Processo n.º 74/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrentes: A e B (menor, representada pela mãe A)
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
Data da conferência: 29 de Novembro de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Assuntos: - Autorização de residência temporária dos técnicos especializados, extensiva ao agregado familiar
- Renovação da autorização de residência temporária
- Falecimento do técnico especializado
SUMÁRIO
1. Ainda que não seja exigida a manutenção do vínculo contratual inicial existente na altura de concessão da autorização de residência temporária, a renovação dessa autorização já concedida aos técnicos especializados depende sempre do novo vínculo contratual estabelecido entre os requerentes e os empregadores locais e do novo exercício profissional por parte dos requerentes – art.º 19.º n.º 2, al. 2) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, sendo relevante a manutenção da situação jurídica que se refere ao vínculo contratual e ao exercício profissional por parte dos requerentes.
2. Nos casos em que a autorização de residência temporária foi concedida com extensão aos membros do agregado familiar, estes não são requerentes nos termos e para os efeitos do disposto no Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e a renovação da autorização da sua residência depende sempre da renovação da autorização de residência dos requerentes principais, que são técnicos especializados.
3. Com o falecimento do técnico especializado, deixou de subsistir e manter o seu vínculo contratual, situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização e permite renovar a autorização já concedida.
4. Verificada no caso vertente a extinção da situação jurídica relevante e não se vendo a constituição de nova situação jurídica atendível para efeitos de renovação da autorização de residência dos interessados, é de indeferir o pedido de renovação da autorização de residência formulado pelos membros do agregado familiar do técnico especializado já falecido.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A e B (menor, representada pela mãe A), melhor identificadas nos autos, interpuseram recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 14 de Novembro de 2017 que indeferiu o pedido de renovação de autorização para fixação de residência temporária formulado por elas.
Por Acórdão proferido em 28 de Março de 2019, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformadas com a decisão, vêm A e B recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto tempestivamente e compete ao vosso tribunal apreciar o presente recurso;
2. Indica o acórdão recorrido que a continuação de residência em Macau depende do requerente principal, e uma vez que o direito à residência do requerente principal C já deixou de existir, inevitavelmente as recorrentes ficam afectadas, perdendo igualmente o respectivo direito: e para sustentar o seu entendimento, no acórdão foi invocado o acórdão do TSI proferido em 2 de Maio de 2013 no processo n.º 778/2012;
3. Salvo o devido respeito, as recorrentes não se conformam com o entendimento do acórdão recorrido que não existe o vício de violação da aplicação da lei.
4. A decisão administrativa contra as recorrentes não é acto vinculado tal como alegado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau e pela contestação do Secretário para a Economia e Finanças. As recorrentes não se conformem com isso:
5. Consideram as recorrentes que nos termos do art.º 18.º, n.ºs 1 e 2 e 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 em vigor (Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados), bem como do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 (Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência), é atribuído à Administração o poder discricionário para determinar se aceite ou não a alteração da situação jurídica do requerente de residência temporária, de modo a determinar se vai manter a sua autorização de residência temporária ou conceder-lhe a renovação;
6. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, as recorrentes consideram que o acórdão recorrido e o despacho do Secretário para a Economia que o acórdão recorrido reconhece, ambos não levaram em plena consideração as situações objectivas em que se encontravam as recorrentes incluindo mas não se limitando a situação económica e familiar, tendo as recorrentes já considerado Macau como residência permanente, bem como as consequências negativas graves causadas às recorrentes após praticado o acto administrativo de indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária, evidentemente o processo e o resultado da solução não são ideais nem justos levando a que a decisão por si proferida apresente-se ilegal;
