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Processo n.º 7/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Fomento Predial Golden Bowl, Limitada (representada pela Companhia de Desenvolvimento Predial Cheng Hou, Limitada
Recorrido: Chefe do Executivo
Data da conferência: 3 de Abril de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Declaração da caducidade da concessão
- Falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário
- Prescrição do direito à declaração de caducidade
- Suspensão da caducidade
- Actividade vinculada
- Princípios gerais do direito administrativo
- Perda de prémio e juros já pagos

SUMÁRIO:
1. Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
2. Trata-se dum acto vinculado, sendo que a actuação da Administração constitui, em bom rigor, não só um poder mas também um dever que há de ser cumprido.
3. No presente caso, não estão em causa direitos disponíveis referidos o n.º 1 do art.º 291.º do Código Civil, que estão sujeitos à prescrição, já que a Administração tem o dever e está obrigada a declarar a caducidade da concessão, inerente à prossecução do interesse público.
4. Não se pode falar na suspensão da caducidade da concessão por falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado para o efeito enquanto já ultrapassou há muito tal prazo.
5. Face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, pelo que não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo.
6. A perda de prémio e juros já pagos a favor da RAEM é prevista no art.º 168.º da Lei n.º 10/2013 como um dos “efeitos de caducidade”, a produzir pela declaração de caducidade da concessão, daí que não se pode falar nos “efeitos já produzidos” pelos factos passados antes da mesma Lei.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Fomento Predial Golden Bowl, Limitada (representada pela Companhia de Desenvolvimento Predial Cheng Hou, Limitada), melhor identificada nos autos, interpôs o recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 26 de Abril de 2016, que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 6480 m2, situado na Península de Macau, na zona NAPE, designado por lote 12 (A2/g), descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 22461, por incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno.
Por acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 13 de Setembro de 2018, foi julgado improcedente o recurso contencioso, confirmando-se o acto administrativo impugnado.
Inconformada com a decisão, recorre Fomento Predial Golden Bowl, Limitada (representada pela Companhia de Desenvolvimento Predial Cheng Hou, Limitada) para o Tribunal de Última Instância, suscitando as seguintes questões:
- O eventual direito de declaração de caducidade decorrente da cláusula décima terceira do contrato de concessão encontra-se prescrito, nos termos do art.º 302.º do Código Civil;
- A partir do momento em que a Administração lhe comunica a intenção de declarar a caducidade da concessão por falta de aproveitamento, a recorrente ficou absolutamente impedida de prover ao aproveitamento do concessionado, ou seja, de exercer o seu direito, pelo que suspendeu-se o prazo da caducidade do arrendamento durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, ou, por outras palavras, durante o tempo em que a concessionária estiver impedida de prover ao aproveitamento do terreno, nos termos do n.º 1 do art.º 313.º do Código Civil, daí que não poderia o douto Tribunal a quo decidir pela caducidade da concessão, sob pena da violação do n.º 1 do art.º 313.º do Código Civil, ex vi do n.º 2 do art.º 322.º do mesmo diploma;
- Há obscuridade, contradição ou insuficiência na fundamentação do acto administrativo, não resultando esclarecida a sua motivação, o que equivale à falta de fundamentação, fulminando o acto de vício de forma, devendo por isso ser anulado ou declarado nulo nos termos legais;
- Não tendo o douto Tribunal a quo atendido ao alegado vício de forma, a decisão proferida no Acórdão recorrido violou o n.º 2 do art.º 115.º do CPA;
- Foi violado o princípio da livre apreciação das provas, assim como a norma constante do n.º 1 do art.º 558.º do CPC, porquanto a valoração de determinados factos e a desvalorização de outros, por banda do douto tribunal a quo, encontrando-se todos em pé de igualdade quanto à sua força probatória, nos termos da lei, transparece arbitrariedade no julgamento da factualidade disponível;
- Padece o Acto recorrido de vício de violação de lei e ofensa ao princípio da legalidade, por violação à alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira e ao n.º 1 e n.º 2 da cláusula oitava do contrato de concessão;
- O Acto recorrido viola a alínea a) do n.º 1 do art.º 166.º da antiga Lei de Terras ou, assim não se entendendo, o que não se concede e apenas admite para efeitos do presente raciocínio, o Acto recorrido viola a alínea 1) do n.º 1 do art.º 166.º da nova Lei de Terras, enfermando vício de violação de lei, assim como ofende o princípio da legalidade previsto n.º 1 do art.º 3.º do CPA;
- O Acto recorrido padece de violação de lei por erro manifesto ou por total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CPAC;
- A decisão recorrida mais viola o princípio da boa fé, princípio da tutela da confiança e princípio da justiça, nos termos previstos nos artigos 8.º e 7.º do CPA;
- O Acto recorrido ainda viola a alínea c), do n.º 1 da cláusula décima do contrato de concessão, enfermando vício de violação de lei, assim como ofende o princípio da legalidade previsto n.º 1 do art.º 3.º CPA;
- Por ofensa às disposições constantes do n.º 3 do art.º 42.º, art.º 25.º e n.º 1 do art.º 36.º, todos do Regulamento Geral da Construção Urbana, as quais, provocando a impossibilidade da concessionária prover ao aproveitamento do terreno, o Acto recorrido é anulável, enfermando vício de violação de lei, assim como por ofensa ao princípio da legalidade;
- Não tendo o douto Tribunal a quo julgado questão de direito submetida à sua apreciação, o Acórdão está viciado de nulidade, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1.º do CPAC;
- Perante os casos com contornos em tudo similares ao tratado nos presentes autos, expostos e devidamente identificados nos mesmos, salvo diferente e mais douto entendimento, a Recorrente não consegue conceder qualquer outra situação, ou situações, onde a violação ao princípio da igualdade possa ser invocada com maior enriquecida propriedade;
- O acto que declara a caducidade da concessão está inquinado de vício de forma por falta de fundamentação e viola frontalmente os princípios da igualdade, imparcialidade e boa fé, devendo, por conseguinte, ser anulado nos termos legais, tudo em termos como impostos nos art.º 21.º, n.º 1, al. c) e art.ºs 5.º e 7.º do CPA;
- Foi violado ainda o princípio da proporcionalidade, imposto à actividade administrativa pelo n.º 2 do art.º 5.º do CPA;
- O Acto recorrido é ineficaz ou ilegal (ou inconstitucional), no que concerne a hipotética decisão de perda do prémio e juros já pagos, acrescendo ser aqui configurável um abuso de direito por parte da Administração;
- Não deveria a administração cobrar prémios se não reconhece a existência do contrato; cobrando-o, está a reconhecer o direito ao aproveitamento, doutra forma não o deveria fazer, e, admitindo o direito à utilização do terreno pelo concessionário, através do recebimento do prémio, tem aplicabilidade a estatuição constante do artigo 323.º do Código Civil, porquanto configura causa impeditiva da caducidade.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Foram dados como provados os seguintes factos com pertinência para a decisão do recurso:
- A recorrente é uma sociedade comercial com sede em Macau.
- Por despacho n.º 80/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial n.º 27, de 6.7.1992, rectificado pelos Despacho n.º 92/SATOP/92 e Despacho n.º 80/GM/92, foi concedido a favor da recorrente, por arrendamento, o terreno com a área de 6480 m², sito na Península de Macau, na ZAPE, designado por lote 12.
- O arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do referido Despacho que titula o contrato de concessão.
- De acordo com o estipulado na cláusula terceira do contrato de concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício com 13 pisos, em regime de propriedade horizontal, assente num pódio com 3 pisos, destinado às finalidades de comércio, habitação e estacionamento.
- De acordo com n.º 1 da cláusula quinta do contrato de concessão, o aproveitamento do terreno deveria operar-se no prazo global de 42 meses, contados a partir da publicação no Boletim Oficial daquele Despacho, ou seja, até 6.1.1996.
- Ainda de acordo com a mesma cláusula quinta, o segundo outorgante, ora Recorrente, deveria, relativamente à apresentação dos projectos e início das obras, observar os seguintes prazos:
* 90 dias, contados da publicação do referido despacho, para a elaboração e apresentação do anteprojecto de obra (projecto de arquitectura);
* 90 dias, contados da notificação da aprovação do anteprojecto de obra, para elaboração e apresentação do projecto de obra (projectos de fundações, estruturas, águas, esgotos, electricidade e instalações especiais);
* 45 dias, contados da data da notificação da aprovação do projecto de obra, para o início das obras.
- Estatuía-se ainda na referida cláusula quinta que:
* Para efeitos do cumprimento dos prazos referidos no número anterior, os projectos só se considerariam efectivamente apresentados quando completa e devidamente instruídos com todos os elementos;
* Para efeitos da contagem do prazo (de 42 meses) entendeu-se que, para a apreciação dos projectos, os Serviços competentes observariam um prazo de 90 dias;
* Caso os Serviços competentes não se pronunciassem no prazo de 60 dias, o segundo outorgante poderia dar início às obras projectadas 30 dias após comunicação por escrito à DSSOPT, sujeitando, todavia, os projectos a tudo o que se encontrava disposto no Regulamento Geral de Construção Urbana (RGCU) ou em quaisquer outras disposições aplicáveis e ficando sujeito a todas as penalidades previstas naquele RGCU, com excepção da estabelecida para a falta de licença. Todavia, a falta de resolução, relativamente ao anteprojecto de obra, não dispensava o segundo outorgante da apresentação do respectivo projecto de obra.
- Nos termos da cláusula sexta do referido contrato ficou estabelecido que:
* Constituíam encargos especiais a suportar exclusivamente pela recorrente a desocupação do terreno e remoção do mesmo de todas as construções e materiais aí existentes.
- Nos termos da cláusula oitava do referido contrato ficou estabelecido o seguinte:
* Salvo motivos especiais devidamente justificados, aceites pelo primeiro outorgante, pelo incumprimento dos prazos fixados na cláusula quinta, relativamente à apresentação de qualquer dos projectos, início e conclusão das obras, o segundo outorgante ficou sujeito a multa até $2.000,00 patacas, por cada dia de atraso até 60 dias; para além desse período e até ao máximo global de 120 dias, ficava sujeito a multa até ao dobro daquela importância;
* O segundo outorgante ficava exonerado da responsabilidade acima referida em casos de força maior ou de outros factos relevantes que estivessem, comprovadamente, fora do seu controlo;
* Consideravam-se casos de força maior os que resultassem exclusivamente de eventos imprevisíveis e irresistíveis;
* Para efeitos do disposto no n.º 2 dessa cláusula, a recorrente obrigava-se a comunicar, por escrito, ao primeiro outorgante, o mais rapidamente possível, a ocorrência dos referidos factos.
- Na cláusula décima terceira do contrato ficou estabelecido que o mesmo caducaria, entre outros casos, findo o prazo da multa agravada previsto na cláusula oitava.
- Conforme a cláusula nona do contrato de concessão, o prémio foi fixado no valor de MOP$445.000.000,00, sendo pago em prestações.
- A recorrente pagou as primeiras três prestações de acordo com o estipulado no contrato, pagou as restantes três prestações do prémio fora do prazo, tendo a última prestação do prémio, que devia ter sido paga em Julho de 1994, apenas paga em Janeiro de 2008.
- Em 29.11.1993, foi emitida a licença de obra de fundação, com prazo de validade até 6.1.1996, tendo sido autorizado o início da obra em 28.1.1994.
- Em 16.12.1993, a recorrente apresentou um projecto de alteração de electricidade, tendo a DSSOPT solicitado, em 7.8.1995, à recorrente o cumprimento do parecer da Companhia de Electricidade de Macau (CEM).
- Em 3.8.1995, a recorrente apresentou um projecto de alteração de arquitectura e pediu a emissão de licença da obra de superestrutura.
- Em 14.11.1995, a DSSOPT comunicou que o projecto de alteração de arquitectura tinha sido aprovado condicionalmente, uma vez que a área total para comércio e habitação excedia o estipulado no contrato de concessão.
- Entretanto, a DSSOPT não respondeu ao pedido da recorrente formulado em 3.8.1995 quanto à emissão de licença da obra.
- Em 6.1.1996, completa-se o prazo contratual de aproveitamento.
- Por ofício de 16.11.2011, a concessionária foi notificada, em sede de audiência de interessados, do projecto de decisão no sentido da provável declaração de caducidade da concessão do terreno correspondente ao lote 12 por incumprimento das obrigações contratuais.
- Em 28.11.2011, a concessionária apresentou a sua defesa por escrito.
- Reunida em sessão de 4.9.2014, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
“Proc n.º 69/2013 – Respeitante à proposta de declaração da caducidade da concessão, por arrendamento e precedida de concurso público, do terreno com a área de 6480m2, situado em Macau, nos Novos Aterros do Porto Exterior, designado por lote 12 (A2/g), a favor da sociedade “Fomento Predial Golden Bowl, Limitada”, pelo incumprimento das disposições do contrato, nomeadamente a do aproveitamento do terreno nos prazos fixados, cuja concessão foi titulada pelo Despacho n.º 80/SATOP/92 e rectificada pelo Despacho n.º 92/SATOP/92 e pelo despacho n.º 80/GM/92. Declarada a caducidade da concessão, reverterão para a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo a concessionária direito a ser indemnizado ou compensado.
I
1. Devido ao resultado do concurso público realizado em 28 de Abril de 1992, através do Despacho n.º 80/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, rectificado pelos Despacho n.º 92/SATOP/92 e Despacho n.º 80/GM/92, foi concedido, por arrendamento, o terreno com a área de 6480m2, situado nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), designado por lote 12 (A2/g), a favor da sociedade “Fomento Predial Golden Bowl, Limitada”.
2. Nos termos da cláusula segunda do contrato de concessão titulado pelo referido despacho, o prazo de arrendamento do terreno é de 25 anos, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau desse despacho, ou seja, de 6 de Julho de 1992 a 5 de Julho de 2017.
3. De acordo com o estipulado no n.º 1 da cláusula quinta do referido contrato, o prazo global de aproveitamento do terreno era de 42 meses, contados a partir da data de publicação do Despacho n.º 80/SATOP/92, ou seja, a partir de 6 de Julho de 1992 a 5 de Janeiro de 1996. Além disso, conforme o estipulado no n.º 2 da mesma cláusula, devia a concessionária elaborar e apresentar no prazo de 90 dias, contados a partir da data da publicação do referido despacho, o anteprojecto de obra (projecto de arquitectura); devia a mesma no prazo de 90 dias, contados a partir da data da notificação da aprovação do anteprojecto de obra, elaborar e apresentar o projecto de obra (projectos de fundações, estruturas, águas, esgotos, electricidade e instalações especiais) e devia no prazo de 45 dias, contados a partir da data da notificação da aprovação do projecto da obra, iniciar as obras.
4. Nos termos da cláusula terceira do aludido contrato, o terreno é aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, composto por duas torres com 13 pisos, assentes num pódio com 3 pisos, destinado à finalidades de comércio, habitação e estacionamento.
5. Conforme a cláusula nona do mencionado contrato, o prémio é fixado no valor de $445.000.000,00 patacas e é pago em prestações. Conforme os dados de acompanhamento financeiro, a sociedade “Fomento Predial Golden Bowl, Limitada” (adiante designada por “Golden Bowl”) depois de ter pago pontualmente as primeiras três prestações do prémio de acordo com o estipulado no contrato, as restantes três prestações do prémio foram todas pagas fora do prazo, tendo a última prestação do prémio, no valor de $60.575.848,00 patacas (que devia ter sido paga em Julho de 1994), apenas sido paga em Janeiro de 2008, portanto, com um atraso de mais de 13 anos.
6. Em 29 de Novembro de 1993, foi emitida à concessionária a licença da obra de fundação (com validade de 42 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Janeiro de 1996) e em 28 de Janeiro de 1994 foi autorizado o início da obra.
7. Em 16 de Dezembro de 1993, a concessionária apresentou um projecto de alteração de electricidade, tendo a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), em 7 de Agosto de 1995, solicitado à requerente o cumprimento do parecer da Companhia de Electricidade de Macau S.A., (CEM). Contudo, como o aludido projecto é um projecto de alteração de electricidade, o facto de não ter aprovado o projecto de alteração não constitui a razão para justificar o atraso no aproveitamento de terreno.
8. A concessionária apresentou em 3 de Agosto de 1995 o projecto de alteração de arquitectura e o pedido de licença da obra de superestrutura, tendo a DSSOPT, em 14 de Novembro de 1995, comunicado que uma vez que a área total para comércio e habitação excedia o estipulado no contrato de concessão, o projecto de alteração de arquitectura foi aprovado mas com condições. Quanto ao pedido de licença da obra de superstrutura a Administração não deu qualquer resposta.
9. Face à falta do aproveitamento dentro do prazo estipulado no contrato de concessão e ao atraso no pagamento do prémio por parte da concessionária, a DSSOPT, em 14 de Novembro de 1995, comunicado que uma vez que a área total para comércio e habitação excedia o estipulado no contrato de concessão, o projecto de alteração de arquitectura foi aprovado mas com condições. Quanto ao pedido de licença da obra de superstrutura a Administração não deu qualquer resposta.
10. A “Cheng Hou” respondeu em 2 de Abril de 1998, nos termos seguintes: “a última prestação do prémio do contrato devia ter sido paga pela “Golden Bowl” e a “Cheng Hou” já avisou a mesma para dar o seu acompanhamento”; A interrupção da obra de aproveitamento deveu-se ao facto de ter sido afectada pela política de controlo marco-económico aplicado no Interior da China e pela tempestade financeira internacional, circunstâncias essas que fizeram com que o mercado imobiliário de Macau tivesse enfraquecido e na Zona de Aterros do Porto Exterior (ZAPE) se tivessem acumulado muitos edifícios desocupados, pelo que a “Cheng Hou” planeou alterar a concepção do projecto a fim de o adaptar às necessidades da concorrência do mercado.
