Processo n.º 735/2019
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 19 de Março de 2020
Assuntos:
- Aquisição do estatuto de residente permanente pela filha nascida fora de Macau de uma residente permanente de nacionalidade portuguesa
- Conceito de domicílio permanente e conceito de residência habitual
- Interpretação e aplicação do artigo 1º/1-6) da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro
SUMÁRIO:
I – A norma do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro, é uma norma concretizadora e densificadora da norma do artigo 24º da Lei Básica da RAEM, valendo aqui, ao nível da hermenêutica jurídica, o princípio de interpretação da norma ordinária em conformidade com o padrão constitucional, à luz do qual aquela deve ser interpretada dentro do espaço normativo delimitado pelo artigo 24º da Lei Básica.
II – O conceito de domicílio permanente é um elemento estruturante da aquisição do estatuto de residente permanente da RAEM, introduzido pela Lei Básica através do seu artigo 24º, que exige algo mais do que o conceito de residência habitual face aos termos consagrados no próprio artigo 24º da Lei Básica da RAEM.
III – O conceito de domicílio permanente é preenchido por um conjunto de elementos factuais, referentes nomeadamente ao local de residência habitual, tendencialmente estável e duradouro de uma pessoa, onde se encontra a sua casa em que a pessoa vive com estabilidade e tem instalado e organizado a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da vida pessoal e profissional de uma pessoa.
IV – É consentâneo com o referido na alínea III quando o artigo 8º da Lei nº 8/1999 enumera exemplificativamente alguns elementos tidos em consideração para esta finalidade:
1) Ser Macau o local da sua residência habitual;
2) Ser Macau o local de residência habitual de familiares próximos, nomeadamente o cônjuge e os filhos menores;
3) A existência de meios de subsistência estáveis ou o exercício de profissão em Macau;
4) O pagamento de impostos nos termos da lei.
V – Para efeitos da aquisição do estatuto de residente permanente da RAEM, o artigo 24º da Lei Básica da RAEM divide os sujeitos em 3 universos:
- Pessoas titulares de nacionalidade chinesa;
- Pessoas titulares de nacionalidade portuguesa;
- Pessoas titulares de outra nacionalidade (diferente das duas acima referidas).
Em relação ao 2º universo de pessoas, a regulamentação encontra-se prevista nas alíneas 3) e 4) do artigo 24º da Lei Básica em que se destaca, entre outros elementos exigidos, o de jus soli (nascido em Macau) e ter domicílio em Macau.
VI – Em relação aos portugueses, para o efeito de acesso ao estatuto de residente permanente da RAEM, não releva apenas o critério de jus sanguis, importando preencher-se cumulativamente os seguintes requisitos:
- Que tenha nacionalidade portuguesa (que funciona como pressuponente);
- Que tenha nascido em Macau;
- Que tenha domicílio permanente em Macau.
VII – No que toca aos filhos nascidos fora de Macau, cujos progenitores sejam portugueses, com já estatuto de residente permanente de Macau, o acesso a este estatuto (pelos menores) opera-se por força do disposto na alínea 5) da Lei Básica, ou seja, deve ter o seu domicílio permanente em Macau e aqui reside habitualmente mais de 7 anos (cfr. artigo 1º/1-8) da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro).
VIII – No caso, como à data do nascimento da Recorrente, a sua progenitora não tinha domicílio permanente em Macau e ela (a Recorrente) tem vivido com esta última sempre, mesmo hoje, a Recorrente não preenchia também este requisito, e como tal a sua pretensão não pode proceder: pediu que fosse reconhecido o seu estatuto de residente permanente por facto de ser descendência chinesa e portuguesa e ser filho de uma residente permanente da RAEM, pois, existe um facto impeditivo: nascimento fora de Macau, no caso concreto.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 735/2019
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 19/Março/2020
Recorrente : Subdirectora dos Serviços de Identificação (身份證明局副局長)
Recorrida : A
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
Subdirectora dos Serviços de Identificação (身份證明局副局長), designada por Entidade Recorrida (também é Recorrente) neste processo, devidamente identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 20/03/2019, que julgou procedente o recurso contencioso e anulou o acto recorrido ( decisão negativa de emissão do certificado de residência permanente pedida pela Recorrida/Recorrente) nos termos do disposto no artigo 21.º/1 do CPAC e do artigo 124.º do CPA, veio, em 17/05/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 277 a 316, tendo formulado as seguintes conclusões :
(一)被上訴裁判的觀點違反《國籍法》第5條、《國籍法解釋》第1條及第8/1999號法律第1條第1款(四)至(六)項及其立法原意
1. 被上訴裁判認為母親未選擇國籍,故子女不適用《國籍法》規定,以及被上訴裁判對有關中葡血統澳門居民的選擇國籍權利的解釋含糊,未知被上訴裁判是否認為中葡血統的澳門居民在外地所生的子女毋須按《國籍法》第5條作出判斷,只須直接依據《國籍法解釋》第1條第2款便享有未選擇國籍的權利?
2. 倘被上訴裁判這樣認為,則有違《國籍法》第5條及《國籍法解釋》第1條的相關規定及立法原意。
3. 根據《國籍法》第1條規定,任何人宣稱具有中國國籍者,只能按《國籍法》的規定作確認。
4. 《國籍法》自回歸起在澳門實施,考慮到澳門的歷史背景和現實情況,為保障具有中葡血統人士的利益,立法者通過《國籍法解釋》以靈活寬鬆的方式處理中葡血統澳門居民的國籍問題。
5. 《國籍法解釋》的內容清楚表達了立法思想,當中第1條第1款界定了澳門居民中的中國公民的範圍,此外,為尊重具有中葡血統人士的意願,不因其原始具有中國血統而直接將其視為中國公民,同條第2款賦予其享有選擇中國國籍或葡國國籍的權利,亦沒有規定選擇國籍的時限。
6. 須指出的是,對於國籍選擇的權利,從邏輯學而言,可以進行選擇的前提是,須具備該等可作選擇的要素,即中葡血統澳門居民可選擇國籍的前提要素是,其須先具有中國國籍及葡國國籍,方可在兩個國籍之間作出選擇。
7. 因此,中葡血統的澳門居民必須按《國籍法》確認是否具有中國國籍,具有中國國籍者,方享有《國籍法解釋》第1條第2款的選擇中國國籍或葡國國籍的權利,而對於不具中國國籍者,則不能單憑具有中葡血統及澳門居民身份而享有上述選擇國籍的權利,從而間接取得中國國籍。
8. 《國籍法》第5條是採取血統主義及出生地主義相結合的原則,即使是中國公民在外地所生的子女是否具有中國國籍,亦只能按《國籍法》第5條作確認。同理地,中葡血統的澳門居民在外地所生子女亦須按《國籍法》第5條確認是否具有中國國籍。
9. 在第8/1999號法律第1條第1款中,立法者以中國公民、中葡血統人士、葡萄牙公民及其他國籍人士來對澳門永久性居民作分類,從各類人士申請成為澳門永久性居民的所需條件可見,立法者明顯無意將中葡血統人士的地位凌駕於中國公民之上。
10. 第8/1999號法律第1條第1款(三)項規定的澳門永久性居民,即(一)及(二)項中國公民在外地所生子女,對子女的要求是“中國國籍”。對於中國公民在外地所生子女的國籍,則必然是按《國籍法》第5條的規定作判斷。
11. 第8/1999號法律第1條第1款(六)項規定的澳門永久性居民,即(四)及(五)項中葡血統人士在外地所生子女,對子女的要求是“中國國籍或未選擇國籍”,同理地,亦必須根據《國籍法》第5條的規定判斷是否具有中國國籍,具有中國國籍者,便可獲《國籍法解釋》第1條第2款賦予選擇中國國籍或葡國國籍的權利。
12. 即是說,無論是中國國籍的澳門居民在外地所生子女或中葡血統澳門居民在外地所生子女,均必須按《國籍法》第5條判斷是否具有中國國籍。具有中國國籍者,便符合(三)項“中國國籍”或(六)項“中國國籍或未選擇國籍”的要件。
13. 因此,中葡血統的澳門居民在外地所生的子女與中國國籍的澳門居民在外地所生的子女的國籍判斷是按同一法律依據——《國籍法》,這是毫無疑問的。
14. 倘按被上訴裁判認為——中葡血統的澳門居民在外地所生的子女毋須按《國籍法》第5條判斷而具有中國國籍,只須直接按《國籍法解釋》享有未選擇國籍的權利,從而符合(六)項規定,那麼,這條件明顯變得優於中國國籍的澳門居民在外地所生的子女。
15. 原因在於,中國國籍的澳門居民在外地定居期間所生的子女,子女因出生而具有外國(定居地)的國籍,根據《國籍法》第5條下半部份規定,子女是不具有中國國籍的。
16. 可見,就算是中國國籍的澳門居民在外地所生子女也會因適用《國籍法》規定而不具有中國國籍,但倘認為中葡血統的澳門居民在外地所生子女毋須適用《國籍法》,而是按《國籍法解釋》第1條第2款間接取得選擇中國國籍的權利,那麼,即是說,中葡血統的澳門居民在外地所生子女必然具有中國國籍,不會如中國國籍的澳門居民在外地所生子女般有喪失國籍的可能。
17. 上訴人認為這是不能接受的,此理解是明顯違反《國籍法》第5條及《國籍法解釋》第1條規定。
18.除此之外,對於不符合《國籍法》而不具有中國國籍的中葡血統人士,倘其直接按《國籍法解釋》具有選擇中國國籍的權利,從而符合(六)項規定具有澳門永久性居民身份,當其成為澳門永久性居民後,如根據第7/1999號法律第7條選擇中國國籍,但其又不符合《國籍法》規定,這明顯不合邏輯及違反《國籍法》的規定。
19. 須強調,任何人不符合《國籍法》的規定,均不具有中國國籍,即使中葡血統澳門居民亦然,其亦不會享有取得中國國籍的例外待遇。
20. 澳門是中國的領土,中國公民在中國應享有最高的待遇是必然的,儘管基於歷史原因存在具有中葡血統的葡萄牙後裔問題,但中葡血統人士享有的待遇不會比中國公民為高。
21. 可見,被上訴裁判認為中葡血統的澳門居民選擇國籍的權利不取決於其需先符合《國籍法》規定具有中國國籍的觀點並不成立,是對《國籍法》第5條及《國籍法解釋》第1條的錯誤理解,亦有違立法原意。
22. 此外,倘如被上訴裁判的理解——母親未選擇中國國籍,則子女不適用《國籍法》的規定,將導致子女的國籍認定出現法律空白,以及剝奪子女具有中國國籍的可能。
23. 第8/1999號法律第1條第1款(六)項規定,中葡血統的澳門永久性居民在澳門以外所生的子女必須符合以下條件方具有澳門永久性居民身份:
(4) 申請人具有中國國籍或未選擇國籍;
(5) 出生時父親或母親已符合同款(四)或(五)項的規定;
(6) 聲明以澳門為永久居住地。
24. 法律上,如(四)及(五)項的中葡血統澳門居民在外地所生的子女,只要子女符合(六)項的規定便具有澳門永久性居民資格,當中沒有要求父母必須先選擇中國國籍。
25. 可見,立法者是為保障符合(四)及(五)項未選擇國籍的中葡血統澳門居民沒有選擇國籍的時限,可繼續維持其國籍為“未經選擇”的狀況。
26. 由於法律沒有要求(四)及(五)項未選擇國籍的中葡血統澳門居民為使他們在外地所生子女成為澳門永久性居民而必須選擇中國國籍,故如要求上述澳門居民先根據第7/1999號法律第7條選擇中國國籍,其在外地所生的子女方可依據(六)項獲確認具有澳門永久性居民身份,將有違第8/1999號法律第1條第1款(六)項的立法原意,違反了《國籍法解釋》選擇國籍沒有時限的規定,亦剝奪了(四)及(五)項中葡血統的澳門居民享有不選擇國籍的權利。
27. 基於此,被上訴裁判錯誤認定申請人不適用《國籍法》第5條的規定,存在違反《國籍法》第5條、《國籍法解釋》第1條及第8/1999號法律第1條第1款(四)至(六)項及其立法原意的瑕疵。
(二)上訴人作出決定理據充份及說明理由充足,不存在被上訴裁判指欠缺說明理由的瑕疵,認為被上訴裁判構成審判錯誤
28. 對於被上訴裁判指上訴人的決定存在欠缺說明理由的瑕疵,認為上訴人沒有考慮卷宗的所有事實(包括申請人母親現於澳門機構工作),故無論是法律依據還是事實依據,都不足以證明拒絕的決定,以及指出上訴人審查申請人母親的永久性居民身份沒有重要價值,其亦不理解上訴人為何要求申請人母親提交其在申請人出生時不在葡定居的證據。對此,上訴人不予認同及認為被上訴裁判的錯誤認定構成審判錯誤。
29. 事實上,從上訴人通知申請人母親作書面陳述及不批准申請的信函,以及回覆申請人母親提出的聲明異議的信函中已指出,上訴人作出不向申請人發出《居留權證明書》的決定是因其出生時母親在葡萄牙定居,且申請人具葡國國籍,申請人按《國籍法》第5條的規定不具有中國國籍,上訴人於信函中已詳細分析判斷申請人母親在葡萄牙定居的理由,以及說明申請人不具中國國籍及不具澳門永久性居民身份的法律依據。
30. 縱使被上訴裁判不接受上訴人對說明理由的解釋,但不代表上訴人沒有作出解釋或解釋不充份。
31. 至於申請人母親現於澳門機構工作並不重要,因重點在於法律所要求的是申請人出生時母親的居住狀況,故申請人母親現時的居住狀況與申請條件無關,亦沒有必要對此進行討論。
32. 上訴人並非直接闡述不批准的結論,上訴人已就具體個案中所查明的資料作出說明,明確解釋作出行為的事實依據及法律依據,相關解釋足以讓申請人母親清楚知悉上訴人作出不批准決定的理由。
33. 基於此,不存在被上訴裁判所指法律及事實依據不足以支持上訴人不批准決定的指控,亦不存在被上訴裁判指上訴人的決定沒有考慮申請人母親的理據,更不存在被上訴裁判所指欠缺說明理由的瑕疵,相反,上訴人所作的決定理據充份及說明理由充足。
34. 此外,上訴人必須澄清,對於申請人母親的澳門永久性居民身份,上訴人無意分析或作出質疑,因該身份在法律上已被確認,申請人母親在澳門享有永久居留權,故在申請人出生時母親已符合同一法律第1條第1款(四)及(五)項所指澳門永久性居民的規定。
35. 在本案中,申請人是否具有澳門永久性居民身份關鍵在於其是否具有中國國籍,而按《國籍法》第5條判斷申請人是否具有中國國籍的重要要素是申請人在葡萄牙出生時其母親的居住狀況。這亦為上訴人要求申請人母親提交其於申請人出生時非在葡萄牙定居證明的原因。
36. 被上訴裁判指申請人母親已在書面陳述中作出適當表明,並提交更多文件以證明其一直是在澳門及現時在澳門有穩定工作。對此,上訴人不予認同。
37. 事實上,申請人母親一直未能提交其在申請人出生時其非在葡萄牙定居的任何證明,其提供的文件並非如被上訴裁判所指可證明其一直在澳門,除提交陳述外,其僅能提供文件證明於2013年起受聘於澳門機構。
38. 申請人母親在澳門出生,回歸前曾持澳門居民身份證,屬於回歸後從海外返回澳門的回流人士,其於2003年在葡萄牙修讀法官課程,被任命為實習法官及義務留在葡萄牙5年,多年來並未回澳換領澳門永久性居民身份證1,其於2007年在葡萄牙產子,其後於2008年回澳申請換領澳門永久性居民身份證,同年其於葡萄牙獲委任為法官,申請人於2010年在葡萄牙出生,於2012年與申請人父親在葡萄牙結婚,及後於2013年受聘於澳門機構。
39. 申請人母親除持有澳門居民身份證外,其於申請人出生時與澳門並沒有任何實際聯繫。
40. 須指出的是,申請人母親在葡萄牙享有居留權,其在葡萄牙亦可合法定居。從申請人母親的生活軌跡已足以顯示其是以葡萄牙為實際且固定的生活中心,故上訴人可合理確信申請人在葡萄牙出生時其母親是在當地定居,申請人母親於聲明中強調只是暫時不在澳並不可信。
41. 基於此,根據《國籍法》第5條的規定,申請人不具有中國國籍,從而不享有《國籍法解釋》第1條第2款的選擇國籍權利,故申請人不符合第8/1999號法律第1條第1款(六)項的規定,不具有澳門永久性居民身份,上訴人依法不向其發出《居留權證明書》。
(三)被上訴裁判以上訴人沒有對利害關係人進行聽證,認定該法定程序的不履行具有撤銷效力構成審判錯誤,違反行政行為利用原則。
42. 對於上訴人不批准決定,上訴人已按照《行政程序法典》第93條及第94條的規定進行書面聽證,雖然上訴人在作出不批准決定時尚未審閱申請人母親為聽證提交的資料,但上訴人不認為有關決定因未有聽取相關書面陳述,而導致申請人參與行政程序的權利被剝奪,違反《行政程序法典》第10條參與原則。
43. 原因在於,在上訴人作出不批准的決定後,申請人母親提起聲明異議,上訴人在審查聲明異議階段再次綜合分析卷宗的所有文件,包括申請人母親為聽證及聲明異議提交的陳述及資料,上訴人是經充份分析申請人母親提出的事實理由及法律依據後,方作出駁回聲明異議及維持原來不批准的決定。
44. 申請人母親在行政申訴階段已充份表明意見,上訴人對此已作充份的分析,申請人母親的辯護權利亦完全獲得保障,故上訴人沒有剝奪申請人母親的聽證權,當中亦不存在因欠缺聽證而違反參與原則。
45. 倘法官閣下不認同上述理解,基於羈束行為,按行政行為利用原則,對利害關係人的聽證可降格為非根本手續,故被上訴裁判不應基於上訴人未有進行聽證而撤銷上訴人的決定。
46. 中級法院於第799/2012號司法上訴裁判書中指出,根據可撤銷行為再利用學說理據,只要有關行為是一受羈束的行政行為,及可以肯定行政當局在消除有關可撤銷的瑕疵後,會再次作出同樣內容的行為,在這情況下,即使行政當局在作出決定前不當履行或遺漏作出聽證,法院亦可不作出撤銷。
47. 本案中,申請人不符合第8/1999號法律第1條第1款(六)項,不具有第7/1999號行政法規第1條第1款規定的申請資格,故上訴人只能依法不向申請人發出《居留權證明書》,該決定屬羈束行為,當中並不存在任何自由作出選擇的空間。
48. 可見,上訴人不向申請人發出《居留權證明書》的決定屬羈束行為,又或被限定行為。
49. 另一方面,上訴人在聲明異議階段已審閱申請人母親為聽證提交的資料,及後維持不批准發出《居留權證明書》的決定,故即使上訴人重新對申請人進行聽證,亦會再次作出同樣內容的決定,故基於行政行為利用原則,對利害關係人進行聽證這一手續可降格為非根本性手續。
50. 此外,原則上聽證為行政程序的根本性手續,但對於羈束行為,由於行政當局不可能作出其他內容或含義的決定,故聽證的不當履行或遺漏並不影響行政行為的有效性。
51. 基於此,被上訴裁判以上訴人沒有對利害關係人進行聽證,認定該法定程序的履行具有撤銷效力構成審判錯誤,違反行政行為利用原則。
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A Recorrida, A, veio, 20/06/2019, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 322 a 344, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a douta sentença proferida nos autos à margem referenciados, que anulou o despacho da Subdirectora da Direcção dos Serviços de Identificação da Região Administrativa Especial de Macau que indeferiu o pedido de Certificado de Confirmação do Direito de Residência da ora recorrida, proferido em 7 de Novembro de 2013.
