Processo n.º 1184/2019
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 5/Março/2020
ASSUNTOS:
- Cláusula penal compensatória e indemnização convencionada indexada às prestações periódicas
- Prazo da prescrição da indemnização resultante da aplicação da cláusula penal
SUMÁRIO:
I – Cláusula penal é uma convenção através da qual as partes fixam previamente o montante da indemnização a pagar pelo faltoso no caso de eventual inexecução do contrato, podendo ter carácter compensatório ou compulsório nos termos do artigo 799º do CCM.
II - A obrigação resultante da cláusula penal nasce com o incumprimento da obrigação de pagar ou de outra obrigação qualquer que motiva a resolução do contrato (ou cumprimento defeituoso ou mora no cumprimento). No caso em que a resolução se funda na violação de uma obrigação diferente da de pagar, a obrigação resultante da cláusula penal pode surgir ainda antes da constituição da obrigação de pagar porque, por exemplo, o contrato nem sequer chegou a ser executado, já que o nº3 do artigo 799º do CCM diz que a cláusula penal pode ter fins diferentes.
III - Ainda que a obrigação de pagar deixou de ser exigível por qualquer motivo, designadamente por o devedor ter entretanto cumprido o dever de pagar, o titular do direito decorrente da cláusula penal continua a poder exigir o cumprimento da cláusula penal.
IV – Mesmo que a indemnização compensatória convencionada mediante cláusula penal está indexada às diferentes quantias periódicas pagas por uma das partes do contrato de arrendamento misto, tal indemnização (somatória) não tem o carácter periódico e como tal não se rege pelo artigo 303º/-f) do CCM (regra especial da prescrição), mas sim está sujeito ao prazo de prescrição geral que é de 15 anos ao abrigo do disposto no artigo 302º do CCM.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 1184/2019
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 5 de Março de 2020
Recorrente : A (Group) Limited (A(集團)貿易有限公司)
Recorrida : B, S.A. (B股份有限公司)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A (Group) Limited (A(集團)貿易有限公司), Recorrente/Ré, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 16/05/2019, com o seguinte teor na parte decisiva:
1. Declarar válida a resolução do contrato celebrado entre a Autora, B, S.A., e a Ré, A (Group) Limited, promovido pela Autora, em 5 de Fevereiro de 2008;
2. Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de HK$1.630.900,39;
3. Condenar a Ré a pagar à Autora juros à taxa de 11,75% calculados a partir da data da presente sentença sobre a quantia de HK$1.630.900,39; e
4. Condenar a Ré a restituir à Autora o valor do imposto de selo efectivamente pago pela Autora a liquidar em execução da presente sentença;
5. Absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pela Autora; e
6. Absolver a Autora do pedido reconvencional formulado pela Ré;
Veio, em 15/07/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 449 a 454, tendo formulado as seguintes conclusões :
1. A douta sentença, dá razão à Ré no que tange à periodicidade das obrigações, absolvendo a Ré do pedido da Autora, para que fosse condenada ao pagamento da quantia de HKD207.568,47 a título de remuneração contratual correspondente ao valor dos "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy" e respectivos juros.
2. Tratando-se manifestamente de prestações periodicamente renováveis, devidas mensalmente, venciam no dia 1 do mês a que se referiam.
3. Devidas pelos meses de Dezembro de 2007 a Fevereiro de 2008 venceram-se sucessivamente em 1 de Dezembro de 2007, 1 de Janeiro de 2008, e 1 de Fevereiro de 2008, e a acção deu entrada no Tribunal, em 1 de Dezembro de 2014.
4. Com base na prescrição.
5. Pois, que, nos termos do artigo 303º f) do CC “Prescrevem no prazo de cinco anos: Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis"
6. Mas, condena a Ré, a pagar à Autora a quantia de HKD 1.630.900,39, bem como os juros à taxa de 11,75% calculados a partir da data da sentença.
7. Com o devido respeito, a Ré, não concorda com esta decisão tomada pelo Tribunal.
8. Porquanto, postula o artigo 297º no. 1 do CC, que: "Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito". E o no. 2 do mesmo artigo dispõe que, "A prescrição do direito principal implica igualmente a prescrição do direito a juros e outros direitos acessórios".
9. A questão que se levanta consiste, ao fim e ao cabo, em saber se, apesar do objecto da prescrição ser definido no preceitos acima aludidos, se deve considerar aí abrangido também o direito de exigir o convencionado em cláusula penal estabelecida para o incumprimento do contrato.
10. Como na contestação já se explanou, entende Pinto Monteiro “Cláusula penal e Indemnização, pag. 86 e seg” que, a relação de acessoriedade que liga a cláusula penal à obrigação principal leva a que a invalidade ou a extinção desta última determina o desaparecimento da primeira: prescrita a obrigação principal, caduca a cláusula penal.
11. Ainda que assim não se entendesse, defende o mesmo Autor, que, não seria curial que duas obrigações emergentes do mesmo contrato tivessem prazos de prescrição distintos.
12. Estritamente dependente da obrigação principal faz todo o sentido que o prazo de prescrição seja idêntico para o crédito que a esta corresponde e para o crédito emergente da aplicação da cláusula penal.
13. Sabendo-se que a clásula penal é a estipulação através da qual as partes antecipadamente fixam uma determinada prestação, uma quantia monetária, que será devida pelo devedor ao credor em caso de inadimplemento definitivo do contrato, tem caracter acessório, por isso, impondo-se a sua sujeição às formalidades exigidas para a obrigação principal e determinando a sua nulidade, quando nula for esta última.
14. Segundo Menezes Cordeiro, em "Tratado de Direito civil português, Parte Geral, Tomo I, pago 465" o regime destes preceitos é aplicável, por analogia, "aos demais vícios possíveis da obrigação principal: a anulabilidade, invalidades mistas, bem como ineficácia stricto sensu".
15. Diz ainda Pinto Monteiro I que "desaparecendo a obrigação, seja porque é nula, ou foi anulada, seja porque se extinguiu, desaparece o pressuposto de que a cláusula penal dependia, pelo que, esta perde a sua razão de ser".
16. Também Pires de Lima e Antunes Varela em "Código Civil Anotado, Vol II, 4ª edição, pág 74" .... O carácter acessório da clausula não se reflecte apenas no efeito da nulidade da obrigação principal ... também no caso de a prestação se tornar impossível por causa não imputável ao devedor e de a obrigação se extinguir, a cláusula fica sem efeito".
17. A prescrição não é, porem, causa de invalidade, de ineficácia ou de extinção da obrigação.
18. Mas sim, é causa da sua inexigibilidade.
19. Quando completada, não determina a extinção do direito, gerando apenas, para o respectivo beneficiário, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
20. A prescrição não extingue a obrigação, "mas somente o meio de exigir o seu cumprimento e execução, ou seja a acção creditória.
21. Porque a cláusula penal fixada no contrato para o caso de incumprimento do contrato, é acessória em relação à obrigação principal, a de remuneração contratual, prescrito o direito ao pagamento desta caduca o direito a exigir o pagamento do valor da pena convencional.
22. Pelo que, estando prescritas por prescrição as prestações mensais - a obrigação principal - que a Ré se vinculara, considera-se caducada a cláula penal exigida pela Autora, no seu pedido, por força do princípio da acessoriedade.
23. Assim, o Tribunal, devia decidir no sentido de que, sendo inexigível, devido a prescrição, a obrigação principal, fenece a razão de ser da cláusula penal destinada a sancionar o seu inadimplemento que, por isso, caduca.
24. Assim sendo, a douta sentença, ao condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de HKD 1.630.900,39 e os juros à taxa de 11,75%, calculados a partir da data da presente sentença, a título de cláusula penal, violou o disposto do artigo 297º nos. 1 e 2 do CC., porquanto aplicou aos presentes autos, norma jurídica inaplicável.
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B, S.A. (B股份有限公司), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 457 a 471, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) A sentença Recorrida julgou improcedente a excepção de prescrição da cláusula penal acordada entre as partes, por não entender aplicável o prazo de prescrição estabelecido na alínea f) do n.º 1 do artigo 303.º do Código Civil.
B) A Recorrente apenas considera a existência de obrigações contratuais que têm por objecto prestações periódicas e ignora todas as demais obrigações da Recorrente, quer as que realizam por via de prestações instantâneas, quer as que se realizam através de prestações de execução continuada.
C) A cláusula penal acordada pelas partes na Cláusula 41.7 do Contrato foi fixada tendo em vista compensar todos os danos resultantes do incumprimento de obrigações contratuais, devendo, em particular, compensar o período em que a loja ficou desocupada e ainda quaisquer outros danos, incluindo perdas de negócio, resultantes da resolução contratual.
D) A Recorrente incumpriu prestações instantâneas - não entregou a garantia bancária, não apresentou os planos para a decoração da loja, não obteve a aprovação de tais planos por parte da Recorrente e não fez prova da contratação do seguro - e foi com base nesse incumprimento que a Recorrente decidiu resolver o Contrato.
E) Duas das prestações principais a que a Recorrente se obrigou no Contrato foram a de abrir (prestação instantânea) e a de manter aberta a loja durante toda a duração do mesmo (prestação de execução continuada), tendo incumprido ambas.
F) As partes assentaram num critério de cálculo da cláusula penal com referência ao valor das prestações periódicas por se tratar da forma mais fácil e menos aleatória de fixar tal valor, não sendo por esse facto que a cláusula penal assume a natureza de prestação periódica ou que passa a sancionar, apenas, o incumprimento da obrigação de pagar tais prestações periódicas.
G) o prazo de prescrição a que a cláusula penal está sujeita é, pois, o prazo normal de 15 anos, conforme decorre do artigo 302.º do Código Civil.
H) A douta sentença recorrida fez uma correcta aplicação da lei aos factos e não merece censura alguma.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à construção e gestão de centros comerciais (alínea A) dos factos assentes).
