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Processo nº 58/2017(I)
(Autos de recurso civil e laboral)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, e por Acórdão de 29.11.2019, decidiu-se:

“- negar provimento ao recurso da 1.ª ré A;
- conceder parcial provimento ao recurso da autora B, condenando a 1.ª ré A a pagar à autora B HKD$2.808.000,00 (dois milhões e oitocentos e oito mil dólares de Hong Kong), juros de mora legais sobre HKD$388.000,00,a partir de 10 de Julho de 2010 e sobre HKD$2.420.000,00 a partir da presente data.
(…)”; (cfr., fls. 1053 a 1102 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Notificada do decidido, e em tempo, veio a referida autora, (B, 乙), arguir a nulidade do proferido veredicto, invocando, para o efeito, o estatuído no art. 571°, n.° 1, al. c) e d) do C.P.C.M.; (cfr., fls. 1107 a 1115).

*

Após resposta da (1ª) ré A (甲), (cfr., fls. 1125 a 1128), e nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença” prescreve o art. 571° do C.P.C.M. que:

“1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”.

Sendo a ora arguente de opinião que em causa estão as nulidades a que se referem as “alíneas c) e d)” do n.° 1 do transcrito comando, vejamos.

Para melhor – cabal – compreensão das “questões” a apreciar, passa-se a transcrever o aresto proferido na parte que releva para a decisão a proferir.

Tem o teor seguinte:

“I – Relatório
B intentou acção declarativa com processo comum ordinário contra A e marido C, pedindo:
- Se declare a resolução do contrato-promessa da cessão da posição contratual assinado em 1/4/2010 pelas partes, por incumprimento definitivo imputável à 1ª Ré, e se condenem os réus a pagar à Autora um montante de MOP2.963.315,80, a título de indemnização, quantia correspondente à soma do valor em dobro do sinal (MOP800.832,00), do valor de juros vencidos (HKD65,459,80), contado à taxa legal anual de 9,75%, desde 7/7/2010 até 9/5/2011, e da indemnização relativa ao valor em excesso do sinal (MOP2.097.024,00);
- À soma do valor em dobro do sinal (MOP800.832,00) e dos juros vencidos (HKD65,459,80), serão acrescidos os juros vincendos, contados à taxa legal anual desde 9/5/2011 até efectivo e integral pagamento;
- À quantia de MOP2.097.024,00, serão acrescidos os juros vincendos, contados à taxa legal anual desde 9/5/2011 até efectivo e integral pagamento1.
A Ex.ma Presidente do Tribunal Colectivo absolveu o 2.º réu C da instância, por ilegitimidade passiva e julgou improcedente a acção, absolvendo a 1.ª ré A do pedido.
Recorreu a autora B para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que julgou parcialmente procedente o recurso e:
1 - Considerou provado:
A 1.ª ré, no dia 6 de Julho de 2010, mais uma vez não assinou o contrato prometido de cessão da posição contratual (resposta ao quesito 52.º da base instrutória, que dizia “Em resposta à intenção da Autora em cumprir as suas obrigações, a 1.ª ré mais uma vez não assinou o contrato prometido de cessão da posição contratual?”).
De novo o representante da [Companhia] confirmou não serem tais despesas devidas, por se tratar da primeira cessão da posição contratual e não as ir cobrar (resposta ao quesito 56.º da base instrutória, que dizia “De novo, o representante da [Companhia] confirmou não serem tais despesas devidas, por se tratar da primeira cessão da posição contratual e não as ir cobrar?”).
2. Julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 1.ª ré A a pagar à autora a indemnização a liquidar em execução de sentença, consistente no valor do sinal (HKD 388.000,00) e o dano excedente correspondente ao aumento do valor da coisa ao tempo do incumprimento, 6 de Julho de 2010, relativamente ao preço acordado contratualmente.
Recorrem, agora, a autora e a 1.ª ré, para este Tribunal de Última Instância (TUI).
A 1.ª ré A suscita as seguintes questões:
(…).
A autora B suscitou as seguintes questões no seu recurso:
- O acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre o pedido de juros;
- O acórdão recorrido interpretou mal os artigos 436.º, n.º 4 e 560.º, n.º 5, do Código Civil, já que valor da fracção a considerar para o dano excedente deve ser, não a data do incumprimento da 1.ª ré, mas a data do trânsito em julgado da sentença na acção declarativa.
A autora B suscitou as seguintes questões recurso da 1.ª ré, a título de recorrida, nos termos do artigo 590.º do Código de Processo Civil:
- Nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, por parte da sentença de 1.ª Instância, por violar o princípio dispositivo;
- Nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, por parte da sentença de 1.ª Instância, por violar o princípio do contraditório;
- Nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, por parte da sentença de 1.ª Instância, por violar o princípio da iniciativa das partes;
- A autora não concorda com o que disse o acórdão recorrido a fls. 83;
- A sentença de 1.ª Instância violou os artigos 326.º, 788.º, 793.º, n.º 2, 794.º e 797.º, n.º 1 alínea b) do Código Civil ao afirmar que foi a autora que se recusou a cumprir a obrigação, fazendo com o negócio não pudesse ser concluído. O acórdão recorrido não concordou com isto;
- A autora entende que se deve interpretar a lei nos termos indicados na sua contra-alegação.
II – Os factos
A sentença de 1.ª Instância julgou provados os seguintes factos:
(…)
**
Base instrutória:
(…)
III - O Direito
1. As questões a apreciar
Trata-se de apreciar as questões suscitadas pelos recorrentes e, eventualmente, pela autora/recorrida.
2. Recurso da ré. (…)”; (cfr., fls. 1078 a 1088-v).