2. O acto recorrido tem o seguinte teor:
"A Lei da Nacionalidade da República Popular da China, no seu artigo 5º, define que "Um indivíduo nascido no estrangeiro cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses tem nacionalidade chinesa; mas um indivíduo cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses que tenham fixado residência no estrangeiro e que tenha adquirido a nacionalidade estrangeira no momento do nascimento não tem nacionalidade chinesa."
Conforme os elementos apresentados a esta Direcção de Serviços, Exª foi para Portugal em 2003 para estudar em Portugal, onde estudou e trabalhou e nasceu a sua filha A, em 14.09.2010, e a menor tem adquirido nacionalidade portuguesa por nascimento. O facto de que à data de nascimento da sua filha, V. Exª vivia em permanência em Portugal e ali tinha uma profissão estável faz presumir que V. Exª já tinha fixado residência em Portugal, à data de nascimento da menor.
Face ao exposto, a menor não tem nacionalidade chinesa por não reunir o previsto no artigo 5º da Lei da Nacionalidade da República Popular da China, e não tem o estatuto de residente permanente de Macau por não satisfazer as condições definidas na alínea 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999 da RAEM.
Nestes termos, a DSI decide não lhe emitir o Certificado de Confirmação de Residência solicitado".
3. No seu segmento decisório, na parte em que se refere ao pedido anulatório, a douta sentença sob recurso tem o seguinte teor:
"... a decisão recorrida é enfermada do vício de erro nos pressupostos de direito, pela errada aplicação do artº 5.º da «Lei da Nacionalidade».
Da análise atrás feita se pode resultar que nem todos os factos trazidos nos autos) incluindo que a mãe está agora empregada numa instituição sediada em Macau), nem o comando legal em avaliar o seu estatuto de residente permanente, ainda que se mostre pertinente para o fundo da decisão, é objecto de apreciação ponderada na decisão recorrida, o que demonstra que os fundamentos quer jurídico quer factual não bastam [para] justificar a decisão de recusa, nos termos da alínea 6) do n.º 1 do art.º 1º da Lei n.º 8/1999.
Neste sentido, deve considerar a verificação de falta de fundamentação, nos termos do art.º 115.º, n.º 2 do C.P.A..
De outro lado (...), não é de considerar a verificada omissão de audiência uma mera formalidade desprovida de valor e irrelevante para a decisão final, invalidando assim a decisão recorrida por outro vício de ilegalidade, pela violação do direito de audiência e do princípio da participação regulados nos art.ºs 93.º e 10.º do C.P.A..
Deste modo, é de anular a decisão recorrida nos termos do n.º 1 do art.º 21.º do «Código de Processo Administrativo Contencioso» (C.P.A.C)."
4. No recurso jurisdicional interposto, a entidade recorrente insurge-se contra a douta sentença, com os seguintes fundamentos:
(1) A tese da decisão recorrida viola o disposto no artigo 5º da "Lei da Nacionalidade da República Popular da China, no artigo 1º dos Esclarecimentos do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional sobre algumas questões relativas à aplicação da Lei da Nacionalidade da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau (adoptados em 29 de Dezembro de 1998 pela Sexta Sessão do Comité Permanente da Nona Legislatura da Assembleia Popular Nacional, constantes do Aviso do Chefe do Executivo nº 5/1999, publicado no B.O. nº 1/1999, de 20 de Dezembro de 1999), nas alíneas 4) a 6) do n.º 1 do artigo 1º da Lei n.º 8/1999, bem como o "espírito da lei", na medida em que:
I. A nacionalidade chinesa dos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa deve ser confirmada de acordo com a Lei da Nacionalidade;
II. Os filhos nascidos no estrangeiro dos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa devem também confirmar que têm nacionalidade chinesa, de acordo com a Lei de Nacionalidade;
III. A sentença enferma de erro na aplicação do direito por considerar o artigo 5º da Lei da Nacionalidade não se aplica ao caso concreto na medida em que a mãe ainda não exerceu o seu direito de opção de nacionalidade.
(2) Ao concluir que o acto enferma de falta de fundamentação, a decisão recorrida padece de erro de julgamento, uma vez que:
I. A motivação da decisão de indeferimento foi fundamentada pela entidade recorrente; e
II. A entidade recorrente nunca pôs em causa a qualidade ou estatuto de residente permanente de Macau da mãe da requerente.
(3) Ao anular o acto impugnado por falta de audiência prévia a sentença padece de erro de julgamento, uma vez que não foi tido em conta o princípio do aproveitamento o acto administrativo. A este propósito sustenta que:
I. Nem a mãe do requerente foi privada do direito à audiência, nem a entidade ora recorrente violou o princípio participação; e
II. Mesmo que não se concorde com o referido entendimento, tendo presente que estamos perante um o acto vinculado e o princípio da aproveitamento do acto administrativo, a formalidade em causa deve se degradar numa formalidade não essencial, pelo que a decisão recorrida não deveria ter anulado a decisão da entidade recorrente.
5. A ora recorrida não pode deixar de manifestar a sua veemente discordância com o recurso apresentado, nos termos que se passaremos a expor.
6. Por uma questão de precedência lógica, comecemos pelo vício de omissão de audiência prévia e consequente violação do direito de participação.
7. Segundo a ora recorrente, ao anular o acto impugnado por falta de audiência prévia a sentença padece de erro de julgamento, uma vez que não foi tido em conta o princípio do aproveitamento o acto administrativo.
8. A este propósito, reconhecendo embora que contou mal o prazo para o exercício da audiência prévia e proferiu a decisão de recusa sem levar em conta a pronúncia apresentada nesta sede em 5 de Novembro de 2013, sustentou que nem a mãe da requerente foi privada do direito à audiência, nem a entidade ora recorrente violou o princípio participação, para tanto afirmando que, depois de proferida a decisão impugnada, foi apresentada reclamação e, na decisão desta última, foram levados em conta os argumentos factuais e jurídicos aduzidos naquela sede.
9. Em primeiro lugar, como é óbvio, a entidade recorrida só cumpre o disposto nos artigos 93º e seguintes do CPA e o princípio da participação consagrado no artigo 10º se tivesse observado o dever de ponderar os novos elementos trazidos ao procedimento antes da prolação da decisão final de recusa (o que, confessadamente, não fez).
10. Esta é uma questão há muito consolidada, quer na Doutrina, quer na Jurisprudência.
11. Acresce que, no caso concreto, a ora recorrida argumentou, tanto em sede de audiência prévia como na reclamação apresentada, por um lado, que nos termos da Lei nº 8/1999, a estadia temporária da sua mãe fora de Macau não determina que tenha deixado de ter em Macau a sua residência permanente, acrescentando, por outro, que estava a trabalhar em Macau e que ambos os seus pais estavam a residir em Macau, juntando documentos comprovativos (contrato de prestação de serviço da mãe e bilhete de identidade de residente (BIR) do pai).
12. Aliás, estando demonstrada a titularidade do estatuto de residente permanente, por força da alínea 4) do nº 1 do artigo 1 º da Lei nº 8/1999), a mãe, em circunstância alguma, perde o seu estatuto de residente permanente.
13. Como se afirma na douta sentença sob recurso, a mãe da recorrente já expôs, na defesa escrita "oportunamente" apresentada, a titularidade do estatuto de residente permanente, por força da alínea 4) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, apresentando mais documentos para comprovar o domicilio permanente ser sempre Macau com emprego actual e estável.
14. No entanto, do acto final não consta sequer a menção de que a mesma se pronunciou em audiência prévia e, por via disso, não vem espelhado qualquer indício de que a entidade recorrida tenha cumprido o dever de ponderar os novos elementos trazidos ao procedimento antes da decisão final
15. Por outro lado, da decisão da reclamação também não resulta que a ora recorrente tenha apreciado e sopesado os novos factos trazidos aos autos (mormente, que a mãe está agora empregada numa instituição sediada em Macau, como se refere na douta sentença recorrida, e que o pai da menor também reside em Macau, sendo titular de BIR).
16. Ora, nos termos da alínea 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, o domicílio da mãe (e por inerência, o da filha menor) é relevante para aferir o estatuto de residente permanente da filha, pois exige-se que esta tenha na RAEM o seu domicílio permanente, pelo que, verificada a omissão material desta formalidade e a consequente falta de apreciação dos novos fundamentos fáctico-jurídicos, jamais seria possível proceder ao aproveitamento do acto.
17. Acresce que, por força da verificação dos demais vícios assacados ao acto impugnado, como adiante se verá, o julgador estava também impedido ou impossibilitado de proceder ao aproveitamento do acto.
18. Ou seja, no entender da douta decisão recorrida, não se pode proceder ao aproveitamento do acto, porque, segundo o prudente juízo do julgador, o sentido decisório do acto final do procedimento não é, obrigatoriamente, o da recusa da pretensão formulada pela ora recorrida no procedimento em causa nos autos.
19. No que respeita ao "erro nos pressupostos de direito, pela errada aplicação do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», na tese da entidade ora recorrente, a sentença padece de erro nos pressupostos, pois fez uma incorrecta interpretação do disposto no artigo 5º da Lei da Nacionalidade da República Popular da China, no artigo 1º dos Esclarecimentos do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional sobre algumas questões relativas à aplicação da Lei da Nacionalidade da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau, nas alíneas 4) a 6) do n.º 1 do artigo 1º da Lei n.º 8/1999, violando também o "espírito da lei".
20. Como se viu, a entidade ora recorrente sustenta a decisão de indeferimento na medida em que, segundo a mesma, a menor não tem nem pode vir a ter nacionalidade chinesa de acordo com o artigo 5º da Lei da Nacionalidade da República Popular da China (doravante apenas "Lei da Nacionalidade").
21. Ora, o desacerto desta posição manifesta-se a vários níveis.
22. Para melhor explicitar o seu entendimento, cumpre, antes de mais, examinar e dissecar os preceitos ao abrigo dos quais a ora recorrida pretende ver reconhecido o seu estatuto de residente permanente, bem como os ditames invocados pela entidade ora recorrente como fundamento do indeferimento dessa pretensão, tendo em conta o contexto histórico em que foram dimanados.
23. Assim, em primeiro lugar, verifica-se que nem a Declaração Conjunta (de 13 de Abril de 1987), nem a Lei Básica da RAEM (adoptada em 31 de Março de 1993) abordavam a questão dos indivíduos de dupla ascendência sanguínea (chinesa e portuguesa).
24. No entanto, tendo em conta o contexto histórico e a realidade social de Macau, em 29 de Dezembro de 1998 foram adoptados pela Sexta Sessão do Comité Permanente da Nona Legislatura da Assembleia Popular Nacional os Esclarecimentos do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional sobre algumas questões relativas à aplicação da Lei da Nacionalidade da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau (doravante apenas "Esclarecimentos"), nos seguintes termos:
"De acordo com o artigo 18.º e o Anexo III da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, a Lei da Nacionalidade da República Popular da China aplica-se na Região Administrativa Especial de Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999. Considerando o pano de fundo histórico e a realidade de Macau, faz-se os seguintes esclarecimentos sobre a aplicação da Lei da Nacionalidade da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau:
1. São cidadãos chineses os residentes de Macau de ascendência chinesa nascidos no território da China (incluindo Macau) e outros indivíduos que preencham os requisitos de aquisição da nacionalidade chinesa previstos na Lei da Nacionalidade da República Popular da China, independentemente de detenção de documentos de viagem ou de identificação portugueses.
Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau de ascendências chinesa e portuguesa podem optar, voluntariamente, pela nacionalidade da República Popular da China ou pela nacionalidade da República Portuguesa. Quem optar por uma destas nacionalidades, não pode manter a outra. Os referidos residentes da Região Administrativa Especial de Macau, antes de optar por uma destas nacionalidades, gozam dos direitos previstos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, excepto quando se trate de direitos condicionados a posse de determinada nacionalidade" - (destacado nosso).
25. Note-se que, de acordo com a "nota justificativa" destes Esclarecimentos, (cf. www.macaudata.com/macaubook/book258/html/0090001.htm), que aqui se dão por reproduzidos, resulta claramente que foi intenção do legislador dar um tratamento especial à comunidade "macaense", facultando-lhe o direito de optar pela nacionalidade, pois não conferiu igual privilégio aos indivíduos de dupla ascendência da Região Administrativa Especial de Hong Kong.
26. Com efeito, aí vem referido, basicamente, que a questão da nacionalidade dos residentes de Macau descendentes de portugueses é, por razões históricas, dotada de grande complexidade, devendo ser tratada de forma muito específica. Durante a discussão da Lei Básica só foram tidos em conta os indivíduos de ascendência chinesa e os de ascendência portuguesa, pelo que se tornava necessário esclarecer a situação desta comunidade, já que os residentes de Macau não seriam todos necessariamente chineses e, por isso, urgia clarificar a aplicação da Lei da Nacionalidade para determinar quem deve ser considerado cidadão chinês e quem não é necessariamente cidadão chinês. Assim, apesar de Macau ser parte da China e a Lei da Nacionalidade da República Popular da China se dever, em princípio, aplicar a todos, em Macau, diferentemente do que sucede em Hong Kong, existe um vasto grupo de descendentes de portugueses com "sangue" português e chinês. Esta comunidade deseja que, em relação à sua nacionalidade, se adopte uma solução flexível e prática. O próprio líder político da China afirmou que, por força desta realidade herdada por razões históricas, não é intenção da China obrigar este vasto grupo de pessoas a tomarem-se cidadãos chineses. Assim, estas pessoas vão poder escolher a sua nacionalidade de acordo com o seu desejo, adoptando-se, através da introdução dos princípios consagrados no 2º parágrafo do artigo 1º dos Esclarecimentos (que não encontram paralelo em Hong Kong), uma forma mais flexível, mais prática e menos rígida de solucionar o seu problema de nacionalidade - (destacado nosso).
27. É, portanto, nos Esclarecimentos, texto com valor de lei, que pela primeira vez se aborda a questão da "comunidade macaense" e se destaca dos demais grupos a categoria de residentes permanentes de Macau de ascendência portuguesa e chinesa, tendo em consideração "o pano de fundo histórico e a realidade de Macau".
28. Assim, ao contrário do grupo de cidadãos chineses de ascendência chinesa, considerados, sem qualquer direito de opção ou regime de excepção, para todos os efeitos, como cidadãos chineses (cf. Lei da Nacionalidade da República Popular da China e 1º parágrafo do artigo 1º dos Esclarecimentos), os indivíduos de dupla ascendência foram diferenciados e viram consagrado o direito de optar, por um tempo indeterminado, pela nacionalidade chinesa ou pela nacionalidade portuguesa; sem qualquer limitação dos seus direitos, nomeadamente o de residência permanente, senão nos casos expressamente previstos (sofrendo apenas uma limitação de direitos no que toca à ocupação de determinados cargos).
29. O que significa que a possibilidade de ser considerada chinesa e o direito de opção resultam apenas do facto de estes indivíduos terem ascendência chinesa e portuguesa.
30. Foi, nesta senda, que surgiu a Lei nº 8/1999.
31. Como infere da douta sentença sob recurso, o nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999 (...) visa individualizar os residentes permanentes em quatro grupos, entre os quais, os [cidadãos] chineses, os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, os portugueses e outras pessoas.
32. Ao separar os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa nas alíneas 4), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1º, a Lei nº 8/1999 quis efectivamente dar um tratamento diferenciado a este grupo, espelhando, numa fonte normativa da RAEM, o pensamento que esteve na base dos Esclarecimentos.
33. Com efeito, da leitura e análise do debate que precedeu à aprovação desta lei (cf. fls. 313 a 338, Extracção parcial do Plenário de 13 de Dezembro de 1999, constante da segunda edição do sétimo volume da Colectânea de Leis Regulamentadoras de Direitos Fundamentais) depreendem-se de forma inequívoca as linhas mestras que levaram à introdução das alíneas 4), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro, permitindo compreender, de forma mais exacta e cristalina, o sentido da alínea 6) do nº 1 do artigo 1º mencionado, ao abrigo do qual a ora recorrida pretende ver reconhecido o seu estatuto de residente permanente:
- Existe uma intenção expressa de proteger os interesses dos indivíduos de dupla ascendência chinesa e portuguesa (macaenses);
- Estes indivíduos não são considerados, aos olhos do legislador, nem portugueses, nem chineses, antes de exercerem o seu direito de opção pela nacionalidade, que não tem limite temporal;
- Por isso mesmo, têm um tratamento diferenciado desses dois grupos (de nacionalidade chinesa e de nacionalidade portuguesa) na questão do reconhecimento do estatuto de residente permanente;
- Os filhos de residentes permanentes que sejam cidadãos chineses nascidos no exterior, para verem reconhecido o seu estatuto de residente permanente, têm de ter nacionalidade chinesa, mas não lhes é exigido que tenham em Macau o seu domicílio permanente;
- Aos filhos dos residentes permanentes portugueses (e demais residentes permanentes) só é reconhecido o estatuto de residente permanente se tiverem nascido em Macau e aqui residirem;
- No caso da ora recorrida, de ascendência chinesa e portuguesa, porque nasceu fora de Macau, apenas pode ver reconhecido o seu estatuto de residente permanente se aqui tiver o seu domicílio permanente;
- O legislador expressamente referiu que não se trata de uma questão de igualdade entre este grupo e os grupos dos cidadãos chineses e os de nacionalidade portuguesa, precisamente porque o grupo de cidadãos de dupla ascendência viu conferido, nos termos dos Esclarecimentos, um tratamento distinto, em razão das especificidades desta comunidade e da realidade histórica e social de Macau;
- O que relevou nesta opção legislativa, além da realidade histórica e social em que se inseria a comunidade macaense, foi a natureza sanguínea da condição dos indivíduos de dupla ascendência, e não a nacionalidade;
- A versão inicial da proposta de lei exigia que os filhos dos indivíduos de dupla ascendência nascidos no exterior tivessem nacionalidade chinesa e não lhes conferia qualquer direito de opção;
- Durante o debate, a expressão "de nacionalidade chinesa" esteve para ser eliminada na versão final da alínea 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro, ficando apenas como condição para aquisição ou confirmação do direito à residência permanente a exigência "não tenham feito a opção de nacionalidade", direito de opção esse que, no espírito da Lei, lhes foi transmitido pelos pais e por serem eles, também, de dupla ascendência;
- A referida expressão" de nacionalidade chinesa" somente foi mantida para não deixar de fora a situação dos filhos dos indivíduos de dupla ascendência que, entretanto, já haviam feito a opção pela nacionalidade chinesa (pois não se encaixavam na alínea 3) do mesmo preceito se os pais não tivessem feito qualquer opção);
- Ou seja, na interpretação correcta do preceito em análise, conclui-se que o legislador, para efeitos do reconhecimento do estatuto de residente permanente, não exige que os filhos dos indivíduos de dupla ascendência tenham necessariamente nacionalidade chinesa;
- Mas a lei também não lhes confere um tratamento mais favorável em relação aos casos previstos na alínea 3) do mesmo preceito, pois exige-lhes que residam em Macau, sendo que os filhos dos cidadãos chineses não necessitam de aqui residir;
- Mais, não exige, para que eles tenham direito de opção, que os pais tenham feito qualquer opção, ou seja, existe independência entre o direito de opção dos filhos e o dos pais;
- Na leitura dos extractos do debate que temos vindo a mencionar e analisar resulta claramente que, à semelhança do que acontece com os pais, os filhos dos "macaenses" têm o direito de livre opção pela nacionalidade a todo o tempo, apenas pelo facto de deterem dupla ascendência e não pelo facto de terem nacionalidade chinesa, direito esse que foi estendido aos filhos não só pelos Esclarecimentos como
pela Lei nº 8/1999.
34. A entidade recorrente revela uma má compreensão do conceito de residente permanente, das normas que regem o reconhecimento do estatuto de residente permanente, da ratio que presidiu ao 2º paragrafo do artigo 1º dos Esclarecimentos, uma colossal confusão entre os conceitos de ascendência e de nacionalidade e/ou cidadania, o que, aparentemente, foi determinante para que o sentido decisório constante do acto impugnado fosse o de recusa com fundamento no artigo 5º da Lei da Nacionalidade.
35. Efectivamente, nos termos da alínea 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro, são considerados residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5) do mesmo preceito, de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfaziam os critérios previstos nas alíneas 4) e 5) dessa mesma norma.
36. Ou seja, desde que se verifique o cumprimento de tais requisitos, é forçoso o reconhecimento do estatuto de residente permanente.
37. Não é exigido que qualquer um dos pais seja cidadão chinês.
38. Consequentemente, não se pode chamar à colação o artigo 5º da Lei da Nacionalidade, que tem a seguinte redacção:
Um indivíduo nascido no estrangeiro cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses tem nacionalidade chinesa; mas um indivíduo cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses que tenham fixado residência no estrangeiro e que tenha adquirido a nacionalidade estrangeira no momento do nascimento não tem nacionalidade chinesa.
39. E não se venha argumentar, como faz a ora recorrente, que para aferir se a ora recorrida preenche os requisitos constantes da alínea 6) do nº 1 do artigo 1 º da Lei nº 8/1999 (para verificar se tem direito de opção), é necessário fazer apelo à Lei da Nacionalidade, já que, como bem refere a douta sentença, embora a recorrente foi nascida em Portugal e adquiriu a nacionalidade por nascimento, não se pode apoiar no artº 5º da «Lei da Nacionalidade», para concluir a sua falta de nacionalidade chinesa (não consta qualquer indício que a opção foi dela), ignorando o pressuposto da aplicação ser dependente da nacionalidade dos progenitores. Isto é, não existe prova da escolha da nacionalidade (chinesa) da mãe da recorrente, feita ao abrigo dos artºs 2º, nº 4 e 7º da Lei nº 7/1999 (...), motivo pelo qual se entendeu, e bem, que uma vez que a mãe não tinha ainda exercido o seu direito de opção, não podia ser considerada cidadã chinesa, pelo que não estava verificado o pressuposto de aplicabilidade do artigo 5º da Lei da Nacionalidade em que o acto recorrido assentou a sua decisão de indeferimento.
40. Por isso se decidiu, e bem, que o local de residência da mãe ao tempo do nascimento da ora recorrida é desprovido de valor significativo para aferir o seu estatuto de residente permanente.
41. Nesta conformidade, deve ser mantida a douta sentença que anulou o acto recorrido por erro nos pressupostos de direito, "pela errada aplicação do art.º 5.º da Lei da Nacionalidade", pois esse diploma não pode ser aqui chamado à colação, na medida em que foi completamente ignorado o facto de a mãe (que tem o direito de opção não por ser cidadã chinesa mas por ter ascendência chinesa e portuguesa) ainda não ter exercido o direito de opção pela nacionalidade chinesa e, como tal, não pode ser considerada cidadã chinesa para efeitos da aplicação do artigo 5º da Lei da Nacionalidade, sendo certo que a possibilidade de opção de nacionalidade se estendeu à filha, pelo facto de ter ela, também, ascendência chinesa e portuguesa, sendo esse direito independente do prévio exercício do direito de opção pela mãe.
*
42. Passando agora à falta de fundamentação.
43. A entidade ora recorrente sustenta que ao concluir que o acto enferma de falta de fundamentação, a decisão recorrida padece de erro de julgamento.
44. A entidade ora recorrente afirma que os fundamentos expostos na decisão recorrida, que aqui se reproduz para todos os efeitos, são suficientes para dar a conhecer a motivação da decisão.
45. Como bem observa a douta sentença sob recurso, tendo como pressuposto que a mãe é residente permanente nos termos da alínea 4) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999 e não estando demonstrado que a mãe é cidadã chinesa ou que tenha exercido o seu direito de opção nos termos legais, a entidade recorrente não podia fazer apelo ao artigo 5º da Lei da Nacionalidade e ao pretenso local de residência da mãe no momento do nascimento da filha para justificar a recusa do pedido de confirmação do estatuto de residente permanente da menor, pois dos requisitos constantes da alínea 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999 não resulta essa exigência.
46. De todo o modo, ao fundamentar a decisão de recusa nestes termos, sem justificar porque é que, no seu erróneo entendimento, a menor não reunia os pressupostos que realmente constam da alínea 6) do nº 1 do artigo 1 º da Lei nº 8/1999 (norma com base na qual a menor pretendia ver reconhecido o seu estatuto de residente permanente), a qual não exige que a mãe aqui resida no momento do seu nascimento, a decisão é incompreensível e insuficiente.
47. Tendo em conta que, nos termos do nº 2 do artigo 115º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), é equivalente à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, a sentença recorrida padece efectivamente do vício de falta de fundamentação.
48. A entidade ora recorrida argumenta ainda que a fundamentação foi reiterada em sede de decisão da reclamação,
49. Antes de mais, convém sublinhar que esse não é o acto impugnado no recurso contencioso e objecto de apreciação pela douta sentença sob recurso,
50. Por outro lado, como se sabe, a fundamentação deve estar ínsita no próprio acto administrativo, "constando sempre do documento ou declaração que externa o acto, Fundamentação que conste de documento ou declaração externa ao acto, mesmo que inserida no procedimento (seja em que lugar for) - e que não esteja apropriada na própria decisão - não é fundamentação desta, nem pode ser tomada em conta para avaliar a sua validade" - neste sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES e PACHECO AMORIM in Código do Procedimento Administrativos, comentado, 2ª Edição, Almedina, 1997, página 584.
51. De igual modo e no mesmo sentido, segundo LINO RIBEIRO e CÂNDIDO PINHO, in "CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE MACAU, ANOTADO E COMENTADO", 1998, página 638 e seguinte, "a declaração expressa dos fundamentos dos actos tem de ser contextuai, isto é, deve acompanhar a decisão essencial tomada pela autoridade administrativa e, em regra, constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada. (...)
O requisito da contextualidade tem certa importância dadas as consequências que dele se podem extrair. Assim, e em primeiro lugar, significando que os fundamentos têm de ser contemporâneos da decisão tomada, exclui-se a fundamentação a posteriori ou sucessiva. (...) Em segundo lugar (...) a falta ou insuficiência da fundamentação afere-se no momento da tomada de decisão e perante os elementos constantes do instrumento de externação do acto. Em terceiro lugar, exigindo-se que a fundamentação esteja ligada à decisão, que seja um momento acessório da estatuição, exclui-se dessa maneira a fundamentação autónoma, isto é, que seja um acto independente da decisão tomada".
52. Em suma, a douta sentença sob recurso andou bem ao concluir no sentido de anulação do acto recorrido por falta de fundamentação.
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls.447):
A Subdirectora dos Serviços de Identificação vem recorrer junsdicionalmente da sentença de 20 de Março de 2019, do Tribunal Administrativo, que julgou procedente o recurso contencioso de anulação interposto por A, menor devidamente representada pelos seus progenitores, em que era visado o acto de 7 de Novembro de 2013, de indeferimento de pedido de emissão de certificado de confirmação do direito de residência.
Argumenta que aquela sentença padece de erros no julgamento dos vícios apreciados.