- No desempenho dessa actividade, a Autora promoveu a construção do centro comercial denominado THE GRAND CANAL SHOPPES, que entretanto mudou de nome para SHOPPES AT B, sito no The B Macao Resort Hotel, XXXXXX, Taipa, Macau (alínea B) dos factos assentes).
- A Ré é uma sociedade comercial constituída em Hong Kong (alínea C) dos factos assentes).
- No âmbito da gestão e exploração do THE GRAND CANAL SHOPPES, a Autora procede à cessão remunerada de espaços comerciais a terceiros para que ali desenvolvam determinada actividade comercial (alínea D) dos factos assentes).
- A Autora celebrou com a Ré, em 9 de Agosto de 2007, um contrato de cessão de direito ao uso de uma loja, em inglês “Agreement for the Grant of a Right to Use a Shop in the Grand Canal Shoppes at the B Macao” (constante a fls, 40 a 75 dos autos, cuja teor aqui dá por integralmente reproduzida e doravante designado por “Contrato” (alínea E) dos factos assentes).
- O Contrato tem por objecto a cedência de uso da loja XXXX, com a área aproximada de 872 pés quadrados, localizada no nível 3 do THE GRAND CANAL SHOPPES, com vista à instalação de uma boutique para senhoras e homens e respectivos acessórios de moda, sob a denominação comercial “Just Cavalli” (Cfr. Itens 1, 2, 3 e 7 do “Schedule” anexo ao Contrato) (alínea F) dos factos assentes).
- A área da loja veio posteriormente a ser rectificada para 876 pés quadrados, conforme medição feita a pedido da Autora (n.º 1 da Cláusula 1 e Item 2 do “Schedule”) (alínea G) dos factos assentes).
- O contrato foi celebrado pelo prazo de 3 anos a contar do “commencement date” ou termo inicial, com o seu termo final no último dia de calendário decorridos 3 anos sobre o termo inicial (n.º 1 da Cláusula 12 e Item 10 do “Schedule”) (alínea H) dos factos assentes).
- Foi acordado entre as partes que o termo inicial coincidiria com o fim do período para realização das obras de adaptação e decoração da loja ou “fit out period” (Cláusula 12 do Contrato) (alínea I) dos factos assentes).
- Foi acordado que o “fit out period” seria de 4 semanas, com início a 1 de Dezembro de 2007, pelo que deveria terminar a 28 de Dezembro de 2007 e o “commencement date” foi, pois, fixado para 29 de Dezembro de 2007 (n.º 5 da Cláusula 4, Item 4 do “Schedule” e carta de 2 de Novembro de 2007 que se junta como documento 5) (alínea J) dos factos assentes).
- A Ré obrigou-se a contratar uma garantia bancária a favor da Autora até 30 dias antes da data de entrega do espaço (Cláusula 45.1 e item 14 do Schedule anexo ao Contrato) (alínea K) dos factos assentes).
- A Ré obrigou-se também a submeter previamente à Autora os projectos de decoração da loja, para obter autorização escrita, antes de encetar as referidas obras de “fit-out” (Cláusula 3.3 (a) do Contrato) (alínea L) dos factos assentes).
- A Ré obrigou-se, além disso, a entregar à Autora comprovativo de pagamento de apólice de seguro adequada (Cláusula 5.5 e 5.6 do Contrato) (alínea M) dos factos assentes).
- O termo final do Contrato acordado por ambas as partes, é 28 de Dezembro de 2010 (alínea N) dos factos assentes).
- A loja não chegou a abrir ao público (alínea O) dos factos assentes).
- O Contrato foi celebrado entre a Autora, na qualidade de Proprietária (“Owner”), e a Ré, na qualidade de Lojista (“Retailer”) e de Garante (“Guarantor”), simultaneamente (alínea P) dos factos assentes).
- Como contrapartida pelo uso da loja, a Ré, obrigou-se, nos termos e condições do Contrato, a pagar mensalmente à Autora uma denominada “Base Fee”, no montante de HKD113,360.00 durante os 36 meses de duração do Contrato (Cfr. Cláusula 20.1 e Item 12 do Schedule anexo ao Contrato) (alínea Q) dos factos assentes).
- A “Base Fee” é paga adiantadamente e vence no dia 1 do mês a que respeita (Cláusula 20.1 do Contrato) (alínea R) dos factos assentes).
- A Ré obrigou-se ainda a proceder mensalmente ao pagamento, à Autora, das taxas de gestão ou taxas de participação nas despesas comuns do Centro Comercial, em inglês “Management Fee”, conforme previsto nas Cláusulas 24, 26 e 27, do Contrato, o qual, para o ano de 2007, foi fixado em HKD16,00 por pé quadrado, perfazendo para 876 pés quadrados a quantia mensal de HKD14,016.00 (Cfr. Apêndice VII e Cláusula 24 do Contrato) (alínea S) dos factos assentes):
- O “Management Fee” estava sujeito a ajustamentos anuais, de modo a reflectir as variações ocorridas nas despesas de gestão do centro comercial (Cfr. Cláusula 24 do Contrato) (alínea T) dos factos assentes).
- No ano de 2008, de Janeiro a Novembro, o “Management Fee” manteve-se inalterado (alínea U) dos factos assentes).
- De Dezembro de 2008 a Dezembro de 2009, o “Management Fee” foi ajustado para HKD17,00 por pé quadrado, o que dá o valor mensal de HK14,892.00 (alínea V) dos factos assentes).
- De Janeiro de 2010 a Janeiro de 2011, o “Management Fee” foi ajustado para HKD11,00 por pé quadrado, o que perfaz o valor mensal de HKD9,636.00 (alínea W) dos factos assentes).
- O “Management Fee” é pago adiantadamente e vence no dia 1 do mês a que respeita (Cláusula 24 do Contrato) (alínea X) dos factos assentes).
- A Ré acordou também no pagamento, à Autora, de uma taxa de comparticipação nas despesas comuns de promoção do Centro Comercial, em inglês “Promotion Levy”, conforme previsto na Cláusula 29 do Contrato, num montante mensal que era de HKD2.20 por pé quadrado à data da celebração do Contrato (Cfr. Cláusula 29 e Apêndice 7 do Contrato) (alínea Y) dos factos assentes).
- A Ré acordou ainda no pagamento, à Autora, de uma taxa de comparticipação nas despesas comuns de acções de entretenimento a ter lugar no Centro Comercial, em inglês “Streetmosphere Levy”, conforme previsto na Cláusula 30 do Contrato, num montante mensal que era de HKD2.20 por pé quadrado à data da celebração do Contrato (Cfr. Cláusula 30 e Apêndice 7 do Contrato) (alínea Z) dos factos assentes).
- O “Promotion Levy” e o “Streetmosphere Levy” estavam sujeitos a aumentos anuais de 5%, a entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de cada ano de vigência do Contrato (Cfr. Cláusulas 29.5 e 30.5 do Contrato) (alínea AA) dos factos assentes).
- Por força das actualizações referidas, o valor mensal do “Promotion Levy” e do “Streetmosphere Levy”, por pé quadrado, passou a ser de HKD2,31 no ano de 2008, HKD2,43 no ano de 2009 e HKD2,55 no ano de 2010 (alínea BB) dos factos assentes).
- O valor mensal de cada uma destas prestações passaria, assim, a ser de HKD2,023.56 em 2008, de HKD2,128.68 em 2009 e HKD2,233.80 em 2010 (alínea CC) dos factos assentes).
- O “Promotion Levy” e o “Streetmosphere Levy” são pagos adiantadamente e vencem no dia 1 do mês a que respeitam (Cláusulas 29.1 e 30.1 do Contrato) (alínea DD) dos factos assentes).
- Acordou também a Ré, nos termos das Cláusulas 15 e 31 do Contrato, em manter o seu estabelecimento aberto diariamente, observando o horário de abertura e fecho do Centro Comercial (alínea EE) dos factos assentes).
- A Ré nunca chegou a abrir a loja XXXX ao público (alínea FF) dos factos assentes).
- A Ré não pagou os montantes de “Base Fee” (BF), “Management Fee” (MF), “Promotion Levy” (PL), “Streetmosphere Levy” (SL) respeitante ao uso do estabelecimento XXXX, relativos ao período que medeia de 29 de Dezembro de 2007 a 14 de Fevereiro de 2008 (alínea GG) dos factos assentes).
- Por carta datada de 5 de Fevereiro de 2008, a Autora comunicou à Ré que aquela havia incumprido o Contrato, ao não apresentar garantia bancária, ao não submeter os projectos para o “fit-out” da loja, bem como ao falhar em apresentar prova de pagamento da apólice de seguro (alínea HH) dos factos assentes).
- A Autora deu à Ré um prazo de 8 dias, a partir da recepção da carta, o que ocorreu no dia 6 de Fevereiro de 2008, para remediar o inadimplemento dos citados deveres contratuais, decorridos os quais, sem se mostrar cessado o incumprimento, o Contrato seria considerado resolvido, ao abrigo do disposto nas Cláusulas 41.1, 41.2 (g) i), (g) v) e 41.3 do Contrato (alínea II) dos factos assentes).
- Acordaram ambas as partes, ao abrigo do disposto nos n.ºs 7 e 8 da Cláusula 41 do Contrato, que tem a Autora direito a ser indemnizada pelo incumprimento imputável à Ré, de modo a cobrir todos os danos sofridos e, nomeadamente, as perdas relativas ao período em que a loja em causa esteve desocupada, lucros cessantes resultantes da diferença de valor entre os montantes devidos pela Ré e os que vierem a ser estabelecidos com terceiros que venham a ocupar a loja e, bem assim, todos os danos que possam resultar para o Centro Comercial no seu todo (alínea JJ) dos factos assentes).