11. Em 15 de Outubro de 2003, a procuradora da concessionária, “Cheng Hou”, apresentou um estudo prévio respeitante à libertação da altura do edifício para 95m à libertação do índice de utilização do solo (IUS) para 12 e à libertação do limite de volumetria construtiva. Em 1 de Março de 2004, a DSSOPT comunicou que só após ter definido os respectivos condicionamentos urbanísticos é que iria emitir parecer sobre o estudo prévio.
12. Em 30 de Dezembro de 2008, a “Cheng Hou” solicitou a emissão da planta de alinhamento oficial (PAO) relativa ao referido terreno, a qual foi emitida em 10 de Agosto de 2009 (PAO n.º 2008A111). Posteriormente, a “Cheng Hou” apresentou, em 17 de Junho de 2010, uma reclamação contra os condicionamentos definidos, e posteriormente em resposta à solicitação do órgão administrativo a mesma apresentou em 3 de Setembro de 2010 os respectivos documentos suplementares.
13. Segundo as informações do Departamento de Planeamento Urbanístico (DPUDEP) da DSSOPT, actualmente, atendendo o facto de o terreno em causa estar inserido nos processos de terrenos não aproveitados, a respectiva reclamação fica a aguardar os resultados do seu tratamento.
14. Conforme as informações constantes do processo, as fotografias tiradas em 28 de Novembro de 1996 mostram que a obra de cravação de estacas já se encontra basicamente concluída e conforme as fotografias aéreas obtidas em 26 de Novembro de 2010 por download na Rede de Informação Cadastral, ainda não tinha sido iniciada a obra de superstrutura do edifício.
15. De acordo com a certidão do registo predial apresentada pela “Cheng Hou”, em 22 de Abril de 2010, o terreno em causa encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22461 do livro B31K e inscrito a favor da concessionária “Fomento Predial Golden Bowl, Limitada” sob o n.º 3027, com uma hipoteca voluntária inscrita a favor do Banco Tai Fung, SARL, sob o n.º 84769, cujo montante da garantia de crédito é de $250.000.000,00 patacas, no sentido de proporcionar a abertura de crédito em concessão de facilidades bancárias gerias a favor da “Companhia de Desenvolvimento Predial Cheng Hou, Limitada”.
II
16. A fim de reforçar a fiscalização do aproveitamento dos terrenos concedidos e optimizar a gestão dos recursos dos solos, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (SOPT) determinou por Despacho n.º 07/SOPT/2010, de 8 de Março, que a DSSOPT notificasse todos os concessionários dos terrenos não aproveitados, para que justificassem o facto por escrito, no prazo de 1 mês a contar da data da recepção das notificações, e que a DSSOPT procedesse também, após a recepção das justificações, à sua análise e definição de um plano de tratamento das situações e da respectiva ordem de prioridade.
17. Após vários discussões e análises com o Gabinete do SOPT sobre o tratamento dos terrenos não aproveitados, o Departamento de Gestão de Solos (DSODEP) da SDDOPT submeteu à consideração superior através da informação n.º 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio, o mapa da situação dos terrenos não aproveitados, os critérios de classificação do grau de gravidade dos mesmos e as situações de incumprimento dos contratos, bem como os princípios de tratamento dos processos, tudo no intuito de permitir estabelecer orientações claras e precisas para o tratamento dessas situações. O SOPT concordou com os respectivos critérios de classificação do grau de gravidade e os princípios de tratamento definidos na informação atrás referida, os quais foram também autorizados por despacho do Chefe do Executivo, de 31 de Maio do mesmo ano.
18. Deste modo, através de ofício de 23 de Março de 2010, a DSSOPT solicitou à concessionária a apresentação de uma justificação e todas as informações aplicáveis referentes à situação do incumprimento do aproveitamento do terreno para efeitos de apreciação pela Administração.
19. Em 22 de Abril de 2010, a “Cheng Hou”, representada por A e B, submeteu uma resposta, a expor principalmente o seguinte:
19.1 A obra de fundação do edifício tinha ficado concluída em 1994, no entanto, naquela altura devido à política de reajustamento macro-económico adoptada no Interior da China e à recessão das economias asiáticas, os investidores vindos do Interior da China ficaram incapacitados de movimentar os seus capitais, circunstâncias essas que fizeram com que os planos de desenvolvimento tivessem ficado suspensos e só em 2003 se tivessem reiniciado, tendo então sido apresentado à DSSOPT um novo plano de desenvolvimento;
19.2 Com a retoma da economia aumentou a procura de habitação, e por isso a “Cheng Hou” apresentou logo um estudo prévio de aproveitamento do terreno, no entanto, a mesma foi notificada pela DSSOPT em 1 de Março de 2004 que o referido estudo apenas poderia ser apreciado depois de ter sido elaborado o projecto de planeamento para a respectiva zona;
19.3 Após a revogação da Portaria n.º 6891/M, foi emitida em 2009 a respectiva PAO, facto este que deu esperança razoável à “Cheng Hou” de eliminação dos limites ao desenvolvimento estipulados na respectiva portaria;
19.4 A “Cheng Hou” apresentou em 2004 um estudo prévio, no qual se pretende construir um edifício com 90m de altura. Esse estudo prévio está ser analisado pela DSSOPT (nota: conforme as informações fornecidas pelo Departamento de Urbanização (DIRDEP), o referido estudo prévio foi apresentado em 15 de Outubro de 1993, com registo n.º T-4015, cuja altura do edifício proposta foi de 95m e era destinado às finalidades habitacional, comercial e de estacionamento);
19.5 O prémio ($455.000.000,00) e os respectivos juros de mora ($70.677.245,00 patacas) foram pagos na sua totalidade em 2008;
19.6 Quando o referido problema estivesse resolvido e tivesse ficado concluída a revisão do contrato de concessão, a “Cheng Hou” iria iniciar de imediato a obra de aproveitamento do terreno;
19.7 Em 28 de Janeiro de 2008, o Banco Tai Fung concedeu à “Cheng Hou” uma garantia de crédito no valor de $250.000.000,00 patacas como suporte financeiro para desenvolver o empreendimento em causa.
20. O DSODEP analisou o presente processo através da informação n.º 091/DSODEP/2011, de 3 de Maio, na qual indicou que de acordo com os critérios de classificação de gravidade de terrenos não aproveitados, o presente caso pertencia a duas situações consideradas de “grave”, “decorreu o prazo de aproveitamento de terrenos e não apresentou o requerimento de prorrogação + incumprimento dos requisitos técnicos da DSSOPT a longo prazo, apresentando apenas o projecto de alteração de aproveitamento de terrenos” e “decorreu o prazo de aproveitamento de terrenos e não apresentou o requerimento de prorrogação + decorreu o período de validade do projecto aprovado mas não foi efectuada a sua revalidação”. A informação refere ainda que o não aproveitamento do terreno devia ser inteiramente imputado à concessionária do terreno “Golden Bowl” e à sua procuradora “Cheng Hou”. O teor principal da informação é o seguinte:
20.1 Em primeiro lugar, desde a publicação em 6 de Julho de 1992 do Despacho n.º 80/SATOP/92 que titulou a revisão do contrato de concessão até à apresentação pela “Cheng Hou”, em 15 de Outubro de 2003, do estudo prévio para a modificação do aproveitamento, embora a política de controlo macro-económico aplicada no Interior da China (iniciada em meados de 1993), a tempestade financeira asiática (de 1997 a 1998) e a epidemia SARS (dos meados de 2002 a início de 2003) tenham afectado negativamente Macau, não podiam a concessionária e a sua procuradora alegar esses factos como pretextos para se esquivarem da responsabilidade da não conclusão do aproveitamento do terreno conforme o estipulado no contrato, porque antes de obter a concessão do terreno a concessionária deveria ter-se munido bem dos capitais necessários para o desenvolvimento do terreno. Além disso, tanto a concessionária como a sua procuradora deviam saber que no investimento imobiliário correm-se riscos e se deve dispor de um projecto para tratamento de riscos e crises, e excepto nos casos de força maior, a mesma está obrigada a cumprir pontualmente o contrato de concessão do terreno.
20.2 Em segundo lugar, a concessionária solicitou em 3 de Agosto de 1995 (T-3857) a emissão da licença da obra de superstrutura, pedido este que não obteve a autorização desta Direcção de Serviços. No entanto, a concessionária nunca mais deu qualquer acompanhamento e só em 2 de Abril de 1998, sob solicitação desta Direcção de Serviços, é que a sociedade “Cheng Hou” apresentou, na qualidade de procuradora da concessionária, uma justificação, na qual afirmou que a suspensão da obra de aproveitamento se deveu ao facto de ter sido afectada pela política de controlo macro-económico aplicada no Interior da China e pela tempestade financeira internacional, circunstâncias essas que fizeram com que o mercado imobiliário de Macau tivesse enfraquecido e no NAPE se tivessem acumulado muitos edifícios desocupados, pelo que a sociedade “Cheng Hou” planeou alterar a concepção inicial do projecto a fim de o adaptar às necessidades da concorrência do mercado.
20.3 Todavia, desde 2 de Abril de 1998 (data em que apresentou a justificação) até 15 de Outubro de 2003 (isto é, data em que apresentou o projecto de modificação do aproveitamento do terreno T-4015), durante este período de mais de cinco anos e meio, a concessionária ou a “Cheng Hou” nunca apresentaram qualquer projecto de modificação do aproveitamento do terreno, nem solicitaram a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, e indiciando isto que a mesma não pretendia cumprir as obrigações do contrato de concessão do terreno.
20.4 Além disso, a concessionária devia ainda a última prestação do prémio no valor de $60.575.848,00 patacas, cujo atraso era já de mais de 13 anos, só depois desta Direcção de Serviços ter insistido várias vezes é que em 2008 a mesma foi efectuar o pagamento, facto que demonstrou que a concessionária não possuía os capitais necessários para o desenvolvimento do terreno.
20.5 Conforme a situação acima referida, o não aproveitamento do terreno em tempo oportuno deve ser imputável à concessionária devido à falta de capitais necessários para o desenvolvimento do terreno e à falta de interesse, não podendo a mesma alegar o ambiente económico como pretexto para se esquivar às responsabilidades pelo não aproveitamento do terreno de acordo com o estipulado no contrato.
20.6 Quanto ao estudo prévio (T-4015) apresentado pela concessionária, em 13 de Outubro de 2003, respeitante à libertação da altura do edifício e do IUS, apesar da mesma não ter recebido uma resposta directa desta Direcção de Serviços acerca dos respectivos problemas, não pode no entanto invocar que tal seja uma razão para o não cumprimento do aproveitamento de acordo com o estipulado no contrato, uma vez que a concretização do desenvolvimento do empreendimento conforme o aproveitamento e finalidades estabelecidos no contrato de concessão do terreno era a obrigação da concessionária. Se de 3 de Agosto de 1995 (data em que solicitou a emissão da licença da obra de superstrutura) a 15 de Outubro de 2003 (data em que apresentou o projecto de modificação do aproveitamento do terreno T-4015), ou seja, se durante este período de mais de 8 anos a concessionária tivesse sido capaz de dar acompanhamento à situação do aproveitamento do terreno, o aproveitamento do terreno já poderia ter ficado concluído.
Por último, o DSODEP concluiu o seguinte:
20.7 Por todo o exposto, uma vez que a responsabilidade pelo não aproveitamento do terreno deve ser imputada à concessionária e que o prazo de aproveitamento fixado no contrato de concessão do terreno já terminou, o Chefe do Executivo poderá por isso, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato de concessão do terreno e no n.º 2 dos artigos 166º e 167º da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho, (Lei de Terras), declarar a caducidade da concessão do terreno.
20.8 Devido à complexidade do processo e à grande probabilidade de reclamação e/ou recurso por parte da concessionária relativamente à declaração de caducidade da concessão, o DSODEP propôs deste modo o envio deste processo ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para emissão de parecer sobre se estão reunidas ou não as condições suficientes para se desencadear o processo de devolução do terreno, bem como realizar um profundo estudo sobre os seus fundamentos legais, nomeadamente se as seguintes situações constituirão ou não impedimentos ao processo de devolução do terreno.
20.8.1 A concessionária solicitou, em 3 de Agosto de 1995, a emissão da licença de superstrutura, todavia, esta Direcção de Serviços não deu qualquer resposta à mesma;
20.8.2 A concessionária apresentou, em 13 de Outubro de 2003, um estudo prévio respeitante à libertação da altura do edifício e do IUS, e esta Direcção de Serviços respondeu que só depois de estarem definidos os respectivos condicionamentos urbanísticos é que se iria emitir um parecer sobre o respectivo estudo prévio;
20.8.3 Esta Direcção de Serviços emitiu, em 10 de Agosto de 2009, a PAO n.º 2008A111, tendo o limite de altura do edifício (65m NMM), a altura do pódio (13,6m), entre outros condicionamentos nela fixados sido mais libertados em comparação com o “Plano do NAPE”. Apesar de ter de obedecer ainda ao disposto no artigo 88º do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU) respeitante ao cálculo da sombra, não se estabeleceu, no entanto, um limite especial para o IUS.
21. O director da DSSOPT proferiu em 04 de Maio de 2011 o seu despacho na referida informação, concordando com a respectiva proposta.
22. Nestas circunstâncias, o DJUDEP procedeu à análise jurídica do processo através da informação n.º 26/DJUDEP/2011, de 10 de Junho de 2011, cujo conteúdo principal é o seguinte:
22.1 De acordo com o historial do processo analisado na citada informação n.º 091/DSODEP/2011, elaborada pelo DSODEP, pode-se dizer que estamos perante uma situação que juridicamente se apelida de incumprimento das obrigações contratuais, porquanto está em causa o facto de a concessionária não ter cumprido os prazos contratualmente firmados para o aproveitamento do terreno, assim como do prazo de pagamento pontual do prémio do contrato de concessão.
22.2 As causas de inobservância do prazo contratual apresentadas pela concessionária, nomeadamente, a aplicação da política de controlo macro-económico pela China Continental, a influência da crise económica e monetária do Sudeste da Ásia, a necessidade de alteração do projecto para se adaptar às necessidades de competitividade do mercado, o facto de a DSSOPT não se ter pronunciado sobre o novo projecto de arquitectura submetido em 15 de Outubro de 2003 e o facto de a PAO n.º 2008A111, emitida pela DSSOPT, em 10 de Agosto de 2009, estar em dissonância co o Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, leva-nos a concluir que se a concessionária tivesse feito o aproveitamento do terreno conforme o consignado no Despacho n.º 80/SATOP/92, revisto pelo Despacho n.º 80/GM/92 essas questões, não se colocavam, porquanto as mesmas surgiram no período em que o prazo limite de aproveitamento global do terreno já tinha expirado.
22.3 E mesmo se por hipótese algumas dessas causas tivessem surgido no decurso do prazo fixado para o aproveitamento global do terreno, elas não são consideradas causas de força maior que isentam a concessionária do dever de cumprir a obrigação firmada no contrato, pois cabia-lhe o dever de fazer a avaliação do mercado e acautelar os riscos do empreendimento antes de envolver-se no negócio.
22.4 Conforme resulta do n.º 1 do artigo 400º do Código Civil, o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
22.5 Resulta também do n.º 2 do artigo 793º do Código Civil, que o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
22.6 Verifica-se que a sociedade concessionária para além de não cumprir oportunamente, como devia, com a obrigação de realizar integralmente o aproveitamento a que se vinculou a mesma, numa manobra especulativa, veio solicitar a alteração do projecto de arquitectura em ordem a construir edifício com altura muito superior àquela estabelecida no contrato da concessão.
22.7 Saliente-se que o comportamento da concessionária fez com que a Administração deixasse de ver efectivado em tempo oportuno o aproveitamento do terreno (preocupação dominante no regime jurídico das concessões de terrenos) com os prejuízos inerentes, porquanto deixou de dispor de uma infra-estrutura habitacional e comercial que lhe permite satisfazer as necessidades de maior oferta de habitação.
22.8 É verdade que a atitude da Administração, ao não apreciar atempadamente o pedido de alteração do projecto de arquitectura e ter condicionado essa apreciação à emissão da nova PAO para a zona, criou na concessionária legítima expectativa e ideia de impunidade assente na tolerância exagerada da Administração.
22.9 Contudo, embora nos termos do preceituado nos artigos 12º e 60º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, a Administração devesse ter sido mais célere relativamente aos procedimentos conducentes à apreciação do pedido, porquanto a sua actuação pauta-se no dever de providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento, mas não o tendo feito no prazo legal, o seu acto deve ser entendido pelo interessado como sendo um indeferimento tácito, cabendo ao mesmo impugná-lo conforme o disposto no artigo 102º do CPA.
22.10 Para o caso vertente, é de realçar que prevê o artigo 49º da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras), que a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão e só se converterá em definitivo se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas e o terreno demarcado definitivamente.
22.11 A concessionária não realizou o aproveitamento global do terreno, tendo apenas concluído os trabalhos das obras das fundações em 1994, e desde então, tem vindo a insistir na alteração do projecto para a construção de um edifício com altura máxima permitida para as zonas de imediações do Farol da Guia (90m NMM), não obstante o definido na PAO n.º 2008A111, emitida pela DSSOPT em 10 de Agosto de 2010, resultante dos fundamentos constantes da informação n.º 033/DPU/2009, de 22 de Janeiro de 2009 do DPUDEP.
22.12 Deste modo, resulta evidente que o aproveitamento global do terreno não foi realizado por razões imputáveis à concessionária e, por conseguinte, a concessão continua a ser considerada provisória, o que determina a sua caducidade por força do previsto no n.º 2 do artigo 166º da Lei de Terras.
