Processo n.º 1074/2019
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 19/Março/2020
ASSUNTOS:
- Critério para indeferimento liminar da acção
SUMÁRIO:
I - O indeferimento liminar da petição inicial com fundamento na manifesta inviabilidade da pretensão do autor só se justifica em casos extremos, quando essa inviabilidade for de uma evidência irrecusável. Ou seja, só deveria ocorrer quando a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do autor se apresentasse de forma tão evidente, que tornasse inútil qualquer instrução e discussão posteriores, isto é, que fizesse perder qualquer razão de ser à continuação do processo, levando a um desperdício manifesto se (não fosse logo atalhada) da actividade judicial (artigo 394º/1-d) do CPC).
II – Como causa de pedir a Autora alegou a existência de acordos firmados entre ela e os Réus pelos quais estes consentiram constituir a Autora como mandatária para administrar partes comuns dos Edifícios constituídos em propriedade horizontal, tendo ambas as partes cumprido (ainda que parcialmente) tais acordos até ao momento em que a Autora deixou de prestar tais serviços definitivamente, e como pedido a Autora solicita a condenação dos Réus no pagamento das quantias referentes aos serviços prestados, pretensão esta que não é manifestamente inviável, ainda que a causa de pedir é una e simples, consistente em responsabilidade contratual, e, ainda que se entende tal como o Tribunal a quo entendeu que tais acordos ferem o conteúdo do artigo 32º do DL nº 25/96/M, de 9 de Setembro, porque são acordos livre e exclusivamente celebrados entre as partes para que a Autora pudesse prestar serviços nos edifícios.
III – No caso dos autos, a procedência da pretensão depende de provas e da qualificação jurídica dos factos alegados a realizar-se em sede própria, razão pela qual não deve ser atalhada a acção logo no seu início.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 1074/2019
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 19 de Março de 2020
Recorrente : Companhia de Administração de Propriedades A Limitada (A物業管理有限公司)
Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial (初端駁回起訴狀之批示)
Réus : 1.XXX、2. XXX、3. XXX、4. XXX、5. XXX、6. XXX、7. XXX、8. XXX、9. XXX、10. XXX、11. XXX、12. XXX、13. XXX、14. XXX、15. XXX、16. XXX、17. XXX、18. XXX、19. XXX、20. XXX、21. XXX、22. XXX、23. XXX、24. XXX、25. XXX、26. XXX、27. XXX、28. XXX、29. XXX、30. XXX、31. XXX、32. XXX、33. XXX、34. XXX、35. XXX、36. XXX、37. XXX、38. XXX、39. XXX、40. XXX、41. XXX、42. XXX、43. XXX、44. XXX、45. XXX、46. XXX、47. XXX、48. XXX、49. XXX、50. XXX、51. XXX、52. XXX、53. XXX、54. XXX、55. XXX、56. XXX、57.XXX、58. XXX、59. XXX、60. XXX、61. XXX、62. XXX、63. XXX、64. XXX、65. XXX、66. XXX、67. XXX、68. XXX、69. XXX、70. XXX、71. XXX、72. XXX、73. XXX、74. XXX、75. XXX、76. XXX、77. XXX、78. XXX、79. XXX、80. XXX、81. XXX、82. XXX、83. XXX、84. XXX、85. XXX、86. XXX、87. XXX、88. XXX、89. XXX、90. XXX、91. XXX、92. XXX、93. XXX、94. XXX、95. XXX、96. XXX、97. XXX、98. XXX、99. XXX、100. XXX、101. XXX、102. XXX、103. XXX、104. XXX、105. XXX、106. XXX、107. XXX、108. XXX、109. XXX、110. XXX、111. XXX、112. XXX、113. XXX、114. XXX、115. XXX、116. XXX、117. XXX、118. XXX
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I – RELATÓRIO
Companhia de Administração de Propriedades A Limitada (A物業管理有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 24/02/2017 (fls. 614 e 615) que indeferiu liminarmente a PI, dele veio, em 09/05/2017, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 621 a 638, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. 就初級法院第三民事法庭於2017年2月24日作出之判決,其認為上訴人的請求屬法律上明顯不成立,因此初端駁回上訴人的起訴狀。
II. 然而,除了對原審法院之立場給予應有之尊重外,上訴人並不認同,這是因為:
I“被上訴判決”沾有錯誤適用法律的瑕疵
III. 根據《民法典》第1344條第1款的規定,當分層建築物有半數單位已被轉讓或百分之三十之單位已被占用時,實際進行管理之人或策劃建造該建築物之人,又或倘有之負責管理有關分層建築物之實體應即召集所有人大會之第一次會議,以便選出管理機關。
IV. 《民法典》第1355條第2款亦規定,如屬第一千三百四十四條第一款所指之情況,且存在策劃建造該建築物之人選出之管理實體,則在所有人大會中所選出之管理機關即取代該管理實體。
V. 換而言之,按照上述法律條文之相反解釋,在分層建築物未滿足《民法典》第1344條第1款之情況時,立法者並不排斥或禁止策劃建造該建築物之人選出之管理實體對分層建築物進行管理工作。
VI. 事實上,上訴人自1996年起與各被告分層建築物A花園小業主簽訂了《A管理合約》以來,該分層建築物並沒有存在任何管理機關。
VII. 各被上訴人均在特地時間內享受了上訴人提供的管理服務,但卻沒有按時依照該合約繳付相關管理費。
VIII. 在未有認定本案所涉及的分層建築物是否具半數單位已被轉讓或百分之三十之單位已被占用,“被上訴裁判”就推定1996年各被上訴人所居住之大廈A花園已存有分層管機關。以及適用第25/96/M號法律第32條第1款及《民法典》第1355條第1款的規定,認為上訴人,在法律上應視為無效或不存在,故初端駁回上訴人的請求。
