Processo nº 1280/2019
Data do Acórdão: 05MAR2020
Assuntos:
Prescrição dos créditos laborais
Causa de suspensão de prescrição
SUMÁRIO
Considerando a mens legislatoris da causa de suspensão da prescrição prevista no artº 311º/1-c) do CC que é prevenir o não exercício tempestivo do direito por parte de um trabalhador subordinado, por causa da chamada inibição psicológica do exercício do direito, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que poderá colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego.
E tendo em conta o facto notório, ou pelo menos o facto de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das funções, de que, não obstante juridicamente distinta da YYY, a XXXX é uma sociedade vulgarmente denominada sociedade-mãe da YYY por ser sócio dominante desta.
Se, em vez de cessação definitiva da relação de trabalho entre o trabalhador e a XXXX, o que aconteceu é no fundo apenas a modificação subjectiva, consistente na substituição da XXXX (antecessor) pela YYY (sucessor) numa mesma relação laboral com o trabalhador, este não deve ficar impedido de beneficiar da causa de suspensão por 2 anos, a que se alude o artº 311º/1-c) do CC, a contar apenas a partir da cessação da relação laboral com a YYY, para reclamar os créditos laborais devidos pela XXXX, uma vez que, mesmo após a sucessão da YYY na posição contratual da XXXX, esta não deixa de ser a entidade a quem o trabalhador se encontra “de facto subordinado”.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 1280/2019
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
No âmbito da acção de processo comum do trabalho, registada no Tribunal Judicial de Base, sob o nº LB1-19-0120-LAC, instaurada por B contra a Xxxx Xxxx Xxxx Xxxx, S. A. e Yyy Yyy Yyy, S.A., ambas devidamente identificadas nos autos, doravante abreviadamente designadas por XXXX e YYY, foi em sede de contestação apresentada pela Ré XXXX , foi deduzida a excepção peremptória de prescrição do direito aos créditos contra ela reclamados.
A excepção foi relegada para a sentença final onde foi julgada improcedente nos seguintes termos:
對於第一被告指原告針對其的勞動債權時效已過的抗辨方面。
已證事實顯示原告自2002年4月15日起為第一被告提供工作,期間從未間斷過,即使在2003年7月17日第二被告透過第01949/IMO/SEF/2003號經濟財政局批示獲准自2003年7月21日起將原本屬第一被告的280名非本地勞工轉到名下後至今,原告也從未間斷為第二被告提供工作至今。
根據2003年7月17日第01949/IMO/SEF/2003號經濟財政局批示內容顯示: “Considerando que a Yyy Yyy Yyy, S.A., foi autorizada a explorar todos os casinos pertencentes à XXXX, onde se inclui o Casino A, pelo que os trabalhadores não residentes permanecem no seu posto de trabalho [...] Autorizo [...] a transferência das autorizações concedidas para a contratação de 280 trabalhadores... ”.
由此可見,即使第一被告將其原本持有的包括原告在內的280名非本地勞工轉給第二被告,原告也一直按其與第一被告簽署的勞動合同繼續在同一地點繼續為第二被告提供工作及收取相同報酬。也就是說原告是在相同勞動合同及在不同時段為兩名被告提供工作,為此,原告的工作關係存續期間應自原告為第一被告提供工作起計算至今。
《民法典》第311條第1款c)項規定:“...在工作關係存續直至關係終止後兩年時效不完成”。
《商法典》第111條第1款規定:“取得人繼受轉讓人與企業員工訂立之勞動合同所產生之權利及義務,但轉讓人與取得人之間於移轉前約定有關員工繼續在另一企業為轉讓人提供服務者除外”。
透過上述內容我們可斷定雖然第一被告及第二被告的法律人格不同,然而當第二被告按2003年7月17日第01949/IMO/SEF/2003號經濟財政局批示“繼承”第一被告的280名非本地勞工時已繼受了第一被告與原告訂立的勞動合同所產生的權利和義務,符合《民法典》第311條第1款c)項規定的工作關係存續直至關係終止後兩年時效不完成的規定。
綜上所述,本庭裁定第一被告的時效消滅抗辯理由不成立。
Notificada da sentença e inconformada com a sentença na parte que julgou improcedente a excepção de prescrição, veio a Ré XXXX recorrer dela para esta segunda instância, concluindo e pedindo que:
I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida a fls. 201 a 213 dos autos.
