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Processo nº 16/2020 Data: 18.03.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Concessão de terreno.
Declaração de caducidade.
Despejo.
Despacho concordante.
Falta de fundamentação.
Audiência prévia dos interessados.



SUMÁRIO

1. A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência, e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais os interesses e factores considerados na opção tomada, sendo uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto, devendo, em qualquer das circunstâncias, ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento.

2. Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.

3. Nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado.

4. À Administração cabe – por princípio, e em regra – o dever de observar o “contraditório” e de facultar aos particulares o “direito de participarem nas suas decisões”.

5. Porém, com a “declaração de caducidade da concessão”, há que proceder ao “despejo do terreno” ocupado pelo concessionário, sendo esta uma decorrência normal e necessária daquela decisão.

6. E, assim, o acto que determina despejo da concessionária, após declaração de caducidade da concessão, não tem de ser precedido de audiência daquela, por se tratar de acto vinculado.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 16/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “IENG FOUR LIMITADA”, (“盈科有限公司”), recorreu do despacho do SECRETÁRIO PARA OS TRANSPORTES E OBRAS PÚBLICAS datado de 28.09.2017 que lhe determinou a desocupação do terreno com a área de 4870m2, situado na Ilha de Coloane, lote “SO1”, melhor identificado nestes autos; (cfr., fls. 2 a 6 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Na sequência de adequada tramitação processual, em 17.10.2019 proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão onde julgou improcedente o dito recurso; (cfr., fls. 61 a 76-v).

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Inconformado com o assim decidido, do mesmo vem agora recorrer para esta Instância, pedindo a revogação do aludido Acórdão e insistindo no pedido de anulação do referido acto administrativo; (cfr., fls. 86 a 87-v).

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Após alegações da entidade recorrida, (cfr., fls. 92 a 96), foram os autos remetidos a esta Instância.

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Devidamente distribuídos e autuados, e no seguimento do despacho proferido em sede de exame preliminar, teve o Ministério Público vista dos autos, emitindo douto Parecer onde pugna pela improcedência do recurso.

Tem este o teor seguinte:

“Vem impugnado o acórdão de 17 de Outubro de 2019, do Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao recurso contencioso interposto por “Ieng Four, Limitada”, no qual era visado o despacho de 28 de Setembro de 2017; da autoria do Exm.° Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Este despacho havia ordenado o despejo da recorrente do terreno localizado na Zona Industrial de Seac Pai Van, em Coloane, identificado como lote SQ1, de que fora concessionária, e cuja concessão foi objecto de declaração de caducidade mediante acto de 15 de Dezembro de 2016, da autoria do Exm.° Chefe do Executivo
A ora recorrente imputa ao acórdão recorrido erro de julgamento das questões atinentes a dois dos vícios que havia invocado no recurso contencioso, concretamente o de falta de fundamentação e o de preterição de audiência prévia.
Vejamos.
A recorrente acha que o acto contenciosamente recorrido padece do vício de falta de fundamentação, vício que, segundo ela, foi objecto de errado julgamento, porquanto, em suma, tendo-lhe a Administração concedido um prazo de 60 dias para a desocupação, não justificou nem explicitou os critérios usados para fixar tal prazo.
Crê-se que não tem razão.
Como o acórdão explicou, o acto fez suas as razões de facto e de direito que constavam da proposta em que se louvou. E essa proposta contém uma resenha expressa dos fundamentos de facto e do quadro normativo aplicável na decisão a tomar. Tanto basta para ter por satisfeita a exigência legal de fundamentação à luz do artigo 115.° do Código do Procedimento Administrativo.
Quanto ao prazo para a desocupação, o artigo 179.°, n.° 2, da Lei de Terras dispõe que o despejo se processa nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.° 79/85/M, de 21 de Agosto. Este diploma prevê, no seu artigo 55.°, um prazo certo para se efectivar o despejo, que é de 45 dias. Estando previsto em lei o prazo concreto a observar, como sucede – contrariamente ao que intenta sustentar-se no recurso, não se alcança uma razão válida para que tal prazo não deva ser aplicado ao despejo –, nada tem a Administração que fundamentar acerca disso. No caso, até aconteceu que a Administração concedeu um prazo superior ao previsto legalmente. Não resultou, por isso, afectado qualquer direito ou interesse da recorrente, pelo que nada havia a fundamentar neste particular.
Improcede este fundamento do recurso.
Depois, a recorrente verbera o julgamento efectuado quanto à preterição de audiência.
Também cremos que a formalidade não era exigível.
Está em causa um acto de execução do despacho que declarou a caducidade da concessão. Posto que este acto de execução possa desencadear efeitos lesivos autónomos, e seja por isso mesmo recorrível, trata-se de um acto situado a jusante da decisão principal, mas que faz parte do mesmo procedimento e constitui uma decorrência normal daquela decisão. Pois bem, é relativamente a essa decisão principal, que se seguiu à fase procedimental da instrução, que faz sentido colocar a questão da necessidade e acuidade da exercitação da audiência prévia. Não quanto ao despejo que, como se referiu, é uma decorrência normal daquela decisão sobre a caducidade.
Por outro lado, como temos vindo a dizer, ainda que, em tese, pudéssemos equacionar um exercício de autonomização do procedimento de execução, nem assim se imporia a audição, porquanto não houve propriamente uma fase de instrução neste “novo” procedimento. Conquanto a participação no procedimento seja um direito dos administrados, é a própria lei que reserva essa participação, sob a forma de audiência, para os casos em que tenha havido instrução, como resulta do artigo 93.°, n.° 1, do Código do Procedimento Administrativo, e o certo é que não pode dizer-se que houve instrução na fase da execução.
Igualmente soçobra este fundamento do recurso.
Em suma, não padece o acórdão recorrido dos erros que lhe vêm assacados, pelo que o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 108 s 109-v).