7. É de salientar que, após obtido a autorização de residência em Macau em 2011, as recorrentes sempre fixam residência em Macau e vivem, considerando Macau como residência permanente, uma vez que vivem em Macau há muitos anos, criando já uma ligação emocional e vital inseparável com Macau onde têm o seu centro de vida pessoal, familiar e social;
8. A recorrente A licenciou-se em comércio internacional na [Universidade], antes de fixação da residência em Macau, tendo exercido respectivamente na [Companhia(1)] e na [Companhia(2)], dai pode-se verificar que a recorrente possui capacidade auto-suficiente;
9. Segundo as duas contas do [Banco] em patacas n.ºs [Conta(1)] e [Conta(2)] tituladas pela recorrente A, nelas há certa quantia depositada servindo como base financeira;
10. Quanto à outra recorrente B, nascida a 7 de Janeiro de 2009, tem actualmente 10 anos, desde o nascimento sempre vive, cresce e estuda em Macau, sendo actualmente aluna do [Escola], com bom desempenho escolar, obtendo prémios inumerosos;
11. É do conhecimento comum que a via legal para os residentes do Interior da China se fixarem residência em Macau é requerer um salvo-conduto singular junto da autoridade competente do local onde o registro domiciliar está localizado, e o registo domiciliar será cancelado, após a obtenção do salvo-conduto singular;
12. A recorrente A, proveniente do Interior da China, não pode regressar a viver no Interior da China, dado que o seu registo domiciliar original já foi cancelado;
13. Além do mais, a recorrente B não tem registo domiciliar nem bilhete de identidade do Interior da China, também não pode regressar a viver no Interior da China;
14. Caso o acordo recorrido reconheça e mantenha o despacho do Secretário para a Economia e Finanças, quanto ao indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária das recorrentes, é necessariamente que a recorrente B imediatamente não possa permanecer em Macau para continuar a sua vida, trabalho e estudo.
15. Além de sofrerem a dor de perda de um membro familiar mais próximo, as recorrentes têm que suportar ainda o choque pela mudança súbita da ambiente na família, Na realidade, os métodos de ensino, o conteúdo dos cursos e o ambiente educacional são diferentes em cada local, é impossível ter uma conexão completa, e sendo isto, sem dúvida, equivalente a obrigar a recorrente B a ser uma aluna repetente e há razões para acreditar que isso lhe causará um grande trauma psicológico. Quanto a traumas e lesões psicológicos, são de difícil reparação para uma criança que não deva suportar tal encargo.
16. Mesmo que a recorrente A esteja disposta ou possua condições para colocar a recorrente B a viver e estudar em outro local, para a recorrente B é muito estranho viver e estudar num local fora de Macau, não sendo bom para restabelecer a sua vida.
17. É de salientar que, as recorrentes vivem em Macau há oito anos e já criaram uma ligação emocional e vital inseparável com Macau, onde têm o seu centro de vida pessoal, familiar e social. O mais importante é que se for aprovado o pedido de renovação formulado pelas recorrentes desta vez, podem as mesmas reunir condições para pedir o bilhete de identidade de residente permanente por ter vivido em Macau há sete anos consecutivos;
18. Mas o que está previsto é se não for aprovado o pedido de renovação da autorização de residência temporária, a família e a vida das recorrentes incluindo mas não se limitando ao estudo da recorrente B, ficam prejudicadas de difícil reparação;
19. Pelo que as recorrentes consideram que, o acórdão recorrido baseando-se apenas no facto de morte de C, cônjuge da recorrente A, determinou indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária das recorrentes, acto esse evidentemente não levou em plena consideração a lei em vigor aplicável, padecendo de vício de violação da lei em vigor e da sua intenção;
20. Por outro lado, quanto ao acórdão do TSI proferido em 2/5/2013 no processo n.º 778/2012, que foi invocado no acórdão recorrido, as recorrentes consideram que tal caso parece semelhante mas é diferente da situação do presento, embora também não fosse concedido o direito de residência aos membros do agregado familiar por causa de morte do requerente principal;