II. A Ré, ora Recorrente, não se conforma com a aludida Sentença, por entender que a mesma incorre em erro na aplicação de Direito, devendo ser nula a parte da decisão ora em crise que julga improcedente a excepção peremptória de prescrição aduzida pela Recorrente, pelas razões que infra se explanam.
III. Em 15/05/2019, o Autor, ora Recorrido, intentou contra a aqui Recorrente e a YYY a presente acção de processo comum do trabalho, peticionando a condenação da 1ª Ré XXXX no pagamento de uma indemnização global de MOP$67.255.50, e da 2ª Ré YYY no valor global de MOP$319,412.50, a título de créditos laborais emergentes das relações laborais do Autor com as Rés, alegando para tanto, entre outros factos, que o Autor prestou serviço à 1ª Ré XXXX entre 15 de Abril de 2002 a 21 de Julho de 2003, e prestou serviço à 2ª Ré YYY desde 22 de Julho de 2003 até à presente data.
IV. Em sede de contestação, a Ré aduziu uma defesa por excepção, arguindo a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor emergentes da relação laboral com a 1ª Ré XXXX, nos termos do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
V. O Autor apresentou resposta, alegando, em suma, que os créditos reclamados pelo Autor não se encontram prescritos.
VI. O Meritíssimo Juiz, por douto Despacho de fls. 180 e ss dos autos, relegou a apreciação da excepção peremptória de prescrição invocada pela Ré, ora Recorrente, para a decisão final, ponderando a matéria de facto que ficar provada, dado as partes não se mostrarem de acordo relativamente à questão de saber se a relação laboral do Autor com as duas Rés se baseou só num contrato de trabalho.
VII. Por douta Sentença, proferida a fls. 201 e ss, o Meritíssimo Juiz julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição.
VIII. Verificou-se uma efectiva cessação - termo - do contrato de trabalho, isto é, a relação laboral entre Autor e 1ª Ré iniciou-se a 15 de Abril de 2002 e terminou a 21 de Julho de 2003, o que conduz à prescrição dos créditos laborais emergentes da relação laboral subjacente a esse contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 3 do CPT, e artigos 302.º, 311.º, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, todos do CC.
IX. A 1ª e a 2ª Rés, são pessoas jurídicas distintas, como são distintas as relações laborais estabelecidas entre aquelas e o Autor, ora Recorrido.
X. O Autor formula pedidos distintos contra cada uma das Rés, exercendo direitos autónomos e independentes.
XI. O Autor não manteve com a 2ª Ré a relação de trabalho que tinha com a 1ª Ré, ora Recorrente, isto é, não trabalhava sob a égide de uma só relação de trabalho.
XII. Consta expressamente do Despacho n.º 01949/SEF/2003, proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças: "Cancelo, nos termos do n.º 10 do mesmo Despacho, as autorizações anteriormente concedidas ao CASINO A - S.T.D.M. para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, bem como os respectivos contratos de prestação de serviços".
XIII. Por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003 foi autorizada a transferência das autorizações anteriormente concedidas à 1ª Ré XXXX, ora Recorrente, para a contratação dos 280 trabalhadores não residentes, como ainda foram as mesmas canceladas, impondo-se a celebração, por banda da nova entidade patronal, qual seja a 2ª Ré YYY, de novos contratos de prestação de serviços, ex novo.