- Acordaram ambas as partes, ao abrigo do clausulado no n.º 8 da Cláusula 41, que, sem prejuízo de a Autora poder ser indemnizada pela totalidade dos danos sofridos, em caso de incumprimento imputável à Ré, tem a Autora também o direito de receber, a título de cláusula penal e como montante indemnizatório mínimo, o montante que resultar da soma dos valores da “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy” desde a data da resolução do Contrato até ao termo final inicialmente estipulado do Contrato (alínea KK) dos factos assentes).
- A Autora conseguiu encontrar um novo lojista para a loja XXXX, que a operou sob o nome comercial Wolford, ao abrigo de um contrato de cessão de loja em centro comercial iniciado a 4 de Setembro de 2008 e com termo a 30 de Setembro de 2013 (alínea LL) dos factos assentes).
- A obrigação de pagamento de “Base Fee” iniciou-se, ao abrigo deste contrato, em 4 de Novembro de 2008 (alínea MM) dos factos assentes).
- Deste lojista, a Autora recebeu o valor total de HKD2.856.715,55, a título de “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy”, até 28 de Dezembro de 2010, valor esse que se desdobra da seguinte forma (alínea NN) dos factos assentes):
a. HKD2,387,817.29 a título de “Base Fee”, no valor mensal de HKD104,640.00 entre 4 de Novembro de 2008 e 30 de Junho de 2009 e no valor mensal de HKD87,200.00 entre 1 de Julho de 2009 e 28 de Dezembro de 2010.
b. HKD348,941.88 a título de “Management Fee”, devida entre 4 de Setembro de 2008 e 28 de Dezembro de 2010.
c. HKD59,978.19 a título de “Promotion Levy”, devida entre 4 de Setembro de 2008 e 28 de Dezembro de 2010.
d. HKD59,978.19 a título de “Streetmosphere Levy”, devida entre 4 de Setembro de 2008 e 28 de Dezembro de 2010
- A Autora suportou o pagamento do imposto do selo pela celebração do Contrato, no montante de MOP21.152,39 (alínea OO) dos factos assentes).
- A referida liquidação foi impugnada pela Autora, por não concordar com o entendimento perfilhado pela Direcção dos Serviços de Finanças que está na base da referida liquidação (alínea PP) dos factos assentes).
- As partes acordaram no Contrato que todos os impostos devidos pela assinatura do Contrato, designadamente imposto do selo, seriam suportados pela Ré (Cláusula 54) (alínea QQ) dos factos assentes).
- Na Cláusula 41.8 do Contrato, as partes convencionaram uma penalidade mínima a ser paga à Autora, pela A (GROUP) LIMITED, montante esse que corresponde à soma dos valores correspondentes às prestações mensais estipuladas a título de “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy” que a A (GROUP) LIMITED teria de pagar até ao termo do Contrato, caso não tivesse havido incumprimento (alínea RR) dos factos assentes).
- A cláusula penal aparece, porém, suavizada por um factor de mitigação, previsto na Cláusula 41.7 do Contrato, nos termos da qual se deverão levar em conta os valores que sejam recebidos de um lojista que venha posteriormente a ocupar a loja, ou parte da loja, explorada pela A (GROUP) LIMITED (alínea SS) dos factos assentes).
- A Autora garantiu à Ré que o tennant mix e as infraestruturas do B, nomeadamente, o Grand Canal Shoppes, tinham sido elaborados com base em estudos de peritos em ordem a que os mesmos contribuíssem de forma inquestionável e decisiva, para o grande fluxo e volume de clientela (alínea TT) dos factos assentes).
- A Ré nunca chegou a utilizar a loja XXXX (alínea UU) dos factos assentes).
- A presente acção deu entrada em Tribunal em 01 de Dezembro de 2014 (alínea VV) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- No dia marcado para a entrega da loja, a 1 de Dezembro de 2007, a Ré não compareceu (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Por comunicação datada de 29 de Dezembro de 2007, a Ré notificou a Autora de que “abandonava” o Contrato, demonstrando uma intenção de desistir do contrato e de não vir a cumprir o Contrato (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- A Autora nunca concordou com a desistência unilateral da Ré (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Decorridos 8 dias sobre o recebimento da carta referida em HH., a Ré não apresentou garantia bancária, não submeteu os projectos para o “fit-out” da loja, nem como não apresentou prova de pagamento da apólice de seguro (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- A Ré não entregou a garantia bancária à Autora conforme acordado (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- A Ré não apresentou os planos para a decoração da loja conforme acordado tendo submetido a 1ª fase dos projectos de decoração da sua loja à aprovação da Autora no dia 21 de Novembro de 2007, os quais obtiveram aprovação em 3 de Dezembro de 2007 (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- A Ré não obteve a aprovação de tais planos por parte da Autora e não fez a prova da contratação do seguro, conforme o acordado tendo submetido a 1ª fase dos projectos de decoração da sua loja à aprovação da Autora no dia 21 de Novembro de 2007, os quais obtiveram aprovação em 3 de Dezembro de 2007 (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- A Ré procedeu, no dia 4 de Abril de 2007, ao pagamento à Autora de um depósito de garantia da loja no montante de HKD113.360,00, correspondente ao montante de uma prestação "Base Fee" (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- O que consta da resposta dada ao item 2º (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- Consequentemente, a Ré não pagou os montantes de "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy" relativos ao período de 29 de Dezembro de 2007 a 14 de Fevereiro de 2008 (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- A Ré submeteu a 1ª fase dos projectos de decoração da sua loja à aprovação da Autora no dia 21 de Novembro de 2007, os quais obtiveram aprovação em 3 de Dezembro de 2007 (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
- Foi acordado entre as partes o dia 24 de Agosto de 2007 para a entrega da loja (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
- O que a Autora não o fez, e que uma segunda data acordada no dia 8 de Novembro de 2007, a Autora voltou a não o fazer (resposta ao quesito da 22º da base instrutória).
- O que consta da resposta dada ao item 8º (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
- A loja é entregue “nua” ou em “tosco” vazia de acabamento ficando a cargo do lojista as obras de acabamento e decoração (resposta ao quesito da 29º da base instrutória).
- As Lojas XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX e XXX, todas bem perto da loja XXXX, abriram entre Dezembro de 2007 e o ano novo Chinês de 2008 (resposta ao quesito da 32º da base instrutória).
- Em Dezembro de 2007 a loja XXXX não tinha sido inaugurada (resposta ao quesito da 34º da base instrutória).
- O volume de vendas no Grand Canal Shoppes foi de cerca de MOP656.000.000,00 em 2007, de cerca de MOP2.500.000.000,00 em 2008, de cerca de MOP2.900.000.000,00 em 2009 e de cerca de MOP3.900.000.000,00 em 2010 (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
- O fluxo de pessoas em 2008 foi cerca de dezanove milhões, em 2009 de cerca de dezasseis milhões e em 2010 de cerca de dezoito milhões (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este fundamentou a sua douta decisão nos seguintes termos:
I – Relatório:
B, S.A. (B股份有限公司), em inglês B, Limited, sociedade anónima constituída de acordo com as leis da Região Administrativa Especial de Macau, com sede social na XXXXXX, The B Macao Resort Hotel, Executive Offices – L2, Taipa, Macau, registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis de Macau XXXXX (SO);
veio intentar a presente
Acção Ordinária
contra
A (Group) Limited (A(集團)貿易有限公司), sociedade constituída em Hong Kong, com sede em XXXXXX, na Região Administrativa Especial de Hong Kong, registada na Conservatória do Registo Comercial de Hong Kong sob o n.º XXXXXXX;
com os fundamentos constantes da petição inicial de fls. 2 a 21.
Concluiu pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência, fosse declarada válida a resolução do Contrato, comunicada pela Autora à Ré e fosse a Ré condenada a pagar à Autora as seguintes quantias:
a. a quantia de HKD207.568,47 a título de remuneração contratual;
b. a quantia de HKD1.633.614,91 a título de cláusula penal;
c. juros de mora calculados sobre a quantia de HKD207.568,47 e HKD1.633.614,91 desde a data da citação, à taxa de juros legal, acrescida de uma sobretaxa de 2% ao ano;
d. o imposto do selo efectivamente pago pela Autora, por força da celebração do Contrato, no valor de MOP21.152,39, mas cujo montante final está ainda por fixar em processo judicial pendente.
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A Ré contesta a acção com os fundamentos constantes de fls. 97 a 107 dos autos.
Conclui pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos da Autora e procedentes o pedido reconvencional por si formulado.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
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Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
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II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
(……)
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III – Fundamentos:
Cumpre analisar a matéria que vem alegada, os factos provados e aplicar o direito.
Na presente acção, pede a Autora que a Ré seja condenada a pagar-lhe as retribuições e as despesas a cargo desta como contrapartida do uso do espaço a esta cedido, a cumprir o estipulado na cláusula penal acordada em virtude da resolução do contrato feita pela Autora, a restituir-lhe o valor do imposto de selo pago pela Autora e a pagar-lhe os respectivos juros de mora.
Para fundamentar os seus pedidos, alega a Autora que entre as partes foi celebrado um contrato que permitiria à Ré instalar um boutique para senhoras e homens e respectivos acessórios de moda, numa das lojas sita dentro do centro comercial denominado por “THE GRAND CANAL SHOPPES”, actualmente “SHOPPES AT B”, construído e gerida pela Autora, mediante o pagamento de uma quantia denominada por “Base Fee” pela cessão do espaço, outra quantia denominada por “Management Fee” a título de taxa de gestão ou de comparticipação nas despesas comuns do centro comercial, uma quantia denominada por “Promotion Levy” a título de comparticipação nas despesas comuns de promoção do centro comercial e uma quantia denominada por “Streetmosphere Levy” a título de comparticipação nas despesas comuns de acções de entretenimento do centro comercial. A par disso, ainda segundo a Autora, a Ré era obrigada a obter uma garantia bancária a favor da Autora, submeter os projectos de decoração da loja à aprovação da Autora, entregar }a Autora o comprovativo de pagamento de apólice de seguro adequada, manter o estabelecimento aberto diariamente observando o horário de abertura e encerramento do centro comercial e indemnizar a Autora pelos prejuízos sofridos se viesse a incumprir o contrato, cujo valor corresponde à soma dos “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy” acima referidos que a Autora teria direito de receber até ao termo do contrato subtraído das eventuais quantias que pudesse vir a receber de terceiros em virtude de uma nova cessão do espaço.