21. O pressuposto de facto do caso constante do acórdão do TSI proferido em 2/5/2013 no processo n.º 778/2012, foi devido a que o requerente principal requereu a residência de Macau através de habilitações académicas falsas por si fornecidas, mas o requerente principal dos autos C obteve legalmente a autorização e a mantinha em certo período mas veio a falecer por doença. O pressuposto de facto dos dois casos reside em que o falecimento dos respectivos requerentes principais causou igualmente a alteração de situação jurídica dos membros do agregado familiar, mas não se deve considerar simplesmente idênticos os dois casos e os seus resultados, pelo que as recorrentes consideram que deve o acórdão recorrido distinguir e considerar a sua situação;
22. Uma vez que o supracitado acórdão invocado pelo acórdão recorrido não pode sustentar a sua razão legítima na aplicação da lei, e perante a falta de aplicação adequada da lei, nomeadamente não se levou em plena consideração a alteração de situação jurídica prevista no art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 em vigor (Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados), nem em consideração a razão prevista no art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 em vigor (Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência), nomeadamente as razões humanitárias, levando a que o acórdão recorrido apresente-se inadequado e ilegal;
23. Pelo acima exposto, nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo e do art.º 21.º, n.º 1, al. d) do Código do Processo Administrativo Contencioso, uma vez que o acórdão recorrido e o despacho do Secretário para a Economia e Finanças que o acórdão recorrido deu como provado incorrem em vicio de violação da lei, violação do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, nomeadamente não foi aplicado o disposto no art.º 18.º do referido regulamento, daí resultou a anulabilidade do respectivo despacho;
24. Além disso, o acórdão recorrido indica que a violação do princípio da proporcionalidade só é aplicável à actividade administrativa onde existe o poder discricionário, bem como tal acórdão entende que o exercício do poder discricionário só é sujeito ao controlo judicial quando mostre erro manifesto de discricionariedade, excesso manifesto e desvio de poder; e mais entende o acórdão recorrido que no indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária feito pelo Secretário para a Economia e Finanças não existe qualquer violação do princípio da proporcionalidade;
25. Salvo o devido respeito, as recorrentes totalmente não se conformam com o supracitado entendimento do acórdão recorrido;
26. As recorrentes consideram que o acórdão recorrido e o despacho de indeferimento do pedido de renovação da autorização temporária proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças que o acórdão reconhece, ambos são pertencentes ao erro manifesto de excesso de discricionariedade e desvio de poder;
27. Nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 em vigor (Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados), o legislador não exige meramente ao requerente que deva manter a situação jurídica desde o início até ao fim, de modo a manter a sua autorização de residência temporária de Macau;
28. Na realidade, nos termos do art.º 18.º, n.º 2 do mesmo regulamento administrativo, o legislador atribui o poder discricionário à Administração, a fim de considerar e determinar se aceite ou não a nova situação jurídica eventualmente ocorrida com o requerente de residência temporária, de modo a determinar se vai manter ou não a sua autorização de residência temporária ou conceder a sua renovação;
29. Além disso, a Administração também tem que considerar o disposto no art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 em vigor (Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência), aplicável por remissão do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005;
30. Nos termos dos art.ºs 4.º e 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo D.L n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes, as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar;
31. Indicam os acórdãos proferidos pelo TSI nos processos n.ºs 579/2011 e 127/2012 e pelo TUI nos processos n.ºs 13/2012 e 83/2012, o exercício do poder discricionário só colide o princípio da proporcionalidade quando apresente erro manifesto ou total desrazoabilidade, e o último refere-se a uma desrazoabilidade até ao grau intolerável;