22.13 A caducidade acima referida, também deve ser declarada por força do estabelecido na alínea c) do n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato de concessão, pois, verifica-se que houve uma interrupção do aproveitamento do terreno por um prazo superior a 90 dias, por razões imputáveis à concessionária.
Finalmente, conclui-se que:
22.14 O incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno é imputável directamente à sociedade concessionária, por isso, deve ser declarada a caducidade da concessão por decurso do prazo de aproveitamento fixado no contrato, conforme os artigos 103º e 166º, n.º 2 da Lei de Terras.
22.15 Cabe ao Chefe do Executivo declarar a referida caducidade ao abrigo do disposto no artigo 167º da Lei de Terras, com as consequências estabelecidas nos n.ºs 2 e 3 da cláusula décima terceira do contrato e no artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004. Isto é, declarada a caducidade da concessão, o terreno reverte à posse da RAEM com todas as benfeitorias nele introduzidas, sem direito a qualquer indemnização, e a concessionária perde, a favor da RAEM, a totalidade das prestações do prémio já pagas.
23. Tendo em consideração a análise do DJUDEP, o DSODEP elaborou, em 12 de Julho de 2011, a informação n.º 152/DSODEP/2011, na qual propôs ao abrigo das disposições da alínea c) do n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato e dos artigos 166º e 167º da Lei de Terras, que se prosseguisse com o procedimento de declaração de caducidade da concessão do terreno, referindo que nos termos do artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, a concessionária perderia, a favor da RAEM, a totalidade do prémio e dos juros já pagos, e que nos termos do disposto no n.º 3 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato, o terreno também deverá ser revertido para a posse da RAEM com todas as benfeitorias ali introduzidas, sem direito a qualquer indemnização. O DSODEP propôs também que a realização de audiência da concessionária sobre a respectiva decisão, assim como o envio do processo à Comissão de Terras para análise e parecer e o prosseguimento dos trâmites ulteriores. O director da DSSOPT e o SOPT emitiram pareceres favoráveis, tendo o Chefe do Executivo proferido em 19 de Agosto de 2011 o seu despacho concordante.
24. A DSSOPT, através de ofício de 16 de Novembro de 2011, notificou a “Cheng Hou” do respectivo projecto de decisão, e para no prazo de 10 dias contados a partir da data de recepção da notificação apresentar, querendo, resposta escrita sobre o respectivo projecto de decisão.
25. A “Cheng Hou” (como procuradora da concessionária) recebeu em 18 de Novembro de 2011 o ofício e submeteu a sua resposta (a versão original é em língua portuguesa) no dia 28 de Novembro do mesmo ano, cujo resumo é o seguinte:
“II – Do projecto de decisão e dos seus fundamentos
10. (……), essa Direcção de Serviços imputa à Respondente a responsabilidade pelo incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno, razão pela qual projecta decidir pela aplicação da sanção da caducidade da concessão.
11. Desde logo se refira que, conforme adiante se demonstrará, até 2011, a conduta da Administração traduz um reconhecimento do direito da concessionária em aproveitar o terreno.
12. Desde modo, nos termos do n.º 2 do artigo 323º do Código Civil, a alegada caducidade daquele direito resulta impedida.
13. Por outro lado, ainda que assim não fosse, o que só por hipótese se cogita, o direito de declarar a caducidade encontra-se prescrito, nos termos do artigo 302º do CC.
14. Com efeito, neste normativo é estipulado o prazo ordinário de 15 anos para o exercício de qualquer direito, sendo que, se a caducidade se houvesse verificado findo o prazo contratado, isto é, em 5 de Janeiro de 1996, teria que ser declarada até 5 de Janeiro de 2011, o que não sucedeu no caso vertente.
15. Sem prejuízo do supra alegado, por outras e diversas vias se conclui que não se encontram reunidos os pressupostos necessários para a aplicação da sanção da caducidade do direito de concessão da Respondente.
Vejamos:
16. Para chegar àquela conclusão, alicerça-se na informação n.º 152/DSODEP/2011, de 12 de Julho de 2011, do DSODEP, na informação n.º 26/DJUDEP/2011, de 10 de Junho de 2011, do DJUDEP, e na informação n.º 091/DSODEP/2011, de 3 de Maio de 2011, do DSODEP.
17. Todavia, no entender da Respondente, da análise de todo o processo, não sobressai a certeza objectiva de que o prazo de aproveitamento haja terminado ou se tenha renovado ou prorrogado.
18. Pelo contrário, toda a conduta desenvolvida pelas partes entre 1992 e 2011 configura uma situação, de facto e de direito, de vigência do contrato e do prazo de aproveitamento e, ainda, do interesse do concedente e da concessionária na sua concretização.
19. Efectivamente, ao longo deste período, quer a Respondente quer a Administração foram praticando diversos actos no âmbito deste processo, só possíveis, ou
19.1 estando o prazo de aproveitamento do terreno em vigor, ou, pelo menos,
19.2 se a prorrogação do prazo foi aceite por ambas as partes em virtude da conjuntura económica desfavorável que então se vivia, procurando ambas as partes contratantes encontrar a melhor solução.
20. Desde logo, da referida listagem sobressaem os ofícios dessa Direcção de Serviços de 9 de Dezembro de 1997 e 5 de Março de 1998, pelos quais a Administração, não sendo indiferente à retracção do mercado imobiliário (conforme é referido no ofício de 1 de Fevereiro de 2006), solicita à concessionária uma explicação para a suspensão da obra e ainda o pagamento da última prestação do prémio, bem como a indicação do prazo necessário para o aproveitamento da terreno concessionado.
21. Como é evidente, se o prazo de aproveitamento não permanecesse em vigor ou se o mesmo não fosse, desde o início, aceite pelas partes e, ainda, se a Administração tivesse perdido o interesse na manutenção do vínculo contratual derivado do contrato de concessão, nenhum sentido teria solicitar-se o pagamento da última prestação do prémio ($60.575.848,00 patacas) e a indicação do prazo adicional necessário para completar o aproveitamento do terreno.
22. Em 20 de Março de 1998 (Requerimento registado na DSSOPT sob o n.º 3985), a Respondente apresentou a justificação para a suspensão das obras, a qual foi aceite pela Administração, não lhe tendo sido por isso aplicado qualquer multa ou outra penalização, na linha da sua política de conjugação mútua de esforços para atenuar os efeitos negativos da profunda crise económica que então se vivia, tendo nomeadamente tomado medidas legislativas para:
i. o desagravamento dos custos no pagamento dos juros moratórios dos prémios (Decreto-Lei n.º 71/95/M, de 26 de Dezembro);
ii. o combate à imobilização do mercado e à existência de número considerável de fracções autónomas por ocupar, através do regime de bonificação de crédito para a aquisição de imóveis de valor não superior a $750.000,00 patacas (Decreto-Lei n.º 35/96/M, de 8 de Julho);
iii. a redução do valor dos imóveis de $2.000.000,00 patacas para $500.000,00 patacas para a fixação de residência em Macau pelos titulares de investimento que sejam residentes permanentes em Hong Kong (Decreto-Lei n.º 22/97/M, de 11 de Julho).
23. Com efeito, por ofício de 25 de Maio de 1998, essa Direcção de Serviços assinala ter recebido aquela última carta da Respondente e cessa de pedir esclarecimentos sobre a suspensão das obras, apenas reiterando o pedido de pagamento da última prestação e a indicação de prazo para aproveitamento do terreno.
24. Ulteriormente, tal posição foi confirmada por ofício de 14 de Janeiro de 1999, donde se conclui que o concedente compreendeu e aceitou, desde o início, as dificuldades sentidas no sector da construção civil de Macau e por esta razão, no caso sub judice, quis manter em pleno vigor o contrato de concessão do terreno, não se aplicando à Respondente qualquer multa ou outra penalização pela não conclusão das obras no prazo inicialmente previsto (5 de Janeiro de 1996).
25. Mais tarde, em 15 de Outubro de 2003 (T-4015), face à alteração da conjuntura económica, a Respondente requereu a alteração do projecto de arquitectura para o aproveitamento do terreno, mediante a apresentação do respectivo estudo prévio.
26. Ao que essa Direcção de Serviços, longe de responder que o prazo de aproveitamento se encontrava findo e indeferir o requerido, antes respondeu que a decisão dependeria da aprovação do novo plano urbanístico previsto para a zona.
27. Ora, até ao momento, ainda não foi tal plano urbanístico aprovado, tendo sido apenas revogada, em 21 de Agosto de 2006, a Portaria n.º 68/91/M, de 18 de Abril (PIUNAPE) e estabelecida a cota altimétrica máxima para os terrenos referidos no Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, factos que demonstram com clarividência a desactualização dos condicionalismos urbanísticos ditados pela referida Portaria n.º 68/91/M e a lógica do estudo prévio apresentado em 2003.
28. Pelo que, salvo o devido respeito, o que se verifica actualmente é que foi essa Direcção de Serviços que (ao fazer depender o seu dever de decidir sobre, precisamente, o estudo prévio para o aproveitamento do terreno submetido pela Respondente, de uma condição suspensiva que, até ao momento, ainda se não verificou).
29. Está a impedir o aproveitamento do terreno.
30. A este respeito, não podemos concordar minimamente com o entendimento de que se estaria perante um acto de indeferimento tácito.
31. É que como é consabido, só existe o indeferimento tácito quando se verifica o silêncio absoluto da Administração.
32. Todavia, o que ocorreu foi, como vimos, a prática de um acto expresso, onde de forma clara e inequívoca, essa Direcção de Serviços declara que o requerimento em causa só poderá ser analisado após a publicação de um plano urbanístico para a zona do terreno.
33. Um tal acto, expresso, significa, ainda, repete-se, que a Administração suspendeu, de moto próprio, o processo decisório.
Mas mais:
34. Na sequência do reconhecimento do direito ao aproveitamento expresso ou implícito no ofício de 1 de Março de 2004 e do Despacho de Chefe do Executivo n.º 248/2006, de 21 de Agosto, que revogou a citada Portaria n.º 68/91/M.
35. A concessionária, em 28 de Janeiro de 2008, procedeu ao pagamento da última prestação do prémio, no montante de $60.575.848,00 patacas, e ao pagamento dos juros de mora, fixados contratualmente, relativos àquela prestação do prémio, no montante de $73.677.245,00 patacas.
36. Os pagamentos foram aceites e recebidos pela Administração.
37. Se os pagamentos demonstram que a Respondente pretendia (e pretende) aproveitar o terreno e estava convicta de que o podia fazer, o acto de aceitação e recebimento demonstra que a Administração partilhava da mesma convicção e concordava com a manutenção do vínculo contratual.
38. Por outro lado, efectuados, aceites e recebidos os referidos pagamentos, ficam cumpridas todas as obrigações pecuniárias contratualmente assumidas pela Respondente, ficando afastada a possibilidade de aplicação da sanção de caducidade com base neste atraso (alias, a ocorrer este facto, o que não se concede, seria sempre um caso de Rescisão e não de caducidade – vd. Artigo 169º, alínea a) da Lei de Terras e cláusula décima quarta, n.º 1, alínea d) do contrato de concessão).
39. A Respondente contactou verbalmente com essa Direcção de Serviços, por diversas vezes, no sentido de ser proferida decisão relativamente ao mencionado requerimento de 15 de Outubro de 2003.
40. Todavia, sempre recebia por resposta que se aguardava pela aprovação do referido novo plano urbanístico previsto para a zona em causa.
41. Face a tal inércia, em 20 de Novembro de 2008, a concessionária requereu a emissão da PAO relativa ao terreno em causa.
42. Da sua apreciação resultou a solicitada emissão de PAO, a qual ostenta a data de 10 de Agosto de 2009, - o que traduz, uma vez mais, um reconhecimento do direito da Respondente.
43. Porém, a PAO estava em dissonância com o então recente Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, de 11 de Abril, pelo que a procuradora da concessionária apresentou em 17 de Junho de 2010, requerimento que recebeu o n.º T-5620 no sentido da emissão de nova PAO, em conformidade com o acto normativo supra citado.
44. Em 3 de Agosto de 2010, essa Direcção de Serviços respondeu que apenas poderia emitir a nova PAO a pedido do proprietário do terreno, o que foi cumprido em 3 de Setembro de 2010, tendo o requerimento recebido o n.º T-7524.
45. Face a este último requerimento, essa Direcção de Serviços estava obrigada, por força do disposto no n.º 1 do artigo 32º do (RGCU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, a emitir a respectiva PAO no prazo de 30 dias.
46. Todavia, não o fez até ao momento, paralisando desta forma, por mais esta via, a possibilidade de aproveitamento do terreno por parte da Respondente.
47. Do exposto, resulta, pois, que, por um lado, face à conduta que vem sendo desenvolvida pelas partes, o aproveitamento do terreno, perante a nova conjuntura económico-social, é do interesse do concedente e da concessionária, estando apenas o respectivo prazo por acordar e, por outro lado, que o referido aproveitamento se encontra suspenso por força da própria vontade, expressa, dessa Direcção de Serviços.
48. Consequentemente, não se verificam os pressupostos necessário à aplicação da sanção de caducidade da concessão.
Acresce que,
49. A sociedade concessionária elaborou e apresentou o projecto de fundações em 29 de Março de 1993 (T-1780), tendo o mesmo sido aprovado em 27 de Novembro de 1993 e tendo sido emitida a respectiva licença de obras em 29 de Novembro de 1993 por essa Direcção de Serviços.
50. A sociedade concessionária elaborou e apresentou um projecto de arquitectura para aproveitamento do terreno em 30 de Março de 1993 (T-3901), tendo o mesmo sido aprovado, depois de inseridas pequenas rectificações a pedido da DSSOPT, em 27 de Novembro de 1993.
51. Todavia, aqui, essa Direcção de Serviços nunca emitiu a respectiva licença de obras, apesar de tal haver sido devidamente requerido pela ora Respondente (T-3857).
52. Ora, a aprovação de um projecto de arquitectura é um acto administrativo autorizativo.
53. Por seu turno, a correspectiva licença de obras é um requisito de eficácia daquele mesmo acto, ou seja, sem a licença de obras, a autorização concedida com a aprovação não é operativa, não é susceptível de produzir efeitos jurídicos.
54. Nos termos do n.º 3 do artigo 42º do RGCU, a DSSOPT tinha a obrigação de emitir a respectiva licença de obras no prazo de 15 dias.
55. Todavia, não o fez, incumprindo, portanto, uma obrigação legal, ademais decisiva para a viabilização do aproveitamento do terreno pelo concessionária.
56. Com efeito, sem licença de obras nenhum construtor pode iniciar os trabalhos, quer por falta de condições, quer por falta de cobertura legal.
57. Assim, também por esta via, se chega à conclusão de que o não aproveitamento do terreno até ao termo do prazo inicial (5 de Janeiro de 1996) não pode ser da responsabilidade da concessionária.
58. Cumpre igualmente referir que a concessionária apresentou todos os projectos requeridos pela lei e dentro dos prazos legais, mas foi essa Direcção de Serviços quem não se pronunciou sobre todos eles o que na perspectiva da Respondente, era essencial.
59. Para além do supra descrito, em 16 de Dezembro de 1993 a Respondente apresentou, nos termos do artigo 25º do RGCU, o Projecto de Electricidade, mas a DSSOPT nunca se pronunciou sobre o mesmo (vd. n.º 17 da informação n.º 091/DSODEP/2011, de 3 de Maio de 2011).
60. Quer a não emissão da licença de obras, quer a não aprovação do projecto de electricidade, ocorreram dentro do primeiro prazo de aproveitamento do terreno (42 meses a contar da celebração do contrato de concessão).
61. Pelo que não é verdade que todos os factos invocados pela Respondente na sua carta de 20 de Abril de 2010, tenham ocorrido depois do termo daquele prazo.
D’outro passo,
62. Como acima se referiu, em 15 de Outubro de 2003, foi apresentado pela concessionária novo plano de aproveitamento.
63. Tal deveu-se à alteração da conjuntura económica e do quadro legal que então se verificou na RAEM (e não a “especulação”, como em inadmissível juízo de valor que nada tem de jurídico, se refere no ponto n.º 11 da informação n.º 26/DJUDEP/2011).
64. Este requerimento configura, no plano jurídico, um pedido de alteração do acto administrativo de aprovação do projecto inicialmente apresentado.
65. Ao responder a este requerimento, em 1 de Março de 2004, dizendo que a decisão que sobre o mesmo irá recair fica a aguardar pelo novo plano urbanístico para a zona do NAPE, essa Direcção de Serviços admite que reconhece o direito da Respondente ao aproveitamento do terreno e que aquele acto de aprovação poder ser modificado, logo está ainda em vigor.
66. Efectivamente, tal acto só pode existir na ordem jurídica se também o seu objecto ainda nela existir; ou seja, a aprovação do projecto de arquitectura (acto) só tem razão de ser, se ainda houver projecto (objecto do acto), pelo que,
67. Considerando que o projecto se identifica, precisamente, com o aproveitamento do terreno, e,
68. Considerando que o aproveitamento apenas é possível se o respectivo prazo não houver expirado,
69. Conclui-se, mais uma vez, pela conduta da Administração, que está o mesmo em curso.
70. Presentemente, no entender da Respondente, o problema consiste antes em clarificar se o prazo está suspenso e/ou foi tacitamente renovado ou prorrogado e em que momentos, o que não se afigura ser tarefa fácil, pelo que, a correcta decisão da Administração seria a de fixar novo prazo razoável para a concessionária aproveitar o terreno e com ela colaborar tomando as decisões dentro dos prazos legais, sob pena de, então sim, ser aplicada a sanção da caducidade da concessão.”
26. Para além das justificações referidas, a “Cheng Hou” ainda alegou que os órgãos administrativos tinham violado o princípio da justiça e da imparcialidade, assim como o princípio da proporcionalidade e o princípio da boa fé, tudo isso não se repetindo novamente e dando-se aqui por integralmente reproduzidas.
27. Finalmente, na conclusão, a “Cheng Hou” requer a essa Direcção de Serviços se digne acolher diferente decisão da que se encontra projectada, antes optando, designadamente, por fixar um prazo razoável, por exemplo, entre 36 e 42 meses, para a concessionária aproveitar o terreno, sob pena de, então sim, ser aplicada a sanção da caducidade da concessão.
28. Relativamente à resposta no âmbito da audiência escrita, o DSODEP propôs através da informação n.º 256/DSODEP/2012, de 18 de Setembro de 2012, que a mesma fosse enviada ao DJUDEP para uma análise jurídica, tendo o director da DSSOPT concordado com a proposta.
29. O DJUDEP emitiu o seu parecer (a versão original é em língua portuguesa) através da informação n.º 51/DJUDEP/2013, de 21 de Agosto de 2013 (esta já foi analisada pelo Grupo de Trabalho Jurídico), que, em síntese, diz o seguinte:
29.1 No que concerne ao projecto de decisão da declaração da caducidade e dos seus fundamentos, a concessionária refere, nos pontos 12 e 13 da resposta, que nos termos dos artigos 302º e 323º, n.º 2 do código Civil (CC), resulta impedida a possibilidade de sua aplicação e, mesmo se assim não fosse, esse direito encontra-se prescrito.
29.2 Quanto à prescrição ordinária invocada pela concessionária, importa referir que a mesma efectuou o pagamento em atraso da última prestação do prémio em 28 de Janeiro de 2008, então não arguiu a prescrição como impedimento para a sua realização, o que significa que da sua parte houve reconhecimento da dívida perante a entidade concedente.
29.3 Nestas circunstâncias, isto é, aplicando este raciocínio no âmbito de prescrição ordinária, também pode dizer-se que, nos termos do artigo 317º, n.º 1 do CC, deu-se a interrupção do prazo de prescrição respeitante ao contrato em questão, porquanto houve reconhecimento expresso do direito, efectuado perante o titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
29.4 Na mesma linha, a referida interrupção inutiliza para a prescrição todo o empo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, ou seja, para o caso em apreço o prazo de prescrição só começa a correr a partir de 28 de Janeiro de 2008, data em que a concessionária efectuou o pagamento em atraso da última prestação do prémio (cfr. artigo 318º, n.º 1 do CC).
29.5 Mas acontece que não estamos no campo da prescrição ordinária porquanto a declaração de caducidade consubstancia o direito da entidade concedente de per si, a todo o tempo, mediante a manifestação de vontade e uma vez verificados os pressupostos, extinguir a relação jurídica preexistente.
29.6 Pelo lado da concessionária, consiste ela na necessidade de suportar, ou sujeitar-se, o exercício de tal direito.
29.7 Trata-se aqui do exercício do direito potestativo extintivo, direito esse exercível mediante uma simples declaração de vontade do seu titular, devidamente comunicada aos interessados (neste caso à concessionária), sem ser necessário o recurso aos tribunais (neste sentido Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, Sujeitos e Objectos, págs. 12 e segs., Coimbra 1997).
29.8 Portanto, o aludido direito potestativo configura poderes que neste caso a lei confere à entidade concedente, e pode ser exercido independentemente e até contra a vontade da concessionária. Por isto mesmo, o prazo extintivo, restrição legalmente aplicável no âmbito do direito de prescrição ordinária, não se aplica ao direito potestativo, razão pela qual o mesmo subsiste no tempo indefinidamente.
29.9 Por isso, no caso sob análise, tratando-se de direito potestativo como se demonstrou, não há que se falar em incidência do prazo de prescrição ordinária.
29.10 Por outro lado, para o caso vertente, acresce principalmente esclarecer que a caducidade prevista no contrato e na Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras), é uma caducidade-sanção, ou seja, aquela que consiste na perda de um direito por incumprimento de deveres ou ónus no contexto de uma relação duradoura entre a Administração e um particular.
29.11 Aqui, a caducidade assume a natureza de uma verdadeira sanção, pois visa reprimir a negligência da concessionária por não ter realizado o aproveitamento global do terreno nos termos contratuais acordados (cfr. cláusulas terceira, quinta, décima terceira n.º 1, alínea c) e artigo 103º da Lei de Terras), de modo a evitar que essa situação de incumprimento, lesiva do interesse público subjacente à concessão, se prolongue no tempo.
29.12 Esta causa da caducidade-sanção não opera ope legis como no caso da caducidade em sentido estrito ou preclusiva que se traduz na fixação de um prazo peremptório (fixado na lei) para o exercício de um direito, sob pena de preclusão, seja qual for a razão para o seu não exercício. Mas sim, opera através da declaração expressa pela Administração, mediante prévia averiguação das verdadeiras causas do incumprimento e avaliação das razões justificativas apresentadas pelo concessionário faltoso.
29.13 Assim, pode dizer-se que a supressão dos efeitos não decorre da declaração de caducidade, mas dos factos que efectivamente ocorreram e que, nos termos do contrato, ditam a sua extinção.
29.14 Ora, uma vez que não se trata de prazo peremptório, afigura-se-nos que q validade da declaração de caducidade em questão não é sindicável pelo qualificador do prazo ordinário da prescrição ou do reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido. Por isso, contrariamente ao defendido pela concessionária, não tem qualquer especial relevância, para efeitos da extinção da caducidade, chamar à colação o preceituado nos artigos 302º e 323º, n.º 2 do CC.
29.15 Assentemos, pois, que à Administração cabe o cumprimento de uma obrigação especial que consiste na prossecução do interesse público subjacente à concessão, que é a de zelar pela execução efectiva e célere do aproveitamento dos terrenos com vista a transformá-los em unidade socioeconómica produtiva capaz de garantir o bem-estar e a melhoria das condições de vida da população da RAEM (cfr. artigo 4º do CPA e artigo 7º da Lei Básica).
29.16 Neste contexto, também se pretende evitar que a concessão se transforme numa bolsa de reserva de terrenos pelos concessionários, a ser aproveitado à medida das suas conveniências.
29.17 Nos pontos 18 e ss. da resposta, a concessionária invoca que toda a conduta desenvolvida pelas partes entre 1992 e 2011 configura uma situação de facto e de direito, de vigência do contrato e do prazo de aproveitamento do terreno.
29.18 A este propósito, refira-se que a obrigatoriedade de a entidade concedente declarar a caducidade da concessão (desde que verificados os seus pressupostos), resulta do próprio regime da caducidade previsto na Lei de Terras e no contrato. Mas, como se referiu anteriormente, a Administração dispõe de alguma discricionariedade na verificação e avaliação dos pressupostos que preenchem o incumprimento, podendo, perante cada caso concreto, e fazendo um juízo de ponderação de interesses, aceitar ou não como válidos os argumentos apresentados.
29.19 Neste sentido, isto é, na então conjuntura, entende-se que a conduta da Administração visava., não obstante o atraso verificado, facilitar à concessionária o cumprimento cabal da obrigação contratual de modo a viabilizar a concretização do interesse público em causa (construção de um edifício habitacional e comercial). A então conduta da Administração enquadra-se no âmbito da discricionariedade de juízo.
29.20 Verifica-se porém, que apesar disso, a concessionária não realizou o aproveitamento global do terreno e nem sequer indicou o prazo necessário para o concluir conforme o solicitado pela Administração, tendo apenas concluído os trabalhos das obras das fundações em 1994, e desde então, tem vindo a insistir na alteração do projecto para a construção de um edifício com a altura máxima permitida para a respectiva zona (90 m NMM), o que demonstra claramente que a mesma não pretende realizar o aproveitamento do terreno nos termos contratuais acordados.
29.21 Ora, decorridos esses anos todos sem que a concessionária tivesse realizado o aproveitamento global do terreno, é nitidamente perceptível a sua litigância de má-fé ao querer tentar inverter a culpa invocando que a então conduta da Administração conduz à sua perda do direito previsto no contrato e na Lei de Terras de, verificados os pressupostos, declarar a extinção da concessão, como se a causa do incumprimento não fosse estritamente sua (concessionária).
29.22 Quanto ao que advoga a concessionária nos pontos 25 e ss. da resposta, importa enfatizar que a Administração ao fazer depender o deferimento do pedido de alteração do projecto de arquitectura do novo plano urbanístico para a zona, apenas cria na sua esfera jurídica a legítima expectativa de que o dito projecto será objecto de futura apreciação, e não cria na requerente a absoluta certeza de que a decisão final tenha o desfecho pretendido pela mesma.
Porque vejamos:
29.23 A alteração do projecto de arquitectura para a construção de um edifício com a altura máxima permitida para a respectiva zona (90 m NMM), conforme o pretendido pela concessionária, implica necessariamente a modificação do aproveitamento do terreno e consequentemente a revisão obrigatória do contrato de concessão nos termos do artigo 107º da Lei de Terras.
29.24 Ora, uma coisa é a apreciação técnica de um projecto do ponto de vista da sua conformidade com os normativos e regulamentos que se aplicam à construção e outra bem diferente é a apreciação da modificação de aproveitamento do terreno.
29.25 De acordo com o disposto no artigo 107º da Lei de Terras, a modificação de aproveitamento está sujeita à apreciação discricionária da Administração, donde, o facto de um projecto poder ser considerado passível de aprovação à luz das regras técnicas da construção não significa que venha a ser por esse motivo objecto de uma decisão favorável relativamente à modificação de aproveitamento, porquanto o Chefe do Executivo pode negar o respectivo pedido fazendo o uso do seu poder discricionário em matéria de modificação de aproveitamento de terrenos.
29.26 A este propósito também importa salientar que quando a concessionária requereu a modificação do aproveitamento e apresentou o respectivo estudo prévio (15 de Outubro de 2003), o prazo limite de aproveitamento global do terreno já estava largamente expirado (recorde-se que o prazo estabelecido no contrato para o aproveitamento global do terreno terminou em 5 de Janeiro de 1996).
29.27 Por outro lado, é de frisar que aquando da concessão do terreno em 1992 e da formalização do pedido de alteração do projecto de arquitectura em 2003, estava em vigor o plano urbanístico da zona do NAPE (vide a Portaria n.º 68/91/M, de 18 de Abril, revogada em 21 de Agosto de 2006).
29.28 Portanto, não se pode dizer que o não aproveitamento global do terreno dever-se a inexistência de plano urbanístico para a respectiva zona. Pode sim dizer-se, que cabia a concessionária o dever de realizar o aproveitamento global do terreno de acordo com o estabelecido no plano urbanístico então em vigor.
29.29 Acresce ainda salientar, que a concessionária na sua comunicação de 17 de Junho de 2010 (T-5620) veio invocar como motivo de não aproveitamento global do terreno a dissonância entre a PAO n.º 2008A111 emitida pela DSSOPT em 10 de Agosto de 2009, que estabelece a cota altimétrica máxima de 65m NMM para construção de edifícios assentes num pódio de 13,6m NMM e o Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 15, I Série, de 16 de Abril de 2008, que estabelece a altura de 90m NMM como cota altimétrica máxima para construção de edifícios nas zonas de imediações do Farol da Guia.
29.30 Isso prova claramente que a concessionária não tinha intenção séria de realizar o aproveitamento global do terreno de acordo com o estabelecido no contrato e na PAO emitida pela DSSOPT, que permite a construção de um edifício com altura máxima de 65m NMM assente num pódio de 13,6m NMM, mas sim muito mais interessada em aproveitar o terreno com a construção de um edifício com altura máxima de 90m NMM permitida para as zonas de imediações do Farol da Guia.
29.31 Portanto, contrariamente ao que afirma a concessionária, não é o facto de a Administração ter feito depender a apreciação do pedido de alteração do projecto de arquitectura do novo plano urbanístico para a respectiva zona que impediu o aproveitamento atempado do terreno.
29.32 No que toca ao exposto nos pontos 34 e ss. da resposta, refira-se que relativamente à liquidação integral (com atraso) das prestações do prémio, tal facto não representa qualquer impedimento à declaração de caducidade, pois ao efectuar a respectiva liquidação a concessionária mais não fez do que cumprir uma das suas obrigações contratuais, a qual é independente da execução, ou não, do aproveitamento do terreno. Ou seja, o pagamento do prémio é devido pela outorga do contrato e não pela realização ou não do aproveitamento. Por isso, é devido o seu pagamento mesmo que seja declarada a caducidade da concessão.
29.33 O prémio representa a comparticipação da Administração nos lucros que o concessionário irá obter com a realização do aproveitamento do terreno. Ora, se no caso em apreço não existiram essas mais-valias foi por culpa da concessionária que não executou oportunamente e como era seu dever o aproveitamento estipulado no contrato.
29.34 Relativamente à questão da não emissão da licença de obras mencionada pela concessionária nos pontos 51 e ss. da resposta, importa realçar que o ofício n.º 6352/DEUDEP/93, de 27 de Novembro de 1993, diz claramente na sua parte final que a licença de obras só será emitida após o cumprimento das respectivas condicionantes. Ora, a concessionária não fez prova de que cumpriu essas condicionantes.
29.35 Referente ao mencionado nos pontos 62 e ss. da resposta, convém esclarecer que a alteração da conjuntura económica e do quadro legal que então se verificou não era o requisito obrigatório para que a Administração autorizasse o pedido de alteração do projecto de arquitectura e, também não constituía condição sine qua non para a conclusão do aproveitamento global do terreno. Assim sendo, não podia ser atribuído outro juízo de valor ao intuito da concessionária a não ser uma manobra especulativa do mercado imobiliário.
29.36 Também aqui importa esclarecer que, contrariamente ao que alega a concessionária, trata-se de um juízo de valor legalmente previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 107º da Lei de Terras, cuja verificação implica apreciação discricionária negativa da pretensão de proceder à alteração do projecto de arquitectura e a consequente modificação do aproveitamento do terreno.
29.37 Portanto, reafirmamos o que se disse no ponto 11 da informação n.º 26/DJUDEP/2011, isto é, a solicitação de alteração do projecto de arquitectura e a consequente modificação de aproveitamento do terreno, denota a existência de intuito especulativo do mercado imobiliário.
29.38 Quanto ao invocado nos pontos 71 e ss. da resposta, também aqui reafirmamos o que se disse nos pontos 7 e 8 da informação n.º 26*/DJUDEP/2011, isto é, repete-se que se a concessionária tivesse feito o aproveitamento global do terreno conforme o consignado no Despacho n.º 80/SATOP/92, revisto pelo Despacho n.º 80/GM/92, que titula o contrato de concessão, essas questões, não se colocavam, porquanto as mesmas surgiram no período em que o prazo limite de aproveitamento global do terreno já tinha expirado.
29.39 Nos pontos 81 e ss. da resposta, entende a concessionária que resultariam violados os princípios da justiça e da imparcialidade caso a Administração venha a concretizar a intenção de declarar a caducidade da concessão, uma vez que não adoptou a mesma medida para com os outros titulares de concessões naquela zona.
29.40 Mesmo que alguma das concessões na zona, que aliás não identifica, apresentasse semelhança com a sua situação, o que não se concede, não há igualdade na ilegalidade, donde se houve falha nos critérios de apreciação da execução contratual, o que não se vislumbra, tal não justificaria o cometimento de ilegalidade no presente caso.
29.41 Nos pontos 88 e ss. da resposta, a concessionária invoca o princípio da proporcionalidade assente em gravíssimos prejuízos que resultariam para si caso fosse declarada a caducidade da concessão.
29.42 Aqui, importa frisar que numa relação contratual, o princípio da proporcionalidade é aplicável a ambas as partes contratantes. Assim sendo, dúvidas não restam em afirmar que o comportamento da concessionária também fez com que a Administração deixasse de ver efectivado em tempo oportuno o aproveitamento do terreno com prejuízos inerentes, porquanto deixou de dispor de uma infra-estrutura habitacional e comercial que lhe permite satisfazer as necessidades de maior oferta de habitação na Território.
29.43 A propósito da boa-fé apelada pela concessionária na parte final da resposta, deve dizer-se que o comportamento da mesma até à data em que foi notificada do projecto de decisão no sentido de declaração de caducidade da concessão é demonstrativo da total falta de interesse de realizar o aproveitamento global do terreno nos termos contratuais acordados, o que revela uma conduta contrária aos ditames da boa-fé.
29.44 É fundamental notar que a boa-fé traduz-se no dever de ambas as partes, no cumprimento do contrato, agir segundo um comportamento de lealdade, significando isso, que as partes devem abster-se de comportamentos desleais e incorrectos, o que não se verificou por parte da concessionária, pois não cumpriu o prazo contratual.
29.45 Ora, mostrando-se inquestionável que a concessionária não realizou o aproveitamento global do terreno e não efectuou o pagamento pontual da última prestação do prémio, não lhe assiste qualquer razão apelar à Administração o cumprimento estrito do princípio da boa-fé para a resolução de uma situação que já arrasta há vários anos por culpa sua.
Finalmente, conclui-se que:
29.46 Considerando todo o expendido, conclui-se que a concessionária, na sua resposta à audiência prévia dos interessados, além de não conseguir provar que foi diligente, que se esforçou por cumprir o aproveitamento do terreno no prazo e nas condições contratuais e que usou de todas as cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso usaria um bom pai de família, não alegou nem demonstrou que no caso concreto se verificaram circunstâncias, especiais ou excepcionais que excluíssem a censurabilidade da sua conduta.
29.47 com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 788º do CC, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
29.48 Ora, resultando do procedimento que o incumprimento de obrigação contratual relativa ao aproveitamento do terreno é imputável à concessionária, deve a Administração manter o sentido da sua decisão de declarar a caducidade da concessão.
30. Posteriormente, o DJUDEP, através da comunicação de serviço interno n.º 291/DJUDEP/2013, de 7 de Novembro, comunicou ao DSODEP que a referida informação já foi analisada pelo grupo de trabalho jurídico criado por despacho do Chefe do Executivo de 23 de Novembro de 2011 e solicitou ao mesmo a dar seguimento ao procedimento mediante a elaboração de proposta, a submeter superiormente, de envio do processo à Comissão de Terras para parecer.
31. Através da proposta n.º 325/DSODEP/2013, de 21 de Novembro de 2013, o DSODEP propôs superiormente autorização para o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e de tramitações ulteriores, tendo o director da DSSOPT proferido em 22 de Novembro de 2013 o seu despacho concordante.