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Corridos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, veio o processo à conferência para decisão.

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Nada obstando, a tanto se passa.

Fundamentação

2. Bate-se a ora recorrente pela inversão do decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, assacando ao decidido erro de julgamento no que toca a dois “vícios” que havia invocado no seu anterior recurso contencioso: o de “falta de fundamentação” assim como o de “preterição da sua audiência prévia”.

Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Dos factos

2.1 O Tribunal de Segunda Instância deu como provada a “matéria” que elencou no seu Acórdão ora recorrido e que, por não vir pela recorrente sindicada, nem se vislumbrando motivos para a sua alteração, desde já se declara a mesma definitivamente fixada para todos os efeitos legais.

No intuito de permitir uma boa (melhor) compreensão dos contornos das “questões” a apreciar, julga-se conveniente aqui destacar e elencar a seguinte factualidade dada como adquirida:
- em sede do “processo administrativo n.° 5/2016”, emitiu o Secretário para os Transportes e Obras Públicas o seguinte Parecer:
“Proc. n.º 5/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4870m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SQ1”, a favor da Empresa de Construção e Obras de Engenharia, San Tak Fat, Limitada (agora denominada por Ieng Four Limitada), pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 8 de Novembro de 2015, cuja concessão foi autorizada pelo Despacho n.º 162/GM/89 e titulada pela escritura pública outorgada em 9 de Novembro de 1990.
1. Através do Despacho n.º 162/GM/89, publicado no 4º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4870m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SQ1”, a favor da Empresa de Construção e Obras de Engenharia, San Tak Fat, Limitada (agora denominada por Ieng Four Limitada), destinado à construção de um edifício industrial e de uma central de produção de asfalto, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 9 de Novembro de 1990.
2. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, terminou em 8 de Novembro de 2015.
3. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato da concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício industrial de dois pisos, em regime de propriedade horizontal e de uma área descoberta para produção de asfalto. O rés-do-chão do edifício industrial e a área descoberta destinam-se a uso próprio da concessionária.
4. O prazo de arrendamento do lote “SQ1” terminou em 8 de Novembro de 2015 e este não se mostrava aproveitado naquela data, Nestas circunstâncias, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
5. Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, considerou que o prazo de arrendamento de 25 anos fixado na cláusula segunda do contrato terminou em 8 de Novembro de 2015, e que, a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48º da Lei n.º 10/2013, Lei de terras, aplicável por força dos seus artigos 212º e 215º. Deste modo, a concessão do lote “SQ1” encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
Aos 29 de Fevereiro de 2016.
(…)”;
- perante o assim informado, em 15.12.2016 exarou o Chefe do Executivo o seguinte despacho:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 5/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29 de Fevereiro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho”;
- oportunamente, após publicação do decidido no Boletim Oficial da R.A.E.M., n.° 1, II Série, de 04.01.2017, elaborou-se nova informação n.° 380/DSO/2017, de 26.09.2017, com o teor seguinte:
“1. Por despacho do Chefe do Executivo, de 15 de Dezembro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 4 870 m2, designado por lote “SQ1”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.° 23157, a que se refere o Processo n.° 5/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 29 de Fevereiro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho (Anexo 1).
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do STOP n.° 55/2016, no Boletim Oficial da RAEM n.° 1, II Série, de 04 de Janeiro de 2017, e o respectivo oficio de notificação n.° 3/DAT/2017 de 09 de Janeiro de 2017 já foi recebido pela “Ieng Four, Limitada” em 16 de Janeiro de 2017 (Anexo 2).