IX. 事實上,雖然本案所涉及的分層建築物由1996年建成及入伙至今已有二十年有多,但不排除該分層建議物存在有半數單位未被轉讓或百分之三十之單位未被占用情況。
X. 綜上所述,本案所涉及之分層建議物應屬《民法典》第1355條第2款結合同一法典第1344條的情況,即上訴人與被上訴人所簽訂了《A管理合約》屬有效,且對雙方均具約束力的合同。
XI. 為此,“被上訴裁判”對本案直接適用第25/96/M號法律第32條第1款及《民法典》第1355條第1款立場,明顯沾有錯誤適用法律的瑕疵。
II“被上訴判決”沾有內容前後矛盾、事實前提錯誤的瑕疵
XII. 正如上文曾提到,直至到2015年前,本案所涉及之分層建築物有可能存在單位被轉讓的數目未達半數或占用之單位未達百分之三十的情況。
XIII. 根據《民法典》第1344條第1款的規定,當分層建築物有半數單位已被轉讓或百分之三十之單位已被占用時,實際進行管理之人或策劃建造該建築物之人,又或倘有之負責管理有關分層建築物之實體應即召集所有人大會之第一次會議,以便選出管理機關。
XIV. 但就本個案而言,直至到2015年前,在分層建築物單位被轉讓的數目未達半數或占用之單位未達百分之三十的情況下,上訴人根本無須亦沒有條件召集所有人大會之第一次會議。
XV. 雖然上述的管理行為沒有法律依據,即沒有滿足於《澳門民法典》第1344條第1款的規定,但是對於樓宇在落成後仍沒有達到法定的50%出售或30%被佔用的這段時間里,由發展商(投資商)或建造商自己直接進行管理或直接聘選委任相熟的物業管理公司進行管理是絕對必要和合理的(這種管理行為內地稱為“前期管理行為”)。
XVI. 上訴人在未具備召集所有人大會之第一次會議的條件前,一直根據善意原則為滿足個別分層所有人之管理需求而提供管理大廈共同部分之服務。
XVII. 當所有人大會按照《民法典》第1355條條款之規定選出管理機關,且後者按照第1356條的規定將管理委託予第三人時,上訴人已按照所有人大會及管理機關作出相關的管理公司交接工作。
XVIII. 被上訴裁決所引用的裁決,尤其是尊敬的中級法院第537/2009號判決,顯然是基於與本案不同的情況,即事實管理人是在有條件召集分層所有人大會的情況下仍然沒有為之,以該等裁決作為本個案的裁決依據使被上訴判決內容沾有前後矛盾的瑕疵。
XIX. 第25/96/M號法律第32條第1款及《民法典》第1355條的規定的立法目的是為了防止在同一個分層建築物內,同時存在多個管理實體的情況。
XX. 由於《民法典》第1355條第2款明確規定當達到成立所有人大會之法定人數而依法選出的管理機關時,其將自動取代先前事實管理人的管理地位以避免管權重疊的問題,因此第1355條第1款的立法意圖明顯僅指當私廈達到成立小業主大會之法定人數後,為避免出現管理權競爭的問題,管理機關就須要由分層建築物之所有人大會選舉及免職,而前期管理的物業管理公司在此時如仍繼續行使管理活動,該活動才變得不具合法性。
XXI. 綜上所述,由該大廈入伙直至2015年1月期間,上訴人是在私廈達到成立所有人大會法定人數前為大廈提供管理服務,因此《民法典》第1355條第1款並不適用於本個案的情況,其管理活動明顯具有合法性的,上訴人應得根據所簽訂的管理合同收取約定的管理費。
XXII. 即使不認同前期管理公司的行為合法性(純粹假設,並不表示認同),在未選出管理機關前,法律並沒有禁止上訴人分別與各被上訴人訂立符合《民法典》第1080條所規範提供勞動服務的合同,因此有關合約亦能於雙方當事人之間產生債的效力。
XXIII. 基於此,上訴人認為被上訴裁判沾有了判決內容前後矛盾、事實前提錯誤的瑕疵。
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – OBJECTO DO RECURSO:
É o seguinte despacho que constitui o objecto deste recurso, proferido pelo Tribunal de primeira instância:
在本案中,原告A物業管理有限公司針對一眾位於澳門氹仔XXXXX A花園(物業的資料詳載於卷宗內)的分層建築物所有人提起本訴訟,向各名被告追討雙方簽訂的《A花園管理合約》內協定的每月大廈管理費。
為支持原告的請求,原告提出其自1996年起受A花園的發展商B, LIMITADA的委託對華園花園的共同部份提供綜合性管理服務,包括24小時管理員當值及巡更、處理大廈各項公告事務、每日派清潔員清理各住戶的生活垃圾及清潔大廈範圍內的公共地方、統籌安排維修保養大廈的公共設施(包括電梯、對講機、電視天線、供電照明、供水、排水、消防系統等各類公共設施的日常維修保養工作)。