32. Consideram as recorrentes que a decisão administrativa tomada pelo Secretário para a Economia e Finanças relativa ao indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária das recorrentes que o acórdão recorrido reconhece, não teve em plena consideração a situação objectiva das recorrentes, acto esse evidentemente mostra-se ilegal e irrazoável, pelo que, para o presente processo a respectiva decisão não é a melhor solução;
33. Tal como foi indicado em 21 de Maio de 2015 pelo douto TSI no acórdão do processo n.º 255/2014, o que prossegue a Administração na prática de acto limitativo das autorizações de residência, também não pode deixar de contemplar as situações carentes de humanidade e é desse balanceamento que se conseguem as soluções mais justas e razoáveis, caso seja praticado o acto administrativo de limitar o direito à residência apenas devido ao falecimento do requerente, levando a que os recorrentes fossem obrigados a deixar o local onde se integraram, o que equivale a destruir a vida pessoal, familiar e social deles e tomar uma decisão injusta e desproporcional. O supracitado caso é quase totalmente igual ao das recorrentes nos autos;
34. Deve-se reiterar que as recorrentes vivem em Macau há oito anos e já criaram uma ligação emocional e vital inseparável com Macau, independentemente de sua vida pessoal, familiar e social;
35. Se for aprovado o pedido de renovação formulado pelas recorrentes desta vez, podem as mesmas reunir condições para pedir o bilhete de identidade de residente permanente por ter vivido em Macau há sete anos consecutivos, pelo contrário, se não for aprovado o pedido de renovação da autorização de residência temporária, o trabalho, a família, a vida das recorrentes, em particular, o estudo da recorrente B serão imediatamente prejudicados de difícil reparação;
36. Caso necessitem de adaptar-se de novo à vida fora de Macau (em particular para a recorrente B), é equivalente à destruição da sua vida pessoal, familiar e social. Para o presente caso é uma decisão muito irrazoável, inadequada e desproporcional;
37. Pelo que, as recorrentes consideram que o acórdão recorrido não levou em plena consideração a situação desfavorável grave causada a elas pelo indeferimento de residência em Macau, em particular, por razões humanitárias, as recorrentes não possuem condições nem apoio familiar para viver em outro país ou região, quer dizer, caso não seja aprovado o pedido de renovação de autorização de residência temporária, as recorrentes têm que enfrentar de imediato o problema humanitário.
38. Pelo que, o acórdão recorrido e a decisão administrativo que o acórdão recorrido reconhece violam o princípio da proporcionalidade por terem exercido o poder discricionário de forma inadequada, nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo e do art.º 21.º, n.º 1, al. d) do Código do Processo Administrativo Contencioso, uma vez que o acórdão recorrido e o despacho da Administração que o acórdão recorrido reconhece violam o Regulamento Administrativo n.º 3/2005, em particular, o art.º 18.º, incorrendo em vício de violação da lei, sendo anuláveis.
39. Na realidade, tanto o acórdão recorrido, como a decisão da Administração, devem considerar que será interrompida a ligação das recorrentes com Macau, nomeadamente no que diz respeito ao trabalho, estudo, família e sentimento emocional delas, assim, na contemplação das situações carentes de humanidade, e após feita uma análise sintética das circunstâncias concretas dos autos, deve conceder às recorrentes a renovação de autorização da residência, mas não privá-las de continuar a residir em Macau, simplesmente tendo em consideração o direito à residência como direito de natureza pessoal que não é herdável, quebrando-se a boa-fé e expectativas razoáveis delas. Segundo o acórdão do TSI proferido em 7 de Novembro de 2013 no processo de recurso n.º 974/2012, também tem o mesmo entendimento;
40. Por outro lado, o requerente principal C e as recorrentes vivendo em Macau sempre com observação da lei, nunca praticaram qualquer acto criminoso;
41. Após terem sido autorizadas a residir em Macau, as recorrentes vivem em Macau há oito anos e já criaram uma ligação emocional e vital inseparável com Macau, onde têm o seu centro de vida pessoal, familiar e social;
42. Caso não seja aprovado o seu pedido de autorização de residência temporária, para a recorrente (ou seja A) que perdeu o cônjuge e para quem (ou seja B) já perdeu o pai, perante a situação em que ainda não se recupera a dor da perda do membro familiar mais próximo e há que enfrentar o acto administrativo de limitação do direito à residência feito pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau que as obriga a abandonar o local onde já se integraram totalmente, o acto irá directamente destruir a vida familiar e social das recorrentes, causando-lhes prejuízo de difícil reparação;