32. Atento o facto de em 1 de Março de 2014 ter entrado em vigor a nova Lei de terras, Lei n.º 10/2013, e não estar ainda concluído o procedimento de caducidade, cabe-nos agora analisar se esta lei se aplicará ao presente caso.
O artigo 215º da nova Lei de terras prevê que o novo diploma se aplica às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as seguintes ressalvas; 1) Quando esteja a correr um prazo fixado por legislação anterior e a presente lei o tiver modificado, é aplicado o prazo mais longo; 2) Os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela presente lei, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos; 3) Quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104º e no artigo 166º.
Devido ao prazo fixado para o aproveitamento do terreno ter expirado e o não cumprimento ser imputável à concessionária, nos termos do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166º da Lei nº 10/2013, a concessão caduca, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa e igualmente caduca caso de suspensão, consecutiva ou intercalada, do aproveitamento pelo período fixado no contrato, nos termos do disposto na alínea 2) do mesmo artigo da mesma Lei.
Assim, quer na nova lei quer na lei antiga está previsto que quando o aproveitamento do terreno não tenha sido realizado no prazo e nas condições contratuais por motivos imputáveis ao concessionário, isso constitui uma violação grave das obrigações principais do contrato de concessão, sendo um facto que dá origem a caducidade (vide do artigo 103º ao artigo 106º da Lei n.º 6/80/M e os artigos 103º, 104º e 106º da Lei n.º 10/2013).
Atendendo a que a concessionária já se pronunciou sobre o objecto do procedimento e sobre todas as questões, de facto e de direito, relacionadas com a decisão tomada, esta Comissão considera que já se encontra devidamente garantido o exercício dos seus direitos de participação procedimental e de oposição, e deste modo, não é necessário realizar uma nova audiência no âmbito da aplicação da nova lei.
33. Face a tudo o que foi exposto, tendo especialmente em conta que a concessionária não realizou o aproveitamento global do terreno, tendo apenas concluído os trabalhos das obras das fundações em 1994, e que desde então tem vindo a insistir na alteração do projecto para a construção de um edifício com a altura máxima permitida para as zonas de imediações do Farol da Guia (90m NMM), não obstante a PAO n.º 2008A111 ter sido emitida pela DSSOPT, em 10 de Agosto de 2009, esta Comissão entende que resulta evidente que o aproveitamento do terreno não ficou concluído por razões imputáveis à concessionária.
Com efeito, na sua resposta escrita à audiência a concessionária, além de não conseguir provar que foi diligente, que se esforçou por cumprir o aproveitamento do terreno no prazo e nas condições contratuais e que usou de todas as cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso usaria um bom pai de família, não alegou nem demonstrou que no caso concreto se verificaram circunstâncias, especiais ou excepcionais, que excluíssem a censurabilidade da sua conduta. Deste modo, esta comissão concorda com as propostas da DSSOPT de que a responsabilidade pelo não cumprimento do aproveitamento do terreno é directamente imputada à concessionária, a Sociedade de Fomento Predial Golden Bowl, Limitada, pelo que a Administração deve declarar a caducidade da concessão do terreno referido em epígrafe, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato que rege a concessão do terreno e do n.º 1 do artigo 166º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras). Em consequência, os prémios e os respectivos juros pagos pela concessionária devem reverter a favor da RAEM. De acordo com o estipulado no artigo 13º do Regulamento Administração n.º 16/2004. De igual modo, nos termos do n.º 3 da cláusula décima terceira do mesmo contrato e do n.º 1 do artigo 168º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), declarada a caducidade da concessão, reverterão para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo a concessionária direito a ser indemnizado ou compensado.
Ao abrigo do disposto non.º 2 da cláusula décima terceira do mesmo contrato e no artigo 167º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a caducidade da concessão deve ser declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial da RAEM.
III
Reunida em sessão de 4 de Setembro de 2014, a Comissão de Terras, após ter analisado sinteticamente o processo e tendo em consideração as informações n.º 91/DSODEP/2011, de 3 de Maio, n.º 26/DJUDEP/2011, de 10 de Junho, n.º 152/DSODEP/2011, de 12 de Julho, n.º 256/DSODEP/2012, de 18 de Setembro, n.º 51/DJUDEP/2013, de 21 de Agosto, e a proposta n.º 325/DSODEP/2013, de 21 de Novembro, os pareceres e as propostas nelas emitidos, bem como o despacho do SOPT de 3 de Agosto de 2011 e o despacho do Chefe do Executivo de 19 de Agosto de 2011, ambos exarados na informação n.º 152/DSODEP/2011, considera que a Administração deve, nos termos da alínea c) do n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato que rege a concessão do terreno, titulada pelo Despacho n.º 80/SATOP/92, rectificada pelo Despacho n.º 92/SATOP/92 e pelo Despacho n.º 80/GM/92, e do n.º 1 do artigo 166º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), declarar a caducidade da concessão, por arrendamento e precedida de concurso público, do terreno com a área de 6480m2, situado em Macau, na zona dos NAPE, designado por lote 12 (A2/g), a favor da Sociedade de Fomento Predial Golden Bowl, Limitada. A Comissão também concorda que os prémios e os respectivos juros pagos pela concessionária sejam revertidos a favor da RAEM, de acordo com o estipulado no artigo 13º do Regulamento Administração n.º 16/2004. De igual modo, nos termos do n.º 3 da cláusula décima terceira do mesmo contrato e do n.º 1 do artigo 168º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), declarada a caducidade da concessão, reverterão para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo a concessionária direito a ser indemnizado ou compensado.
Ao abrigo do disposto no n.º 2 da cláusula décima terceira do mesmo contrato e no artigo 167º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a caducidade da concessão deve ser declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial da RAEM.”
- Posteriormente, o Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu, em 29 de Dezembro de 2015, o seguinte parecer:
“Proc. n.º 69/2013 – Respeitante à proposta de declaração da caducidade da concessão, por arrendamento e precedida de concurso público, do terreno com a área do 6480m2, situado em Macau, nos Novos Aterros do Porto Exterior, designado por lote 12 (A2/g), a favor da sociedade Fomento Predial Golden Bowl, Limitada, pelo incumprimento das disposições do contrato, nomeadamente a do aproveitamento do terreno nos prazos fixados, cuja concessão foi titulada pelo Despacho n.º 80/SATOP/92 e rectificada pelo Despacho n.º 92/SATOP/92 e pelo Despacho n.º 80/GM/92. Declarada a caducidade da concessão, reverterão para a Região Administrativa Especial de Macau os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo a concessionária direito a ser indemnizado ou compensado.
1. Devido ao resultado do concurso público realizado em 28 de Abril de 1992, através do Despacho n.º 80/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, rectificado pelos Despacho n.º 92/SATOP/92 e Despacho n.º 80/GM/92, foi concedido, por arrendamento, o terreno com a área de 6480m2, situado nos Novos Aterros do Porto Exterior, designado por lote 12 (A2/g), a favor da sociedade Fomento Predial Golden Bowl, Limitada (adiante designada por concessionária).
2. Nos termos do contrato, o prazo de arrendamento do terreno é de 25 anos, contados a partir da data da publicação do despacho, a partir de 6 de Julho de 1992 a 5 de Julho de 2017. O prazo global de aproveitamento é de 42 meses, também contados a partir da data de publicação do despacho, a partir de 6 de Julho de 1992 a 5 de Janeiro de 1996.
3. O terreno é aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, composto por duas torres com 13 pisos, assentes num pódio com 3 pisos, destinado às finalidades de comércio, habitação e estacionamento.
4. Conforme a cláusula nona do mencionado contrato, o prémio é fixado no valor de $445.000.000,00 patacas e é pago em prestações. Conforme os dados de acompanhamento financeiro, a concessionária depois de ter pago pontualmente as primeiras três prestações do prémio de acordo com o estipulado no contrato, as restantes três prestações do prémio foram todas pagas fora do prazo, tendo a última prestação do prémio, no valor de $60.575.848,00 patacas (que devia ter sido paga em Julho de 1994), apenas sido paga em Janeiro de 2008, portanto, com um atraso de mais de 13 anos.
5. Depois de ter autorizado o início da obra em 28 de Janeiro de 1994, a concessionária apresentou em 3 de Agosto de 1995 o projecto de alteração de arquitectura e o pedido de licença da obra de superestrutura, tendo a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), em 14 de Novembro de 1995, respondido que uma vez que a área total para comércio e habitação excedia o estipulado no contrato e concessão, o projecto de alteração de arquitectura foi aprovado condicionalmente. Quanto ao pedido de licença da obra de superstrutura a Administração não deu qualquer resposta.
6. Face à falta do aproveitamento dentro do prazo estipulado no contrato de concessão e ao atraso no pagamento do prémio por parte da concessionária, a DSSOPT enviou sucessivamente entre 1996 e 1998 cinco ofícios a solicitar à concessionária e à sua procuradora, a Companhia de Desenvolvimento Predial Cheng Hou, Limitada (adiante designada por “Cheng Hou”) a apresentação de justificação e o pagamento do prémio.
7. Após ter respondido sobre a situação de interrupção da obra de aproveitamento e do pagamento do prémio em 2 de Abril de 1998, a procuradora da concessionária, “Cheng Hou”, em 15 de Outubro de 2003, apresentou um estudo prévio respeitante à libertação da altura do edifício para 95m, à libertação do índice de utilização do solo (IUS) para 12 e à libertação do limite de volumetria construtiva. Em 1 de Março de 2004, a DSSOPT respondeu que só após ter definido os respectivos condicionamentos urbanísticos é que iria emitir parecer sobre o estudo prévio.
8. Em seguida, em 30 de Dezembro de 2008, a “Cheng Hou” solicitou a emissão da planta de alinhamento oficial (PAO) relativa ao referido terreno, a qual foi emitida em 10 de Agosto de 2009 (PASO n.º 2008A111). Posteriormente, a “Cheng Hou” apresentou, em 17 de Junho de 2010, uma reclamação contra os condicionamentos definidos, e posteriormente em resposta à solicitação do órgão administrativo a mesma apresentou em 3 de Setembro de 2010 os respectivos documentos suplementares.
9. Atendendo o facto de o terreno em causa estar inserido nos processos de terrenos não aproveitados, a respectiva reclamação fica a aguardar os resultados do seu tratamento.
10. Porém, perante a verificação do incumprimento da obrigação de realizar o aproveitamento do terreno no prazo contratualmente fixado, de acordo com as determinações do Secretário para os Transportes e Obras Públicas contidas no Despacho n.º 07/SOPT/2010, de 8 de Março, a DSSOPT iniciou o procedimento de declaração de caducidade da concessão, nos termos da cláusula décima terceira do contrato de concessão, solicitando, através de ofício de 23 de Março de 2010, a apresentação de justificação sobre esse incumprimento e de todas as informações consideradas relevantes, no prazo de 30 dias.
11. Em referência ao solicitado a procuradora da concessionária apresentou, em 2 de Abril de 2010, justificação respeitante ao não cumprimento do contrato de concessão.
12. No decurso deste procedimento foram produzidas informações pelos departamentos competentes da DSSOPT sobre a situação de execução do contrato e, de harmonia com o disposto nos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), foi realizada a audiência escrita da concessionária sobre o sentido provável da decisão de declarar a caducidade da concessão.
13. Dentro do prazo, a procuradora da concessionária apresentou a sua resposta escrita em 18 de Novembro de 2011, na conclusão, requerer a DSSOPT se digne acolher diferente decisão da que se encontra projectada, antes optando, designadamente, por fixar um prazo de aproveitamento do terreno razoável, por exemplo, entre 36 e 42 meses, sob pena de, então sim, ser aplicada a sanção da caducidade da concessão.
14. Tendo a DSSOPT elaborado o relatório de audiência no qual, depois de avaliadas as razões de facto invocadas e a argumentação jurídica aduzida pela procuradora, se propõe que a Administração mantenha o sentido da sua decisão de declara a caducidade da concessão uma vez que o incumprimento do contrato, consubstanciado na falta de realização do aproveitamento do terreno objecto da concessão é imputável à concessionária.
15. Enviado o processo à Comissão de Terras para parecer, em reunião de 4 de Setembro de 2014, concordando com a proposta da DSSOPT, ou seja, a Administração deve declarar a caducidade da concessão do terreno referido em epígrafe.
16. De facto, o terreno em causa encontra-se onerado com uma hipoteca voluntária inscrita a favor do Banco Tai Fung, SARL, sob o n.º 84769, no sentido de proporcionar a abertura de crédito em concessão de facilidades bancárias gerais a favor da Companhia de Desenvolvimento Predial Cheng Hou, Limitada. No entanto, a DSSOPT não tinha procedido à sua audiência.
17. Assim, através do ofício n.º 694/1244.03/DSODEP/2014, de 29 de Setembro, a DSSOPT notificou os aludidos credores hipotecários do projecto de decisão, nos termos do artigo 93º do CPA, para sobre ele se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 dias após a recepção da notificação.
18. O Banco Tai Fung, SARL, deu a sua resposta em 16 de Outubro de 2014, na qual solicitou à Administração para efectuar, segundo os princípios de ponderação, proporcionalidade e sentido de justiça, uma nova ponderação do respectivo contrato de concessão de acordo com a nova situação do plano urbanístico da zona ou fixação de um prazo razoável de aproveitamento em conformidade com as características e dimensões do respectivo projecto de desenvolvimento.
19. Foi então solicitado parecer ao Departamento Jurídico (DJUDEP) da DSSOPT que se pronunciou através da proposta n.º 119/DJUDEP/2015, de 10 de Setembro, conforme o estipulado na cláusula quinta do respectivo contrato de concessão, a concessionária obriga-se a realizar o aproveitamento do terreno no prazo global de 42 meses, contados a partir da data da publicação do despacho que titula a concessão, ou seja, de 6 de Julho de 1992 até 5 de Janeiro de 1996. Desde modo, o contrato de concessão já se encontrava em situação de incumprimento desde 6 de Janeiro de 1996, isto é, aquando da concessão do empréstimo pelo banco (em 28 de Fevereiro de 2008), a mesma já se encontrava em largo incumprimento contratual.
20. Embora tenha liquidado a última prestação do prémio em 28 de Janeiro de 2008, não impede a declaração da caducidade da respectiva concessão, ao efectuar a respectiva liquidação a concessionária mais não fez do que cumprir uma das suas obrigações contratuais, a qual é independente da execução ou não do aproveitamento do terreno e de quaisquer vicissitudes que ocorram durante o período da concessão. Portanto, quando declara a caducidade da concessão, continua a ser obrigatório o pagamento do prémio. Ademais, a obrigação principal do contrato consiste na realização do aproveitamento do terreno que, no caso em apreço, não foi cumprido, o que constitui causa de caducidade da concessão.
21. No presente caso, pode mesmo considerar-se que houve uma retenção especulativa do terreno pela concessionária, situação esta contrária ao interesse público subjacente à concessão, na medida em que esta não cumpriu a sua função social, transformando-se numa unidade socioeconómica produtiva, sendo que o terreno poderia ter sido devidamente aproveitado por outro particular interessado.
22. Visto que a concessionária não realizou integralmente o aproveitamento do terreno, a culpa é imputável à mesma, pelo que, a concessão deve ser extinta mediante a declaração da caducidade. A declaração da caducidade resulta do próprio regime de caducidade prevista na Lei de terras e no contrato. Por outro lado, a Administração procedeu uma averiguação prévia, nomeadamente o apuramento das verdadeiras causas do incumprimento e a avaliação das razões justificativas apresentadas pela procuradora da concessionária e não se pode afirmar que a Administração violou os princípios da proporcionalidade e da boa-fé conforme alega o Banco.
23. Por fim, o DJUDEP concluiu que os argumentos apresentados pelo Banco na audiência prévia não contribuíram para quaisquer alterações acerca do sentido da decisão, pelo que, a Administração deve manter o sentido da sua decisão de declarar a caducidade da concessão do terreno em epígrafe.
24. Atento o referido parecer jurídico, o Departamento de Gestão de solos da DSSOPT, através da proposta n.º 324/DSODEP/2015, de 20 de Outubro, propôs o envio do processo à Comissão de Terras para emissão de parecer e seguimento da ulterior tramitação, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 10 de Novembro de 2015.
25. Reunidas em sessão de 17 de Dezembro de 2015, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, entendeu que na sua resposta escrita à audiência a concessionária, além de não conseguir provar que foi diligente, que se esforçou por cumprir o aproveitamento do terreno no prazo e nas condições contratuais e que usou de todas as cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso usaria um bom pai de família, não alegou nem demonstrou que no caso concreto se verificaram circunstâncias, especiais ou excepcionais, que excluíssem a censurabilidade da sua conduta. Os argumentos apresentados pelo credor hipotecário na audiência prévia não contribuíram para quaisquer alterações acerca do sentido da decisão. Deste modo, devido a responsabilidade pelo não cumprimento do aproveitamento do terreno é directamente imputada à concessionária, pelo que a Administração deve declarar a caducidade da concessão do terreno referido em epígrafe, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato que rege a concessão do terreno e do n.º 1 do artigo 166º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.”
- Sobre este parecer lavrou o Exm.º Chefe do Executivo, em 26 de Abril de 2016, o seguinte despacho: “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e precedida de concurso público, a que se refere o Processo n.º 69/2013 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29 de Dezembro de 2015, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”
- Houve crise económica em Macau entre 1997 e 2004.
- Até ao momento, o terreno em causa ainda não foi aproveitado.