而被告則為A花園的個別獨立單位所有人,並與原告簽訂了《A花園管理合約》(見卷宗第270頁至第609頁)。
原告指稱各名被告均有在特定時間內享受了原告提供的管理服務,但卻沒有按時依照《A花園管理合約》繳付相關管理費。
除以《A花園管理合約》為理據外,原告無提出任何其他理據。換言之,原告在本案中,單屬以合同責任作為支持其請求的訴因。
然而,除了對不同見解給予充份尊重外,法庭認為原告的主張屬明顯不成立,因為《A花園管理合約》應屬非有效的合同。以下將詳述有關理據。
首先,由各名被告簽署的眾多《A花園管理合約》主要是於1996年至2013年期間簽訂,所以在分析該等合約的有效性時,應考慮9月9日的第25/96/M號法律及現行《民法典》的規定。
根據第25/96/M號法律第32條第1款的規定,“由分層所有人簽訂的、同意由非經分層所有人大會選出的或非由法院委任的實體負責管理的合同條款,以及制訂的對共有部份提供管理服務自動續期的條款,均視為無效條款。”。
另外,《民法典》第1355條第1款的規定,“管理機關係由分層建築物之所有人大會選出及免職;在具有分層建築物之所有人簽名之合同中作相反規定之任何條款均視為不存在,此外,在未經所有人大會同意而就分層建築物之管理作出移轉之協議亦視為不存在。”
現在,透過原告與一眾被告簽訂的《A花園管理合約》,實際上就是由後者委託前者對A花園大廈的公共部份進行管理,所以,不論是在現行《民法典》生效前,還是生效後簽訂的管理合約均屬非有效,前一情況屬無效,而後一情況則屬不存在。
立法者之所以不承認個別分層所有人簽訂的管理協議的有效性,主要是基於立法者認為管理機關應由所有人大會選出,或在特殊情況下,由法院作出指定。原則上,只有所有人大會才具備正當性選任負責管理分層建築物的管理機關,而有關決議甚至約束未有投票或投反對或棄權票的所有人。
試想像,假若承認個別所有人與個別實體訂立的管理合約的效力,則從極端的角度出發,可以想像到同一分層建築物將可能出現多個管理實體,但我們知道,分層大廈的管理原則上是不應容許同時存在多個負責管理的實體,否則,將一如過去在其他案件中發生的爭議一樣,出現管理權爭奪的問題。
所以,立法者只接受由分層所有人大會選出的管理機關負責大廈的管理工作,而既然個別所有人所簽訂的管理合約屬非有效,則除了應有尊重外,該等非有效的合約不能成為現在原告作出追討管理費的依據,因為該等協議不論是對第三人而言,還是在當事人之間,均因無效或不存在而不產生法律效力,該不生效力屬於法律上的一種制裁。
關於管理合約的有效性方面,尊敬的中級法院曾於第537/2009號上訴案件及第1007/2012號上訴案件中作出裁判,認為與分層所有人簽訂的管理合約不足以賦予某實體能對分層建築物作出管理工作的正當性,在此情況下,作出管理的實體只屬事實上的管理人,如出現欠繳管理費,應適用無因管理或不當得利的制度。
另外,法庭亦留意到同一法院於2014年10月23日曾作出相反方向的裁判(見編號108/2014號合議庭裁判),認為在屬於事實管理人的情況,也不妨礙事實管理人按照和分層所有人簽訂的管理合約向分層所有人收取約定的管理費,因為認為有關合約能於雙方當事人之間產生債的效力。
對於上述中級法院的相反理解,法庭給予充份的尊重,但我們認為更應追隨於第537/2009號及1007/2012號上訴案件中宣示的理解。
實際上,倘若立法者拒絕透過個別合約賦予合約一方作為管理機關的資格,即表示合約內被視為管理機關的一方也不能以該合約訂定有關管理開支的金額,因為有關事項屬所有人大會決定的職能(見《民法典》第1332條第4款),相反,分層所有人也不能按照雙方的合約,強制他方履行合同,作出管理工作。
有見及此,基於原告的請求是完全建基於其與各名分層所有人簽訂的《A花園管理合約》,又基於該合約的條款在法律上應視為無效或不存在,故此,不應產生原告希望獲得的法律效力。
綜上所述,由於原告的請求屬法律上明顯不成立,現根據《民事訴訟法典》第394條第1款d項的規定,初端駁回原告的起訴狀。
訴訟費用由原告承擔。
作出通知及採取適當措施。
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o fundamento legal do despacho do indeferimento liminar é o disposto no artigo 394º/1-d) do CPC, por o Tribunal recorrido entender que a pretensão não pode proceder MANIFESTAMENTE.
Falando do “manifesto”, importa esclarecer o seu conceito: quando é que se deve considerar um pedido manifestamente improcedente?