3. Devido à indefinição do limite do terreno e no local estão armazenados vários materiais, e após várias inspecções realizadas pelos funcionários destes Serviços, em 07 de Setembro de 2017, foi confirmado que no interior do terreno existem alguns automóveis estacionados, contentores, máquinas de construção, materiais de construção, resíduos sólidos e lixo. Não sabemos quem são os proprietários dos referidos automóveis (Anexo 3).
4. Enfrentando o seguimento de caducidade da concessão, deve considerar-se o seguinte:
4.1. Nos termos do artigo 117.° e do n.° 1 do artigo 136.° do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.° do mesmo código;
4.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.° do «Código do Processo Administrativo Contencioso» aprovado pelo Decreto-Lei n.° 110/99/M de 13 de Dezembro, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
4.3. Assim sendo, quer interponha o recurso contencioso quer não, a ordem emitida pela Administração tem de ser executada;
4.4. Com base no n.° 2 do artigo 179.° da Lei n.° 10/2013 «Lei de terras», o despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.° 79/85/M, de 21 de Agosto «Regulamento Geral da Construção Urbana» (RGCU);
4.5. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.° da «Lei de terras».
5. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.° 1 do artigo 179.° da «Lei de terras» e com o artigo 55.° do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
5.1. Ordenar, no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, o despejo da “Ieng Four, Limitada”, do terreno com a área de 4 870 m2, designado por lote “SQ1”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.° 23157, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 15 de Dezembro de 2016, devendo demolir todas as construções existentes no local, tais como construções em estrutura metálica e chapas de ferro, removendo também todos os automóveis, contentores, máquinas de construção, materiais de construção, resíduos sólidos e lixo que se encontram no interior do terreno.
Caso não se execute no referido prazo de 60 dias,
5.2. A DSSOPT irá executar coercivamente o referido despejo de acordo com o artigo 56.0 do RGCU.
À consideração superior
(…)”;
- em 28.09.2017, exarando na dita informação despacho “concordante”, decidiu o Secretário para os Transportes e Obras Públicas decretar a desocupação do terreno em questão; (cfr., o Ac. do T.S.I., a fls. 70 a 72).

Do direito

2.2 Aqui chegados, sem mais demoras passemos para as “questões” colocadas, adiantando-se, desde já, que nenhuma razão se mostra de reconhecer à ora recorrente.

Vejamos.

–– Quanto à alegada “falta de fundamentação”.

Pronunciando-se sobre a mesma assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“Alega a recorrente que o acto recorrido não está fundamentado.
Preceitua o n.º 1 do artigo 115.º do mesmo CPA que a fundamentação do acto administrativo pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas que constituem parte integrante do respectivo acto.
A fundamentação visa assegurar a melhoria da qualidade e a legalidade dos actos administrativos, facilitar o recurso contencioso pelos eventuais lesados pelo acto administrativo, de modo a garantir o exercício efectivo do seu direito ao recurso contra actos lesivos, e tem ainda uma função persuasória e consensual, contribuindo para uma maior transparência da actividade administrativa.1
No caso vertente, face ao teor da Proposta n.º 380/DSO/2017, de 26.9.2017, a qual constitui parte integrante do despacho recorrido de 28.9.2017, nela estão discriminadas as razões de facto e de direito em que se baseou a entidade recorrida para decidir da forma como está.
O conteúdo da decisão mostra-se de forma clara e precisa, podendo qualquer destinatário (por referência à diligência normal do homem médio que tal deve ser aferido) saber o sentido, alcance e os efeitos jurídicos do tal acto administrativo, pelo que não se vislumbra o alegado vício de forma por falta de fundamentação que atente contra o disposto nos artigos 114.º e 115.º do CPA.
A recorrente alega ainda que a entidade recorrida não explicou os motivos por que decidiu conceder 60 dias para efectivar o despejo.
Seguramente, tendo a entidade recorrida concedido à recorrente um prazo superior ao legalmente previsto para a desocupação do terreno (o prazo legal previsto no n.º 2 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M é de 45 dias), não se descortina que haja necessidade de fundamentação, na medida em que a decisão tomada, em termos de resultado, é mais favorável à recorrente.
Improcede, assim, o vício invocado”; (cfr., o Ac. do T.S.I., a fls. 74-v a 75).