A requerente e recorrente contenciosa havia imputado ao acto a preterição da formalidade de audiência prévia, em violação do inerente direito de participação, bem como erro nos pressupostos. Vícios a que o Ministério Público aditou o de insuficiência de fundamentação.
A decisão recorrida acabou por dar guarida à pretensão anulatória, julgando procedentes tais vícios e anulando consequentemente o acto Impugnado.
Constata-se que, na sua alegação de recurso jurisdicional, a ora recorrente arremete contra a sentença e contra os assacados erros de julgamento, trazendo a terreiro e reavivando argumentos que já esgrimira em sede de contestação.
Sobre os vícios do acto pronunciou-se oportunamente o Ministério Público, fazendo-o nos moldes do parecer de fls. 228 e seguintes, onde, de forma esclarecida, completa e proficiente, se pronuncia pela ilegalidade do acto, que considerou estar inquinado pelos vícios suscitados, entendimento que igualmente veio a ser consagrado na douta sentença recorrida.
Vai no mesmo sentido o nosso posicionamento, pelo que temos por bem chamar à colação aquele parecer, que, com a devida vénia, aqui convocamos em abono da decisão recorrida, o que conduz a que nos pronunciemos pela improcedência dos fundamentos do recurso jurisdicional.
Deve, pois, manter-se a sentença recorrida e negar-se provimento ao recurso jurisdicional.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
1.º - B, mãe da recorrente, nasceu em Macau e é titular do BIR, tendo a emissão inicial verificada em 30/06/1983 com a última renovação verificada em 29/12/2008 (vide fls. 6 e 7 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito.
2.º - A recorrente é filha de C e de B, e nasceu em Coimbra de Portugal em 14/09/2010 (vide fls. 9 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3.º - A mãe, em representação da recorrente, apresentou junto da Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) o requerimento do Certificado de Confirmação do Direito de Residência com os documentos comprovativos e declarações (vide fls. 3 a fls. 20 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4.º - Por ofício n.º 08934/DIR/DR/2013 datado de 06/08/2013, os pais foram notificados para apresentar documentos comprovativos de que a mãe da recorrente não tinha fixado residência em Portugal à data de nascimento da recorrente (vide fls. 23 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
5.º - Em 02/09/2013, em resposta do solicitado, a mãe da recorrente apresentou uma declaração à DSI com os documentos comprovativos, pela qual informou que ela estava a residir temporariamente em Portugal à data de nascimento da recorrente em virtude da gravidez em risco (vide fls. 24 a 26 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
6.º - Por despacho proferido em 10/09/2013, a entidade recorrida determinou notificar a recorrente para a audiência escrita da decisão provável de indeferimento do requerimento em face ao disposto da alínea 6) do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999 (vide fls. 3v do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
7.º - Por ofício n.º 444/GAD/2013 datado de 21/10/2013, a entidade recorrida informou a mãe da recorrente para se pronunciar sobre o sentido provável do indeferimento do seu pedido de emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência (vide fls. 28 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
8.º - Em 05/11/2013, a mãe da recorrente apresentou junto da DSI, com os documentos comprovativos, a sua defesa escrita nos termos dos art.º 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo (vide fls. 30 a 42 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
9.º - Por despacho proferido em 07/11/2013, a entidade recorrida decidiu indeferir o requerimento da recorrente em virtude de não ser residente permanente nos termos do art.º 1, n.º1, alínea 6), da Lei n.º 8/1999, tendo a mãe fixada a residência permanente em Portugal à data do nascimento da recorrente e a adquisição da recorrente de nacionalidade portuguesa por nascimento (vide fls. 3 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
10.º - Por ofício n.º 448/GAD/2013 datado de 07/11/2013, a entidade recorrida notificou a mãe da decisão de indeferimento do requerimento da recorrente da emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência (vide fls. 29 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
11.º - Em 28/11/2013, a mãe da recorrente, em representação desta, apresentou à entidade recorrida reclamação da referida decisão de indeferimento de emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência, com os documentos comprovativos (vide fls. 43 a 60 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
12.º - Em 10/12/2013, a recorrente, representada pelos seus pais, deduziu o presente recurso contencioso de anulação contra a decisão da entidade recorrida de 07/11/2013 (vide fls. 2 dos autos).
13.º - Por ofício n.º 574/GAD/2013 datado de 31/12/2013, a entidade recorrida notificou a mãe da sua decisão de indeferimento da reclamação deduzida pela recorrente e de manutenção da decisão impugnada (vide fls. 61 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
* * *
IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a sua douta decisão com base nos seguintes argumentos:
A, menor, representada em juízo pelos seus pais C e B, ora recorrente, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação do despacho da Subdirectora dos Serviços de Identificação, ora entidade recorrida, de 07 de Novembro de 2013, pelo qual foi indeferido o requerimento da emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência; invocando para tal os vícios de violação do direito de audiência e do erro nos pressupostos de facto e de direito; e pedindo, a título subsidiário, a condenação da Entidade Recorrida na prática de outro acto administrativo determinando o deferimento do respectivo requerimento em substituição do acto anulando.
*
Regularmente citada, a entidade recorrida veio defender na contestação a legalidade do acto recorrido e propugnar a improcedência do presente recurso.
*
Devidamente notificadas, veio a recorrente apresentar alegações facultativas reiterando os argumentos e pedidos deduzidos na p.i..
*
A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência parcial do presente recurso, com a anulação do acto recorrido por violação do direito de audiência, falta de fundamentação e verificação de erro nos pressupostos (vide fls. 227 a 240 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
*
O Tribunal é competente em razão da matéria e hierarquia.
O processo é próprio e não há nulidades.
A recorrente e a entidade recorrida dispõem de personalidade e capacidade judiciárias e são partes legítimas.
Não há nulidades, excepções dilatórias e questões prévias de que cumpre conhecer e que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
***
I. Factos
Dos autos e do P.A. em anexo consta a seguinte factualidade pertinente para a decisão da causa:
(……)
*
II. Fundamentação
Cumpre agora decidir.
No entender da recorrente, o acto recorrido é enfermado do vício da omissão de audiência prévia e consequente violação do princípio da participação, por não resulta do texto do acto recorrido qualquer ponderação sobre os novos factos ou fundamentos jurídicos aduzidos na peça de defesa. Concomitantemente, é viciado por erro nos pressupostos de facto e de direito pela interpretação errada da E.R. ao preceituado da alínea 6) do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999.
Antes de avançar à análise das questões em controvérsia, tem-se alertado para a factualidade que, não obstante que a E.R. tinha lançado no próprio boletim do requerimento do Certificado de Confirmação do Direito de Residência da recorrente, em 07/11/2013, o despacho no sentido de indeferir o requerimento da recorrente2, se encontra na notificação dirigida à recorrente e assinalada pela E.R. na mesma data uma decisão com fundamentação mais detalhada que não se corresponde na íntegra ao conteúdo do ora despacho, nela se refere:
“…A Lei da Nacionalidade da República Popular da China, no seu artigo 5.º, define que “Um indivíduo nascido no estrangeiro cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses tem nacionalidade chinesa; mas um indivíduo cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses que tenham fixado residência no estrangeiro e que tenham adquirido a nacionalidade estrangeira no momento do nascimento não tem nacionalidade chinesa.”
Conforme os elementos apresentados a esta Direcção de Serviços, Ex.ª foi para Portugal em 2003 para estudar em Portugal, onde estudou e trabalhou e nasceu a filha Alice Cruz Lima Corte Real em 22.10.2007, e a menor tem adquirido a nacionalidade portuguesa por nascimento. O facto de que à data de nascimento da sua filha, V. Ex.ª vivia em permanência em Portugal e ali tinha uma profissão estável faz presumir que V. Ex.ª já tinha fixado residência em Portugal, à data de nascimento da menor.
Face ao exposto, a menor não tem nacionalidade chinesa por não reunir o previsto no artigo 5.º da Lei da Nacionalidade da República Popular da China, e não tem o estatuto de residente permanente de Macau por não satisfazer as condições definidas na alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da RAEM. Nestes termos, a DSI decide não lhe emitir o Certificado de Confirmação do Direito de Residência solicitado.…” (vide fls. 29 e verso do P.A.)
Dado que foi a própria E.R. que subscreveu a respectiva notificação, e nela não se faz referência ao dito despacho nem ao parecer exarado no boletim do requerimento, assim se deve considerar o acto recorrido se consubstancia no acto de notificação, incorporado no ofício n.º 448/GAD/2013, de 07/11/2013.
Ora bem.
Relativamente à arguição da omissão de audiência prévia, nomeadamente, a não ponderação e pronúncia sobre os novos factos e fundamentos expostos em resposta ao ofício n.º 444/GAD/2013 que lhe foi enviado para se pronunciar sobre o sentido provável do indeferimento do pedido, confessa a entidade recorrida porque este ofício foi expedido em 23/10/2013 com a presunção de sua recepção em 24/10/2013 ou 25/10/2015, tendo a defesa escrita apresentada fora do prazo concedido em 05/11/2013 (vide art.ºs 17.º a 22.º da contestação).
Segundo os elementos constantes do P.A., foi anexado à cópia do ofício n.º 444/GAD/2013 uma cópia diminuída do “Guia de Postagem e Recibo” com n.º 393/2013 datado de 23/10/2013, donde consta o dado da expedição do dito ofício à mãe da recorrente.
Para além deste documento, não se encontra qualquer elemento, no plano probatório, para apontar a recepção efectiva do aludido ofício.
Estipulam os art.ºs 72.º e 74.º do «Código do Procedimento Administrativo» (C.P.A.):
“Artigo 72.º
(Forma das notificações)
1. As notificações devem ser feitas pessoalmente ou por ofício, telegrama, telex, telefax, ou por telefone, consoante as possibilidades e as conveniências.
2. Se qualquer das referidas formas de notificação pessoal se revelar impossível ou ainda se os interessados a notificar forem desconhecidos ou em número tal que inviabilize essas formas de notificação, é feita notificação edital, afixando-se editais nos locais de estilo e publicando-se anúncios em dois dos jornais mais lidos do Território, um em língua portuguesa, outro em língua chinesa.
3. Sempre que a notificação seja feita por telefone, é a mesma confirmada por uma das outras formas previstas no n.º 1, no dia útil imediato, sem prejuízo de a notificação se considerar feita na data da primeira comunicação.
Artigo 74.º
(Contagem dos prazos)
À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) Não se inclui na contagem o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) O prazo é contínuo e começa a correr independentemente de quaisquer formalidades;
c) O termo do prazo que caia em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”
As citadas normas consagram designadamente as matérias da formalidade de notificação e da contagem do prazo, por isso, não se pode retirar do texto literal algum sentido de lhe aplicar a presunção de realização da notificação, designadamente, para efeitos do cálculo de início do prazo.
No que toca ao prazo de audiência escrita previsto no art.º 94.º, n.º 1, do C.P.A., sendo um prazo não inferior a dez dias, também não está previsto alguma presunção legal destinada para dar iniciar a respectiva contagem.
Deste modo, a data presumida de recepção do ofício para a recorrente apresentar a defesa sufragada pela E.R. na contestação, baseado simplesmente em “Carta de Qualidade de Correspondências Postais” assumida pelos Serviços de Correios, pela qual os objectos postais locais recebidos pelas estações de Correios de Macau antes da última hora da aceitação (16H00) serão distribuídos aos seus destinatários no segundo dia útil de trabalho, foi feita aparentemente sem suporte legal nem consta dos autos qualquer comprovativo justificativo ao esgotamento do prazo na data de recepção da defesa escrita.
De facto, tal como bem observado pela Digna Magistrada junto deste Tribunal, o termo do prazo não pode encaixar quer em dia 03/11/2013 ou em dia 04/11/2013 por o dia 3 foi domingo e em dia seguida houve tolerância de ponto.
Daí é de concluir indubitavelmente a negação do direito de audiência e a consequente violação do princípio da participação, ao abrigo dos art.ºs 93 e 10.º do C.P.A..
A audiência prévia a que se alude o art.º 93.º do C.P.A. assume um papel pertinente num procedimento para o exercício do direito de audiência, e tal como se pronunciou no acórdão do Tribunal da Segunda Instância do processo n.º 339/2012, de 27/02/2014, “…A audiência prévia constitui uma importante fase procedimental, por representar o momento em que a Administração realiza já uma ideia, tem já concebido o sentido provável de como vai ser a decisão a tomar, veiculando-a ao interessado para que ele mesmo possa manifestar-se sobre ela, aceitando-a ou, tendo-a por ilegal ou injusta, apresentando subsídios em ordem a fazer a Administração alterar o rumo da projectada solução administrativa sobre o caso concreto. Esta formalidade visa, pois, dotar a Administração do maior conjunto de elementos necessários à decisão, para que ela não venha a sofrer de algum vício que, nesse momento, a Administração não esteja, porventura, a vislumbrar. Portanto, tem esse duplo fim: assegurar o direito de contradição e defesa do interessado e procurar induzir a entidade administrativa a uma decisão acertada sob todos os pontos de vista…”
Quanto ao efeito jurídico da violação desta formalidade, pronunciou-se no mesmo Acórdão: “…Por isso, ela é geralmente considerada formalidade essencial, cuja omissão pode levar à anulação do acto, salvo nos casos (de criação legal) de inexistência (art. 96º, do CPA) ou de dispensa (art. 97º do CPA) ou, ainda, nas situações (de criação doutrinal/jurisprudencial) de actividade vinculada em que a posteriori se venha a concluir que a falta da diligência em nada interferiu, nem podia interferir, com a validade do acto em virtude de o respectivo conteúdo decisório, em caso nenhum, não poder ser outro.
Todavia, o Código de Procedimento Administrativo, no seu art. 93º, faz depender a necessidade de audiência da existência prévia de uma acção procedimental instrutória (“…concluída a instrução…”). Quer isto dizer que a realização da audiência só se imporá se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver tido um desenvolvimento tramitacional com vista à recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução. Na verdade, o conceito de “instrução” integra toda a actividade administrativa destinada a captar os factos e dados relevantes para a decisão final, nela se incluindo informações, pareceres e realizações de diligências, necessários à prolação de tal decisão1. Daí que não seja sequer necessário proceder à formalidade em causa se, após o requerimento do interessado a Administração, o decide sem efectuar tais diligências instrutórias, por desnecessárias e não obrigatórias2.
É bom que se diga, por outro lado, que além dos casos de inexistência e de dispensa já referidos, nem sempre a omissão da formalidade conduz à invalidade do acto. Referimo-nos agora às situações (de criação doutrinal/jurisprudencial) de actividade vinculada em que a posteriori se venha a concluir que a falta da diligência em nada interferiu, nem podia interferir, com a validade do acto em virtude de o respectivo conteúdo decisório, em caso nenhum, não poder ser outro. Isto é, sem dúvida que a formalidade se mostra imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido do conteúdo final do acto. Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei3, caso em que se acciona o princípio do aproveitamento do acto administrativo. É este, precisamente, o caso dos autos, em que a Administração agiu vinculadamente e com respeito pelos ditames da lei, como mais adiante se verá, e tanto bastaria para a improcedência do vício…”
Segundo a explicação dada no citado acórdão, parece-se que seria precoce para determinar se esta formalidade fosse essencial para efeitos de consequente anulação do acto pela verificada violação do direito de audiência, antes de proceder a análise profunda do mérito da causa.
No caso em apreço, se trate precisamente de um pedido para o reconhecimento do estatuto de residente permanente e subsequente emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência, regulado pela Lei n.º 8/1999 «Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau». Reza no art.º 1.º o seguinte:
“Artigo 1.º
Residentes permanentes
1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).