E após se declarar improcedente o recurso da (1ª) ré A, passou-se a conhecer do recurso da autora, ora arguente, consignando-se o que segue:

“6. Recurso da autora. Juros de mora sobre o dobro do sinal e sobre o dano excedente
A autora alega que o acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre o pedido de juros.
Tem razão. Fez a autora tal pedido e a sua apreciação não estava prejudicada pela solução dada a outras questões (n.º 2 do artigo 563.º do Código Civil).
Já vimos que a 1.ª ré não cumpriu o contrato, devendo ter-se por data do incumprimento a de 6 de Julho de 2010.
Sobre a questão de saber se sobre o dobro do sinal incidem juros de mora, reproduzimos o nosso acórdão de 10 de Julho de 2019, no Processo n.º 55/2019, onde dissemos:
«Trata-se, como se disse, de saber se são devidos juros de mora sobre o sinal em dobro, quando há lugar a restituição deste sinal em dobro, por incumprimento de contrato-promessa de compra e venda de imóvel. E, a serem devidos, desde quando.
A questão nunca foi objecto de decisão por este Tribunal e não é pacífica, podendo considerar-se maioritária na jurisprudência e na doutrina a tese da exigibilidade dos juros moratórios.
Como se sabe, em matéria de mora do devedor, os princípios gerais estão previstos no artigo 793.º do Código Civil, inserido na Divisão III Mora do devedor, da Subsecção II, da Secção II, do Capítulo VII, do Título I, do Livro II Direito das Obrigações.
Dispõe o artigo 793.º:
Artigo 793.º
(Princípios gerais)
1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
Quanto ao momento da mora, rege o artigo 794.º:
Artigo 794.º
(Momento da constituição em mora)
1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito; ou
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3. No caso da alínea a) do número anterior, devendo a prestação ser cumprida no domicílio do devedor, só há mora se o credor a reclamar aí.
4. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
Relativamente às obrigações pecuniárias, o artigo 795.º esclarece qual a indemnização devida em caso de mora:
Artigo 795.º
(Obrigações pecuniárias)
1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano consideravelmente superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente.
Quer isto dizer que, nas obrigações pecuniárias, em princípio:
- A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
- O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
- Em regra (que tem excepções), o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
- A indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, que, em regra, são os legais.
Vejamos, agora se o regime de indemnização pelo incumprimento contratual quando haja sinal, afasta as normas acabadas de citar.
Estatui sobre a matéria o artigo 436.º do Código Civil:
Artigo 436.º
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
A tese da recorrente é a de que o n.º 4 do artigo 436.º impede outra indemnização, que não o dano excedente, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
Mas não é assim.
O que o n.º 4 do artigo 436.º impede é outra indemnização pelo não cumprimento do contrato, que não o dano excedente, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
Como vimos, a indemnização a que se referem os artigos 793.º, 794.º e 795.º é pela mora, isto é, pelo atraso no cumprimento e não pelo incumprimento.
Podemos concluir que o n.º 4 do artigo 436.º não preclude a indemnização pela mora na restituição do sinal em dobro2.
4. Momento da constituição em mora
Dado que a obrigação não tinha prazo certo, o momento da constituição em mora só se dá, de acordo com o artigo 794.º, depois o devedor ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, a menos que a obrigação provier de facto ilícito ou se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
Como a obrigação não provem de facto ilícito extracontratual3e o autor não alegou que devedor tenha impedido a interpelação, a mora deu-se com a citação para a acção4.
O acórdão de uniformização de jurisprudência de 2 de Março de 2011 não se aplica à situação dos autos, pois estava em causa um ilícito extracontratual. Dissemos nesse acórdão:
«Há casos, no entanto, em que a interpelação não é necessária para que o devedor fique constituído em mora e, assim, obrigado a indemnizar os danos causados por esta.
Um destes casos, em que há mora do devedor independentemente de interpelação para cumprir, é o de a obrigação provir de facto ilícito [artigo 794.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil].
Desta norma, com origem no Direito Romano, resulta que quando a obrigação provem de facto ilícito extracontratual a mora conta-se a partir do facto ilícito5.