E atento o que se deixou transcrito, e como bem se nota no douto Parecer do Ministério Público que dá clara e cabal resposta ao pela recorrente alegado – e que aqui, atento o “princípio da economia processual” se adopta como fundamentação da decisão que, a final, se irá proferir – é por demais evidente que só por (muito) deficiente capacidade compreensiva da referida recorrente se poderá ter considerado que inadequada foi a solução pelo Tribunal de Segunda Instância dada à aludida questão.

De facto, o que no Acórdão recorrido se consignou é (perfeitamente) cristalino, correspondendo ao firme entendimento que os Tribunais de R.A.E.M. têm vindo a adoptar em matéria de “fundamentação do acto administrativo”.

Na verdade, não se pode olvidar que a fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência, e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais os interesses e factores considerados na opção tomada, sendo uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto, devendo, em qualquer das circunstâncias, ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento; (sobre a noção e natureza do “dever de fundamentação”, sua função e âmbito, vd., v.g., Lino Ribeiro e J. Cândido de Pinho in “C.P.A. Anotado e Comentado”, pág. 619 e segs.).

Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta” (a dita insuficiência), no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.

Por sua vez, e como é sabido, nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado.

Ora, é – precisamente – esta a situação dos presentes autos.

O “acto administrativo” praticado com a decisão de “Concordo” exarada na Informação/Proposta n.° 380/DSO/2017 (cujo teor atrás de deixou transcrito), constitui – exactamente – uma “declaração de concordância” como a prevista (na segunda parte) do citado preceito legal, dúvidas não havendo que absorveu a fundamentação exposta na aludida informação, fazendo-a sua, e, onde, em nossa opinião, com adequada clareza, se expõem os motivos de facto e de direito do que se acabou por decidir; (no mesmo sentido, e perante situação fáctica idêntica, cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 25.09.2019, Proc. n.° 79/2018).

–– Quanto à alegada falta de “audiência prévia”.

Também aqui, manifesta é a improcedência do presente recurso.

Pois bem, dúvidas não cremos existir que à Administração cabe o dever de observar o “contraditório” e de facultar aos particulares o “direito de participarem nas suas decisões”; (cfr., art. 10° do C.P.A., onde se preceitua que “Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código”).

Daí, preceituar-se (também) no art. 93° do C.P.A. o direito que aos interessados assiste em serem ouvidos antes de ser tomada a decisão final, (de forma a compensar as eventuais “insuficiências de representatividade” do órgão administrativo, e a fim de se “assegurar o melhor conhecimento possível da situação” a quem compete decidir).

Porém, o assim estatuído tem de ser entendido com alguma cautela; (sobre o “alcance e concretização do direito de audiência”, cfr., v.g., L. Ribeiro e C. Pinho, in ob. cit., pág. 483 e segs.).

Como perante análoga questão constitui entendimento (firme) desta Instância:

“Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 93.º do Código de Procedimento Administrativo, a audiência prévia de interessados tem lugar após a conclusão da instrução do procedimento administrativo.
Com a declaração de caducidade da concessão, há de proceder ao despejo do terreno que tem sido ocupado pelo concessionário, desocupação esta que é uma decorrência normal e necessária daquela decisão.
Depois da declaração de caducidade da concessão, normalmente não há necessidade de proceder novamente à instrução nem à audiência de interessados antes da decisão de despejo”; (cfr., v.g., o Ac. de 21.11.2018, Proc. n.° 89/2018).

Com efeito:

“O acto que determina despejo da concessionária, após declaração de caducidade da concessão, não tem de ser precedido de audiência daquela, por se tratar de acto vinculado.
Do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de Terras, não resulta que a Administração possa deixar de executar o acto, determinando o despejo do terreno. A lei não concede à Administração margem de livre apreciação ou decisão, para aguardar ou deixar de aguardar a impugnação do acto que declarou a caducidade ou para aguardar quaisquer outros eventos”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 30.07.2019, Proc. n.° 80/2019).

Dest’arte, visto estando que nenhuma censura merece o Acórdão recorrido, vista está a solução para o presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 18 de Março de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) – Sam Hou Fai – Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, FM e SAFP, pág. 623 e 624.
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