43. O mais importante é que as recorrentes consideram que o acórdão recorrido não levou em consideração o supracitado facto objectivo que traria a situação desfavorável grave para as recorrentes, mas simplesmente indeferindo o pedido de renovação de autorização de residência temporária em Macau formulados pelas recorrentes, consoante a morte do requerente principal C, sendo isso evidentemente contrário ao princípio da boa-fé;
44. Pelo que, as recorrentes consideram que, face às situações delas, pode ter-se em consideração os art.ºs 18.º e 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 em vigor (Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados), conjugados com o art.º 9.º, n.º 2, al. 2), 3) e 9) da Lei n.º 4/2003 em vigor (Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência), pode ainda a Administração, consoante as circunstâncias concretas existentes nos autos, exercer o poder discricionário, aceitando a alteração da situação jurídicas das recorrentes, de tal modo a aprovar o pedido de renovação de autorização de residência temporária formulado pelas mesmas;
45. Pelo acima exposto, uma vez que o acórdão recorrido e o despacho do Secretário para a Economia e Finanças que o acórdão recorrido reconhece violaram o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e a Lei n.º 4/2003 em vigor (Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência), incorrendo em vício de violação do princípio da boa-fé previsto no art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo, e nos termos do art.º 124.º do mesmo código, as recorrentes consideram que o acórdão recorrido violou as supracitadas disposições legais, devendo ser anulado.
Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que se deve julgar improcedente o recurso, mantendo o acórdão recorrido.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância deu por provados os seguintes factos:
1. A C foi concedida a autorização de residência temporária em 2 de Setembro de 2011, na qualidade de técnico profissional, extensiva à sua cônjuge A e à sua filha menor B.
2. A autorização de residência temporária dos referidos interessados foi renovada até 30 de Junho de 2017.
3. A requerente A apresentou a declaração por escrito e os documentos comprovativos no dia 31 de Março de 2016 e nos dias seguintes, confirmando que C já tinha falecido no dia 23 de Novembro de 2015.
4. Em 12 de Maio de 2017, as requerentes A e B apresentaram o requerimento de renovação da autorização de residência temporária n.º XXXX/2011/03R.
5. O pessoal do IPIM emitiu a informação n.º XXXXX/GJFR/2017, sugerindo que não autorize o referido requerimento de renovação de autorização de residência temporária, com o seguinte teor:
“...
1. Ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o requerente C foi-lhe concedida a autorização de residência temporária em 2 de Setembro de 2011, na qualidade de técnico profissional, extensiva à sua cônjuge A e à sua descendente B, tendo sido renovada a autorização de residência temporária dos referidos interessados até 30 de Junho de 2017.
2. A apresentou a declaração por escrito e os documentos comprovativos no dia 31 de Março de 2016 e em dias seguintes, provando que C já faleceu no dia 23 de Novembro de 2015.
3. Entretanto, A pediu a autorização do seu requerimento de renovação de autorização de residência temporária da mesma e da descendente (vide Anexo 1).
4. Em seguida, A e a descendente B apresentaram o requerimento de renovação da autorização de residência temporária n.º XXXX/2011/03R em 12 de Maio de 2017.
5. Analisa-se o referido pedido dos interessados:
1) Nos Processos n.ºs XXXX/2011, XXXX/2011/01R e XXXX/2011/02R, C era contratado pelo empregador local como técnico especializado que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, era considerado de particular interesse para a RAEM;
2) A autorização de residência temporária foi concedida aos interessados A e B uma vez que os mesmos eram membros do agregado familiar de C;
3) No caso de morte do requerente, o estatuto pessoal do requerente não se transmite por sucessão, logo, o fundamento do requerimento jamais existe;
4) Por outro lado, a autorização de residência temporária dos interessados A e B, com validade até 30 de Junho de 2017, já ficou caducada.
5) Por consequência, o requerimento de autorização de residência temporária do requerente C ficou extinto.