No entanto, a Ré nunca entregou a garantia bancária à Autora, nunca submeteu os projectos de decoração da loja à aprovação da Autora nem a obteve, nunca abriu o estabelecimento ao público e nunca pagou os respectivos valores mantendo-se relapso no cumprimento das respectivas obrigações, motivo pelo qual a Autora resolveu o contrato celebrado entre as partes.
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Reconhecendo que celebrou o contrato invocado pela Autora nos termos indicados na petição inicial, vem a Ré impugnar alguns factos invocados por aquela acerca do incumprimento contratual bem como alegar que a Autora lhe prometera que o centro comercial dotaria de certas características lhe permitiriam certo nível de negócios, características estas que nunca vieram a verificar-se, razão porque a Ré declarou resolver o contrato celebrado entre as partes em finais de Dezembro de 2007 ainda antes de lhe ser entregue a loja, não tendo a Ré nunca feito uso da mesma.
Com base nisso, pede, em reconvenção, que lhe seja reconhecido o direito de resolver o citado contrato declarando-se válida a resolução accionada.
Além disso, excepciona a pretensão de pagamento da Autora invocando a prescrição das direitos que a Autora alega assistir-lhe em virtude do contrato celebrado.
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Tendo em conta a resenha feita, as questões colocadas perante o Tribunal e que interessam para a decisão sobre o mérito da causa dizem respectivamente respeito a:
1. Natureza da relação estabelecidas entre as partes;
2. Não verificação das características garantidas pela Autora;
3. Incumprimento da Ré;
4. Resolução do contrato; e
5. Pedidos das partes.
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Natureza da relação estabelecida entre as partes
Uma vez que o contrato celebrado entre as partes permitia à Ré fazer uso de uma loja pertencente à Autora para nela instalar um estabelecimento de venda de vestuário, coloca-se a questão de saber se se está perante um contrato de arrendamento para fins comerciais cujo regime afasta qualquer direito a indemnização no caso de resolução do contrato com base na falta de pagamento não assistindo, consequentemente, à Autora o direito de exigir o cumprimento da cláusula penal constante do contrato.
Preceitua efectivamente o artigo 996º, nº 1, do CC que “Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na fata de pagamento; se o atraso exceder 30 dias, a indemnização referida é aumentada para o dobro.” (sublinhado nosso)
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Conforme os factos assentes, em 9 de Agosto de 2007, entre as partes foi celebrado um contrato relativo ao uso da loja XXXX, sita no nível 3 do centro comercial denominado por “THE GRAND CANAL SHOPPES”, actualmente “SHOPPES AT B” gerido e explorado pela Autora, destinada à instalação de um estabelecimento de venda de vestuário tendo a Ré comprometido a pagar mensalmente uma quantia designada por “Base Fee”, no montante de HK$113.360,00 pelo uso do espaço onde iria ser instalado o estabelecimento sub judice; uma taxa de gestão ou comparticipação nas despesas comuns do centro comercial designado por “Management Fee”, no valor de HK$14.016,00 sujeito a ajustamentos anuais; uma taxa de comparticipação nas despesas de promoção do centro comercial designado por “Promotion Levy”, no valor de HK$2,20 por pé quadrado de área da loja; e uma taxa de comparticipação nas despesas de acções de entretenimento do centro comercial designado por “Streetmosphere Levy”, também no valor de HK$2,20 por pé quadrado de área da loja.
Nos termos do artigo 969º do CC “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”
Por outro lado, “A locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, … .” – artigo 970º do CC.
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Se se perspectivar a relação estabelecida entre as partes apenas no que diz respeito à utilização do espaço onde iria ser instalado o estabelecimento comercial da Ré e o respectivo “Base Fee”, o contrato é, de facto, um contrato de arrendamento.
Porém, dos factos provados acima referidos, vê-se que o sinalagma estabelecido entre as partes não se cinge ao gozo do referido espaço e ao recebimento do “Base Fee”. Com efeito, a Ré estava obrigada a partilhar com os demais lojistas as despesas decorrentes da gestão do centro comercial proporcionada pela Autora, da promoção do centro comercial organizada pela Autora através de actividades de promoção realizadas dentro e fora do centro comercial, das actividades de entretenimento dos clientes do centro comercial, e limpeza, manutenção e funcionamento da área de restauração, as designadas por “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy” respectivamente.
Dessa vertente do contrato retira-se que a Autora, além de proporcionar o gozo do espaço concretamente ocupado pela Ré, estava também obrigada a gerir o centro comercial e levar a cabo acções de promoção do centro comercial e de entretenimento dentro do centro comercial.
Como é bom de ver, está-se perante um contrato em que estão combinadas características de um contrato de arrendamento para fins comerciais e de prestação de serviços.
Dir-se-á que esses deveres em nada alteram a natureza locatícia do contrato visto que podem ser perspectivados como respeitantes a serviços acrescidos facultados pela Autora aos seus “inquilinos”. Poder-se-á fazer a dessecação do contrato em várias componentes, sendo a relativo ao gozo do espaço um contrato de arrendamento e a respeitante à gestão e promoção um contrato de prestação de serviços.
Porém, bem vistas as coisas, o que a Autora proporcionou não eram parcelas de bens considerados isoladamente ou componentes autónomas mas sim um todo integrado.
Em primeiro lugar, o papel desempenhado pela Autora não se enquadra no de um mero senhorio cuja obrigação é essencialmente de natureza passiva: tolerar o gozo do espaço arrendado por parte do inquilino.1 Tendo em conta os demais actos a que a Autora estava adstrita a praticar, dúvidas não restam de que os mesmos se destinavam a dinamizar o centro comercial a fim de atrair o maior número possível de visitantes e, consequentemente, aumentar o volume de transacções dos respectivos lojistas. Ora, isso é, em si, uma mais-valia que permite à Autora cobrar contrapartidas mais elevadas do que as normalmente praticadas no mercado de arrendamento.
Em segundo lugar e por força disso, goza a Autora de uma série de prerrogativas sobre os lojistas do centro comercial inclusivamente o direito ao livre acesso ao espaço cedido aos lojistas para proceder a inspecções, fiscalizações, obras de renovação, manutenção e reparação (cfr. cláusula 10ª do contrato junto a fls 40 a 74), e impor regras de funcionamento dentro e fora do espaço cedido inclusivamente as respeitantes ao horário de funcionamento da loja e as fixadas no manual dos lojistas alterando-as quando quiser (cfr. cláusulas 14ª a 16ª do mesmo contrato).
Em terceiro lugar, além do direito de receber as contrapartidas acima referidas, goza a Autora o direito de receber uma outra contrapartida designada por “Turnover Fee” que corresponde a um certa percentagem sobre o volume de vendas feitas pela Ré. Para o efeito, a Ré é obrigada a manter o registo das transacções feitas e submeter tais registos à Autora que goza do direito de proceder à auditoria das contas apresentadas (cfr. cláusulas 22ª e 23ª do mesmo contrato).
Em quarto lugar, nos diferentes considerandos constantes do início do contrato, as partes, por várias vezes, salientaram as diversas lojas o carácter integrado e interdependente das lojas do centro comercial as quais ficam sujeitas a uma gestão centralizada orientada sob uma estratégia global e unitária.
E esse carácter integrado e interdependente, em que o sucesso ou o insucesso de um pode ter reflexos positivos ou negativos no todo, é reforçado pelo poder da Autora de fixar um nível de negócios considerado aceitável a cada um dos lojistas. Pois, através do “Occupancy Cost Ratio”, a relação entre o valor total do “Base Fee”, “Turnover Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy”, e o valor do “Turnover Fee” pago pela Ré tinha que ser igual a 15% do volume das vendas (cfr. cláusula 22 e 23ª do mesmo contrato e ponto 13 do Anexo ao contrato) sob pena de incumprimento contratual por parte da Ré.
Assim, é manifesto que a Autora não cederia o espaço à Ré se a mesma não aceitasse as obrigações acima referidas sendo os serviços de gestão e promoção prestados pela Autora um mero meio indispensável para a prossecução do citado fim comum. Da mesma forma, a Autora não prestaria tais serviços à Ré se esta não tivesse aceitado estabelecer o seu estabelecimento no centro comercial sob as referidas condições.
E essa inseparabilidade não diz apenas respeito à funcionalidade do contrato mas também ao interesse da Autora e da Ré em ver o centro comercial destacar-se dos demais centros comerciais em consequência das actividades de gestão e promoção levadas a cabo pela Autora. Pois, o sucesso em questão também permite uma valorização da imagem comercial da Autora no respectivo ramo de actividade e um maior volume de vendas à Ré potenciada pelo nível do fluxo de visitantes. A isso acresce o aumento directo das receitas da Autora por força do direito ao “Turnover Fee” cujo valor varia consoante o maior ou menor volume de vendas feitas pela Ré.
Daí que não se está perante um contrato nos moldes tradicionais em que o único ponto de convergência entre as partes é o acordo de vontades e quanto ao resto as partes não podem estar mais divergentes, pois prosseguem interesses antagónicos e normalmente à custa dos interesses da contraparte.
Antes, por força da relação contratual existente entre a Autora e a Ré, as mesmas estavam obrigadas a cooperar constantemente para garantir o maior sucesso ao centro comercial. Daí que a par do dever da Autora de gerir e promover o centro comercial, levando a cabo actividades de promoção e de entretenimento, assiste-lhe o direito de impor regras de funcionamento do próprio estabelecimento comercial da Ré cujo cumprimento permitiria, em abstracto, a elevação da qualidade do centro comercial perante o público consumidor.