Advérbio esse que deriva do adjectivo manifesto, que significa algo que é evidente, que é notório, que é patente ou claro (cfr. Grande Dicionário de Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Vol. II., pág. 11).
E, nessa medida, vinha, a tal propósito, constituindo entendimento dominante que, para “matar” a acção logo no primeiro despacho com base na sua manifesta improcedência, com tal fundamento, só deveria ocorrer quando a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do autor se apresentasse de forma tão evidente, que tornasse inútil qualquer instrução e discussão posteriores, isto é, que fizesse perder qualquer razão de ser à continuação do processo, levando a um desperdício manifesto se (não fosse logo atalhada) da actividade judicial, ou, por outras palavras ainda, quando for evidente ou que a pretensão do autor carece de fundamento.
Porém, tal só poderia ser aferido casuisticamente, isto é, só perante cada caso concreto é que se poderia apurar, em função do pedido e dos seus fundamentos de facto e de direito, se a pretensão ou o pedido se apresentavam manifestamente improcedentes. (Vide, por todos, o prof. Alb. dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 377 e 378”; o Prof. A Varela e outros, in “Manual do Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 259”; o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, pág. 399/400” e Ac. da RE de 24/10/1985, in “CJ, Ano X, T4 – 302”).
Num esforço de maior precisão e delimitação de tal conceito, decorre das palavras de Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª ed., Almedina, pág. 162”) que a manifesta improcedência reconduzir-se-á “aos casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor e à interpretação que dela façam a doutrina e a jurisprudência”.
Já, por sua vez, Salvador da Costa (in “A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª ed., 2005, pág. 95”), afirma que “a pretensão formulada pelo autor é manifestamente improcedente ou manifestamente inviável porque a lei a não comporta ou porque os factos apurados, face ao direito aplicável, a não justificam”(…).
Ora o que a Autora invocou como causa de pedir é a existência de acordos celebrados com os Réus para prestação de serviços de administração de partes comuns dos Edifícios Wa Pou (com vários blocos) em causa e o incumprimento destes acordos pelos Réus num momento posterior, ficando provado que tais acordos vinham ser cumpridos por ambas as partes até Janeiro de 2014 (ou datas diferentes, mas quase todos a partir de 1º semestre de 2014 deixaram de cumprir os acordos), e a Autora deixou de prestar serviços definitivamente a partir de Janeiro de 2015, conforme os contratos juntos aos autos e as alegações constantes da PI.
A propósito de causa de pedir, observa António Santos Abrantes Geraldes (Cfr. in Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, Livraria Almedina, 1997, pág. 127-128):
“Conforme se salientou e resulta, aliás, de diversas disposições processuais (artigos 498.°, n.º 4, 264.°, n.º 1, 664.°), é fundamental a alegação de matéria de facto, isto significando que devem invocar-se factos concretos, não correspondendo ao cumprimento do ónus que impende sobre o autor a simples referência a conceitos legais ou a afirmação de certas conclusões desenquadradas dos factos subjacentes.
A causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido e não deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelo autor, a qual, de todo o modo, não é vinculativa para o tribunal, devido ao princípio, consignado no artigo 664.°, segundo o qual o tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável.
Para que este princípio possa ser efectivamente exercitado necessário se torna a alegação de factos que, submetidos à livre apreciação do juiz, permitam encontrar a solução que do sistema resulta para o litígio apresentado.1
Na óptica do Tribunal recorrido, tais acordos são nulos por força do disposto no artigo 32º/1 da Lei nº 25/96/M, de 9 de Setembro, estava em vigor este diploma legal à data da celebração de certos acordos entre as partes.
Pois, conforme o que resulta dos contratos juntos aos autos, estes foram celebrados em datas muito diferenciadas:
- Fls.270 a 271 – em 12/10/2009;
- Fls. 275 a 276 – em 23/06/2006;
- Fls. 280 a 281 – em 20/05/1997;
- Fls. 234 a 235 – Em 12/04/2002;
…etc.
