--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013).-----------------
--- Data: 20/03/2020 --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng---------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 204/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (1.o arguido):
A
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 442 a 457v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR5-19-0316-PCC do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o 1.o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como co-autor material de um crime consumado de furto simples, p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, e 198.o, n.o 4, do Código Penal (CP), na pena de um ano de prisão, como autor material de dois crimes consumados de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de um ano e três meses de prisão por cada, e como co-autor material de um crime consumado de abuso de cartão de crédito, p. e p. pelo art.o 218.o, n.o 1, do CP, na pena de nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e nove meses de prisão efectiva.
Inconformado, veio esse arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, o seguinte, na sua motivação de fls. 468 a 483 dos presentes autos correspondentes, para pretender a alteração do julgado a seu favor:
– há erro notório na apreciação da prova a respeito do crime de furto simples por que vinha condenado em primeira instância, devendo ele ser absolvido desse crime;
– e seja como for, há excesso na medida da pena desse crime, devendo ele ser condenado a final em pena de prisão não superior a dois anos, com também almejada suspensão da execução da pena.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 486 a 487v dos autos, no sentido de não provimento do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 525 a 526v, opinando pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir sumariamente do recurso dos arguidos, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 442 a 457v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Por lógica processual das coisas, debruça-se, antes do mais, sobre o vício de erro notório na apreciação da prova.
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Aliás, esse Tribunal já expôs congruentemente, e até com minúcia, as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos probandos respeitantes ao crime de furto simples por que condenou o 1.o arguido e o 2.o arguido como co-autores materiais – cfr. o teor da mesma fundamentação probatória, sobretudo tecida nas páginas 21 (no seu último parágrafo) e 22 (nas suas primeiras doze linhas) do texto do aresto impugnado, a fl. 452 a 452v dos autos, no referente à análise crítica das provas dos autos quanto a esse crime.
Como esse resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel, improcede o vício de erro notório na apreciação da prova esgrimido pelo 1.o arguido ora recorrente, o qual andou a fazer tentar impor o seu ponto de vista pessoal sobre a factualidade assente no aresto recorrido, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.o 114.o do CPP.
E agora da problemática da medida da pena:
Vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas e descritas na fundmentação fáctica do aresto recorrido com pertinência à medida da pena aos padrões vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, 65.o, n.os 1 e 2, e 71.o, n.os 1 e 2, do CP dentro das molduras penais de prisão aplicáveis ao caso do recorrente, tendo em conta as inegáveis exigências da prevenção geral, é de louvar mesmo, nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP, toda a decisão já tomada pelo Tribunal recorrido na matéria da medida da pena (incluindo, naturalmente, o seu juízo de valor quanto à opção da pena de prisão no crime de furto simples, e à decidida não suspensão da execução da pena única de prisão finalmente imposta ao arguido recorrente), decisão recorrida essa que não viola o princípio de justiça relativa na medida da pena de prisão do crime de furto simples dos 1.o e 2.o arguidos (pois este confessou basicamente os factos deste crime, enquanto o 1.o arguido ora recorrente o não, daí que é natural que aquele arguido mereceu uma pena mais leve no crime de furto simples em causa), sendo de frisar que esse crime de furto simples é furto simples apenas por causa do art.o 198.o, n.o 4, do CP, norma essa que não apaga a grande ilicitude dos factos praticados em co-autoria material por esses dois arguidos contra a pessoa utente, em causa, de transporte colectivo, circunstância fáctica essa que não deixa de funcionar como agravante na medida concreta da pena desse crime dentro da moldura penal do crime de furto simples do art.o 197.o, n.o 1, do CP.
É mesmo de louvar a decisão recorrida no seu todo, nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP, havendo que rejeitar o recurso, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso.
Custas do recurso pelo 1.o arguido, com três UC de taxa de justiça, quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso), e duas mil patacas de honorários da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Macau, 20 de Março de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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