Assim, não se pode deixar de concordar com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de Abril de 2012, http://www.dgsi.pt/, de que, nos casos como o dos presentes autos, está-se perante um contrato atípico, mais concretamente um contrato de cooperação, não correspondente a nenhum dos tipos legais previstos e regulados.
As partes não celebraram, pois, um contrato de arrendamento.
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Nos termos do artigo 399º do CC, “1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver. 2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.”
Trata-se de uma das manifestações do princípio da liberdade contratual no âmbito do direito das obrigações.
Segundo Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, Almedina.Coimbra, pg 243, 244 e 281, “Por um lado,” a liberdade de contratar “exprime a faculdade de os indivíduos formularem livremente as suas propostas e decidirem sem nenhuma espécie de coacção externa sobre a adesão às propostas que outros lhe apresentem. As pessoas são livres na decisão de contratar, na escolha da pessoa com quem hajam de contratar, na sua própria retractação, enquanto a proposta não chega ao poder do destinatário ... Por outro lado, a liberdade reconhecida às partes aponta para a criação do contrato. E o contrato é um instrumento jurídico vinculativo, é um acto com força obrigatória. É a lex contractus. Liberdade de contratar é, por conseguinte, a faculdade de criar sem constrangimento um instrumento objectivo, um pacto que, uma vez concluído, nega a cada uma das partes a possibilidade de se afastar (unilateralmente ) dele – pacta sunt servanda. A razão da vincularão está em que a promessa livremente aceite por cada uma das partes cria expectativas fundadas junto da outra e o acordo realiza fins dignos da tutela do direito. Ao interesse da livre ordenação dos interesses recíprocos das partes sucede a necessidade de protecção da confiança de cada uma delas na validade do pacto firmado. E essa vinculação recíproca não viola o princípio da autonomia privada, na medida em que assenta sobre a auto-determinação de cada um dos contraentes.”
Por não se vislumbrar qualquer impedimento legal, nada obsta à celebração de um contrato com os termos acima definidos o qual, segundo o já expendido, deve ser qualificado como um contrato atípico em que as partes são obrigadas as cooperar uma com a outra no desenvolvimento da respectiva relação jurídica.
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Não verificação das características garantidas pela Autora
Flui da posição tomada pelas partes que a Autora funda os seus pedidos no incumprimento contratual por parte da Ré que a fez accionar o mecanismo de resolução do acordo de cessão e a Ré se defende invocando, em primeiro lugar, a excepção da prévia resolução do contrato motivo pelo qual, segundo a Ré, deixara de estar obrigada a cumprir as obrigações cuja violação lhe é imputada na presente acção.
Face a essa defesa apresentada pela Ré, urge, antes de mais, equacionar se a alegada resolução prévia do acordo de cessão por parte da Ré foi validamente efectuada. É que, se for esse o caso, a Ré deixou, de facto, de ser obrigada a cumpri-lo a partir do momento em que a resolução se tornou eficaz não podendo a não realização das prestações cronologicamente posteriores a este momento ser qualificada como falta de cumprimento.
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Nos termos do artigo 426º, nº 1, do CC “É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.”
Em articulação com essa norma, dispõe o artigo 790º do CC que “1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. 2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.”
Segundo a Ré, aquando da celebração do contrato, a Autora garantiu que na zona onde se localizaria a loja a ceder estariam instalados um restaurante de luxo e outros estabelecimentos comerciais de luxo, de marcas internacionalmente reconhecidas; que a taxa de utilização da zona estaria próxima de 100%, estando 95% das lojas aí existentes já confirmadas e prontas a exercer actividade no dia de abertura oficial a 1 de Dezembro de 2007; e que o “tennant mix” e as infra-estruturas tinham sido elaborados com base em estudos de peritos em ordem a que os mesmos contribuíssem para o grande fluxo e volume de clientela. Porém, ainda de acordo com a Ré, tais garantias não vieram a concretizar-se porque na zona não foram abertos os referidos estabelecimentos comerciais, a taxa de utilização da zona ficou nos 50% e a clientela era ínfima, razão por que a Ré, em 29 de Dezembro de 2007, comunicou à Autora a sua pretensão de resolver o acordo.
Do exposto, vê-se que a Ré funda a sua pretensão no facto de a zona em que se localizava a loja a ceder não dotar das condições prometidas pela Autora aquando da celebração do contrato.
Resulta da matéria provada que, em 29 de Dezembro de 2007, a Ré notificou a Autora de que “abandonava” o contrato, demonstrando uma intenção de desistir do contrato e de não vir a cumprir o contrato.
Além disso, está provado que a Autora nunca concordou com a desistência unilateral da Ré.
Das promessas alegadas pela Ré apenas ficou assente que a Autora garantira à Ré que o “tennant mix” e as infraestruturas do B, nomeadamente, o Grand Canal Shoppes, tinham sido elaborados com base em estudos de peritos em ordem a que os mesmos contribuíssem de forma inquestionável e decisiva, para o grande fluxo e volume de clientela.
A Ré não logrou demonstrar os restantes factos por si alegados.
Como se vê facilmente, a matéria provada relativa à questão sub judice indica apenas que a Autora assegurou que o “tennant mix” e as infra-estruturas tinham sido elaborados de certa maneira que permitiria grande fluxo e volume de clientela, pois não se provou que, aquando da celebração do contrato, tinham sido prestadas as outras garantias invocadas pela Ré.
No que à garantia prestada se refere, nada permite concluir que o “tennant mix” e as infra-estruturas não tinham sido elaborados nos termos referidos pela Autora.
Assim, não é possível afirmar que a zona do centro comercial onde a loja a ceder se encontrava não tinha as características aseguradas pela Autora. Consequentemente, nenhum censura se pode emitir a fim de qualificar a conduta da Autora como violadora do contrato que legitimaria a pretensão da Ré de ver o acordo extinto, manifestada na comunicação feita em 29 de Dezembro de 2007.
Assim, não é de entender que, através da comunicação feita em 29 de Dezembro de 2007, a Ré não resolveu validamente o acordo de cessão.
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Incumprimento da Ré
Afastado o entendimento de que o contrato foi validamente resolvido pela Ré em 29 de Dezembro de 2007, as partes continuaram a estar vinculado ao mesmo.
Cabe agora debruçar sobre a questão de saber se a Ré faltou ao cumprimento das obrigações a que estava adstrito.
Segundo a Autora, a Ré deixou de cumprir várias obrigações resultantes do acordo de cessão, a saber:
1. prestar garantia bancária até 30 dias da data da entrega da loja;
2. submeter os projectos de decoração à aprovação da Autora antes do início das obras de decoração;
3. entregar comprovativos do pagamento de seguro;
4. abrir o estabelecimento comercial ao público diariamente, observando o horário de abertura e encerramento do centro comercial; e
5. pagar a retribuição pela cessão da loja e as demais despesas a cargo da Ré previstas no contrato.
Resulta dos factos provados que a Ré nunca prestou a garantia bancária à Autora, nem entregou comprovativo do pagamento de seguro, nunca abriu o estabelecimento comercial ao público e não pagou à Autora a retribuição ou as demais despesas previstas no acordo de cessão. Quanto à obrigação de submeter os projectos de decoração à aprovação da Autora, está provado que a Ré submeteu a 1ª fase dos projectos de decoração da sua loja à aprovação da Autora no dia 21 de Novembro de 2007, os quais obtiveram aprovação em 3 de Dezembro de 2007.
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Apesar de estar demonstrado que a Ré não realizou grande parte das prestações acima referidas e realizou apenas parcialmente o dever de submeter os projectos de decoração à aprovação da Autora, não se pode aqui olvidar um aspecto não despiciendo que pode tornar as obrigações em questão ainda não exigíveis para daí concluir que a Ré faltou ao seu cumprimento.
É que, está demonstrado que a loja a ceder nunca foi entregue à Ré. Com efeito, está provado que houve três tentativas de entrega da loja, todas elas falhadas, respectivamente em 24 de Agosto, 8 de Novembro e 1 de Dezembro de 2007.
Todas as obrigações cujo incumprimento é imputado à Ré, à excepção da de entrega do comprovativo de seguro, pressupõe que a loja tenha sido entregue à Ré. De facto, a entrega da garantia bancária é devida 30 dias depois da entrega da loja, a de submissão dos projectos de decoração, por dever ser feita antes do início das obras de decoração, pressupõe a entrega da loja, a abertura do estabelecimento comercial ao público logicamente depende da posse da loja por parte da Ré e a de pagamento da retribuições e demais despesas é inerente ao uso da loja por parte da Ré.
Quanto à entrega da loja a ceder, não se questiona que se está perante um dever da Autora.
Ora, demonstrado que a loja nunca foi entregue à Ré, numa primeira aproximação, as citadas quatro obrigações que impendia sobre a Ré ainda não estavam vencidas.
Contudo, há que ter em conta as razões por que a entrega nunca se verificou.
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Dos factos provados vê-se que as partes acordaram proceder à entrega da loja nas três datas acima elencadas mas a loja acabou por não ser entregue porque, nas duas primeiras datas, a Autora não a entregou à Ré e, na última data, a Ré não compareceu para a receber.
Nos termos do artigo 794º, nºs 1 e 2, a), do CC “1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. 2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo.”
E o artigo 802º do CC dispõe que “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”
É, pois, de imputar objectivamente a não entrega da loja, nas duas primeiras tentativas de entrega, à Autora porque pura e simplesmente não realizou a prestação devida nas datas aprazadas e, na última, à Ré porque, ao não comparecer, não praticou os actos necessários, ao cumprimento da obrigação da Autora.