6) Nestes termos, os interessados A e B não têm legitimidade para apresentar o requerimento de renovação de autorização de residência temporária;
7) Se o interessado A constitua novo estado jurídico, podia apresentar um novo requerimento de autorização de residência temporária.
6. Face ao exposto, dado que o requerente C faleceu e a autorização de residência temporária dos membros do agregado familiar ficou caducada, o pedido de autorização de residência temporária também ficou extinto. Portanto, os interessados A e B não têm legitimidade para apresentar o respectivo requerimento de renovação de autorização de residência temporária, pelo que ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, sugere-se que o Secretário para a Economia e Finanças não autorize o requerimento de renovação de autorização de residência temporária apresentado pelos interessados A e B em 12 de Maio de 2017.
Submete-se à apreciação do superior…”
6. O Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho em 14 de Novembro de 2017:
“Concordo com a sugestão”.
7. As recorrentes interpuseram recurso contencioso para este Tribunal em 5 de Janeiro de 2018.
3. Direito
Ao acórdão recorrido foram imputados os vícios de violação de lei, por ofensa das normas contidas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e no art.º 9.º da Lei n.º 4/2003, e de violação dos princípios da proporcionalidade e de boa fé.
3.1. O Regulamento Administrativo n.º 3/2005 estabelece o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, cujo art.º 18.º dispõe o seguinte:
Artigo 18.º
Alteração da situação
1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
Ao abrigo do disposto no art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, é subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos deste diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na RAEM, que é previsto na Lei n.º 4/2003, cujo art.º 9.º estabelece o seguinte:
Artigo 9.º
Autorização
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
Na tese das recorrentes, com a aplicação subsidiária do disposto no art.º 9.º da Lei n.º 4/2003, a entidade recorrida poderia deferir o seu pedido de renovação de autorização para fixação de residência temporária, tendo em consideração nomeadamente razões humanitárias referidas na al. 6) do n.º 2 da norma em causa.
É duvidosa a aplicação dessa norma no presente caso.
Por um lado, o art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 prevê a concessão, pelo Chefe do Executivo, de autorização de residência na RAEM, e não a renovação do pedido de autorização de residência.
Por outro lado, pese embora a aplicação subsidiária do regime geral da entrada, permanência e residência aos indivíduos que requeiram autorização de residência nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que se destina especialmente a regular a fixação de residência de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, não se nos afigura que aquela norma que manda atender às razões humanitárias se aplica também aos interessados que pretendem ver renovada a autorização de residência, já concedida anteriormente na qualidade de técnico profissional, que é o nosso caso concreto.
Na realidade, a autorização de residência temporária é concedida aos “quadros dirigentes e técnicos especializados contratados por empregadores locais que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesses para a Região Administrativa Especial de Macau” – art.º 1.º, al. 3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
A renovação das autorizações de residência temporária dos quadros dirigentes e técnicos especializados não está dependente da manutenção do vínculo contratual que fundamentou o pedido inicial, desde que seja feita prova de novo exercício profissional por conta de outrem e do cumprimento das respectivas obrigações fiscais – art.º 19.º n.º 2, al. 2) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Por outras palavras, ainda que não seja exigida a manutenção do vínculo contratual inicial, a renovação das autorizações de residência temporária dos quadros dirigentes e técnicos especializados depende sempre do vínculo contratual estabelecido entre os interessados e os seus empregadores e do exercício profissional por parte dos interessados.
Nos termos do n.º 1 do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, “o interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização”.
No caso de concessão de autorização de residência aos quadros dirigentes e técnicos especializados, “a situação juridicamente relevante” refere-se ao vínculo contratual e ao exercício profissional por parte dos interessados.