Ora, foram invocados também alguns arestos do TSI em que defendem que tais serviços são prestados ou sob forma de prestação de serviços, ou gestão de negócios alheios, ou como última ratio, pede-se indemnização a título de enriquecimento sem causa, Mas como a causa de pedir da Autora é única: incumprimento dos acordos, e este é nulo, o Tribunal concluiu logo pela improcedência de pretensão!
Ora, salvo o melhor respeito, não acolhemos este raciocínio.
1) – Comecemos pelo artigo citado pelo Tribunal recorrido que é o artigo 32º/1 da Lei nº 25/96/M, de 9 de Setembro, que encontrou em vigor a partir de 1 de Outubro de 1996.
Concentremos nos 2 artigos ligados à matéria em discussão, contantes da citada Lei, que são o artigo 32º e 33º, dispondo eles:
ARTIGO 32.º
(Cláusulas contratuais de administração)
1. Consideram-se não escritas as cláusulas de quaisquer contratos, subscritos pelos condóminos, das quais possa resultar o seu consentimento ao exercício da administração por entidade não eleita pela assembleia de condóminos ou nomeada pelo tribunal, bem como a cláusula que estipule a renovação automática da prestação de serviços de administração de condomínio.
2. São nulos os acordos de transmissão da administração do condomínio celebrados sem o consentimento da assembleia.
ARTIGO 33.º
(Exercício da administração por terceiro)
1. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os termos do exercício da administração do edifício por terceiro devem constar de contrato de prestação de serviços reduzido a escrito.
2. Não havendo deliberação da assembleia de condóminos quanto à renovação do contrato de prestação de serviços para administração do condomínio, o contrato caduca.
Aqui, importa saber em que circunstâncias é que tal diploma nasceu e qual o objectivo que com ele o legislador pretende alcançar.
O artigo 32º/1 acima referido tem por objecto a regulamentação aquelas situações em que nos contratos-promessa de compra e venda foi inserida uma cláusula com o consentimento de exercício da administração por entidade não eleita pela assembleia de condóminos (normalmente pelo dono do edifício), era muito frequente e popular nas décadas 80 e 90, e o legislador quis acabar com esta situação injusta para os promitentes-compradores, pois estes queriam adquirir fracções autónomas, mas eram obrigados a aceitar tal cláusula, sob pena de não poderem adquirir o imóvel, por não terem condições para negociar neste aspecto. E, por outro lado, as cláusulas contratuais foram quase todas previamente preparadas pelo promitente-vendedor!
Por isso, o legislador utiliza a expressão “cláusulas” e não acordos ou contratos, pois, a eventual nulidade de certas cláusulas não afectam a validade de outras constantes do contrato, muito menos o contrato no seu todo, salvo situação excepcionais.
Mesmo em relação ao nº 2 do artigo 32º, se ele é aplicável à situação dos autos? Temos dúvida, visto que nos acordos celebrados entre as partes refere-se que os Réus constituíram a Autora como mandatária para prestar serviços de administrar as partes comuns dos Edifícios em causa, algo que é diferente daquilo que o nº 2 do artigo 32º menciona: transmissão da administração para terceiro sem consentimento da assembleia.
Pergunta-se, como os acordos foram celebrados em datas muito diferentes, altura já existia assembleia de condóminos? O que carece de diligências instrutórias e provas.
Mais, os acordos foram celebrados com o fim exclusivo de consentir a administrar as partes comuns por parte da Autora e não há, pela vista, nem vício na formação de vontade, nem o vício da declaração da mesma, por isso cumpriram-nos durante vários anos. Todos estes são factos assentes. Se se tais acordos fossem mesmo nulos, pergunta-se, para tal quem é que contribuiu? Não violariam os condóminos também o princípio “venire contra factum proprium”? Tudo isto carece de uma análise jurídica e pode conduzir soluções diferenciadas.