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A partir dos factos assentes não se consegue saber por que a Autora não entregou a loja nas duas primeiras tentativas de entrega e a Ré não compareceu na última tentativa nem se as partes consideraram justificadas a falta de cumprimento da contraparte.
Nos termos do artigo 788º, nº 1, do CC “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”
Assim, é de concluir que a Autora entrou culposamente em mora no cumprimento do dever de entrega da loja nas duas primeiras tentativas enquanto que a Ré constituiu-se culposamente em mora ao não comparecer na data aprazada para o recebimento na última tentativa.
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Tendo em conta a sequência das entregas falhadas, vê-se que, não obstante a mora da Autora nas duas primeiras tentativas de entrega, as partes mantiveram-se interessadas na entrega da loja, pois fixaram a data de 1 de Dezembro de 2007 para que a loja fosse entregue.
Nestas circunstâncias, a mora da Autora não podia ter sido convertida em incumprimento definitivo nos termos do artigo 797º, nº 1, a), do CC.
Por na terceira e última data marcada para a entrega ter sido a Ré quem entrara em mora tornando impossível a entrega, nunca por nunca se pode concluir que a mora da Autora na segunda tentativa de entrega se converteu em incumprimento definitivo nos termos do artigo 797º, nº 1, b), do CC.
Portanto, em 1 de Dezembro de 2007, o acordo de cessão estava ainda em pleno vigor mantendo-se as partes vinculadas ao mesmo. Consequentemente, a Ré estava obrigada a receber a loja na nova data marcada.
Não tendo a Ré comparecido para o efeito, a mesma incorreu em mora como foi já referido.
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Do exposto conclui-se que as quatro obrigações cujo incumprimento é imputado à Ré não estavam vencidas porque foi a Ré quem culposamente impediu que o facto de que depende o seu vencimento se verificasse, impedindo, consequentemente, o programa de execução do contrato acordado aquando da sua celebração seguisse os seus termos, designadamente iniciar o “fitting out period” em 1 de Dezembro de 2007 e o período a partir do qual a retribuição e as despesas inerentes ao uso da loja começariam a ser devidas, período este cujo termo inicial ficou fixado para 29 de Dezembro de 2007.
Nos termos do artigo 804º “1. A mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor. 2. Sendo o contrato bilateral, o credor que, estando em mora, perca total ou parcialmente o seu crédito por impossibilidade superveniente da prestação não fica exonerado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a extinção da sua obrigação, deve o valor do benefício ser descontado na contraprestação.”
Por outra bando, como segundo o plano de execução do contrato acordado, a entrega da loja devia ter ocorrido, o mais tardar, em 1 de Dezembro de 2007, a obrigação de entrega da garantia bancária teria vencido em 31 de Dezembro de 2007 (30 dias depois da entrega da loja), a obrigação de abertura do estabelecimento comercial ao público e o dever de pagar a retribuição e demais despesas teriam vencido em 29 de Dezembro de 2007 (data em que o fitting out period teria terminado e em que iniciaria o commencement date)
Não tendo sido cumpridas essas obrigações naquelas datas, a Ré entrou também em mora no seu cumprimento.
Por isso, a Ré não pode escudar-se na falta de entrega anteriormente incorrida pela Autora para justificar a sua não comparência na última data aprazada para a entrega e, consequentemente, considerar que as obrigações que dependiam da entrega da loja ainda não eram exigíveis.
Nesta base, é de considerar que a não realização das prestações a que estas obrigações dizem fez a Ré incorrer em mora no seu cumprimento.
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Relativamente ao dever de submissão dos projectos de decoração à aprovação da Autora antes do início das obras de decoração, dir-se-á que, estando demonstrado que a Ré submeteu a 1ª fase dos projectos de decoração da sua loja à aprovação da Autora no dia 21 de Novembro de 2007, os quais obtiveram aprovação em 3 de Dezembro de 2007, não se pode entender que a Ré incorreu em mora no cumprimento deste dever.
Contudo, desse facto decorre que a obrigação sub judice foi apenas parcialmente cumprida estando parte dela por cumprir.
Dispõe o artigo 753º, nº 1, do CC que “A prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos.”
Quanto ao vencimento, o dever de submissão dos projectos teria vencido em data não posterior a 28 de Dezembro de 2007. Isto porque os projectos teriam que ser submetidos antes das obras e, como tal, antes da data em que a Ré teria que concluir as obras e, segundo o plano de execução do acordo, as obras tinham que estar concluídas no dia 28 de Dezembro de 2007.
Assim, a mora ainda se verifica porque a Ré manteve-se sempre relapso no cumprimento integral da sua obrigação.
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Isto no que diz respeito aos deveres de entregar a garantia bancária, de submeter os projectos de decoração à aprovação da Autora, de manter o estabelecimento comercial aberto ao público e de pagar à Autora a retribuição ou as demais despesas previstas no acordo de cessão.
No que concerne à obrigação de entregar comprovativos do pagamento de seguro, as partes não fixaram prazo para o seu cumprimento.
Trata-se de uma obrigação pura, como é bom de ver.
Resulta do artigo 794º, nº 1, acima transcrito que essa obrigação só vence com a interpelação.
Está assente que, em 5 de Fevereiro de 2008, a Autora pediu à Ré para cumprir tal dever no prazo de 8 dias, tendo a Ré recebido a respectiva carta no dia 6 de Fevereiro de 2008.
Ora, com esse pedido, a obrigação passou a ser exigível e, ao não cumprir no prazo fixado, a Réu entrou também em mora quanto a esta mesma obrigação.
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Resolução do contrato
Do exposto vê-se que a Ré estava em mora no cumprimento dos cinco deveres acima elencados.
Assente a mora e incumprimento contratual por parte da Ré, urge aquilatar se assistia à Autora a faculdade de resolver o contrato nos termos em que alegadamente fez.
Dispõe o artigo 790º, nº 2, do CC, que “Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.”
Porém, para esse efeito, não bastava uma qualquer violação das obrigações contratuais. “É que, embora a mora lhe confira o direito a ser indemnizado dos danos sofridos, tal como o não cumprimento definitivo, só a falta (definitiva) de cumprimento legitima a resolução do contrato.” – cfr. Antunes Varela, ob. cit., pg 123.
De facto, estipula o artigo 793º, nº 1, do CC, que “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.” e o artigo 797º, nº 1, do CC, que “Considera-se para os efeitos constantes do artigo 790º, como não cumprida a obrigação se, em consequência da mora: a) O credor perder interesse que tinha na prestação: ou b) A prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor.”
Foi já referido que, por carta de 5 de Fevereiro de 2008, a Autora concedeu à Ré um prazo de 8 dias para esta cumprir as obrigações de entrega da garantia bancária, de submissão dos projectos de decoração à aprovação da Autora e de entrega dos comprovativos do pagamento de seguro sob pena de ser resolvido o contrato celebrado entre as partes.
Está provado que a Ré recebeu a carta em 6 de Fevereiro de 2008 e, mesmo depois de decorrido o prazo de 8 dias, nada fez.
Assim, a mora foi convertida em incumprimento definitivo pela via do artigo 797º, nº 1, b), do CC, sendo, então, legítimo à Autora resolver o contrato nos termos referidos na petição inicial.
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Pedidos das partes
Em primeiro lugar, pede a Autora que seja declarada válida a resolução do contrato ocorrida com o decurso do prazo de 8 dias contados a partir de 6 de Fevereiro de 2008.
Da análise acabada de fazer, retira-se que esse pedido deve ser julgado procedente.
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Mais pede a Autora que a Ré seja condenada a pagar a quantia de HK$207.568,47 correspondente ao valor dos “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy” desde 29 de Dezembro de 2007 até 14 de Fevereiro de 2008, acrescido de juros de mora.
Contra esse pedido vem a Ré arguir a excepção de prescrição dos respectivos créditos por terem já decorrido cinco anos sobre a data em que as mesmas são exigíveis.
Nos termos do artigo 303º, f), do CC “Prescrevem no prazo de 5 anos: Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.”
Por sua vez, estipula o artigo 297º, nºs 1 e 2, do CC “1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito. 2. A prescrição do direito principal implica igualmente a prescrição do direito a juros e outros direitos acessórios.”
De acordo com a matéria assente, a retribuição e as despesas acima indicadas eram devidas mensalmente as quais venciam-se no dia 1 do mês a que se referem. Assim, as prestações devidas pelos meses de Dezembro de 2007 a Fevereiro de 2008 venceram-se sucessivamente em 1 de Dezembro de 2007, 1 de Janeiro de 2008 e 1 de Fevereiro de 2008.
Trata-se manifestamente de prestações periodicamente renováveis.
Por outra banda, a Autora intentou a presente acção em 1 de Dezembro de 2014.
Articulando esses dados, constata-se que, entre a data em que as respectivas quantias eram exigíveis e a data da propositura da presente acção, já decorreram 5 anos.
Nestes termos, sem necessidade de se debruçar sobre os concretos valores em causa, o pedido de pagamento do valor correspondente à retribuição e às demais despesas relativas ao uso da loja acrescido de juros não pode deixar improceder face à prescrição do respectivo direito nos termos acima indicados.
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Em terceiro lugar pede a Autora que a Ré seja condenada a pagar-lhe a indemnização prevista na cláusula penal acrescida de juros.
Para o efeito, alega a Autora que consta do contrato celebrado entre as partes uma cláusula penal nos termos da qual a indemnização a pagar pela Ré no caso de incumprimento corresponderia ao montante total do “Base Fee”, “Management Fee” e “Promotion Levy”, “Streetmosphere Levy” que a Ré teria que pagar entre o momento da resolução do contrato e o termo estipulado no contrato.
Entende a Autora que lhe assiste o direito de fazer accionar a cláusula 41ª do contrato a fim de exigir à Ré o pagamento da quantia de HK$1.633.614,91.