3. O Direito
Compete apreciar as questões suscitadas pela recorrente.

3.1. Da prescrição do direito à declaração de caducidade
Alega a recorrente que, nos termos do art.º 302.º do Código Civil, o eventual direito de declaração de caducidade da concessão do terreno decorrente da cláusula décima terceira do contrato de concessão se encontra prescrito, pelo decurso do prazo ordinário de 15 anos para o exercício de qualquer direito
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Constata-se nos autos que a caducidade foi declarada nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e do n.º 1 do art.º 166.º da Lei n.º 10/2013, tendo como fundamento o não aproveitamento do terreno, por culpa da concessionária, no prazo contratualmente fixado para o efeito.
Conforme a factualidade dada como assente, o arrendamento do terreno é válido pelo prazo de 25 anos, devendo o aproveitamento do terreno operar-se no prazo global de 42 meses, ou seja, até 6.1.1996.
Na al. c) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato ficou estabelecido que o mesmo caducaria, entre outras situações, no caso de “interrupção do aproveitamento por um prazo superior a 90 dias, salvo motivos especiais devidamente justificados e aceites” pela Administração.
Ora, é de reafirmar aqui o entendimento deste TUI exposto no seu acórdão proferido no Processo n.º 103/2018, de 31 de Janeiro de 2019, no sentido de que, perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
Trata-se dum acto vinculado, sendo que a actuação da Administração constitui, em bom rigor, não só um poder mas também um dever que há de ser cumprido.
Nos termos do n.º 1 do art.º 291.º do Código Civil, “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.
No presente caso, não estão em causa direitos disponíveis, já que a Administração tem o dever e está obrigada a declarar a caducidade da concessão, inerente à prossecução do interesse público.
Mesmo que a caducidade não seja declarada pela Administração logo depois do termo do prazo de aproveitamento, nada impede que o faça posteriormente.
Não se verifica a alegada violação do art.º 302.º do Código Civil.

3.2. Da violação do prescrito no n.º 1 do art.º 313.º do Código Civil
Na tese da recorrente, a partir do momento em que a Administração lhe comunicou a intenção de declarar a caducidade da concessão por falta de aproveitamento (1 de Novembro de 2011), a recorrente ficou absolutamente impedida de exercer o seu direito de prover ao aproveitamento do terreno, pelo que se suspendeu o prazo da caducidade do arrendamento durante o tempo em que a concessionária esteve impedida de prover ao aproveitamento do terreno, nos termos do n.º 1 do art.º 313.º do Código Civil, ex vi do n.º 2 do art.º 322.º do mesmo diploma; daí que não poderia o Tribunal a quo decidir pela caducidade da concessão.
Repare-se, desde logo, que a questão em causa não foi suscitada no recurso contencioso, razão porque não foi objecto da apreciação do Tribunal recorrido. Trata-se duma questão nova.
Como é sabido, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o acórdão do Tribunal de Segunda Instância e não para apreciar questão que nunca foi alegada, a não ser de conhecimento oficioso.
Mesmo admitindo o conhecimento oficioso da questão ora colocada, é de salientar que na data invocada pela recorrente para efeitos de suspender a caducidade, de 1 de Novembro de 2011, já passou há muito tempo o prazo de aproveitamento de terreno, que é de 42 meses, ou seja, até 6 de Janeiro de 1996, de acordo com n.º 1 da cláusula quinta do contrato de concessão.
Torna-se assim irrelevante a invocação da recorrente, não havendo necessidade de apreciar se assiste razão à recorrente que sustenta a suspensão da caducidade de concessão.
Na realidade, decorre das disposições tanto da Lei de Terras nova – art.º 166.º n.º 1, al. a) – como da Lei antiga – art.º 166.º n.º 2 e n.º 1, al. a) – que a falta de aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais implica a caducidade das concessões provisórias de terrenos urbanos, devendo o Chefe do Executivo declarar a caducidade das respectivas concessões.
Assim sendo, não se pode falar na suspensão da caducidade da concessão por falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado para o efeito enquanto já ultrapassou há muito tal prazo.1
Improcede o vício invocado pela recorrente.