Contudo, mesmo que a obrigação provenha de facto ilícito, “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor” (artigo 794.º, n.º 4 do Código Civil).
Ora, conjugando este preceito com aquele outro, atrás mencionado, segundo o qual “... a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil), temos que, em caso de litígio judicial quanto ao valor dos danos, o crédito só se torna líquido quando o juiz o fixa, seja na sentença em 1.ª instância, seja na decisão em recurso, quando o valor fixado anteriormente é alterado ou quando em 1.ª instância, por uma razão ou por outra, nenhum valor foi fixado. Podendo mesmo acontecer que o devedor só entre em mora na execução, se o montante dos danos só nesta fase for liquidado (artigo 564.º, n.º 2 do Código de Processo Civil)».
No nosso caso, está em causa, por um lado, a responsabilidade contratual e, por outro, o crédito era líquido.
Logo, não tem aplicação o acórdão de uniformização de jurisprudência».
Aplicando a mesma doutrina ao caso dos autos temos que são devidos juros de mora legais a partir da data da interpelação (n.º 1 do artigo 794.º do Código Civil), para a restituição do dobro do sinal, ou seja, três dias após o envio da carta para tal, a 7 de Julho de 2010, nos termos do artigo 795.º do Código Civil.
Sobre que valor?
Não o dobro do sinal, mas o deste em singelo, já que o acórdão recorrido decidiu que, tendo a autora direito ao dano excedente, que é o valor entre o preço contratual da fracção e o seu valor em data a apurar, a autora só teria direito ao sinal em singelo.
A autora não impugnou este valor mas apenas o momento a considerar para efeitos do valor de aquisição da fracção.
Logo, os juros incidem sobre HKD$388.000,00.
A autora só tem direito a juros de mora sobre o valor do dano excedente, a partir da data do presente acórdão, face ao disposto no n.º 4 do artigo 794.º do Código Civil.
7. Recurso da autora. Momento a considerar para efeitos do valor de aquisição da fracção pelo dano excedente
Sobre esta questão já o TUI teve oportunidade de se pronunciar no seu acórdão de 30 de Março de 2017, no Processo n.º 5/2017.
Aí se decidiu que o momento relevante para se aferir da indemnização pelo dano excedente a que se refere o n.º 4 do artigo 436.º do Código Civil, é a data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, nos termos do n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil e não o momento de incumprimento do contrato. E que a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, sendo a indemnização liquidada por via judicial, é a do encerramento da discussão em 1.ª instância6.
Só que, a autora, no seu pedido de ampliação, não pediu que fosse considerado o preço da fracção no futuro, designadamente, na data do encerramento da discussão em 1.ª instância. Manifestamente, fez o pedido limitando-se à data da ampliação, que ocorreu em 12 de Novembro de 2012.
Ainda que assim não fosse e pudesse ser considerado um valor da fracção posterior, como a do encerramento da discussão em 1.ª instância, dado que o valor da condenação nunca poderia ser superior ao valor do pedido (n.º 1 do artigo 564.º do Código de Processo Civil), a autora também não poderia beneficiar deste último valor, se este fosse superior, como se supõe.
Tendo ficado provado o valor da fracção em 31 de Outubro de 2012, HK$6.300.000,00 (resposta ao quesito 77.º) é esse o valor a considerar, não se justificando nova acção declarativa de liquidação, em processo executivo, para determinar o valor 12 dias depois.
O dano excedente, segundo os critérios fixados pelo acórdão recorrido, não impugnados pela autora e baseados no pedido desta, será, assim, de HK$2.420.000,00.
IV – Decisão
(…)”; (cfr., fls. 1101 a 1102).

Aqui chegados, vejamos, adiantando-se desde já que não se mostra de reconhecer razão à ora arguente, (necessário não sendo uma elaborada fundamentação para o demonstrar).

–– E começando pela assacada nulidade da “alínea c)” do n.° 1 do atrás transcrito art. 571° – em consequência da (alegada) “oposição entre a fundamentação e a decisão”, (sobre o seu sentido, cfr., v.g., o Ac. deste Tribunal de 06.06.2019, Proc. n.° 113/2018) – cabe dizer que resulta evidente (do que se consignou e decidiu no transcrito veredicto) que a mesma não existe.

Com efeito, (tudo) o que aí se explicitou e decidiu é claro e coerente, não se vislumbrando, (e seja aonde for), qualquer “oposição” (ou “obscuridade”).

Na verdade, no aludido Acórdão foram as “questões” (efectivamente) colocadas, devidamente identificadas, e após adequada análise, extraiu-se a – necessária – consequência, decidindo-se em conformidade (e nos termos a que atrás já se fez referência), bastando uma mera leitura para assim se constatar, ociosas se nos apresentando mais alongadas considerações.