Está provado que nos termos do disposto nos n.ºs 7 e 8 da cláusula 41 do contrato, tem a Autora direito a ser indemnizada pelo incumprimento imputável à Ré, de modo a cobrir todos os danos sofridos e, nomeadamente, as perdas relativas ao período em que a loja em causa esteve desocupada, lucros cessantes resultantes da diferença de valor entre os montantes devidos pela Ré e os que vierem a ser estabelecidos com terceiros que venham a ocupar a loja e, bem assim, todos os danos que possam resultar para o Centro Comercial no seu todo.
Preceitua o artigo 799º, nº 1, do CC, “As partes podem fixar por acordo a indemnização exigível ou a sanção aplicável, para os casos de não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora no cumprimento; a cláusula do primeiro tipo designa-se por cláusula penal compensatória e a do segundo por cláusula penal compulsória.”
Tendo em conta o teor da cláusula com base na qual Autora reclama o pagamento da citada quantia, não se coloca qualquer dúvida de que se trata de uma cláusula penal, pois a quantia aí fixada a título de compensação é apenas devida no caso de resolução do contrato por incumprimento contratual por parte da Ré.
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Novamente a Ré excepciona o pedido relativo à indemnização e aos respectivos juros de mora com base na prescrição dos mesmos.
Funda essa sua pretensão no carácter acessório da na cláusula penal em relação à obrigação de pagamento da retribuição e das demais despesas, já prescritas nos termos acima consignados. Segundo a Ré, prescrita a obrigação de pagamento da retribuição e das demais despesas, a cláusula penal caduca.
Quanto a isso, já não assiste qualquer razão à Autora.
O direito à retribuição e à cobrança das demais despesas pelo uso da loja e o direito resultante da cláusula penal são direitos autónomos que incidem sobre situações totalmente independentes. Pois, o primeiro direito surge quando o contrato é executado em conformidade com o plano de execução definido que as parte tiveram em vista ao celebrar o contrato enquanto que o segundo resulta já de uma situação patológica em que o fim prosseguido deixou de ser viável em virtude do não cumprimento do acordo por uma das partes.
Ora, disso se vê que aqueles dois direitos têm vida e sofrem vicissitudes muito diferentes. Com efeito, celebrado o contrato, a obrigação de pagar a retribuição e as demais despesas inerentes ao uso da loja pode surgir ou não consoante o contrato ter ou não sido executado nos termos acordados. A obrigação resultante da cláusula penal nasce com o incumprimento da obrigação de pagar ou de outra obrigação qualquer que motiva a resolução do contrato. No caso em que a resolução se funda na violação de uma obrigação diferente da de pagar, a obrigação resultante da cláusula penal pode surgir ainda antes da constituição da obrigação de pagar porque, por exemplo, o contrato nem sequer chegou a ser executado. Mesmo quando a obrigação decorrente da cláusula penal tenha sido constituída depois da execução do contrato ou até por causa da falta de pagamento da retribuição ou das demais despesas, a extinção desta obrigação de pagar não tem qualquer implicação no direito resultante da cláusula penal. Pois, ainda que a obrigação de pagar deixou de ser exigível por qualquer motivo designadamente por o devedor ter entretanto cumprido o dever de pagar, o titular do direito decorrente da cláusula penal continua a poder exigir o cumprimento da cláusula penal.
Assim, não se vislumbra qualquer fundamento para proceder à hierarquização dessas duas obrigações qualificando uma como acessória da outra e fazendo depender a exigibilidade de uma da exigibilidade da outra.
Improcede, pois, a excepção de prescrição arguida pela Ré.
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Segundo a Autora, entre a resolução do contrato e o termo do mesmo, a mesma teria direito a receber HK$4.490.330,46 mas que, por ter conseguido contratar um outro lojista que veio ocupar a loja cujo uso foi então cedido à Ré e ter recebido deste HK$2,856.715,55 a título de “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy” até 28 de Dezembro de 2010, data em que terminaria o contrato celebrado entre a Autora e a Ré, esta está apenas obrigada a pagar uma indemnização correspondente à diferença entre esses valores, ou seja, HK$1.633.614,91.
Conforme os factos assentes, o alegado pela Autora está provado. Além disso, concluiu-se acima que era legítima a resolução do contrato. Foi também referido que o artigo 799º, nº 1, do CC permite que as partes convencionem cláusulas penais para os casos de incumprimento.
Assim, por força dessa auto-vinculação, a Ré deve também indemnizar a Autora pagando-lhe os valores correspondentes desde o momento da resolução do contrato até ao termo do mesmo.
Resulta dos factos assente que a Autora acordou ceder o espaço em questão à Ré em 9 de Agosto de 2007, a Autora resolveu o contrato no dia 14 de Fevereiro de 2008 e o termo final do contrato teria lugar em 28 de Dezembro de 2010.
Conforme os factos assentes, o “Base Fee” era de HK$113.360,00 por mês, o “Management Fee” era de HK$14.016,00 por mês, passou para HK$14.892,00 desde Dezembro de 2008, e para HK$9.636,00 desde Janeiro de 2010, o “Pormotion Levy” e o “Streetmosphere Levy” eram, cada uma destas despesas, de HK2,023,56 por mês em 2008, de HK$2.128,68 em 2009 e de 2.233,80 em 2010.
Assim, feitas as contas, não fosse a resolução do contrato por incumprimento contratual por parte da Ré, pelo período de 15 de Fevereiro de 2008 a 28 de Dezembro de 2010, a Autora poderia receber como contrapartida da cessão HK$4.487.615,94 (HK$3.899.584,00 + HK$441.270,40 + HK$73.380,77 + HK$73.380,77) a título de “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy”.
Pelo que, por força da cláusula penal fixada no contrato, a Autora teria direito a receber uma indemnização no valor de HK$4.487.615,94.
Uma vez que está ainda provado que a Autora cedeu a mesma loja a um outro lojista de quem recebeu HK$2.856.715,55, a Autora pode apenas exigir à Ré o pagamento de HK$1.630.900,39 (HK$4.487.615,94 – HK$2.856.715,55).
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No que se refere aos juros, preceitua o artigo 795º do CC, “1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. 2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal. 3. … .”
Por força do disposto no artigo 552º, nº 1, do CC e da Ordem Executiva nº 29/2006, a taxa dos juros legais é 9,75% sendo a dívida de natureza comercial a esta taxa se acrescem 2% - artigo 569º, nº 2, do Código Comercial.
Em princípio, os juros contam-se a partir da interpelação judicial ou extrajudicial – artigos 793º e 794º, nº 1, do CC.
Porém, nos termos do artigo 794º, nº 4, do CC “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor”.
Uma vez que a indemnização em questão é ilíquida, os juros são apenas devidos a partir da presente sentença.
Assim, deve a Ré ser também condenado a pagar juros à taxa 11,75% contados a partir da data da presente sentença.
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Mais pede a Autora que a Ré seja condenada a pagar-lhe o imposto de selo que pagou, no valor de MOP$21.152,39, o qual, segundo o estipulado no contrato, deve ser pago pela Ré.
Está provado que a Autora pagou o imposto de selo que devia ser suportado pela Ré.
Assim, assiste à Autora o direito de reclamar a devolução da quantia paga a título de imposto de selo.
No entanto, está também provado que a Autora impugnou o valor do imposto de selo fixado pela Direcção dos Serviços de Finanças razão por que ainda não se tem a certeza acerca do valor efectivamente devido.
Nos termos do artigo 564º, nº 2, do CPC, “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”
Por força disso, deve-se condenar a Ré a indemnizar a Autora nos termos acima consignados relegando-se a sua determinação para a execução da presente sentença.
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Pede a Ré, em reconvenção, que a resolução por si accionada em 29 de Dezembro de 2007 seja considerada válida.
Da exposição feita acima conclui-se que esse podia não podia deixar de improceder.
Assim, nada resta senão julgar improcedente o pedido reconvencional.
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Tendo em conta o expendido, é de condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de HK$1.630.900,39 acrescidos dos juros acima indicados e a restituir o valor desembolsado pela Autora a título de imposto de selo cuja determinação fica deferida para a fase de execução da sentença e absolver a Autora do pedido formulado pela Ré.
***
IV – Decisão:
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção, em consequência, decide:
7. Declarar válida a resolução do contrato celebrado entre a Autora, B, S.A., e a Ré, A (Group) Limited, promovido pela Autora, em 5 de Fevereiro de 2008;
8. Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de HK$1.630.900,39;
9. Condenar a Ré a pagar à Autora juros à taxa de 11,75% calculados a partir da data da presente sentença sobre a quantia de HK$1.630.900,39; e
10. Condenar a Ré a restituir à Autora o valor do imposto de selo efectivamente pago pela Autora a liquidar em execução da presente sentença;
11. Absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pela Autora; e
12. Absolver a Autora do pedido reconvencional formulado pela Ré.
*
Custas pela Autora e Ré na proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e Notifique.
Quid Juris?
São as conclusões que delimitam o âmbito cognoscitivo do Tribunal ad quem.
A Recorrente/Ré concluiu, na parte princial, da seguinte forma:
17. A prescrição não é, porem, causa de invalidade, de ineficácia ou de extinção da obrigação.
18. Mas sim, é causa da sua inexigibilidade.
19. Quando completada, não determina a extinção do direito, gerando apenas, para o respectivo beneficiário, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
20. A prescrição não extingue a obrigação, "mas somente o meio de exigir o seu cumprimento e execução, ou seja a acção creditória.
21. Porque a cláusula penal fixada no contrato para o caso de incumprimento do contrato, é acessória em relação à obrigação principal, a de remuneração contratual, prescrito o direito ao pagamento desta caduca o direito a exigir o pagamento do valor da pena convencional.
22. Pelo que, estando prescritas por prescrição as prestações mensais - a obrigação principal - que a Ré se vinculara, considera-se caducada a cláula penal exigida pela Autora, no seu pedido, por força do princípio da acessoriedade.