3.3. Do vício de forma por falta de fundamentação
Defende a recorrente que, por não se esclarecer se o fundamento legal da declaração de caducidade reside na al. a) ou na al. c) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato de concessão, há obscuridade, contradição ou insuficiência na fundamentação do acto administrativo, não resultando esclarecida a sua motivação, o que equivale à falta de fundamentação, fulminando o acto de vício de forma; não tendo atendido a tal vício de forma, o acórdão recorrido violou o n.º 2 do art.º 115.º do CPA.
Ora, nos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
A lei permite que se faça a fundamentação do acto administrativo com mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, que é precisamente o meio utilizado pelo Chefe do Executivo para fundamentar a sua decisão questionada pela recorrente.
No caso ora em apreciação, cremos que o acto impugnado está devidamente fundamentado, permitindo aos seus destinatários perceber a sua racionalidade.
Constata-se nos autos que o despacho impugnado foi proferido sobre o parecer emitido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, tendo o Senhor Chefe do Executivo manifestado a sua concordância com o mesmo parecer e declarado a caducidade da concessão “nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29 de Dezembro de 2015, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”
Conjugando o despacho do Chefe do Executivo e o parecer integrante do STOP, é evidente que foi declarada a caducidade da concessão “nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato que rege a concessão do terreno e do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras)” – cfr. penúltimo parágrafo do respectivo parecer.
Não obstante a referência à al. a) do n.º 1 da cláusula décima terceira, feita no ponto 20.7 do parecer da Comissão de Terras emitido em 4 de Setembro de 2014, inserido na parte que descreve as vicissitudes respeitantes à concessão e ao aproveitamento do terreno em causa, certo é que nesse ponto se transcreve apenas a opinião do DSODEP.
O que se constata no parecer da Comissão de Terras é que, após a análise sintética do processo, a Comissão considera que a Administração “deve, nos termos da alínea c) do n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato que rege a concessão do terreno, …, e do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras)”, declarar a caducidade da concessão, …”.
Invoca ainda a recorrente vários casos em que a Administração agiu de forma diferente, não declarando a caducidade das concessões do terreno, para demonstrar que não foi cumprido o dever especial de fundamentação, com violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa fé.
Ora, na matéria respeitante à declaração da caducidade da concessão do terreno, que é o acto vinculado para a Administração, não vale aqui invocar a violação dos princípios indicados pela recorrente, que é visto como vício próprio de actos discricionários.
E quanto à alegada violação da instrução n.º 095/DSODEP/2010, o TUI teve já oportunidade para se pronunciar, tendo considerado que “a violação de instrução pode constituir infracção de dever funcional por parte do subalterno, mas não constitui fonte de direito, pelo que o interessado não pode invocar a violação de instrução, como fundamento de anulação de acto administrativo” e que “as instruções não constituem normas jurídicas de acto normativo, pelo que a sua violação não constitui fundamento para anulação de acto administrativo”2, posição esta que é de manter.
Não se descortina, no caso vertente, a falta de fundamentação imputada pela recorrente nem os outros vícios por si assacados.

3.4. Da violação ao princípio da livre apreciação da prova
Desde logo, não se compreende muito bem como foi assacada a violação do princípio em causa, segundo o qual “o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízos segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Está em causa a matéria de facto.
Nos acórdãos proferidos nos processos n.º 62/2017 e n.º 103/2017, ambos de 31 de Janeiro de 2019, este Tribunal de Última Instância chegou a pronunciar sobre a mesma questão.
Como se sabe, a competência do Tribunal de Última Instância em apreciar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto fica delimitada no n.º 2 do art.º 649.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 1.º do CPAC, segundo o qual “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.3
No caso ora em apreciação, e tal como afirma o Digno Magistrado do Ministério Público no parecer por si emitido, não se divisa, nem a recorrente identifica, disposição legal expressa que, em matéria de vinculação e força probatória, haja sido afrontada no julgamento da matéria de facto.
Na realidade, não se vislumbra a ofensa de alguma disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, que nem sequer foi indicada pela recorrente, nem se detecta a alegada arbitrariedade no julgamento da factualidade.
E não se vê obstáculo legal a que o Tribunal recorrido forme a sua convicção quanto à matéria de facto provada.
Relativamente à culpa da recorrente em não aproveitamento do terreno no prazo fixado, até se pode dizer que é uma conclusão ou ilação forçadamente retirada dos factos considerados provados, face aos elementos constantes dos autos.
O que se expende na alegação de recurso jurisdicional é a convicção da própria recorrente sobre a questão de culpa, contrária à convicção formada pelo Tribunal recorrido.
Improcede o vício imputado.

3.5. Da violação das al.s a) e c) do n.º 1 da cláusula décima terceira, dos n.ºs 1 e 2 da cláusula oitava do contrato de concessão e da al. a) do n.º 1 do art.º 166.º da antiga Lei de Terras (ou da al. 1) do n.º 1 do art.º 166.º da nova Lei de Terras)
Ao abrigo da al. a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato de concessão, o contrato caducará “findo o prazo da multa agravada previsto na cláusula oitava”, que prevê a aplicação à concessionária das multas pelo incumprimento dos prazos fixados na cláusula quinta relativamente à apresentação de qualquer dos projectos, início e conclusão das obras, salvo motivos especiais devidamente justificados, aceites pela Administração, ficando a concessionária exonerado da responsabilidade em caso de força maior ou de outros factos relevantes, enquanto resulta da al. c) que também é causa da caducidade do contrato a “interrupção do aproveitamento do terreno por um prazo superior a 90 dias, salvo motivos especiais devidamente justificados e aceites” pela Administração.
Na óptica da recorrente, assistem-lhe motivos especiais justificados para não ter cumprido o prozo de aproveitamento do terreno, tais como a mora ou incumprimento contratual por parte da Administração no que respeita à falta de emissão da licença de obras, falta de resposta quanto ao estudo prévio apresentado em 2003 e à reclamação relativa à PAO apresentada em 17.06.2010, a crise económica ocorrida entre 1997 e 2004, etc., que foram aceites pela Administração, pelo que não pode ser declarada a caducidade do contrato de concessão, por falta de fundamento legal e contratual, sendo que nunca lhe foi aplicada qualquer multa, simples ou agravada, por incumprimento dos termos do contrato de concessão, a qual deve ter-se por obrigatória e não facultativa para o efeito de ser declarada a caducidade do contrato, sem a qual não chega a existir incumprimento definitivo, mas apenas mora do devedor, nos termos do art.º 797.º n.º 1, al. b) do Código Civil.
Desde logo, há de ver se ainda é aplicável a estipulação contratual invocada pela recorrente.
Ora, decorre do art.º 215.º da Lei n.º 10/2013 a aplicação imediata desta lei às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as ressalvas previstas nas suas alíneas 1) a 3).
Nas alíneas 2) e 3), que se interessam nos presentes autos, pode ver-se que, em relação aos direitos e deveres dos concessionários, a aplicação da Lei n.º 10/2013 fica afastada pelo convencionado nos respectivos contratos, ou seja, os direitos e deveres dos concessionários previstos nos contratos prevalecem sobre a disposição legal na mesma matéria – al. 2).
E as letras da al. 3) são muito claras, das quais resulta que no caso de expiração do prazo fixado para o aproveitamento do terreno, sem que o terreno tenha sido aproveitado por culpa do concessionário, é aplicado o disposto no n.º 3 do art.º 104.º e no art.º 166.º, referentes respectivamente à aplicação, por inobservância de prazos de aproveitamento, das penalidades estabelecidas no respectivo contrato ou da multa e à caducidade da concessão.
Por outras palavras, no caso previsto na al. 3), o disposto no n.º 3 do art.º 104.º e no art.º 166.º da Lei n.º 10/2013 é logo aplicada, mesmo que se contenha no contrato a respectiva estipulação.
Tal interpretação tem correspondência não só nas letras da lei mas também no pensamento legislativo.
“Tendo em conta que o proémio do artigo 215.º já determina a aplicação da lei às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, a intenção desta alínea 3) é a de aplicar imediatamente dois preceitos da lei nova, mesmo contra o que esteja convencionado nos respectivos contratos (alínea anterior) e na lei antiga. A não ser esta a interpretação da alínea 3) (prevalência destas duas normas da lei nova sobre o estabelecido nos contratos), ela seria inútil visto que do proémio do artigo 215.º e da sua alínea 2) já resultaria que a lei nova se aplicaria às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor e que o contratado prevalece sobre a lei no que toca a direitos e deveres dos concessionários. Não haveria necessidade de mandar aplicar expressamente dois preceitos da lei nova. Ou seja, o único efeito útil da alínea 3) é dizer que, ao contrário do que resulta da alínea 2) – onde o convencionado pelas partes prevalece sobre as disposições da lei nova – estes dois preceitos da lei nova prevalecem sobre o contratado.”4
Fica assim excluída a aplicação do regime estipulado no contrato de concessão, desde que o terreno concedido não seja aproveitado no prazo fixado para o efeito por culpa do concessionário.
Há de ver ainda se no caso vertente é aplicável o disposto na al. 3) do art.º 215.º da Lei n.º 10/2013, ou seja, se o terreno concedido não foi aproveitado por culpa da concessionária, deixando esta passar o prazo sem que tenha realizado o aproveitamento do terreno.
Ora, conforme a factualidade assente, o terreno em causa foi concedido à recorrente por despacho publicado no Boletim Oficial em 2 de Setembro de 1991, com vista à construção de um edifício com 23 pisos, afectados respectivamente a comércio, a escritórios para venda e para uso próprio e a estacionamento, sendo de 25 anos o prazo de arrendamento, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do referido Despacho.
E o prazo global do aproveitamento do terreno era inicialmente de 30 meses, também contados a partir da data de publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho em apreço, ou seja, terminou em 1 de Março de 1994.
Ocorreram várias vicissitudes após a concessão do terreno, incluindo as revisões parciais do contrato de concessão com vista à alteração da finalidade do terreno e à prorrogação do prazo de aproveitamento inicialmente estabelecido no contrato.
Finalmente, e por despacho do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, de 14.6.1995, o prazo de aproveitamento foi prorrogado até 21.5.1997.
Em 9 Setembro de 2004, a concessionária comunicou à Administração que o aproveitamento do terreno concessionado teve de ser adiado por razões que se prendiam com as dificuldades resultantes do abrandamento significativo da indústria de construção civil em Macau, ao longo da década de 90, não tendo o prémio sido pago integralmente e nos prazos fixados para o efeito.
Em 31.7.2009, a concessionária apresentou um novo estudo prévio para viabilizar o aproveitamento do terreno concessionado e, em 20.1.2010, apresentou uma alteração ao estudo prévio, referindo que, após o mesmo ser autorizado, poderia entregar brevemente o projecto de obra de construção e a calendarização da execução e conclusão da obra e encargos especiais.
Concluindo, o terreno em causa não foi aproveitado no prazo de aproveitamento prorrogado até 21.5.1997.
Quanto à prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, a norma contida no n.º 5 do art.º 104.º, da Lei de Terras nova, que permite expressamente a suspensão ou prorrogação deste prazo a requerimento do concessionário e por autorização do Chefe do Executivo, não pode ser aplicada aos casos em que o prazo de aproveitamento já expirou na vigência da Lei de Terras de 1980, dado que não podia ser pedida a suspensão ou a prorrogação do prazo de aproveitamento, que já se esgotara à data da entrada em vigor da Lei de 2013. E do n.º 5 do art.º 105.º da Lei de 1980 apenas pode retirar-se que o concessionário podia apresentar justificação para o não cumprimento dos prazos.5
Seja como for, o prazo de aproveitamento do terreno concedido à recorrente foi prorrogado até 21.5.1997.
E a falta de aproveitamento é imputável exclusivamente à recorrente, tal como afirma o Tribunal recorrido que, com base nos elementos constantes nos autos, incluindo o prazo de aproveitamento finalmente estabelecido com as duas prorrogações bem como a ciência e a aceitação manifestada pela recorrente das condições de revisão do contrato de concessão, para além das considerações tecidas sobre a invocação da crise económica, apreciou a questão de culpa, tendo concluído que a recorrente não agiu diligentemente realizando atempadamente os trabalhos e as obras de aproveitamento.
Acresce-se que a situação alegada pela recorrente de que o terreno se encontrava ocupado pela Administração até ao final do ano 1994 já foi devidamente ponderada e valorada nas duas prorrogações do prazo de aproveitamento.
Por conseguinte, é de aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 104.º e no art.º 166.º da Lei n.º 10/2013, já que estão preenchidos os pressupostos do n.º 3 do art.º 215.º da mesma Lei.
Prevê expressamente a al. 1) do n.º 1 do art.º 166.º que as concessões provisórias de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam por “não conclusão do aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais, ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa”.
Mesmo aplicando o disposto no art.º 166.º da Lei n.º 6/80/M, como pretende a recorrente, as concessões provisórias de terrenos urbanos ou de interesse urbano também caducam por “falta do aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais, ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo do pagamento da multa agravada previsto no n.º 3 do artigo 105.º” – art.º 166.º n.º 2 e n.º 1, al. a) da Lei n.º 6/80/M.
Salienta-se que, no caso vertente, são estabelecidos no contrato de concessão (e nas suas revisões) os prazos e termos de aproveitamento do terreno em causa, não se tratando do caso de omissão contratual.
Daí que, verificada uma das situações previstas no art.º 166.º da Lei de Terras nova (e também no art.º 166.º da Lei de Terras antiga, na pretensão da recorrente) em que se deve declarar a caducidade da concessão provisória, é de crer que não merece censura o acórdão recorrido bem como o acto administrativo impugnado.
Concluído pela aplicabilidade do disposto no n.º 3 do art.º 104.º e no art.º 166.º da Lei n.º 10/2013, é de julgar inverificado o vício de violação dos termos do contrato de concessão, mormente a sua cláusula décima terceira e a cláusula oitava, também imputado pela recorrente, tornando-se desnecessário analisar a respectiva estipulação contratual.
Não se verifica o vício de violação de lei nem do princípio da legalidade.

