Processo n.º 119/2019
Habeas corpus
Recorrente: A
Data do acórdão: 13 de Novembro de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Assuntos: - Pedido de habeas corpus por prisão ilegal
- Prazo de duração máxima da prisão preventiva
SUMÁRIO
1. Para aferir o prazo de duração máxima da prisão preventiva na fase do inquérito, o que se releva é o crime imputado ao arguido no despacho judicial que aplica a medida de coacção.
2. Destina-se a providência de habeas corpus a apreciar se qualquer pessoa se encontra ilegalmente presa, devendo portanto a prisão dita ilegal revestir-se de actualidade.
3. Deduzida já a acusação pelo Ministério Público, não interessa indagar qual o prazo de prisão preventiva até à acusação, o prazo agora a correr é o previsto para a fase de instrução (se houver) ou a fase de julgamento.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1 – Relatório
A, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane à ordem do processo de inquérito n.º 3848/2019, vem requerer a sua libertação imediata, alegando que, passados 6 meses desde a sua prisão preventiva o Ministério Público não deduziu ainda acusação.
Solicitando informação junto do Ministério Público, este mandou elementos referentes à aplicação ao requerente da medida de prisão preventiva e à dedução de acusação.
2. Factos
Conforme os elementos constantes dos autos, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
- Por despacho proferido em 26 de Abril de 2019, a Mma. Juíza de Instrução Criminal considera que nos autos de inquérito há fortes indícios de prática, pelo requerente, do crime de contrafacção de moeda p.p. pelos art.º 252.º n.º 1, conjugado com o art.º 257.º n.º 1, al. b) do Código Penal, pelo que lhe aplica a medida de prisão preventiva, nos termos dos art.ºs 176.º, 177.º, 178.º, 186.º n.º 1, al. a), 188.º, al.s a) e c) e 193.º n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal.
- Por despachos judiciais proferidos em 24 de Julho e 23 de Outubro de 2019, foi sucessivamente mantida a medida de coacção em causa, por se considerar inalterados os pressupostos da aplicação de tal medida.
- Em 31 de Outubro de 2019, o Ministério público deduziu a acusação, imputando ao requerente a prática, em autoria e na forma consumada, de 6 crimes de passagem de moeda falsa p.p. pelo art.º 255.º n.º 1, al. a), conjugado com o art.º 257.º n.º 1, al. b), 14 crimes de falsificação de documento p.p. pelo art.º 244.º n.º 1, al. c), conjugado com o art.º 243.º, al. a), 2 crimes de burla (como modo de vida) p.p. pelo art.º 211.º n.ºs 1 e 4, al. b), 6 crimes de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação p.p. pelo art.º 256.º, al. a), conjugado com o art.º 257.º n.º 1, al. b), todos do Código Penal, para além de prática em autoria e na forma tentada de 12 crimes de burla (como modo de vida) p.p. pelo art.º 211.º n.ºs 1 e 4, al. b) do Código Penal.
- Em 6 de Novembro de 2019, deu entrada no Tribunal de Última Instância uma carta do requerente, que pediu a sua libertação imediata.
3. Direito
Ora, o requerente está preso preventivamente desde 26 de Abril de 2019.
Na tese do requerente, ele deve ser imediatamente libertado, pois passados 6 meses o Ministério Público não deduziu acusação.
A questão a resolver reside em saber se o requerente se encontra numa situação de prisão ilegal.
Nos termos do art.º 206.º n.º 2 do Código de Processo Penal, a petição de habeas corpus em virtude de prisão ilegal deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
Do requerimento apresentado pelo requerente resulta que ele invoca o motivo previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 206.º, segundo a qual a prisão é ilegal se se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
No presente caso, não está em causa o prazo fixado por despacho judicial, mas sim o prazo fixado pela lei.
Na realidade, o art.º 199.º do CPP prevê prazos de duração máxima da prisão preventiva.
Ao abrigo do art.º 199.º n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPP, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido 6 meses sem que tenha sido deduzida acusação, prazo este que é elevado para 8 meses quando se proceder por um dos crimes referidos no art.º 193.º.
E na al. b) do n.º 3 do art.º 193.º encontra-se o crime “de falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem”, desde que punível com pena de prisão de limite máximo superior a 8 anos.
Ora, o crime imputado ao requerente no despacho judicial proferido em 26 de Abril de 2019, que lhe aplicou a medida de prisão preventiva, é o crime de contrafacção de moeda previsto no art.º 252.º n.º 1, conjugado com o art.º 257.º n.º 1, al. b) do Código Penal, punível com pena de prisão de 2 a 12 anos.
Daí que a prisão preventiva aplicada ao requerente só se extingue quando, desde o seu início, tiverem decorrido 8 meses sem que tenha sido deduzida acusação.
Por outras palavras, o Ministério Público tem o prazo de 8 meses para deduzir acusação, a contar da data do início da prisão preventiva do requerente, sob pena de sua libertação imediata.
Constata-se nos autos que o requerente se encontra preso preventivamente desde o dia 26 de Abril de 2019 e o Ministério Público deduziu acusação no dia 31 de Outubro de 2019, alguns dias depois de ter passados 6 meses.
É verdade que o requerente não foi acusado pelo mesmo crime indicado no despacho que aplicou a prisão preventiva, mas sim por crimes diferentes, nos quais não se encontra o crime de contrafacção de moeda, imputado aquando da aplicação de prisão preventiva, nem outros que permitam alargar o prazo máximo da prisão preventiva para 8 meses.
Só que tal não significa que o Ministério Público deduziu acusação fora do prazo e o requerente passou a estar na situação de prisão ilegal, porque a acusação foi deduzida depois de 6 meses de prisão preventiva.
Afigura-se-nos que, para aferir o prazo de duração máxima da prisão preventiva na fase do inquérito, o que se releva é o crime imputado ao arguido no despacho judicial que aplica a medida de coacção, pois em princípio é com vista ao apuramento da prática de tal crime que o inquérito se procede.
Por outro lado, a providência de habeas corpus destina-se a apreciar se qualquer pessoa se encontra ilegalmente presa, devendo portanto a prisão dita ilegal revestir-se de actualidade.
E deduzida já a acusação, não interessa indagar qual o prazo de prisão preventiva até à acusação, o prazo agora a correr é o previsto para a fase de instrução (se houver) ou a fase de julgamento,1 sempre a contar da data do início da prisão preventiva.
De facto, o Ministério Público deduziu acusação contra o requerente no dia 31 de Outubro de 2019, pelo que o prazo de prisão preventiva que nos interessa agora é de 10 meses (se for requerida a instrução) ou 18 meses (no caso de não haver instrução e o processo ser remetido ao Tribunal Judicial de Base para julgamento), a contar do início da prisão preventiva – art.º 199.º n.º 1, al.s b) e c) do CPP.
Concluindo, o requerente não se encontra ilegalmente preso.
É de indeferir o pedido de habeas corpus.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir o pedido de habeas corpus.
Custas pelo requerente, com a taxa de justiça fixada em 2 UC.
Macau, 13 de Novembro de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
1 Cfr. Ac. do STJ de Portugal, de 05-01-1990, AJ, n.º 4, proc. n.º 39.
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Processo n.º 119/2019 1