23. Assim, o Tribunal, devia decidir no sentido de que, sendo inexigível, devido a prescrição, a obrigação principal, fenece a razão de ser da cláusula penal destinada a sancionar o seu inadimplemento que, por isso, caduca.
24. Assim sendo, a douta sentença, ao condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de HKD 1.630.900,39 e os juros à taxa de 11,75%, calculados a partir da data da presente sentença, a título de cláusula penal, violou o disposto do artigo 297º nos. 1 e 2 do CC., porquanto aplicou aos presentes autos, norma jurídica inaplicável.
Toda a questão consiste em saber se uma cláusula penal contratualmente firmado pelas partes pode ser regida pelo artigo 303º/1-f) do Código Civil de Macau (CCM)?
A decisão da primeira instância considerou que não, ao passo que a Recorrente/Ré veio a defender que sim.
O Tribunal recorrido teceu, neste ponto, as seguintes considerações:
“(…)
Novamente a Ré excepciona o pedido relativo à indemnização e aos respectivos juros de mora com base na prescrição dos mesmos.
Funda essa sua pretensão no carácter acessório da na cláusula penal em relação à obrigação de pagamento da retribuição e das demais despesas, já prescritas nos termos acima consignados. Segundo a Ré, prescrita a obrigação de pagamento da retribuição e das demais despesas, a cláusula penal caduca.
Quanto a isso, já não assiste qualquer razão à Autora. (Sic, cremos que é um lapso, deve querer referir-se à Ré).
O direito à retribuição e à cobrança das demais despesas pelo uso da loja e o direito resultante da cláusula penal são direitos autónomos que incidem sobre situações totalmente independentes. Pois, o primeiro direito surge quando o contrato é executado em conformidade com o plano de execução definido que as parte tiveram em vista ao celebrar o contrato enquanto que o segundo resulta já de uma situação patológica em que o fim prosseguido deixou de ser viável em virtude do não cumprimento do acordo por uma das partes.
Ora, disso se vê que aqueles dois direitos têm vida e sofrem vicissitudes muito diferentes. Com efeito, celebrado o contrato, a obrigação de pagar a retribuição e as demais despesas inerentes ao uso da loja pode surgir ou não consoante o contrato ter ou não sido executado nos termos acordados. A obrigação resultante da cláusula penal nasce com o incumprimento da obrigação de pagar ou de outra obrigação qualquer que motiva a resolução do contrato. No caso em que a resolução se funda na violação de uma obrigação diferente da de pagar, a obrigação resultante da cláusula penal pode surgir ainda antes da constituição da obrigação de pagar porque, por exemplo, o contrato nem sequer chegou a ser executado. Mesmo quando a obrigação decorrente da cláusula penal tenha sido constituída depois da execução do contrato ou até por causa da falta de pagamento da retribuição ou das demais despesas, a extinção desta obrigação de pagar não tem qualquer implicação no direito resultante da cláusula penal. Pois, ainda que a obrigação de pagar deixou de ser exigível por qualquer motivo designadamente por o devedor ter entretanto cumprido o dever de pagar, o titular do direito decorrente da cláusula penal continua a poder exigir o cumprimento da cláusula penal.
Assim, não se vislumbra qualquer fundamento para proceder à hierarquização dessas duas obrigações qualificando uma como acessória da outra e fazendo depender a exigibilidade de uma da exigibilidade da outra.
Improcede, pois, a excepção de prescrição arguida pela Ré.
(…)”.
Concordamos na essencialidade com esta douta argumentação, limitamos a acrescentar o seguinte:
1 - Conforme os factos assentes, ambas as partes aceitaram que foi estipulada uma cláusula penal para o incumprimento dos termos fixados no respectivo acordo.
A propósito da cláusula penal, o artigo 799º do CCM estipula:
1. As partes podem fixar por acordo a indemnização exigível ou a sanção aplicável, para os casos de não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora no cumprimento; a cláusula do primeiro tipo designa-se por cláusula penal compensatória e a do segundo por cláusula penal compulsória.
2. Em caso de dúvida, a cláusula penal é compensatória.
3. As partes podem estabelecer num mesmo contrato cláusulas penais para diferentes fins, mas se só tiverem estabelecido uma cláusula penal pelo não cumprimento, e esta for compensatória, presume-se que ela cobre todos os danos, e se for compulsória, que esta abrange toda a sanção aplicável.
4. A cláusula penal está sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal, e é nula se for nula esta obrigação.
Portanto, é uma convenção através da qual as partes fixam previamente o montante da indemnização a pagar pelo faltoso no caso de eventual inexecução do contrato.
Trata-se de uma liquidação antecipada e convencional dos prejuízos, (Galvão Teles no Manual de Direito das Obrigações, 1957, n. 257); de uma "pena que tem por função compelir o devedor ao cumprimento mediante a ameaça de um prejuizo, que e, em regra, superior ao montante da indemnização calculada segundo as regras legais", (Vaz Serra no Boletim do Ministerio da Justiça 67 -188).
Essa pena traduz-se, frequentemente, numa quantia certa, em juros especiais ou numa quantia por cada dia de mora.
Mas pode revestir outras modalidades, podendo, inclusivamente, não ter por objecto uma quantia em dinheiro, (Vaz Serra no Boletim citado, n. 1 e P. Lima e A. Varela no Codigo Civil anotado II, 2 edição, pagina 63).
*
2 - Por sua vez, em matéria de prescrição, o artigo 303º (Prescrição de 5 anos) do CCM preserve:
Prescrevem no prazo de 5 anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
d) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
e) As pensões alimentícias vencidas;
f) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
No caso presente a cláusula reguladora da matéria em causa tem o seguinte teor:
- Acordaram ambas as partes, ao abrigo do clausulado no n.º 8 da Cláusula 41, que, sem prejuízo de a Autora poder ser indemnizada pela totalidade dos danos sofridos, em caso de incumprimento imputável à Ré, tem a Autora também o direito de receber, a título de cláusula penal e como montante indemnizatório mínimo, o montante que resultar da soma dos valores da “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy” desde a data da resolução do Contrato até ao termo final inicialmente estipulado do Contrato (alínea KK) dos factos assentes).
Olhando aos seus termos, desde logo sobressai que não foi estabelecida qualquer obrigação de carácter periódico, nem de juros, ou seja, como rendimento do capital entregue e com vencimento periódico.
Apenas se estipulou uma pena para o caso de não cumprimento, fixando-se o montante dos danos no valor calculados à luz do critério contratualmente fixado.
Tratando-se, (como se trata), de uma cláusula penal, o seu vencimento não carecia de ser estabelecido, porquanto a pena convencional só se vence quando se verificar o facto para o qual foi estipulada "assim, se a pena foi estabelecida para o caso de não cumprimento definitivo, só quando este se der há lugar a exigi-la" (Vaz Serra no Boletim do Ministério da Justiça 67 paginas 202).
3. Nesta óptica, a prescrição da respectiva indemnização não se verifica no prazo de 5 anos, a que se refere o artigo 303º do CCM, nem no prazo do artigo 491º ambos do CCM, porquanto aquele não a contempla, digo, porquanto aquele preceito não a contempla e este último tão só e aplicável a responsabilidade civil extracontratual (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 19 de Março de 1985, 22 de Abril de 1986 no Boletim do Ministério da Justiça 345-405 e 356-349, Vaz Serra na Revista de Legislação 106-14 e seguintes e Mário de Brito no Boletim do Ministério da Justiça 204-116). A indemnização resultante de responsabilidade contratual só prescreve ao fim de 15 anos, a contar do momento em que possa ser exigida (artigos 299º e 302º do CCM) - e esse prazo ainda não decorreu.(cfr. ac. do STJ de 2/5/1991, BMJ no. 407, pág. 512).
Pelo expendido, é do nosso entendimento que, em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de sustentar e manter a posição assumida na sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente/Ré.
*
Síntese conclusiva:
I – Cláusula penal é uma convenção através da qual as partes fixam previamente o montante da indemnização a pagar pelo faltoso no caso de eventual inexecução do contrato, podendo ter carácter compensatório ou compulsório nos termos do artigo 799º do CCM.
II - A obrigação resultante da cláusula penal nasce com o incumprimento da obrigação de pagar ou de outra obrigação qualquer que motiva a resolução do contrato (ou cumprimento defeituoso ou mora no cumprimento). No caso em que a resolução se funda na violação de uma obrigação diferente da de pagar, a obrigação resultante da cláusula penal pode surgir ainda antes da constituição da obrigação de pagar porque, por exemplo, o contrato nem sequer chegou a ser executado, já que o nº3 do artigo 799º do CCM diz que a cláusula penal pode ter fins diferentes.
III - Ainda que a obrigação de pagar deixou de ser exigível por qualquer motivo, designadamente por o devedor ter entretanto cumprido o dever de pagar, o titular do direito decorrente da cláusula penal continua a poder exigir o cumprimento da cláusula penal.
IV – Mesmo que a indemnização compensatória convencionada mediante cláusula penal está indexada às diferentes quantias periódicas pagas por uma das partes do contrato de arrendamento misto, tal indemnização (somatória) não tem o carácter periódico e como tal não se rege pelo artigo 303º/-f) do CCM (regra especial da prescrição), mas sim está sujeito ao prazo de prescrição geral que é de 15 anos ao abrigo do disposto no artigo 302º do CCM.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente/Ré.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 5 de Março de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Refere-se aqui essencialmente passiva porque os demais deveres a que o senhorio está sujeito, designadamente o de entrega do imóvel ao inquilino, reparação do imóvel a fim de assegurar o gozo do mesmo por parte do inquilino, são deveres que se esgotam com o seu cumprimento enquanto que o referido dever passivo de permitir ou tolerar o gozo do imóvel se mantém desde o início até ao fim da relação contratual.
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2019-1184- loja-arrendar-clausula-penal 42