Tendo em consideração a intenção legislativa e o objectivo que se pretende atingir com a concessão de residência temporária aos quadros dirigentes e técnicos especializados, de atrair dirigentes e trabalhadores com particular interesses para Macau, que parece incompatível com a consideração sobre razões humanitárias, é de crer que não é no procedimento administrativo de fixação de residência dos quadros dirigentes e técnicos especializados (e no presente recurso) a sede própria para apreciar se se deve renovar a autorização de residência temporária com base nas razões humanitárias invocadas pelos interessados.1
Não se vislumbra o alegado vício de violação de lei.
No caso ora em apreciação, a C foi concedida autorização de residência temporária, na qualidade de técnico profissional, extensiva à sua esposa e à sua filha, ora recorrentes e membros do agregado familiar daquele.
Daí que as ora recorrentes não foram requerentes a que se refere a al. 3) do art.º 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (nem as outras alíneas deste artigo), sendo que a autorização da sua residência se deve à relação familiar com C, que conseguiu autorização de residência na qualidade de técnico profissional.
Não sendo as recorrentes requerentes nos termos e para os efeitos do disposto no Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a autorização de sua residência temporária e a respectiva renovação dependem sempre da concessão da autorização de residência a C e da renovação da autorização deste.
Com o falecimento de C, naturalmente deixou de subsistir e manter o seu vínculo contratual, situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização e permite renovar a autorização já concedida.
Nos termos do n.º 2 do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a extinção ou alteração da situação jurídica relevante implica o cancelamento da autorização de residência temporária, a não ser que o interessado se constitua em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo IPIM ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
Ora, verifica-se no caso vertente a extinção da situação jurídica relevante e não se vê a constituição de nova situação jurídica atendível para efeitos de renovação da autorização de residência das recorrentes.
Improcede assim o pressuposto da renovação da autorização de residência das recorrentes.
Não se vislumbra a imputada violação das normas contidas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e no art.º 9.º da Lei n.º 4/2003.
3.2. Imputam ainda as recorrentes a violação dos princípios da proporcionalidade e da boa fé.
Como se sabe, este Tribunal de Última Instância tem entendido que no âmbito da actividade vinculada, não se releva a alegada violação dos princípios da proporcionalidade, da boa fé, da justiça, etc..
Se é verdade que as normas contidas no art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e no art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 conferem à Administração algum poder discricionário, como alegam as recorrentes, o mesmo já não se pode dizer em relação à disposição do art.º 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, diploma que se destina a desenvolver a lei que estabelece os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência.
Ao abrigo da al. 1) do art.º 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, é uma das causas de caducidade da autorização de residência “o decaimento de quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização”.
Tal norma parece muito expressa em impor a caducidade da autorização de residência já concedida, face ao decaimento de pressupostos ou requisitos da mesma autorização.
No presente caso, o falecimento de C faz decair o pressuposto da autorização de residência, extensiva ao seu agregado familiar compostos pelas recorrentes.
Então para a Administração resta a única solução, que é de indeferir o pedido de renovação de autorização de residência formulado pelas recorrentes.
Daí que se permite concluir pela natureza vinculativa do acto administrativo impugnado, pelo que não se releva a imputada violação dos princípios da proporcionalidade e da boa fé.
O acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.
Mesmo que assim não se entenda, é sempre de dizer que, tal como salienta o Tribunal a quo, ao praticar o acto impugnado, a entidade recorrida limitou-se a executar e cumprir a lei, não incorrendo em nenhum erro manifesto ou desvio de poder nem violando os princípios indicados pelas recorrentes.
Este Tribunal de Última Instância tem entendido que, nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem. O que não se verifica no nosso caso concreto.
Não obstante a nossa muita simpatia para com a situação das recorrentes, certo é que, como órgão judicial, ao Tribunal compete decidir em conformidade com a lei, não podendo ele substituir a Administração para deferir o pedido das recorrentes que pretendem a renovação da autorização da sua residência.
Improcede o recurso, também nesta parte.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelas recorrentes, com taxa de justiça fixada em 5 UC.
Macau, 29 de Novembro de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância, de 19-12-2018, Proc. n.º 17/2017.
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Processo n.º 74/2019