não consideração de outros pagamentos se ficou a dever a situações para as quais o tribunal não ficou a saber a que se destinava o pagamento ou, até, a pagamentos que se não sabe se foram feitos pela própria autora. E porque a autora não estava mandatada pela ré para actuar em seu nome, sem que esta o tenha pedido ou dado o assentimento, não os relevou (ver fls. 6383 vº e 6384 dos autos).
A autora/recorrente refuta este entendimento e pugna no presente recurso que as respostas deveriam ter sido diferentes, face ao regime de “back to back scheme” referido na alínea k) dos factos assentes. Em sua opinião, face a este regime, a autora, enquanto empreiteira, não teria responsabilidade por qualquer fornecimento de materiais ou trabalho no local da obra, cabendo-lhe apenas liquidar à ré o preço contratual acordado da subempreitada. Daí que termine com a indicação de outro valor, do qual faz derivar um saldo a seu favor, que deveria ter merecido a correspondente condenação da ré.
Ora bem. Há aqui duas ou três questões que merecem reflexão atenta.
Em primeiro lugar, a recorrente faz uso do regime “back to back scheme” convencionado entre si e a ré para ir reafirmando que toda a responsabilidade que ela assumiu perante o dono da obra se transferiu para a ré. Isso mesmo, aliás, já tinha aludido no art. 19º da p.i. Só que essa consequência do regime citado não foi transposta para a matéria de facto. Ou seja, o que a autora afirmara sobre o regime referido no art. 19º não foi levado ao questionário, nem à matéria assente no saneador. A única coisa que se consignou nos “Factos assentes” acerca do regime “back to back scheme” foi o que está plasmado na alínea k): “Os pagamentos são feitos com base em “back to back scheme”, isto é, efectuados pelo valor do trabalho efectivamente concluído e/ou realizado de acordo com as estipulações inseridas na “Bill of quantity” e nas quantidades acordadas com o Cliente (dono da obra)”. Nada mais. Como pode o TSI aceitar que com aquele regime a responsabilidade pelos materiais, mão-de-obra, etc., etc., estivesse transferida da autora (empreiteira) para a ré (subempreiteira), ao ponto de se poder concluir que, estivesse ou não autorizado por escrito que os custos assumidos pela autora em vez da ré eram da responsabilidade desta, podendo ser cobrados no âmbito desta acção?
Quer dizer isto que o teor ao art. 19º da p.i, deveria ter sido levado à base instrutória, com o seguinte teor:
“De acordo com o regime “back to back scheme” todas as responsabilidades assumidas pela autora, perante o dono da obra, seriam transferidas na íntegra e nos mesmos termos para a ré?
É a primeira conclusão que retiramos.
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Em segundo lugar, o colectivo julgador não considerou todos os pagamentos feitos pela autora, por não ter conseguido apurar a que foram destinados alguns. Certamente, observou as regras do ónus da prova.
Isto leva-nos a pensar que há matéria que o próprio tribunal não conseguiu integrar no cômputo geral indicado pela autora a este respeito dos pagamentos feitos por si e por conta da ré.
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Mas há outro aspecto muito importante.
O julgamento da matéria de facto foi também feito com o fundamento de que alguns dos pagamentos feitos pela autora não tinham tido a autorização escrita da ré.
Ora, isto suscita-nos o seguinte e breve comentário:
Podia o tribunal do julgamento de facto afirmar que os pagamentos feitos pela autora só poderiam relevar desde que fossem totalmente autorizados pela ré? Onde está isso documentado?
Resultará isso do regime “back to back scheme”? Mas, o que está escrito a respeito deste regime é apenas o que consta da alínea K) dos factos assentes, e ela não permite a conclusão obtida pelo colectivo julgador.
Ou será que essa conclusão só poderia ser legitimada a partir do regime “back to back scheme”, tal como definido no art. 19º da p.i.? Se sim, então importa fazer a pergunta, nos termos em que a autora descreveu esse regime no art. 19º citado.
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Por outro lado, e com o maior respeito, bem entendido, as dúvidas acabadas de expor não deviam ser resolvidas no acórdão de fls. 6372 e sgs. sobre a matéria de facto. O tribunal deveria limitar-se a responder de acordo com a realidade apurada na produção de prova: a autora pagou? A quem pagou (aos fornecedores, a terceiros, etc.)? E pagou, por conta da ré? E quanto pagou? Apenas dados de facto e objectivos!
Era apenas isto o que ao tribunal do julgamento de facto se pedia, salvo melhor opinião: responder consoante a prova e a convicção que tivesse recolhido; e responder dessa maneira significa que deveria limitar-se a dizer se a autora pagou, o que pagou, a quem pagou e quanto pagou (na totalidade).
Depois disso, caberia ao juiz da sentença aplicar o direito, nomeadamente estudando se todos os pagamentos poderiam ou não ser considerados para efeitos indemnizatórios. Era nesse momento dos autos que parte dos pagamentos podia não ser considerada, quer por se desconhecer, por exemplo, a que se destinavam alguns deles, ou se outros não podiam relevar por não fazerem parte do regime da responsabilidade “back to back scheme” ou, ainda, se a não autorização escrita em relação a outros ainda por parte da ré tinha algum efeito jurídico impeditivo a que fossem considerados no âmbito do direito instituído ou no quadro do referido regime “back to back scheme”.
Ou seja, e em nossa opinião, não deveria o colectivo julgador excluir da prova alguns pagamentos feitos pela autora, porque ao fazê-lo antecipou juízos de direito que só ao autor da sentença cumpriria efectuar.
E por ser assim, e também porque o processo carece de obter prova à matéria do art. 19º da p.i., para nós fulcral, mas que não foi quesitada, parte das dúvidas sobre o valor a considerar para efeito do ressarcimento da autora será resolvida com a resposta que for dada a essa matéria.
Importa, pois, que a matéria do art. 19º seja incluída na BI, por um lado, e que o tribunal de julgamento da matéria de facto, por outro lado, volte a reunir para responder de novo à matéria dos artigos. 16º, 20º e 21º, face aos elementos de que dispuser, tudo nos termos do art. 629º, nº1, do CPC.
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IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Negar provimento ao recurso da ré;
Custas pela ré.
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2 – Quanto ao recurso da autora, acordam em:
2.1 - Anular a sentença na parte referente ao pedido da autora que tenha em conta os quesitos 16º, 20º e 21º, que deverão ser reapreciados de acordo com a resposta que for dada ao novo artigo a aditar e, também, de acordo com os considerandos acima referidos.
2.2 - Determinar a ampliação da matéria da Base Instrutória, de forma a aditar nela um novo quesito que contemple a matéria do art. 19º da BI;
Sem custas quanto a este recurso.
T.S.I., 5 de Março de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Proc. nº 955/2019 30