2. O nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau.”
De outro lado, o regime da Emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência é estipulado pelo Regulamento Administrativo n.º 7/1999 «Regulamento para a Emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência», onde constam os artigos seguintes:
“Artigo 1.º
Titulares
1. Os indivíduos que declarem ter o direito de residência na Região Administrativa Especial de Macau, doravante designada por RAEM, nos termos das alíneas 2), 3), 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da Região Administrativa Especial de Macau e não sendo titulares do Bilhete de Identidade de Residente de Macau válido ou do documento de identificação da RAEM válido, devem requerer o certificado de confirmação do direito de residência na Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM, doravante designada por DSI, com excepção dos indivíduos referidos no n.º 2 do presente artigo.
2. Salvo disposição em contrário, os demais indivíduos que preencham os requisitos previstos nas alíneas 2), 3) ou 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da Região Administrativa Especial de Macau e residam noutras regiões da República Popular da China, excepto na RAEHK e em Taiwan, devem, quando pretendam residir na RAEM, ter um documento válido para efeitos de residência emitido pelas autoridades competentes do Governo Popular Central, não lhes sendo exigido o certificado de confirmação do direito de residência.
3. Não é exigido a obtenção do certificado de confirmação do direito de residência aos indivíduos referidos nas alíneas 3) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da Região Administrativa Especial de Macau, se no dia da apresentação do pedido forem menores e à data do seu nascimento a mãe já residia legalmente em Macau ou tenha adquirido o direito de residência em Macau.
Artigo 4.º
Elementos de prova
1. Os indivíduos referidos no n.º 1 do artigo 1.º devem formular, por escrito, o pedido para a emissão do certificado de confirmação do direito de residência, indicando nele expressamente o nome completo, sexo, data e local de nascimento, local de residência e endereço do requerente.
2. Os indivíduos que declarem ter o direito de residência nos termos das alíneas 3) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da Região Administrativa Especial de Macau, ao requerer o certificado de confirmação do direito de residência, devem entregar os seguintes elementos:
1) Documento comprovativo da nacionalidade chinesa do requerente;
2) Documento comprovativo de que o pai ou a mãe já residia legalmente ou tenha adquirido o direito de residência em Macau por ocasião do nascimento do requerente;
3) Nome completo, data e local de nascimento, data e local de casamento, tipo e número do documento de identificação dos pais do requerente.”
Conforme as disposições citadas, não deixa dúvida que a emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência se depende de aferição das condições legalmente definidas, com apresentação de comprovativos pelos interessados para a avaliação do órgão competente.
Da decisão recorrida acima transcrita se pode retirar principalmente os fundamentos seguintes:
- que a mãe vivia em permanência em Portugal e tinha uma profissão estável, fixado assim a residência em Portugal à data de nascimento da recorrente; e
- a recorrente menor tem adquirido a nacionalidade portuguesa por nascimento, concluindo pela falta de nacionalidade chinesa e insatisfação dos requisitos da recorrente em face aos dispostos dos art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade da República Popular da China», e art.º 1, n.º 1, alínea 6) da Lei n.º 8/1999.
Pela declaração apresentada junto da DSI a requerimento, a mãe da recorrente indicou que ela residia em Coimbra de Portugal na altura do nascimento da menor, exercendo funções de juiz de direito no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra. Declarou-se ainda que a menor é de ascendência chinesa e portuguesa.
Para acompanhar o respectivo pedido, foi elaborado uma mapa no sentido muito provável3 de verificar a ascendência da recorrente, e subsequentemente ao referido estudo, foi decidido notificar a mãe para apresentar documentos comprovativos de que ela não tinha fixado residência em Portugal à data do nascimento da menor. Neste sentido, pelos documentos entregues não é posto em causa a ascendência da recorrente, sobretudo, que se destinam provar a bisavó materna ser descendente de pai chinês (vide fls. 19 a 22 do P.A.)
De acordo com o n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999, não é inequívoco que a norma visa individualizar-se os residentes permanentes em quatro grupos, entre os quais, os chineses, indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa4, os portugueses e as outras pessoas. Do texto literal das alíneas 3) e 6) do n.º 1 do mesmo artigo, ao contrário de que se observa para os portugueses e outras pessoas referidas nas alíneas 7) e 10), a naturalidade é mais abrangente de modo a conceder aos filhos de residentes permanentes chineses e de ascendência chinesa e portuguesa, nascidos fora de Macau, o estatuto de residente permanente.
Com efeito, para os indivíduos nascidos fora de Macau, são considerados residentes permanentes da RAEM quando:
- sejam filhos de cidadãos chineses e tenham nacionalidade chinesa cujo pai ou mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2) do citado art.º 1.º da Lei n.º 8/1999; e
- sejam de ascendência chinesa e portuguesa, de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, e tenham aqui o seu domicílio permanente, cujos pais ou qualquer deles, à data do seu nascimento, sejam residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5) do citado art.º 1.º da Lei n.º 8/1999.
É de anotar a diferença entre os requisitos do estatuto de residente permanente dos grupos dos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, designadamente, os filhos de residentes permanentes de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora de Macau necessitam ser de nacionalidade chinesa ou ainda não tenham feito opção de nacionalidade. Desde já, tem adoptado o critério de nacionalidade em aferição do estatuto de residente permanente, ao lado de ascendência sanguínea, tal como se observa na alínea 3) do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999.
Para esclarecer essa diferença, aqui se cita as notas das discussões da Extracção Parcial do Plenário de Assembleia Legislativa, de 13/12/1999,
“身份證明局局長D:…我們留意到《基本法》第四十二條說“保障葡萄牙後裔在澳門的利益”,大意是這樣。我們寫的時候,另外做這三款出來是,我們希望可以給予多一些利益,如果你看得到,他的利益應該和葡國來的葡萄牙人,利益是多一些,我是這樣思考。我們怎樣去套用,如果我們說我們不加入這個,我們在實際執行的時候,我們是套哪一個上去呢?是中國籍呢?這是不行的。這樣是不是有一個…都不能夠,因為《國籍法》沒有說,之前的國籍是甚麼?選擇之前的國籍是甚麼?當我們任何一種推斷,用行政當局來推斷,如果不是他本人的意願,是不合理的,所以我們很難套入去,究竟是中國籍;抑或我們是用套入去呢?就是基本法所講的葡萄牙人,這個事實上有個困難存在,但是我覺得解決這個困難或者可以用一個方法;一個平穩的方法,一個如果大家能夠接受的方法,即是說我們都是運用《國籍法》所用的字眼,《國籍法》所說的“具有中國血統又具有葡萄牙血統”,我在行文的時候都是用這個字眼,避免一些不必要的誤會。其實這個背景大致上我想就是這樣。至於,我們當然要考慮到剛才有議員提及,就是說那個範圍有多大呢?例如我們看一看第四條,我們基本上的行文接近中國公民,但是我們不可以不寫“以澳門為永久居住地”,我們的想法是,葡萄牙人那邊也有規定永久居住地。至於第六條所說“澳門以外出生的,並以澳門為永久居住地的中國籍子女”,用中國籍的想法是因為上面對中國公民在海外所生的,都要是中國籍子女才可以符合這個條件,…
E:主席,“在澳門以外所生的,並以澳門為居住地的中國籍子女”那裏修改為“中國籍”三個字刪除,“未選擇國籍的”,因為子女維持與爸爸、媽媽的國籍狀況,修改為“在澳門以外所生的,並以澳門為居住地的未選擇國籍的子女”……
主席:未選擇國籍之前或之後?
E:未選擇國籍,那些子女未選擇國籍,即國籍可以說是未選定。但是這個很清楚應該祇是中葡雙方。
主席:未選擇國籍的子女?
E:是,這一點已經得到執行權方面交換了意見。多謝。
主席:E議員,你是不是作一個正式的動議?
E:是的。或者大家可以交換一下意見,如果有需要的話。將“中國籍子女”改為“未選擇國籍子女”。多謝。
主席:大家明白嗎?對於這個動議。如果明白,我想,經過了休息,大家應該對第一條是清楚,我要表決了。因為兩個小時的討論,應該都…大家都很清楚。你有意見?
F:I剛才提出的兩個動議是不是要收回?
主席:不是,他沒有收回之前我也要表決。即現在是三個建議;第一個建議是第一條第一款的第四項,有兩個動議,現在E議員作多一個對第六項的動議。一共三個動議。G議員,請發言。
G:我們跟E議員的提議,是不是改一個字會不會好一點?
E:是。
G:“未選擇中國籍之”不是未選擇國籍。我覺得會比較好,因為現在是選不選擇中國籍,其他的國籍已經定了。
主席:H議員,請發言。
H:是,對不起。我覺得當然這是一個善意的修改,希望在這方面寬鬆解決某些問題。不過,我就提意關注一點情況,就是第六項的規定,原文的規定是“有中國血統,又具有葡國血統的居民所生的子女問題”,規定的範疇是這個問題,如果這些子女,如果他一旦選中國籍,按照原文的寫法,如果他選中國籍,就會按照第六項處理,我們現在有一個建議,想修改成當他未選,即沒有選國籍的時候處理,但是可能也要包括中國籍,因為他可以選,他也可以不選;但他也可以選。一旦選了中國籍,當然你可以話他選了中國籍,就按照中國公民,但情況不同,因為如果按照中國公民來處理,可能大家會覺得是在第三項處理,但第三項不是處理這個問題,第三項是處理中國公民所生子女的情況,就沒有處理有中國血統;又有葡萄牙血統的人所生子女的情況,不是在第三項處理。第三項沒有處理這些中國籍的子女的話,第六項又不理會中國籍子女,祇是處理未選擇國籍的子女,依然有個遺漏,就是說那些如果選了中國籍的時候,究竟在哪一項處理呢?我都會有些疑問。可能如果真的這個疑問成立的話,那麼最低限度我想…包括未選擇國籍和包括選擇中國籍都要在這裏界定。多謝。
主席:E議員,請發言。
E:多謝H議員的分析。我也非常之同意。如果是這樣,我覺得可以增加為“中國籍或未選擇國籍子女”,希望能夠兩者都包括在內。因為如果是選擇了,是無法處理的,H議員說的很有道理,所以如果保留“中國籍”那個當然是有它的價值。我聽取了意見之後,我再進一步完善我的修改動議,我正式提出。多謝。…”5
Das discussões transcritas não é difícil de concluir o critério de “nacionalidade” aludido nas alíneas 3) e 6) do citado art.º 1.º da Lei n.º 8/1999 aponta precisamente aos “filhos nascidos fora” e não aos “progenitores” deles. E o requisito de “nacionalidade chinesa” é solicitado para os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa nascidos no estrangeiro na ideia que o mesmo requisito é definido já para os filhos de cidadãos chineses, na proposta de lei n.º 6/I/1999-66, embora a versão final que veio a ser aprovada tem incluído uma outra expressão de nacionalidade para os filhos de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora, abrangente de “que ainda não tenha feito opção de nacionalidade” subsequente as discussões referidas.
Conforme o Anexo III da «Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China» («Lei Básica»), é aplicada na RAEM a partir de 20/12/1999 «Lei da Nacionalidade da República Popular da China» («Lei da Nacionalidade», adoptada em 10 de Setembro de 1980 pela Terceira Sessão da Quinta Legislatura da Assembleia Popular Nacional, promulgada em 10 de Setembro de 1980 pelo Decreto do Presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional n.º 8 e para vigorar a partir da data da sua promulgação).
Diz no art.º 5.º o seguinte:
“Artigo 5.º Um indivíduo nascido no estrangeiro cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses tem nacionalidade chinesa; mas um indivíduo cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses que tenham fixado residência no estrangeiro e que tenha adquirido a nacionalidade estrangeira no momento do nascimento não tem nacionalidade chinesa.”
Foram publicados no mesmo dia os «Esclarecimentos do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional sobre Algumas Questões relativas à Aplicação da Lei da Nacionalidade da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau» («Esclarecimentos», adoptados em 29 de Dezembro de 1998 pela Sexta Sessão do Comité Permanente da Nona Legislatura da Assembleia Popular Nacional), onde consta o seguinte:
“De acordo com o artigo 18.º e o Anexo III da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, a Lei da Nacionalidade da República Popular da China aplica-se na Região Administrativa Especial de Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999. Considerando o pano de fundo histórico e a realidade de Macau, faz-se os seguintes esclarecimentos sobre a aplicação da Lei da Nacionalidade da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau:
1. São cidadãos chineses os residentes de Macau de ascendência chinesa nascidos no território da China (incluindo Macau) e outros indivíduos que preencham os requisitos de aquisição da nacionalidade chinesa previstos na Lei da Nacionalidade da República Popular da China, independentemente de detenção de documentos de viagem ou de identificação portugueses.”
Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau de ascendências chinesa e portuguesa podem optar, voluntariamente, pela nacionalidade da República Popular da China ou pela nacionalidade da República Portuguesa. Quem optar por uma destas nacionalidades, não pode manter a outra. Os referidos residentes da Região Administrativa Especial de Macau, antes de optar por uma destas nacionalidades, gozam dos direitos previstos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, excepto quando se trate de direitos condicionados a posse de determinada nacionalidade.
… … …”
Nestes termos, embora não está previsto restringimento temporal ao seu exercício, facultam somente aos “residentes da RAEM” de ascendência chinesa e portuguesa direito de opção pela nacionalidade chinesa ou portuguesa, e antes de fazer a referida opção, esses indivíduos gozam dos direitos previstos na «Lei Básica» salvo daqueles que se tratam condicionados à posse de determinada nacionalidade.
Pela interpretação sistemática com os «Esclarecimentos», não se pode deixar dúvida que, para os efeitos do estatuto de residente permanente da RAEM previsto na alínea 6) do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999, não é a intenção do legislador para afastar dos filhos de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora, depois do estabelecimento da RAEM, do requisito de nacionalidade chinesa, com a expressão de “que ainda não tenha feito opção de nacionalidade”. Caso fosse assim, não faria sentido da previsão da norma transitória no n.ºs 2 e 3 do art.º 9.º da mesma, onde estipulam que:
“2. São considerados residentes permanentes da RAEM, os cidadãos chineses titulares do BIR emitido antes de 20 de Dezembro de 1999 que preencham um dos seguintes requisitos:
1) Constar do BIR que o local de nascimento é Macau;
2) Ter decorrido sete anos desde a data da primeira emissão do BIR;
3) Ser titular do Título de Residência Permanente emitido pelo Serviço de Migração do Corpo da Polícia de Segurança Pública de Macau.
3. Presumem-se residentes permanentes da RAEM os indivíduos referidos nas alíneas 4), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1.º, titulares de BIR emitido antes de 20 de Dezembro de 1999 e que preencham um dos requisitos constantes do número anterior.”7
Desde já, o estatuto de residente permanente dos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa não é prejudicado pela nacionalidade, ainda que não tenham realizado a opção pela nacionalidade, uma vez que tenha reunido qualquer pressuposto referido no n.º 2 e sejam titulares de BIR emitido antes de 20 de Dezembro de 1999. Contudo, em coerência com a vigência da «Lei de Nacionalidade», os filhos de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora e depois do estabelecimento da RAEM, para além de satisfazerem todos outros requisitos previstos na alínea 6) do n.º 1 do art.º 1 da Lei n.º 8/1999, são de nacionalidade chinesa, para efeitos do estatuto de residente permanente, sem resultar colisão aparente com os «Esclarecimentos» pela concessão aos residentes da RAEM de ascendência chinesa e portuguesa do direito de escolha pela nacionalidade da República Popular da China ou pela nacionalidade da República Portuguesa.
