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Processo n.º 162/2020 Data do acórdão: 2020-3-12
Assuntos:
– doença grave
– suspensão da prisão preventiva
– art.o 195.o do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
1. O art.o 195.o do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de suspensão da execução da prisão preventiva em caso nomeadamente de doença grave da pessoa arguida.
2. No caso dos autos, em face de poucos elementos disponíveis a permitir o conhecimento exacto da situação concreta da doença da arguida recorrente à qual foi aplicada pelo tribunal recorrido, na decisão ora recorrida, a prisão preventiva, não se afigura plausível determinar, para já, a suspensão da execução da prisão preventiva dela, medida coactiva essa com pressupostos legais de aplicação nem sequer materialmente impugnados na motivação do recurso.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 162/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A 2.a arguida chamada A do Processo Comum Colectivo n.o CR5-19-0358-PCC do 5.o Juízo Penal do Tribunal Judicial de Base (TJB), inconformada com o despacho proferido em 23 de Janeiro de 2020 pela M.ma Juíza que, antevendo a sua saída prisional em 3 de Fevereiro de 2020 por previsível cumprimento integral da pena de prisão por que tinha sido condenada no outro processo penal (com o n.o CR1-19-0073-PCC, também no TJB), lhe aplicou a prisão preventiva para aguardar em termos ulteriores do processo, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação dessa decisão judicial, com almejada aplicação de uma medida coactiva não privativa de liberdade, para ela, com doença grave, poder submeter-se a tratamentos médicos e hospitalares considerados necessários para salvar a sua vida (cfr. em mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 306 a 311 do subjacente processo n.o CR5-19-0358-PCC).
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador (a fl. 312 a 312v do mesmo processo) no sentido de improcedência do mesmo.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fl. 322 a 322v), no sentido de não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O despacho judicial ora recorrido, aplicador de prisão preventiva à arguida ora recorrente por entendida já forte indiciação da prática, por ela, em co-autoria material, de um crime de usura para jogo com exigência ou aceitação de documento, p. e p. pelos art.os 14.o e 13.o da Lei n.o 8/96/M, e de um crime de usura para jogo do art.o 13.o da mesma Lei, com verificação, sobretudo, do perigo de fuga, tem teor constante de fl. 301 a 301v do subjacente processo penal, cuja fundamentação se dá por aqui integralmente reproduzida.
A arguida chegou a apresentar à consideração do Tribunal, o relatório médico de 6 de Dezembro de 2018 do Centro Hospitalar Conde de São Januário (cfr. o teor em inglês de fl. 239 do mesmo processo, com tradução portuguesa a fl. 291), no qual a pessoa médica sua autora sugeriu que a arguida, “encaminhada da prisão devido ao histórico de cancro do colo do útero, após cirurgia + dissecção dos gânglios infáticos pélvicos em Xangai em 01/2013”, “volte ao hospital da operação originária para tratamento”.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe afirmar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal ad quem cumpre só resolver as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso dos autos, da leitura da motivação do recurso resulta que a arguida questionou materialmente a adequação e a proporcionalidade da aplicação da prisão preventiva a ela, alegando, em síntese, o seguinte:
– resulta dos documentos juntos aos autos que ela sofre de cancro, carecendo de fazer um tratamento urgente e de ser operada num hospital de Xangai, onde já foi submetida a operação cirúrgica e andava a ser medicamente acompanhada;
– o estado de saúde dela piorou e é de todo inadiável que inicie os tratamentos;
– acontece que no estabelecimento prisional não tem feito tratamentos e os médicos do Hospital São Januário dizem-lhe que deve ser operada de novo no hospital onde foi operada da primeira vez, pelo que ela não tem sido submetida a quaisquer tratamentos, apenas toma analgésicos para aliviar as dores;
– manter uma pessoa doente com risco de entrar numa fase irreversível e terminal, sem lhe permitir a derradeira possibilidade de se submeter aos necessários tratamentos na RAEM é de todo inumano e contra as regras da salvaguarda da vida e da dignidade humanas, razão suficiente para a deixar ir tratar-se fora de Macau;
– permitir a ela ausentar-se de Macau por motivos humanitários, reconhecendo-lhe a possibilidade de não morrer em cativeiro, justificará a exclusão do receio de fuga, porquanto a saída é autorizada e de certeza que, saindo de Macau, a mesma não perturbará a ordem pública e segurança social, continuando a praticar actividade criminal;
– o direito à vida é o principal direito fundamental da humanidade, e colocando num prato da balança da justiça a necessidade de a manter privada de liberdade e no outro prato a obrigação de lhe salvar a vida, havendo conflito, este valor é manifestamente superior;
– parece, pois, não ser adequado e proporcional impedir-se ela de se deslocar à sua terra natal, a fim de se submeter a tratamentos médicos e hospitalares, tendo em vista salvar a sua vida, uma questão de humanidade.
Do acima se vê que a recorrente deseja a sua liberdade provisória com base em razões humanitárias faladas na sua motivação, as quais, para ela, são susceptíveis de afastar a adequação e a proporcionalidade da aplicação da prisão preventiva e também o receio de fuga.
Só que essas alegadas razões humanitárias podem ser objecto de contemplação na norma, citada pela Digna Procuradora-Adjunta no seu judicioso parecer emitido, do art.o 195.o do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de suspensão da execução da prisão preventiva em caso nomeadamente de doença grave da pessoa arguida.
No caso dos autos, em face dos poucos elementos disponíveis a permitir o conhecimento exacto da situação concreta da doença da recorrente (posto que o relatório médico referido na parte II do presente acórdão datou de Dezembro de 2018 e da opinião médica nele emitida não constou qual o tipo de tratamento em causa nem se a arguida não pudesse receber, em termos adequados, o tratamento em Macau), não se afigura plausível determinar, para já, a suspensão da execução da prisão preventiva da arguida, medida coactiva essa com pressupostos legais de aplicação nem sequer materialmente impugnados na motivação do recurso (e mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que seria de louvar a decisão recorrida, nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal de Macau).
Portanto, naufraga o pedido de revogação da prisão preventiva, sem prejuízo da eventual suspensão da prisão preventiva da arguida, nos termos a aquilatar pelo Tribunal recorrido, em sede própria, com indagação dos pressupostos legais da activação do mecanismo do art.o 195.o do Código de Processo Penal.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, decide-se em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela arguida, com duas UC de taxa de justiça.
Macau, 12 de Março de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)


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