Nesta óptica, o artigo 32º citado não vale de todo em todo para a situação dos autos.
Por outro lado, as partes deram cumprimento aos acordos em causa, mesmo que se defenda que existisse nulidade em determinados aspectos, há de reconhecer alguns efeitos à nulidade, tal como nulidade dos contratos de trabalho, em que é quase impossível a restituição à natura!
Pelo expendido, não nos parece que é tão manifesta a improcedência da pretensão da Autora. Pois, os factos estão na PI alegados, parece-nos, todos e os necessários, qual é a sua qualificação jurídica? É uma tarefa incumbida ao Tribunal depois de produção das provas.
Nesta matéria é do entendimento quase uniforme:
O indeferimento liminar da petição com fundamento na manifesta inviabilidade da pretensão do autor só se justifica em casos extremos, quando essa inviabilidade for de uma evidência irrecusável (Ac. RC, de 4.4.1989: BMJ, 386.º-519).
Pelo que, se se entendesse que a PI era deficientes, sobretudo no que toca à causa de pedir invocada, poderia convidar a Autora para aperfeiçoar nos termos do artigo 397º do CPC, e não indeferir liminarmente a PI.
Pelos argumentos acima tecidos, há-de proceder à revogação do despacho ora posto em crise, por violar o artigo 394º/1-d) do CPC, e mandar os autos para o Tribunal a quo para fazer prosseguir em conformidade com o aqui decidido.
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Síntese conclusiva:
I - O indeferimento liminar da petição inicial com fundamento na manifesta inviabilidade da pretensão do autor só se justifica em casos extremos, quando essa inviabilidade for de uma evidência irrecusável. Ou seja, só deveria ocorrer quando a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do autor se apresentasse de forma tão evidente, que tornasse inútil qualquer instrução e discussão posteriores, isto é, que fizesse perder qualquer razão de ser à continuação do processo, levando a um desperdício manifesto se (não fosse logo atalhada) da actividade judicial (artigo 394º/1-d) do CPC).
II – Como causa de pedir a Autora alegou a existência de acordos firmados entre ela e os Réus pelos quais estes consentiram constituir a Autora como mandatária para administrar partes comuns dos Edifícios constituídos em propriedade horizontal, tendo ambas as partes cumprido (ainda que parcialmente) tais acordos até ao momento em que a Autora deixou de prestar tais serviços definitivamente, e como pedido a Autora solicita a condenação dos Réus no pagamento das quantias referentes aos serviços prestados, pretensão esta que não é manifestamente inviável, ainda que a causa de pedir é una e simples, consistente em responsabilidade contratual, e, ainda que se entende tal como o Tribunal a quo entendeu que tais acordos ferem o conteúdo do artigo 32º do DL nº 25/96/M, de 9 de Setembro, porque são acordos livre e exclusivamente celebrados entre as partes para que a Autora pudesse prestar serviços nos edifícios.
III – No caso dos autos, a procedência da pretensão depende de provas e da qualificação jurídica dos factos alegados a realizar-se em sede própria, razão pela qual não deve ser atalhada a acção logo no seu início.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e mandando-se os autos ao Tribunal recorrido para fazer prosseguir os autos em conformidade com o decidido neste aresto, se a tal nada obstar legalmente.
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Sem custas.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 19 de Março de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - A liberdade de qualificação da matéria de facto tem levado os tribunais a convolar para as regras da nulidade dos negócios jurídicos uma pretensão que o autor assentara nas regras do instituto do enriquecimento sem causa (Ac. da Rel. de Lisboa, de 18-2-93, in CJ, tomo 1, pág. 147).
A mesma liberdade no que concerne á qualificação dos factos foi sustentada pelo STJ, no Ac. de 4-2-92, in BMJ 414.°/442, num caso em que se invocou a responsabilidade contratual derivada de um contrato de empreitada e o tribunal aplicou as regras da responsabilidade extracontratual.
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