–– No que diz respeito à nulidade da “alínea d)” – por “omissão de pronúncia” – (e que se nos apresenta ser a verdadeira razão do inconformismo da ora arguente), a mesma se entende dever ser a solução.

Vejamos.

Como sabido é, o “vício” em questão ocorre quando, em colisão com o estatuído no art. 563°, n.° 2 do C.P.C.M. – onde se prescreve que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” – se omite decisão sobre questão (adequadamente) colocada à apreciação do Tribunal.

Porém, como se deixou adiantado, (e como resulta do explanado no aresto em questão), nenhuma “questão” – das (efectivamente) colocadas – ficou por apreciar, expondo-se, com justificação de facto e de direito clara e suficiente, as razões das soluções a que se chegou, evidente se mostrando de concluir que, também aqui, inexiste a imputada nulidade.

Contudo, a (algo particular) “situação” dos presentes autos leva-nos a consignar o que segue.

Pretende a ora arguente que a ré seja condenada a lhe pagar o “dobro do sinal” entregue, no montante total de HKD$776.000,00, (e não, como decidido foi, em singelo, no valor de HKD$388.000,00).

E no (seu) expediente que agora se aprecia, diz que em sede do seu recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância deixou expressa esta sua “pretensão”, assacando assim ao aresto que aquele visa a falta de pronúncia sobre a mesma.

Todavia, e como já se deixou adiantado, não se lhe pode reconhecer razão.

Não se nega que em sede das suas alegações e conclusões fez a ora arguente – repetidas – referências ao “dobro do sinal”.

Mas há que ter presente que tais – meras – “referências” não bastam para efeitos de se considerar (as mesmas) como “questão” (efectivamente) colocada à apreciação deste Tribunal.

Tenha-se pois em atenção que esta “matéria” está (expressamente) regulada na Lei adjectiva, estatuindo o art. 598° do C.P.C.M. que:

“1. Ao recorrente cabe apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
(…)”.

E percorrendo as – extensas, e repetidas – alegações e conclusões da ora arguente, imperativo se nos apresenta afirmar que observado não foi o “ónus de alegar e formular conclusões” no que toca ao (agora) pretendido “dobro do sinal”, sendo de se concluir – como de forma acertada se fez no Acórdão prolatado – que, como “questões”, apenas as apreciadas foram as (efectivamente) colocadas.

Cremos, aliás, que o sucedido tem uma razão de ser, e que se nos afigura ser o equívoco da ora arguente quanto ao verdadeiro alcance e sentido do decidido no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância objecto do seu recurso para esta Instância, pois que considerou – indevidamente – que aí se decidiu condenar a ré a lhe pagar o “dobro do sinal”, (quando, como se viu, assim não foi), o que levou a que, as alegações apresentadas, o fossem nos termos que constam dos autos, com (meras) referências ao “dobro do sinal”, (não como “questão suscitada”), mas apenas como reprodução do que se considerava ter sido a decisão objecto do recurso que para este Tribunal apresentou.

Atente-se pois que o dito recurso estava estruturado em “duas partes”, (“A” e “B”), alegando-se na primeira, (“A”), o vício de “omissão de pronúncia sobre o pedido de juros” e pedindo-se a “condenação dos réus a pagar juros de mora à taxa legal de 9,75%, desde 07.07.2010 até efectivo e integral pagamento”, e, na segunda, (“B”), o de “errada interpretação dos art°s 436°, n.° 4 e 560°, n.° 5 do C.C.M.”, e pedindo-se, (tão só), que para efeitos de “cálculo do valor respeitante ao dano excedente se tivesse em conta a data do trânsito em julgado da decisão”; (cfr., as apresentadas alegações, a fls. 989 a 1018, e, em especial, as conclusões 8ª, 9ª e 41ª a 43ª).

Dest’arte, visto está que se impõe decidir como segue.

Decisão

3. Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordam desatender as arguidas nulidades, condenando-se a arguente nas custas do incidente com taxa de justiça de 6 UCs.

Notifique.

Macau, aos 22 de Janeiro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo – Song Man Lei – Sam Hou Fai
1 Omitem-se os pedidos subsidiários.
2 Por todos, para o Direito português, JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 1.ª edição, 2011, p. 341 e 342.
3 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Coimbra, Almedina, II vol., 9.ª edição, p. 119.
4 Neste sentido, JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, Lições…, p. 342.
5 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., Volume II, reimpressão da 7.ª edição, 2001, p. 119.
6 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código …, 1987, 4.ª ed., Volume I, p. 583 e 584.
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Proc. 58/2017-I Pág. 18

Proc. 58/2017-I Pág. 1