3.6. Do erro manifesto ou por total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e da violação dos princípios da boa fé, da tutela da confiança, da justiça, da igualdade, da imparcialidade e da proporcionalidade – acto vinculado
A questão ora colocada também já foi objecto de apreciação em vários acórdãos do Tribunal de Última Instância, sendo de opinião deste Tribunal que, face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, pelo que não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo.6
No caso ora em apreciação, afigura-se-nos que, face à falta de aproveitamento por parte da recorrente no prazo de aproveitamento estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
O acto não foi praticado no exercício de poderes discricionários, sendo um acto vinculado.
Ao contrário dum acto praticado no exercício de poderes discricionários, o acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.7
Tanto na vigência da Lei de Terras antiga como na vigência da Lei nova, o acto de declaração da caducidade da concessão do terreno tem a natureza vinculada, devendo o Chefe do Executivo proceder a tal declaração, face ao não aproveitamento do terreno no prazo fixado para o efeito.
E no âmbito da actividade vinculada, como no presente caso, não se releva a alegada violação dos princípios indicados pela recorrente.
O mesmo se deve dizer em relação à apreciação da culpa do concessionário no não aproveitamento do terreno.
Sobre a questão da culpa, este Tribunal de Última Instância também já teve oportunidade para se pronunciar, tendo entendido que se pode ver aqui um conceito indeterminado, cuja determinação constitui uma actividade vinculada, de mera interpretação da lei, com base nos instrumentos da ciência jurídica, não havendo intenção de conceder uma margem de apreciação à Administração. E nos casos em que está em causa a interpretação da culpa passada do concessionário no não desenvolvimento do terreno, o conceito indeterminado não envolve qualquer juízo de prognose, mas apenas envolve a avaliação da conduta passada, porque o seu conteúdo é apurável através de métodos teorético-discursivos. Daí que não pode estar em causa a violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé, etc..8
Improcedem os vícios imputados pela recorrente.

3.7. Da ofensa às disposições constantes do n.º 3 do art.º 42.º, art.º 25.º e n.º 1 do art.º 36.º, todos do Regulamento Geral da Construção Urbana – nulidade do acórdão da al. e) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC
Na óptica da recorrente, a violação das normas contantes do RGCU provocou a impossibilidade da recorrente prover ao aproveitamento do terreno.
E o acórdão recorrido está viciado de nulidade prevista na al. e) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, por não ter apreciado a questão em causa já suscitada pela recorrente na petição de recurso contencioso.
Alega a recorrente que, após a apresentação de projectos para aproveitamento do terreno e a respectiva aprovação, a DSSOPT nunca emitiu a respectiva licença de obras, apesar de tal haver sido devidamente requerida pela recorrente, incumprindo portanto uma obrigação legal, decisiva para a viabilização do aproveitamento do terreno, para além de não se pronunciar sobre o projecto de electricidade. Tudo isto ocorreu dentro do primeiro prazo de aproveitamento do terreno.
Invoca ainda a não pronúncia pela DSSOPT sobre o estudo prévio apresentado em 15 de Outubro de 2003 nos prazos estabelecidos no n.º 1 do art.º 36.º do RGCU.
Ora, visto o acórdão do TSI, não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Tal como salienta o Magistrado do Ministério Público no seu douto parece, a alegada violação das normas indicadas pela recorrente foi objecto de abordagem e de decisão do TSI, no ponto intitulado “Do regime de declaração de caducidade de concessão por falta de aproveitamento do terreno; culpa da concessionária”.
Constata-se no acórdão que o TSI fez consignar o seguinte:
“Não obstante invocar a recorrente factos ocorridos após o términus do prazo de aproveitamento do terreno, salvo o devido respeito, somos a entender que só têm relevância para a decisão do presente recurso os factos ocorridos até esse prazo que terminou em Janeiro de 1996, pois as vicissitudes posteriores a essa data deixam de ter influência numa omissão pretérita e culposa por parte da recorrente.

Alega a recorrente que apesar de ter apresentado pedido de emissão de licença de obras, mas devido à inércia da Administração, esta não chegou a emiti-la, razão pela qual não tinha condições para proceder ao aproveitamento do terreno.
A nosso ver, julgamos que a razão invocada pela recorrente não era sustentável.
Segundo o contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir de 6.7.1992, devendo o aproveitamento do terreno operar-se no prazo global de 42 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que titula o contrato de concessão, ou seja, até 6 de Janeiro de 1996.
Não obstante que a Administração não chegou a aceder ao pedido da recorrente e emitir a licença de obras, a verdade é que a recorrente não estava impossibilitada de aproveitar o terreno face ao teor do n.º 4 e 5 da cláusula quinta do contrato de concessão.
De facto, os serviços competentes tinham o prazo de 90 dias para apreciar os projectos e caso não se pronunciassem no prazo de 90 dias, a concessionária poderia dar início à obra projectada no prazo de 30 dias após comunicação por escrito à DSSOPT.
No caso vertente, a recorrente apresentou em 3 de Agosto de 1995 o projecto de arquitectura e requereu a emissão da competente licença de obras mas que esta não foi emitida.
De acordo com o previsto na cláusula quinta do contrato de concessão, decorrido o prazo de 90 dias, a recorrente poderia dar início à obra projectada, sendo assim, se não realizou a obra, era porque não quis, pelo que não pode a recorrente imputar a responsabilidade à Administração pelo incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno.”
Daí que o TSI chegou a apreciar, como devia, a questão suscitada pela recorrente, não se verificando o vício de omissão de pronúncia por si invocado.
Na realidade, o TSI considera irrelevante as vicissitudes posteriores ao prazo de aproveitamento, incluindo a alegada não pronúncia pela DSSOPT sobre o estudo prévio apresentado em 15 de Outubro de 2003, e que, pesa embora a não pronúncia dos projectos e a não emissão da licença de obras por parte da Administração, a recorrente não estava impossibilitada de aproveitar o terreno face ao teor dos n.ºs 4 e 5 da cláusula quinta do contrato de concessão.
Por outro lado, as normas indicadas pela recorrente do RGCU estipulam os elementos que o projecto de electricidade deve conter (art.º 25.º), os prazos para a Administração se pronunciar sobre projectos (art.º 36.º n.º 1) e o prazo para a Administração emitir a licença de obras (art.º 42.º n.º 3).
Nos termos do art.º 37.º do RGCU, não havendo resolução dentro dos prazos fixados no art.º 36.º, “o requerente poderá dar início às obras projectadas, trinta dias após comunicação por escrito feita à D.S.S.O.P.T., sujeitando todavia os projectos a tudo o que se encontra disposto no presente regulamento ou quaisquer outras disposições aplicáveis e ficando sujeitos a todas as penalidades previstas, com excepção da falta de licença”.
E ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do 42.º do RGCU, “notificado o requerente da aprovação do projecto de obra ou utilizada a faculdade prevista no artigo 37.º, deverá aquele requerer a respectiva licença de obras” e no prazo de 15 dias após a entrega do requerimento apresentado pelo requerente, a DSSOPT “procederá ao cálculo da taxa devida e emitirá a respectiva licença de obras, notificando o requerente para proceder ao seu levantamento”.
Consta-se na cláusula quinta do contrato de concessão uma estipulação semelhante à disposição do art.º 37.º do RGCU, onde se pode ler:
- Para efeitos da contagem do prazo (de 42 meses) entendeu-se que, para a apreciação dos projectos, os Serviços competentes observariam um prazo de 90 dias;
- Caso os Serviços competentes não se pronunciassem no prazo de 60 dias, o segundo outorgante poderia dar início às obras projectadas 30 dias após comunicação por escrito à DSSOPT, sujeitando, todavia, os projectos a tudo o que se encontrava disposto no RGCU ou em quaisquer outras disposições aplicáveis e ficando sujeito a todas as penalidades previstas naquele RGCU, com excepção da estabelecida para a falta de licença. Todavia, a falta de resolução, relativamente ao anteprojecto de obra, não dispensava o segundo outorgante da apresentação do respectivo projecto de obra.
Ora, decorre tanto das disposições legais como da cláusula contratual a possibilidade de a concessionária dar início às obras projectadas, 30 dias após comunicação por escrito feita à DSSOPT, na hipótese de esta não se pronunciar nos prazos fixados sobre os projectos apresentados por aquela, evitando assim a demora no aproveitamento do terreno. O que não foi feito no nosso caso concreto.
Daí que não tem razão a recorrente ao alegar que ela ficou impossibilitada de prover ao aproveitamento do terreno em causa.

3.9. Da ineficácia, ilegalidade ou inconstitucionalidade da decisão de perda do montante do prémio e juros já pagos e do abuso de direito
Na óptica da recorrente, uma vez que no acto administrativo impugnado não foi declara a apropriação ou perda de prémios, mencionada no parecer da Comissão de Terras, não pode tal acto “ter por efeito a perda do prémio da concessão e respectivos juros a favor da Administração, por falta de título”.
Por outro lado, é ilegal o teor do art.º 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, não podendo produzir efeitos na ordem jurídica, pois implica uma restrição ao direito de propriedade que, como direito fundamental, apenas pode ser normativizado através de lei em sentido formal, e não pode a Administração argumentar que a perda de prémio e juros pagos está agora prevista no n.º 1 do art.º 168.º da Lei de Terras nova, uma vez que todos os factos relevantes para este efeitos ocorreram antes da entrada em vigor desta lei.
E o acto recorrido consubstancia um abuso de direito na medida em que se impunha concluir que os mais de cinco anos que a Administração demorou a concluir o processo de declaração de caducidade teriam sido um mero compasso de espera para que a nova Lei de Terras estivesse em vigor aquando da prolação do despacho que declarou a caducidade, para assim poder ser declarada a perda do prémio, precisamente porque a Administração saber que o art.º 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004 é ilegal.
Vejamos.
Ora, a perda de prémio e juros já pagos foi mencionada no parecer da Comissão de Terras, onde se pode ler que, após uma análise sintética do processo administrativo, “a Comissão também concorda que os prémios e os respectivos juros pagos pela concessionária sejam revertidos a favor da RAEM, de acordo com o estipulado no artigo 13.º do Regulamento Administração n.º 16/2004. De igual modo, nos termos do n.º 3 da cláusula décima terceira do mesmo contrato e do n.º 1 do artigo 168.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), declarada a caducidade da concessão, reverterão para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo a concessionária direito a ser indemnizado ou compensado”.
No entanto, não se constata tanto no parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas como no despacho do Chefe do Executivo qualquer referência à matéria em causa.
Desde logo, repare-se que se a recorrente entende que o acto impugnado do Chefe do Executivo não declarou a perda de prémios de concessão e respectivos juros a favor da Administração, então não tem legitimidade para suscitar a questão.
No que respeita à matéria em causa, regula o art.º 13.º do Regulamento Administração n.º 16/2004 que “no caso de ser declarada a caducidade da concessão, o concessionário perde, a favor da Região Administrativa Especial de Macau, a totalidade das prestações do prémio já pagas”.
Nos termos do n.º 1 do art.º 168.º da nova Lei de Terras, uma vez declarada a caducidade da concessão, “revertem para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo o concessionário direito a ser indemnizado ou compensado”.
Ambas as normas foram citadas pela Comissão de Terras como fundamento legal para a reversão de prémios e juros pagos pela concessionária a favor da RAEM.
Já vimos que são aplicadas ao presente caso as disposições legais da nova Lei de Terras, sendo que a caducidade de concessão do terreno em causa foi declarada ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 166.º da mesma Lei, daí que a aplicabilidade da norma contida no art.º 168.º desta Lei.
Mostra-se assim impertinente a discussão sobre a legalidade do art.º 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
Invocando a ocorrência de todos os factos relevantes antes da entrada em vigor da nova Lei de Terras, alega ainda a recorrente que, face à disposição do n.º 1 do art.º 11.º do Código Civil, não pode a Administração fundamentar a sua decisão na previsão do citado n.º 1 do art.º 168.º.
Como se sabe, é consagrado no n.º 1 do art.º 11.º do CC o princípio geral da não retroactividade da lei, segundo o qual “a lei só dispõe para o futura; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
Trata-se de uma “retroactividade mitigada, traduzida apenas na sua aplicação aos efeitos pendentes e não aos efeitos extintos ou esgotados na vigência da lei antiga e por maioria de razão, com ressalva dos próprios factos”.9
É evidente que no presente caso não estejam em causa “efeitos já produzidos pelos factos”, ainda que ocorridos todos antes da nova Lei de Terras.
Na verdade, ocorreram antes da entrada em vigor da Lei n.º 10/2013 os factos relevantes que implicam a declaração de caducidade da concessão, que foi decretada na vigência da mesma Lei.
A perda de prémio e juros já pagos a favor da RAEM é prevista no art.º 168.º como um dos “efeitos de caducidade”, a produzir pela declaração de caducidade da concessão.
Por outras palavras, os efeitos concretizados na perda de prémio e juros produzem-se com a declaração de caducidade.
Daí que não se pode falar nos “efeitos já produzidos” pelos factos passados antes da Lei n.º 10/2013.
Por outro lado e no que concerne ao alegado abuso de direito, afigura-se-nos absurda a afirmação, sem nenhum suporte fáctico, da recorrente ao dizer que a Administração demorou cinco anos a concluir o processo de declaração de caducidade, precisamente porque esperava pela entrada em vigor da nova Lei de Terras, que permite declarar a perda do prémio.
Ora, se assim fosse, bem poderia a Administração ter proferido a decisão de caducidade logo depois da entrada em vigor daquela Lei, em 1 de Março de 2014, não precisava de esperar até 2016.
A figura do abuso de direito é prevista no art.º 326.º do CC, que considera “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
A lei fala no abuso de direito, logicamente há de existir um direito.
No presente caso, ao declarar a caducidade da concessão do terreno, está a Administração a exercer um poder-dever, prescrito por normas imperativas; não estando em causa nenhum direito, não há lugar a qualquer abuso de direito.
Na realidade, limita-se a Administração a cumprir a lei, que é imperativa ao impor à Administração uma obrigação, de praticar um acto vinculativo, como já vimos, de declarar a caducidade da concessão.
Improcedem os vícios imputados pela recorrente.

3.10. Da causa impeditiva da caducidade
Defende a recorrente a aplicabilidade da estatuição constante do art.º 323.º do CC, porquanto configura causa impeditiva da caducidade.
Ora, dispõe a norma o seguinte:
“Artigo 323.º
(Causas impeditivas da caducidade)
1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.”
No caso reportado nos autos, nem o contrato de concessão nem a Lei de Terras estabelecem qualquer norma que contempla situações a que possa ser atribuída eficácia suspensiva ou interruptiva do decurso do prazo.
Por outro lado, não se nos afigura que os actos praticados pela Administração configurem, de algum modo, o reconhecimento dos direitos da recorrente que possam ser exercidos depois de ter decorrido o prazo de arrendamento.
Coloca-se ainda a questão de saber se os direitos da RAEM em causa são ou não disponíveis, pois só há lugar à aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil quando estão em jogo direitos disponíveis.10
Improcede também o recurso, nesta parte.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 18 UC.

                 Macau, 3 de Abril de 2020
                 
 Juízes: Song Man Lei (Relatora) – José Maria Dias Azedo – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
                 
                 

1 Cfr. Ac.s do TUI, Proc. n.º 62/2017 e 103/2018, ambos de 31 de Janeiro de 2019.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 20 de Fevereiro de 2017, Proc. n.º 81/2016.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 14 de Dezembro de 2012, Proc. n.º 61/2012.
4 Cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018.
5 Cfr. Ac. do TUI, de 11 de Abril de 2018, Proc. n.º 38/2017.
6 Cfr. Acórdãos do TUI, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018; de 31 de Julho de 2018, Proc. n.o 69/2017.
7 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 310.
8 Cfr. Ac.s do TUI, de 3 de Maio de 2000, Proc. n.º 9/2000, de 11 de Abril de 2018, Proc. n.º 38/2017 e de 5 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 88/2018.
9 Cfr. Inocência Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, 11.ª ed. Reimpressão, P. 292.
10 Cfr. Ac. do TUI, de 13 de Março de 2019 e de 4 de Abril de 2019, Proc. n.º 16/2019 e n.º 2/2019.
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2
Processo n.º 7/2019