Efectivamente, de acordo com o art.º 3.º da Lei n.º 8/2002 «Regime do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau», “Os residentes da RAEM têm direito à emissão do BIR.” O BIR é o documento de identificação civil bastante para provar a identidade do seu titular e a residência do mesmo na Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, e é de dois tipos para residentes permanentes e não permanente (vide art.º 2.º da mesma).
O seu art.º 4.º reza que, “São residentes da RAEM os menores, naturais de Macau, se ao tempo do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente em Macau.”
De outro lado, diz no n.º 1 do art.º 21.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 «Regulamento sobre a entrada, permanência e autorização de residência» que: “Aos filhos, menores, dos residentes permanentes e dos titulares dos documentos referidos no n.º 3 do artigo 10.º da lei de princípios, nascidos fora da RAEM e aos quais seja concedida a autorização de residência nos termos do artigo 14.º, é aplicável, com as necessárias adaptações, o procedimento previsto no n.º 6 do artigo 19.º ”
Para já, é necessário para os filhos menores dos residentes permanentes nascidos fora requerer a autorização de residência.
Pelos motivos expostos justifica a necessidade do requerente do Certificado de Confirmação do Direito de Residência da apresentação do documento comprovativo de nacionalidade chinesa nos termos da alínea 1), n.º 2 do art.º 4 do R.A. n.º 7/1999.
Em linha deste raciocínio, é de cair plenamente o entendimento da recorrente que a alínea 6) do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999 se respeita à nacionalidade dos progenitores dos filhos de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora.
No caso em apreço, a mãe da recorrente é titular do BIRP tendo a emissão inicial verificada em 30/06/1983, com a última renovação verificada em 29/12/2008, prevalece já do estatuto presumido de residente permanente nos termos dos n.º 2, alínea 2) e n.º 3 do art.º 9.º da Lei n.º 8/1999 e goza do direito de opção pela nacionalidade chinesa ou portuguesa, sem lhe sujeitar a apresentar declaração de ter o domicílio permanente em Macau, referida no n.º 1 do art.º 8.º da mesma Lei em sede de requerimento do estatuto de residente permanente. Daí é incompreensível para a E.R. exigir a mãe para apresentar “prova” de não ter fixado residência em Portugal na altura do nascimento da recorrente, em particular, para efeitos de elucidar a dúvida sobre a declarada residência permanente, segundo o n.º 3 do citado art.º 8.º.
Também é de anotar que não é prevista na Lei n.º 9/1999 sobre a extinção do estatuto de residente permanente, ao lado de extinção do direito de residência conforme o art.º 2.º da mesma. Tal como em observada pela Digna Magistrada junto deste Tribunal no douto parecer e aqui cita: “…Há que ter em conta que o estatuto de residente permanente está muito para além da questão da residência ou do domicílio, situando-se no domínio do direito de cidadania, particularmente numa Região Administrativa Especial, sujeito de direito público infra-estadual, com elevada autonomia, na qual o estatuto de “residente”, em particular o de residente permanente é como que um sucedâneo do estatuto de “nacional”, não obstante a importância da nacionalidade, em particular da nacionalidade chinesa, designadamente para o exercício de determinados cargos. Daí a razão para que o estatuto de residente permanente, objecto de tratamento específico na Lei Básica, no capítulo respeitante aos direitos e deveres fundamentais dos residentes, não possa ser cerceado por mero acto administrativo despojado de concreta fundamentação legal.…” (vide. fls 21 a 22 do douto parecer).
De facto, a mãe da recorrente já expôs, na defesa escrita “oportunamente” apresentada, a titularidade do estatuto de residente permanente, por força da alínea 4) do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999, apresentando mais documentos para comprovar o domicílio permanente ser sempre de Macau com emprego actual e estável.
Por isso, embora que a recorrente foi nascida em Portugal e adquiriu a nacionalidade por nascimento, não se pode apoiar ao art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade» para concluir a sua falta de nacionalidade chinesa (não consta qualquer indício foi por opção dela), ignorando o pressuposto da aplicação ser dependente da nacionalidade dos progenitores. Isto é, não existe prova da escolha da nacionalidade (chinesa) da mãe da recorrente, feita ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 4, e 7.º da Lei n.º 7/1999 «Regulamento sobre os Requerimentos Relativos à Nacionalidade dos Residentes da Região Administrativa Especial de Macau», nem à análise respeite à nacionalidade dos pais, não é verificado o pressuposto para aplicar o art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade» como se referiu a E.R. na decisão recorrida.
Para além disto, o facto que a mãe vivia em permanência em Portugal e ali tinha uma profissão estável é desprovido de valor significativo em aferição do seu estatuto de residente permanente, por força dos art.ºs 7.º, n.º 3, 8.º, n.ºs 1 e 3, e 9.º, n.º 2, alínea 2) e n.º 3 da Lei n.º 8/1999.
Segundos os expostos, não é duvidoso que a decisão recorrida é enfermada do vício do erro nos pressupostos de direito, pela errada aplicação do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade».
Da análise atrás feita se pode resultar nem todos os factos trazidos nos autos (incluindo que a mãe está agora empregada numa instituição sediada em Macau) nem o comando legal em avaliar o seu estatuto de residente permanente, ainda que mostra ser pertinente para o fundo de decisão, é objecto de apreciação ponderada na decisão recorrida o que demonstra os fundamentos quer jurídico quer factual não bastam justificar a decisão de recusa, nos termos da alínea 6) do n.º 1 do art.º 1 da Lei n.º 8/1999.
Neste sentido, deve considerar a verificação da falta de fundamentação, nos termos do art.º 115.º, n.º 2 do C.P.A..
De outro lado, independentemente da configuração da actividade vinculada ou discricionária da administração para a emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência, não é de considerar a verificada omissão de audiência uma mera formalidade desprovido do valor e irrelevante para a decisão final, invalidando assim a decisão recorrida por outro vício de ilegalidade, pela violação do direito de audiência e do princípio de participação regulado nos art.ºs 93.º e 10.º do C.P.A.. Também é de
Desde modo, é de anular a decisão recorrida nos termos do n.º 1 do art.º 21.º do «Código de Processo Administrativo Contencioso» (C.P.A.C.).
*
Afinal, a recorrente vem pedir a condenação da E.R. na prática de outro acto administrativo determinando o deferimento do respectivo requerimento em substituição do acto anulando. A cumulação dos pedidos em sede de recurso contencioso é regulada pelo art.º 24.º do C.P.A.C., onde se prevê:
“Artigo 24.º
(Cumulação de pedidos)
1. Qualquer que seja o tribunal competente, pode cumular-se no recurso contencioso:
a) O pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido quando, em vez do acto anulado ou declarado nulo ou juridicamente inexistente, devesse ter sido praticado um outro acto administrativo de conteúdo vinculado;
b) O pedido de indemnização de perdas e danos que, pela sua natureza, devam subsistir mesmo em caso de reposição da situação actual hipotética obtida através do provimento do recurso.
2. Nas hipóteses previstas no número anterior, aplicam-se à dedução dos pedidos de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido e de indemnização de perdas e danos, bem como à sua discussão e decisão, as normas que regulam as correspondentes acções quando se não revelem incompatíveis com as aplicáveis à tramitação do recurso contencioso.”
Por seu turno, a dedução dos pedidos de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido é admissível quando:
a) tenha havido lugar a um indeferimento tácito;
b) tenha sido praticado um acto administrativo de recusa da prática de acto de conteúdo vinculado;
c) tenha sido praticado um acto administrativo de recusa de apreciação de pretensão cuja decisão envolvesse o exercicio de discricionariedade ou o preenchimento valorativo de conceitos jurídicos indeterminados,
nos termos do n.º 1 do art.º 103.º do C.P.A.C..
De acordo com o estipulado na alínea 6) do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999, os filhos de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora de Macau têm de satisfazer os pressupostos seguintes:
i) tenham o seu domicílio permanente aqui;
ii) sejam de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade; e
iii) os progenitores ou algum deles, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios referidas nas alíneas 4) ou 5).
Como se refere atrás, a decisão favorável ou emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência depende de aferição dessas condições legalmente definidas, com avaliação de comprovativos apresentados, nos termos dos art.ºs 1.º e 4.º do R.A. n.º 7/1999, para a decisão de fundo. Pelo que, não parece ser manifesta englobado na actividade vinculada do órgão decisor para a apreciação do requerimento da recorrente8, ainda que a decisão recorrida tem conteúdo negativo de recusa da pretensão.
Acresce que, segundo a análise acima feita, não é verificada a apreciação ponderadamente feita pela E.R. sobre todas estas condições, sobretudo, a defesa escrita da recorrente não foi atendida atempadamente para efeitos de fazer uma mais profunda discussão nas vistas factual e jurídica do caso. Desde já, não se pode o Tribunal fazer a referida apreciação e até chegar a decisão, em substituição do órgão competente.
Nesta conformidade, é de indeferir o presente pedido.
***
III. Decisão
Por tudo o que fica expendido e justificado, o Tribunal julga-se procedente o presente recurso contencioso anulando o acto recorrido, nos termos dos art.º 21.º, n.º 1 do C.P.A.C. e 124.º do C.P.A..
Sem custas por a entidade recorrida ficar subjectivamente isenta.
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Neste recurso a Recorrente imputa à decisão negatória da Entidade Recorrida os seguintes vícios:
- Vício da violação do direito de audiência;
- Vício da falta de fundamentação;
- Vício de erro nos pressupostos de facto e de direito.
Como este caso é um caso muito particular, em que é um pouco difícil separar-se os vícios alegados em termos de argumentação metódica, vamos apreciar todos eles em conjunto e diremos a nossa posição em sede própria.
*
A Entidade Recorrida entende que a Recorrente (interessada, adoptamos a qualidade que ela assume na tramitação de 1ª instância), ora representada pelos pais, não reúne os pressupostos legalmente exigidos para lhe ser reconhecido o estatuto de residência permanente, mas a Recorrente entende que sim, e o Exmo. Juiz do TA também tem a mesma posição.
Em suma, a Recorrente/ interessada afirma o seu direito com base na alínea 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na RAEM), de 20 de Dezembro, que tem o seguinte teor;
Residentes permanentes
1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).
2. O nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau.
A Recorrente/interessada defende ainda a ideia de que aqui não se convoca por desnecessária o artigo 5º da Lei da Nacionalidade Chinesa, porque efectivamente ela não exerceu a opção de nacionalidade chinesa, nem a sua progenitora, face à lei chinesa!
O Exmo. Juiz do TA fez a mesma leitura, julgando procedente o recurso e anulando a decisão negatória dos SIM.
Enquanto a Entidade Recorrida tem uma perspectiva diferente, advogando que há lugar à aplicação ao caso da Recorrente/interessada do artigo 5º da Lei da Nacionalidade Chinesa, não bastando chamar a Lei nº 7/1999 (Regulamento sobre os Requerimentos Relativos à Nacionalidade dos Residentes da RAEM), de 20 de Dezembro, sob pena de se defraudar o conteúdo da lei da nacionalidade chinesa.
Mas não chegou a indicar concretamente qual artigo da Lei nº 7/1999 acima referida que se aplica ao caso em apreciação.
Sendo certo que, na conclusão deste recurso, a Entidade Recorrida fez menção do nº 1 do artigo 1º do Regulamento Administrativo nº 7/1999 (Regulamento para a Emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residente), de 20 de Dezembro, mas fê-lo como hipótese, para demonstrar que, caso não preenchidos os requisitos previstos neste número, não pode optar pela nacionalidade chinesa.
É de lembrar os fundamentos expressamente invocados pela Entidade Recorrida para indeferir o pedido da Recorrente, que constam do Facto Assente sob n nº 9:
9.º - Por despacho proferido em 07/11/2013, a entidade recorrida decidiu indeferir o requerimento da recorrente em virtude de não ser residente permanente nos termos do art.º 1, n.º1, alínea 6), da Lei n.º 8/1999, tendo a mãe fixado a residência permanente em Portugal à data do nascimento da recorrente e a adquisição da recorrente de nacionalidade portuguesa por nascimento (vide fls. 3 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
É um pouco ambígua esta resposta, em certos aspectos, que veremos mais adiante.
E o ofício notificado (datado de 21/10/2013 – fls. 28 do PA) à Recorrente tem o seguinte teor:
Em referência ao requerimento do Certificado de Confirmação do Direito de Residência, a favor da menor A, vem pelo informar do seguinte:
A Lei da Nacionalidade da República Popular da China, no seu artigo 5.º, define que "Um indivíduo nascido no estrangeiro cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses tem nacionalidade chinesa; mas um indivíduo cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses que tenham fixado residência no estrangeiro e que tenham adquirido a nacionalidade estrangeira no momento do nascimento não tem nacionalidade chinesa."
Conforme os elementos apresentados a esta Direcção de Serviços, Ex.ª foi para Portugal em 2003 para estudar em Portugal, onde estudou e trabalhou e nasceu a sua filha A, em 14.09.2010, e a menor tem adquirido a nacionalidade portuguesa por nascimento. O facto de que à data de nascimento da sua filha, V. Ex.ª vivia em permanência em Portugal e ali tinha uma profissão estável faz presumir que V. Ex.ª já tinha fixado residência em Portugal, à data de nascimento da menor.
Face ao exposto, a menor não tem nacionalidade chinesa por não reunir o previsto no artigo 5.º Lei da Nacionalidade da República Popular da China, e não tem o estatuto de residente permanente de Macau por não satisfazer as condições definidas na alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da RAEM. Nestes termos, a DSI decide não lhe emitir o Certificado de Confirmação do Direito de Residência solicitado.
Informa-se ainda que segundo a alínea 23) do n.º 1 e o n.º 3 do Despacho da DSI n.º 7/DSI/2010, alterado pelo Despacho da DSI n.º 1/DSI/2011, em inconformidade com a decisão da DSI sobredita, pode ser apresentada a esta Direcção de Serviços a reclamação, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 145.° e do previsto no artigo 149.° do Código do Procedimento Administrativo, ou recorrer para o Tribunal Administrativo, interpondo recurso contencioso, nos termos dos artigos 25.° e 26.° do Código do Procedimento Administrativo Contencioso, no prazo de 15 dias e 30 dias respectivamente, contados a partir da recepção do presente ofício.
Ora, em relação às pessoas nascidas fora de Macau, o artigo 1º/1-6) fixa como requisitos cumulativos da aquisição do estatuto de residente permanente:
1º requisito: Que seja o filho de residente permanente de ascendência chinesa e portuguesa;
2º requisito: Que tenha a nacionalidade chinesa (ou que ainda não tenha feito a opção de nacionalidade);
3º requisito: Que tenha nascido fora de Macau;
4º requisito: Que tenha o seu domicílio permanente em Macau;
5º requisito: Que o seu progenitor tenha também domicílio permanente em Macau à data do nascimento.
Do acima referido sobressai um ponto que chama a nossa atenção: que é o conceito de domicílio permanente! O que ele é?
Conceitos próximos temos vários, a saber:
Residência habitual - é onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas (Mota Pinto. Teor. Ger. Dir. Civ., 3.ª ed.-258).
Residência permanente – é o local de residência habitual, estável e duradouro de qualquer pessoa, ou seja a casa em que a mesma vive com estabilidade e em que tem instalada e organizada a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da respectiva organização doméstica referida (Ac. R.L. de 17-1-78: Col. Jur., 3.º -42).
Domicílio - a ideia geral corresponde à do sítio onde a pessoa mora (Castro Mendes, Dir. Civil, Teoria Geral, 1978, I-415).