XIV. No presente caso verificou-se o efectivo termo da relação laboral entre Autor e 1ª Ré XXXX.
XV. Deverá ser revogada a decisão constante da Sentença proferida a fls. 201 a 213 dos autos, na parte que julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição aduzida pela Recorrente em sede de contestação, por violação do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, ambos do Código Civil, e susbtituída por outra que julgando procedente a excepção de prescrição, julgue prescritos todos os créditos reclamados anteriormente a 3 de Junho de 2004 e em consequência, absolva a aqui Recorrente dos créditos peticionados pelo Autor entre 15 de Abril de 2002 e 21 de Julho de 2003.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, ser declarada a nulidade da sentença por violação do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, ambos do Código Civil, devendo assim ser revogada e substituída por outra que julgando procedente a excepção de prescrição invocada pela aqui Recorrente em sede de contestação, julgue prescritos todos os créditos reclamados anteriormente a 3 de Junho de 2004 e em consequência absolva a aqui Recorrente dos créditos peticionados pelo Autor entre 15 de Abril de 2002 e 21 de Julho de 2003,
Termos em que farão V. Exas. a costumada
JUSTIÇA!
Ao recurso não respondeu o Autor.
Admitido no Tribunal a quo, o recurso foi feito subir a este Tribunal de recurso.
Liminarmente admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
A única questão suscitada pela recorrente é no fundo a questão de saber se houve cessação da relação de trabalho no momento em que os 280 trabalhadores não residentes, incluindo o Autor, foram transferidos da XXXX para a YYY.
a Exmª Juiz a quo já ai devidamente apreciadas e decididas.
Conforme se vê na Douta decisão ora recorrida, esta questão já foi bem analisada e decidida pela Exmª Juiz a quo na sentença ora recorrida, onde foi demonstrada, com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, a improcedência da invocada excepção peremptória de prescrição.
O que merece a nossa inteira adesão, e a que só nos limitamos a dizer que, em vez de cessação da relação de trabalho entre o Autor e a XXXX, o que aconteceu é no fundo apenas a modificação subjectiva, consistente na substituição de um sujeito antecessor (a XXXX) por um outro sucessor (a YYY) numa mesma relação de trabalho que permanece.
Na verdade, não tendo a modificação subjectiva ocorrida em 21JUL2003 feito cessar a relação laboral, o Autor não deve ficar impedido de beneficiar da causa de suspensão por 2 anos a que se alude o artº 311º/1-c) do CC, à luz do qual a prescrição não se completa …… entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos corridos sobre o termo do contrato de trabalho.
Como se sabe, a mens legislatoris dessa causa de suspensão da prescrição é prevenir o não exercício tempestivo do direito por parte de um trabalhador subordinado, por causa da chamada inibição psicológica do exercício do direito, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que poderá colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego.
Admitimos que nas situações normais, tal inibição psicológica cessa logo com a entrada de uma nova entidade patronal na posição contratual da mesma relação laboral.
Todavia, existe uma particularidade no caso sub judice, que nos leva a crer que tal inibição psicológica permanece presente mesmo após a sucessão da YYY no lugar da XXXX na mesma relação laboral com o Autor.
Particularidade essa que é justamente o facto notório, ou pelo menos o facto de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das funções, de que, não obstante juridicamente distinta da YYY, a entidade antecessora XXXX, enquanto sociedade vulgarmente denominada sociedade-mãe da YYY por ser sócio dominante desta, continua a ser a entidade a quem o Autor se encontrava, “de facto, subordinado”.
Tendo em conta a tal particularidade, cremos que a razão de ser da causa de suspensão de prescrição prevista no artº 311º/1-c) do CC continua a estar presente no caso em apreço mesmo depois da sucessão da posição contratual da XXXX pela YYY.
Assim, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da requerente e confirmando a decisão recorrida.
Sem mais delonga, resta decidir.
III
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso interposto pela Ré XXXX.
Custas pela recorrente XXXX.
RAEM, 05MAR2020
(Relator)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
Ac. 1280/2019-1