Domicílio - é o local da residência habitual de cada pessoa (Luís A. Carvalho Fernandes, Teor. Ger. Dir. Civ.. ed. 1983 1.º, Tomo 1-361). A doutrina tradicional distinguia no domicílio um elemento objectivo (“corpus”) – consistindo na fixação espacial da pessoa – e um elemento subjectivo (“animus”) referente à intenção de a pessoa se fixar em certo local, para efeito de aí se ter como domiciliada. A lei portuguesa, no plano do domicílio geral, dá relevância ao aspecto objectivo, o que não significa que a vontade não possa ter relevância (ob. cit., 363, nota 277).
Domicílio electivo – é um domicílio particular, estipulado, por escrito, para determinados negócios (Mota Pinto, Teor. Ger. Dir. Civ., 2.ª ed. -257; 3.ª ed.-259)
Domicílio legal ou necessário - é o que resulta da lei, em conjugação com outro facto, que não o da livre fixação da residência habitual (Castro Mendes. Dir. Civil, Teoria Geral, 1978, I-426),
Domicílio profissional - verifica-se para as pessoas que exercem uma profissão e é relevante para as relações que a esta se referem, localizando-se no lugar onde a profissão é exercida (Mota Pinto, Teor. Ger. Dir. Civ., 2.ª ed.-257; 3.ª ed.-259).
Domicílio voluntário - é o que resulta da vontade das partes, embora indirectamente -através da livre fixação da sua residência habitual (Castro Mendes, Dir. Civil, Teoria Geral, 1978, I-426).
Domicílio permanente é idêntico à residência habitual?
Talvez não, porque no artigo 8º da Lei nº8/1999, de 20 Dezembro, aparecem ao mesmo tempo o conceito de domicílio permanente e o de residência habitual, que estipula:
Reconhecimento do domicílio permanente
1. Ao requerer o estatuto de residente permanente, os indivíduos referidos nas alíneas 4) a 9) do n.º 1 do artigo 1.º devem assinar uma declaração em como têm o seu domicílio permanente em Macau.
2. Na declaração prevista no número anterior, feita pelos indivíduos referidos nas alíneas 7), 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º, devem constar, para referência da DSI na apreciação do requerimento, os seguintes elementos:
1) Ser Macau o local da sua residência habitual;
2) Ser Macau o local de residência habitual de familiares próximos, nomeadamente o cônjuge e os filhos menores;
3) A existência de meios de subsistência estáveis ou o exercício de profissão em Macau;
4) O pagamento de impostos nos termos da lei.
3. Se existirem dúvidas sobre as declarações prestadas, nos termos do n.º 1, pelos indivíduos referidos nas alíneas 4), 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º, a DSI pode solicitar comprovativos dos elementos referidos no número anterior.
Parece que ter residência habitual em Macau pode não ter domicílio permanente em Macau, porque aquela é um pressuposto de acesso a este último.
Estas considerações valem igualmente para o artigo 24º da Lei Básica da RAEM.
Pergunta-se, qual é o critério seguido pela Entidade Competente para densificar o conceito de domicílio permanente?
No caso, o SIM na sua resposta referiu:
37. 事實上,申請人母親一直未能提交其在申請人出生時其非在葡萄牙定居的任何證明,其提供的文件並非如被上訴裁判所指可證明其一直在澳門,除提交陳述外,其僅能提供文件證明於2013年起受聘於澳門機構。
38. 申請人母親在澳門出生,回歸前曾持澳門居民身份證,屬於回歸後從海外返回澳門的回流人士,其於2003年在葡萄牙修讀法官課程,被任命為實習法官及義務留在葡萄牙5年,多年來並未回澳換領澳門永久性居民身份證9,其於2007年在葡萄牙產子,其後於2008年回澳申請換領澳門永久性居民身份證,同年其於葡萄牙獲委任為法官,申請人於2010年在葡萄牙出生,於2012年與申請人父親在葡萄牙結婚,及後於2013年受聘於澳門機構。
39. 申請人母親除持有澳門居民身份證外,其於申請人出生時與澳門並沒有任何實際聯繫。
40. 須指出的是,申請人母親在葡萄牙享有居留權,其在葡萄牙亦可合法定居。從申請人母親的生活軌跡已足以顯示其是以葡萄牙為實際且固定的生活中心,故上訴人可合理確信申請人在葡萄牙出生時其母親是在當地定居,申請人母親於聲明中強調只是暫時不在澳並不可信。
Afigura-se-nos de que o conceito de domicílio permanente exige algo mais do que o de residência habitual, ele quer referir-se ao centro de vida de uma pessoa, a ligação tendencialmente estável de uma pessoa à RAEM, prova disto é ter a sua profissão aqui, ou ter a sua vida estável aqui, ter a sua família aqui, ou permanece mais tempo aqui e está integrado na comunidade local.
Ou seja, por domicílio permanente pode entender-se que é o local de residência habitual, tendencialmente estável e duradouro de uma pessoa, onde se encontra a sua casa em que a pessoa vive com estabilidade e tem instalado e organizado a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da vida pessoal e profissional de uma pessoa.
*
Vamos ver agora se a Recorrente preenche ou não todos os requisitos acima elencados.
1º requisito: Que seja o filho de residente permanente de ascendência chinesa e portuguesa:
Efectivamente a Recorrente é filha de uma residente permanente da RAEM, que é a sua progenitora, representante legal da ora Recorrente, mas isto não basta, é preciso ainda que essa progenitora tenha sangue chinês, ou seja, que seja descendência chinesa e portuguesa.
Fls. 15 do PA contém uma declaração, datada de 03/07/2013, assinada pela representante da Recorrente (menor), sua progenitora, afirmou que a Recorrente tem ascendência chinesa e portuguesa. Tal declaração foi aceite pelo então Director dos SIM, apondo-se nela a respectiva assinatura.
Fls. 22 do PA contém um documento em que se enumeram os nomes dos progenitores, dos avôs maternos e paternos, dos bisavós, também maternos e paternos da Recorrente, não se vê nenhum nome chinês, nem de apelido, nem de nome adoptado. O que pode levantar uma dúvida fundada quanto à alegada ascendência chinesa!
Mesmo que se entenda que tal dúvida não é razão bastante para indeferir a pretensão, existem outros motivos ponderosos para esta finalidade como iremos ver mais adiante.
Quanto ao sangue português não resta dúvida que a Recorrente tem.
Recordem-se as pertinentes observações do J:
“Na nossa modesta opinião, a expressão "os portugueses" deve, efectivamente, lida como estabelecendo uma remissão para o conceito jurídico de nacionalidade, o qual - doutrina nenhuma defenderá solução diversa, estamos em crer, -, há-de ser apurado, no caso, como dissemos, em face do ordenamento jurídico português. É que, como é sobejamente sabido, as regras do direito da nacionalidade cumprem uma função unilateral incontroversa - e tão-só essa mesma - a qual se traduzirá no estabelecimento do universo dos sujeitos nacionais do Estado em que essas mesmas regras de direito efectivamente operam porque ao mesma sejam constitucionalmente imputadas.
É que, como tivemos ensejo de dizer mais acima, a referência actuada ao conceito de nacional - quer ao de nacional da RPC quer ao da nacional da República Portuguesa - constitui uma referência pressuponente ou, em outros termos, é actuada enquanto questão prévia ("Vorfrage"). Ora, no âmbito deste tipo de referência, o que importa é a situação de facto, surta e desenvolvida na esquadria de uma certa ordenação de direito (a do ordenamento referido ou remetido) e não a situação de direito nos seus efeitos directos e próprios. O que importa, diremos, é a definição normativa de efeitos de direito que, sendo estabelecidos no âmbito do ordenamento remetente, têm como facto pressuposto da sua efectivação uma situação de facto definida juridicamente, nos seus efeitos directos e imediatos, no âmbito do ordenamento jurídico remetido. Mas, se assim é, como ensina o Saudoso Mestre do Direito Português, BAPTISTA MACHADO, nem pelo facto da referência o facto se "juridifica", perdendo esse rigoroso e singular estatuto de facto pressuposto e não de facto constitutivo de efeitos de direito compostos normativamente pelo sistema remetente.
ln casu, a nacionalidade portuguesa será entendida apenas, no âmbito do art. 24º nos 3 e 4, como facto pressuposto do efeito de que, logo que estejam, em relação a determinado indivíduo, cumpridos os restantes requisitos explicitados por essas mesmas disposições, o mesmo seja considerado residente permanente da RAE. Só que, queremos insistir, nem por isso se falaria de um reconhecimento, ex iure, da nacionalidade portuguesa do mesmo.” (Cfr. O Direito da Nacionalidade no Contexto da Lei Básica da RAEM, João J, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Nº 6, pág. 82).
*
2º requisito: Que tenha a nacionalidade chinesa (ou que ainda não tenha feito a opção da nacionalidade):
Efectivamente a Recorrente não tem a nacionalidade chinesa.
Quanto mais, ela pode invocar que, hoje, ainda não tenha feito a opção da nacionalidade (chinesa, digamos, como obviamente, porque o que releva é sempre a nacionalidade chinesa, estando em causa matéria situada no âmbito da soberania, a cada estado compete definir qual categoria de pessoas que são seus subordinados, e não definir pessoas para outro Estado ou ente público). Repita-se, as regras do direito da nacionalidade cumprem uma função unilateral incontroversa que se traduz no estabelecimento do universo dos sujeitos nacionais do Estado em que essas mesmas regras de direito efectivamente operam.
Como observa J:
Efectivamente, situações há em que o conceito de nacionalidade é chamado, v.g, apenas a integrar a definição do conceito de residente, sendo aquele, em sentido próprio, um elemento normativamente constitutivo deste último.
É, justamente, aquilo que acontece no âmbito do art. 24º, nos 1,2,3 e 4, quanto, como dissemos, à definição do universo de sujeitos que, normativamente, devam ser entendidos residentes permanentes da RAEM10 (Cfr. In ob citada, pág. 78).
Nestes termos, não vamos adivinhar se a Recorrente pode adquirir ou não a nacionalidade chinesa, mas uma coisa certa que é a de que ela nunca pode adquirir a nacionalidade chinesa por critério jus soli! O resto, depende da avaliação por parte da entidade competente perante os fundamentos e o pedido apresentados pela interessada.
*
3º requisito: Que tenha nascido fora de Macau:
Sem sombra de dúvida, a Recorrente preenche este requisite por ter nascido em Coimbra, Portugal, conforme o documento comprovativo junto ao PA (fls. 11).
*
4º requisito: Que tenha o seu domicílio permanente em Macau:
Um dos problemas delicados é justamente este: como vamos concretizar esta ideia de uma menor ter domicílio permanente em Macau? Único meio é ponderar as circunstâncias concretas dos progenitores à data do nascimento da menor e esta ficava à guarda de quem, dos progenitores ou de eventualmente outros familiares e em sítios diferentes.
No caso, tudo indica que a Recorrente tem vivido com os progenitores desde o seu nascimento, lá em Portugal, e, cá em Macau. Mas o que releva é no momento do seu nascimento para efeitos da pretensão formulada pela interessada.
Ora, conforme os dados constantes do PA:
- A Recorrente nasceu em 14/10/2010;
- A mãe da Recorrente contraiu casamento em 2012;
- Em 3/07/2013 a mãe da Recorrente declarou perante o SIM que residia temporariamente em Coimbra e aí exercia funções de juiz de direito no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (fls. 16);
- Desde 2003 a mãe da Recorrente estava em Portugal a frequentar o curso de Direito e depois ingressou no CEJ onde acabou o seu curso de formação de magistrados. Portanto, 5 anos de Curso de Direito, mais 3 anos no CEJ, sensível em 2011 a progenitora ingressou na magistratura portuguesa. Portanto, estava fora de Macau dez anos.
- Em 05/11/2013, a pedido do SIM, a mãe da Recorrente veio a prestar esclarecimentos complementares, em que se reitera a sua posição (fls. 31 e 32):
B, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente nº XXXXXX, residente na XXXXXX, em Macau, mãe de A, notificada para se pronunciar nos termos dos artigos 93° e 94° do Código do Procedimento Administrativo, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
Não obstante ser um facto que na data de nascimento da sua filha A a declarante estava temporariamente a residir em Portugal, a verdade é que a declarante é residente permanente da RAEM nos termos da alínea 4) do n° 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro.
Nos termos do citado diploma, a ausência temporária de Macau não determina que tenha deixado de ter em Macau a sua residência permanente.
Ora, a declarante está, neste momento, novamente, a residir habitualmente em Macau, com as suas filhas e o seu marido, aqui estando empregada numa instituição sediada em Macau - cfr. documentos nºs 1, 2,3 e 4 -, o que demonstra que Macau, apesar da sua ausência temporária, nunca deixou de ser o seu domicílio permanente.
Acresce que nos parece, salvo todo o devido respeito, que a alínea 6) do n° 1 do artigo 1° do diploma em causa se refere à opção de nacionalidade dos progenitores, pois não se afigura que a lei tenha querido impor ao menor a opção de nacionalidade.
Compreendendo as razões de ser explanadas no ofício em referência, espera a declarante, com estes esclarecimentos adicionais, ter demonstrado a V. Exa. que não deixou de ter residência permanente na RAEM e, como tal, que a sua filha menor deve, nos termos do alínea 6) do n° 1 do artigo 1° da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro, ser considerada residente permanente da RAEM.
No caso de V. Exa. entender que, apesar dos esclarecimentos prestados, o pedido em referência merece indeferimento, muito se agradece, nessa hipótese, que acompanhe o caso da requerente com a maior brevidade possível.
Nestes termos, pede e espera deferimento.
Perante isto, desde já concluimos que não foi violado o seu direito de audiência, já que a interessada participou, desde o início, no respectivo procedimento administrativo, sabendo todos os elementos relevantes no processo. Aliás, em rigor, há lugar à aplicação do artigo 97º/-a) do CPA. O que torna infundado o argumento da Recorrente (violação do direito de audiência).
Prosseguindo o nosso raciocínio,
Tudo acima expendido demonstra que, a partir de 2013 a progenitora da Recorrente retoma a sua vida normal aqui, até hoje, estando a servir na AMCM.
Sendo certo que não se retira o seu estatuto de residente permanente da progenitora da Recorrente, mas para efeitos da aquisição do mesmo, a Recorrente estava a reunir estes requisitos? É este cerne da questão que estamos a tratar.
Desde já, importa esclarecer um ponto: discordamos da afirmação da Recorrente, quando ela disse:
“ (,,,) Acresce que nos parece, salvo todo o devido respeito, que a alínea 6) do n° 1 do artigo 1° do diploma em causa se refere à opção de nacionalidade dos progenitores, pois não se afigura que a lei tenha querido impor ao menor a opção de nacionalidade.”
Obviamente não se trata de opção de nacionalidade portuguesa, porque, nesta matéria, no ordenamento jurídico da RPC, domina o princípio de não reconhecimento da dupla nacionalidade (cfr. o artigo 3º da Lei da Nacionalidade Chinesa da RPC).
*
Com isto passemos a entrar na análise do 5º requisito:
5º requisito: Que o seu progenitor tenha também domicílio permanente em Macau à data do seu nascimento:
Ora, à data do nascimento da Recorrente (2010), a sua progenitora ainda não casou, estava a frequentar curso superior em Portugal, circunstâncias estas que constituem razão bastante para se chegar à conclusão de que a progenitora já deixou de ter domicílio permanente em Macau?
Se situamos no ano 2010 ou 2011, conforme os dados constantes do PA, a progenitora estava a frequentar o CEJ, formação profissional para ingressar na carreira de magistratura portuguesa, tal, pensamos, resultou de um plano de vida da progenitora da Recorrente, ou seja, ela fê-lo não por “brincadeira” ou só para satisfazer curiosidade pessoal, fê-lo porque fez opção de uma profissão que exige necessariamente ter o seu domicilio profissional (necessário) em Portugal, tal como os magistrados de Macau (cfr. art.º 26 da LBOJ de Macau; em Portugal, artigo 8º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho), são estes dados que temos de ponderar, inexistem outros que digam o contrário. Nesta óptica, tudo indica que, na altura, a mãe da Recorrente deixou de ter domicilio permanente em Macau. Isso não colidiu com o facto de, mais tarde, a progenitora da Recorrente regressar a Macau e aqui está a desempenhar função pública, são factos supervenientes.
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Para que possamos ter uma convicção mais sólida daquilo que que dissemos antes, não basta analisar o diploma legal de Lei n.º 8/1999, é preciso ver ainda o que está estipulado na Lei Básica de RAEM nesta matéria.
Está em causa a possibilidade da aquisição do estatuto de residente permanente por pessoa nascida fora de Macau, e que alegou que tem ascendência chinesa e portuguesa, é verdade que a Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro visa concretizar o regime regulador da mesma matéria constante do artigo 24º da Lei Básica, dispondo este artigo:
Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento a Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito de residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.
Os residentes não permanentes da Região Administrativa Especial de Macau são aqueles que, de acordo com as leis da Região, tenham direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas não tenham direito à residência.
Comparando o artigo 24º da Lei Básica com o artigo 1º da Lei nº8/1999, de 20 de Dezembro, é de verificar que este último tem um conteúdo mais pormenorizado em alguns aspectos e em relação a determinado universo dos sujeitos que são destinatário daa norma em causa.
No caso dos autos, uma vez que está em causa apenas uma portuguesa, concentremos nas alíneas 3) e 4) do artigo 24º da Lei Básica.
Destas 2 alíneas podemos extrair um factor relevante:
- Nas alíneas 3) e 4) do artigo 24º da Lei Básica, não há referência aos filhos nascidos fora de Macau, de ascendência chinesa e portuguesa;
- Diferentemente, a alínea 6) do artigo 1º da Lei nº 8/1999 disciplina EXPRESSAMENTE os filhos nascidos fora de Macau, que dispõe:
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
A primeira conclusão que podemos tirar aqui imediatamente é a seguinte:
O legislador da Lei Básica nunca prevê que seja automática e por critério de jus sanguis a aquisição de estatuto de residente permanente por filho de ascendência chinesa e portuguesa, nascido fora de Macau, exige-se algo mais, nomeadamente que tenha o seu domicílio permanente aqui, em Macau, compreende-se!
A este propósito escreveu o Prof. Ieong Wan Chong:
“ c. 葡萄牙籍永久性居民。葡萄牙人成為永久性居民的條件是:1. 出生地為標準。 根據本條第2款第3項規定,“在澳門特別行政區成立以前或以後在澳門出生並以澳門為永久居住地的葡萄牙人”,均為澳門特別行政區永久性居民。根據澳門特區第8/1999號法律《永久性居民及居留權法律》,確認“永久居留地”的參考條件是:a. 在澳門有無慣常居所;b. 家庭主要成員,包括配偶及未成年子女是否在澳門通常居住;c. 在澳門是否有職業或穩定的生活來源;d. 在澳門是否有依法納稅。2. 以居住年限為標準。根據本條第2款第4項規定,“在澳門特別行政區成立以前或以後在澳門通常居住連續7年以上並以澳門為永久居住地的葡萄牙人”,均為澳門特別行政區永久性居民。從以上規定可以看出,葡萄牙人取得永久性居民身份的條件比中國人多了一個“以澳門為永久居住地”的條件,其在澳門以外所生的子女也不能因為父母的關係取得永久性居民的資格。道理很簡單,這是因為在澳門特別行政區,中國人是本國人,葡萄牙是外國人,在界定居民身份問題上,本國人和外國人的標準有所不同,這是國際慣例。” (in Lei Básica da ERAM anotada, em chinês, DSAJ, 2013, pág. 65).
Esta alínea 6) do artigo 1º da Lei nº 8/1999 tem de ser interpretada em conjugação com a alínea 3) e 4) do artigo 24º da Lei Básica.
Observa-se pertinentemente:
“Com o que, verdadeiramente, não se torna para nós evidente qual o seu conteúdo. E assim, até porque não podemos crer que o legislador tenha intencionado - neste como em qualquer outro contexto - um procedimento de interpretação da Lei Básica conforme as leis que, no caso vertente, em hipótese que, aliás, só academicamente se admite, poderia traduzir-se num recurso à legislação que, no âmbito do Território de Macau (ou da futura RAE) regulamentam o fenómeno da imigração. É que, se, por um lado, tal procedimento representaria sempre, in genere, uma violação do próprio valor hierárquico-normativamente superior da Lei Básica - enquanto, como sustentámos, diploma de natureza jurídico-constitucional-, por outro lado, in specie, traduzir-se-ia na subordinação do conteúdo de um normativo de valor genérico e, aliás, verdadeiramente fundamental, a um outro de valor circunstanciado e, como quer que seja, sem valor constitucional.” (In ob. citada, J, pág. 83).
Tem razão quando afirma o Dr. J no seu trabalho citado:
“É que, se aos nacionais portugueses nascidos em Macau e que neste tenham domicílio permanente é reconhecida a qualidade de residente permanente da RAEM (art. 24°, nº 3), o mesmo não correrá no que aos seus descendentes diz respeito.
Tal parece ser a solução extraível, por argumento a contrario sensu do disposto no agora considerado art. 42º. Isto porque, a ser admitida solução interpretativa diversa, teria de se concluir no sentido de que esta última norma seria expressão de um fenómeno de "superfatação" normativa que, novamente segundo o cânone do legislador razoável, preferimos afastar do universo das possibilidades interpretativas consentidas pela lógica normológica do sistema. Sem esta restrição interpretativa - questionamo-nos - que sentido teria a afirmação da tutela dos interesses dos residentes de ascendência portuguesa, no âmbito do Capítulo III (Direitos e Deveres Fundamentais dos Residentes) para além da tutela que resultaria do singular facto de que fossem, enquanto nacionais portugueses, e cumpridos os restantes requisitos, residentes permanentes da RAEM? Aliás o mesmo se diria em relação ao universo de sujeitos (também eles) residentes permanentes, definido pelo n° 4 do art. 24° da Lei Básica.” (In ob citada, pág. 85).
Pelo que, a interpretação a dar-se à alínea 6) do artigo 1º da Lei nº 8/1999, só pode ser a de que:
- A opção de nacionalidade refere-se à nacionalidade chinesa; e
- Que a/o progenitora(o) tenha domicílio permanente em Macau à data de nascimento do filho.
Caso contrário, ou seja, quando não se verifiquem os requisitos da citada alínea 6) do artigo 1º da Lei citada, só poder-se-á adquirir o estatuto de residente permanente após 7 anos de ter residência habitual em Macau, nos termos do artigo 24º/-6) da Lei Básica, ou da alínea 7) do artigo 1º da Lei nº 8/1999.
Pelo que, perante os dados apresentados pela Recorrente, a Entidade Recorrida concluiu-se pela inverificação dos seguintes requisitos:
- Que não tenha a nacionalidade chinesa;
- Que a progenitora da Recorrente não tenha tido domicílio permanente em Macau à data do nascimento da Recorrente;
- Nem a própria Recorrente tinha domicílio permanente em Macau naquele preciso momento.
Perante esta conclusão negativa de necessidade de ter domicílio em Macau, torna-se inútil a diligência de ouvir a Recorrente por ser uma realidade fáctica objectivamente verificável e verificada, acresce ainda a circunstância de que, desde o início do procedimento administrativo, a Recorrente estava e está a par de tudo o que acontece no procedimento, tendo nele participado, quer na fase antes de ser tomada a respectiva decisão, quer em sede da reclamação. Foi sempre assegurada a intervenção dela. Aliás, sendo esta uma matéria incluída no âmbito de uma actividade vinculada, a falta de audiência, nos moldes em que se terá verificado, degrade-se em formalidade dispensável quando é de concluir, como é o caso, que outra não podia ser a solução encontrada.
Pelo que, há de julgar-se procedente o recurso interposto pela Entidade Recorrida, revogando a decisão recorrida, proferida pelo TA, mantendo-se a decisão administrativa negatória da pretensão formulada pela Recorrente.
Resumindo e concluindo:
- Nos termos acima analisados, não há violação do direito da audiência da Recorrente;
- Não se verificam pressupostos de facto nem de direito, todos estes foram bem tratados e analisados pela Entidade Recorrida;
- Igualmente não se verifica o vício de falta de fundamentação da decisão, já que a Recorrente sabe perfeitamente quais foram as razões de facto e de direito que levaram a Entidade Recorrida a tomar a decisão naquele sentido negativo. Ora, nesta matéria, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender a relatividade do conceito da fundamentação da decisão administrativa, destacando que o que releva é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra.
- A nossa interpretação da alínea 6) do nº1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro é consentânea com a dada pela Entidade Recorrida, por razões acima produzidas;
- Os factos invocados pela Recorrente, quer no pedido apresentado à Entidade Recorrida, quer os aqui produzidos neste recurso, não demonstram que ela preencheu todos os requisitos do artigo acima citado, pelo que, é de negar a pretensão por ela formulada.
*
Síntese conclusiva:
I – A norma do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro, é uma norma concretizadora e densificadora da norma do artigo 24º da Lei Básica da RAEM, valendo aqui, ao nível da hermenêutica jurídica, o princípio de interpretação da norma ordinária em conformidade com o padrão constitucional, à luz do qual aquela deve ser interpretada dentro do espaço normativo delimitado pelo artigo 24º da Lei Básica.
II – O conceito de domicílio permanente é um elemento estruturante da aquisição do estatuto de residente permanente da RAEM, introduzido pela Lei Básica através do seu artigo 24º, que exige algo mais do que o conceito de residência habitual face aos termos consagrados no próprio artigo 24º da Lei Básica da RAEM.
III – O conceito de domicílio permanente é preenchido por um conjunto de elementos factuais, referentes nomeadamente ao local de residência habitual, tendencialmente estável e duradouro de uma pessoa, onde se encontra a sua casa em que a pessoa vive com estabilidade e tem instalado e organizado a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da vida pessoal e profissional de uma pessoa.
IV – É consentâneo com o referido na alínea III quando o artigo 8º da Lei nº 8/1999 enumera exemplificativamente alguns elementos tidos em consideração para esta finalidade:
1) Ser Macau o local da sua residência habitual;
2) Ser Macau o local de residência habitual de familiares próximos, nomeadamente o cônjuge e os filhos menores;
3) A existência de meios de subsistência estáveis ou o exercício de profissão em Macau;
4) O pagamento de impostos nos termos da lei.
V – Para efeitos da aquisição do estatuto de residente permanente da RAEM, o artigo 24º da Lei Básica da RAEM divide os sujeitos em 3 universos:
- Pessoas titulares de nacionalidade chinesa;
- Pessoas titulares de nacionalidade portuguesa;
- Pessoas titulares de outra nacionalidade (diferente das duas acima referidas).
Em relação ao 2º universo de pessoas, a regulamentação encontra-se prevista nas alíneas 3) e 4) do artigo 24º da Lei Básica em que se destaca, entre outros elementos exigidos, o de jus soli (nascido em Macau) e ter domicílio em Macau.
VI – Em relação aos portugueses, para o efeito de acesso ao estatuto de residente permanente da RAEM, não releva apenas o critério de jus sanguis, importando preencher-se cumulativamente os seguintes requisitos:
- Que tenha nacionalidade portuguesa (que funciona como pressuponente);
- Que tenha nascido em Macau;
- Que tenha domicílio permanente em Macau.
VII – No que toca aos filhos nascidos fora de Macau, cujos progenitores sejam portugueses, com já estatuto de residente permanente de Macau, o acesso a este estatuto (pelos menores) opera-se por força do disposto na alínea 5) da Lei Básica, ou seja, deve ter o seu domicílio permanente em Macau e aqui reside habitualmente mais de 7 anos (cfr. artigo 1º/1-8) da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro).
VIII – No caso, como à data do nascimento da Recorrente, a sua progenitora não tinha domicílio permanente em Macau e ela (a Recorrente) tem vivido com esta última sempre, mesmo hoje, a Recorrente não preenchia também este requisito, e como tal a sua pretensão não pode proceder: pediu que fosse reconhecido o seu estatuto de residente permanente por facto de ser descendência chinesa e portuguesa e ser filho de uma residente permanente da RAEM, pois, existe um facto impeditivo: nascimento fora de Macau, no caso concreto.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando improcedente o recurso contencioso e confirmando a decisão administrativa que negou a pretensão da Recorrente.
*
Custas pela Recorrida/interessada em ambas as instâncias que se fixam em 9 UCs no total.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 19 de Março de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
M° P°
Joaquim Teixeira de Sousa
1 根據第12/2007號行政長官批示,以澳門居民身份證換發澳門特別行政區居民身份證的程序於2007年2月9日終止。
2 Consta neste despacho o seguinte: “根據第8/1999號法律第一條第一款(六)項,申請人不是永久性居民,不發出居權證。申請人出生時母定居葡國,申請人因出生而取得葡國籍,不具有中國籍。” (vide fls. 3 do P.A.).
3 Não consta do P.A. em anexo qualquer elemento que se elucida o objectivo do mapa elaborado a fls. 21, nem da contestação há explicação para isso.
4 De notar que não se encontra a menção expressa relativo aos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa (reconhecidos socialmente por “macaenses”) no art.º 24.º da «Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China». É propositadamente adoptado o critério misto de nacionalidade e ascendência sanguínea nas disposições consagradas nas alíneas 4) a 6) do n.º 1 do art.º 1 da Lei n.º 8/1999, para regularem designadamente os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa.
“…4.在細則性審議方面,委員會認為有必要強調若平方面的立法取向及其立法理據,同時出於立法技術上的考慮,動議對個別條文作修改:
(1)委員會注意到,本法案第一條第一款(四)、(五)、(六)項是在考慮澳門社會現實情況的基礎上,對土生葡人的永久性居民資格問題作了專門規定。基本法第二十四條第二款和籌委會就該條款所通過的意見所採用的標準是以國籍為標準,即分別以中國公民、葡國人及其他人三個組別分別規定永久性居民資格;本法案則採用一混合標準,即國籍標準和血統標準相結合。…” (Vide Parecer n.º 3 da 2.ª Comissão de Trabalho da Lei n.º 8/1999 «Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau», «Colectânea de Leis Regulamentadoras de Direitos Fundamentais, Volume 7, Regime Jurídico de Direito de Residência», 2.ª Edição (Revista), Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, 2004, p. 25)
5 Vide Parecer n.º 3 da 2.ª Comissão de Trabalho da Lei n.º 8/1999 «Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau», «Colectânea de Leis Regulamentadoras de Direitos Fundamentais, Volume 7, Regime Jurídico de Direito de Residência», 2.ª Edição (Revista), Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, 2004, p. 50 a 53.
6 Vide art.º 1 da proposta de lei n.º 6/I/1999-6, «Colectânea de Leis Regulamentadoras de Direitos Fundamentais, Volume 7, Regime Jurídico de Direito de Residência», 2.ª Edição (Revista), Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, 2004, p. 299 a 304.
7 As referidas normas transitórias é correspondente com o n.º 1 do «Parecer da Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional quanto à Aplicação do Parágrafo Segundo do Artigo 24.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China».
8 Vide acórdão do Tribunal de Segunda Instância, do processo n.º 36/2014, de 24/07/2014.
9 根據第12/2007號行政長官批示,以澳門居民身份證換發澳門特別行政區居民身份證的程序於2007年2月9日終止。
10 Art. 24º: Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento a Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito de residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.
Os residentes não permanentes da Região Administrativa Especial de Macau são aqueles que, de acordo com as leis da Região, tenham direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas não tenham direito à residência.
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