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Proc. nº 625/2019
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 02 de Abril de 2020
Descritores:
- Concessão de terrenos
- Acto de execução
- Audiência de interessados
- Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO:

I - Se o acto sindicado se limita a dar execução ao acto do Chefe do Executivo que declara a caducidade da concessão, apresentando-se como o resultado de uma actividade vinculada a que o Secretário não podia esquivar-se, e se não houve neste inovação em relação àquele, nem ocorreu qualquer instrução a antecede-lo, tal tem como consequência que a audiência em causa se degradou em formalidade não essencial ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto administrativo.

II - Não viola o princípio da proporcionalidade a fixação de um prazo de 60 dias para a desocupação do terreno por parte do concessionário, na sequência da declaração de caducidade da concessão, se a interessada não comprova que é curto para a tarefa que tem pela frente para cumpri-lo e se os elementos dos autos não mostram que a Administração, ao fixá-lo, incorreu em erro manifesto e grosseiro.

Proc. nº 625/2019

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
“SOCIEDADE CHONG VA - ENTRETENIMENTO LIMITADA”, com sede em Rotunda de S. João Bosco, n.º 125, Edf. The Phoenix Terrace, 1º andar, matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis sob o n.º 7959(SO) ---
Interpõe recurso contencioso junto deste TSI ---
Do despacho de 4 de Abril de 2019 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas,
Que, concordando com a proposta n.º 079/DSO/2019, lhe ordenou pra proceder ao desalojamento, dentro de 60 dias constados do dia de recepção da notificação referida, dum terreno descrito na CRP sob o n.º 22982, com área de 134.981,00 m2, situado na ilha da Taipa, junto à Estrada Almirante Marques Esparteiro, e remoção de todos os bens móveis e veículos a motor estacionados na cena e devolver à RAEM as benfeitorias de qualquer forma no terreno sem qualquer responsabilidade ou encargo.
Na petição de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1. Foi notificada a recorrente em 14 de Maio de 2019 por carta n.º 0222/6290.3/DSO/2019 de 11 de Abril de 2019 da DSSOPT do despacho de 4 de Abril de 2019 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que concorda com a proposta n.º 079/DSO/2019 e ordena a recorrente a desalojar-se, dentro de 60 dias constados do dia de recepção da notificação referida, dum terreno descrito na CRP sob o n.º 22982, com área de 134.981,00 m2, situado na ilha da Taipa, junto à Estrada Almirante Marques Esparteiro, remover todos os bens móveis e veículos a motor estacionados na cena e devolver à RAEM as benfeitorias de qualquer forma no terreno sem qualquer responsabilidade ou encargo.
2. No caso, não foi realizada a audiência prévia, o despacho recorrido padece do vício formal por violação do princípio de participação e omissão completa de cumprimento do dever de audiência de interessados, assim, é anulável nos termos dos art.º 21.º n.º 1 alínea c) e art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
3. A entidade recorrida concorda com a proposta n.º 379/DSO/2017, mas não fundamenta a fixação do prazo de desalojamento em 60 dias.
4. A entidade recorrida impõe à recorrente a obrigação e o encargo de desalojamento do terreno dentro do curto prazo, deste modo, tem o dever de fundamentação nos termos do art.º 114.º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento Administrativo.
5. Após lido o acto recorrido, a recorrente não pode perceber de que forma a Administração chega à conclusão do n. º 5.1 da proposta n.º 379/DSO/2017.
6. Padecendo do vício da falta de fundamentação, deve o despacho recorrido ser anulável nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
7. A recorrente nem percebe porque a Administração ordena a recorrente a desocupar o terreno dentro do prazo tão curto enquanto nunca toma decisão oportunamente sobre a alteração da finalidade do terreno e a revisão do contrato de concessão, nem mostra a iniciativa de praticar operações.
8. Os órgãos administrativos têm o dever de apurar se estão preenchidos ou não os requisitos fácticos e jurídicos, o Chefe do Executivo deve ordenar a realização de audiência de interessados.
9. No caso, não foi realizada a audiência prévia, o despacho recorrido padece do vício formal por violação do princípio de participação e omissão completa de cumprimento do dever de audiência de interessados, assim, é anulável nos termos dos art.º 21.º n.º 1 alínea c) e art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
10. Cumpre salientar que, em comparação com o adiamento da entidade recorrida no procedimento administrativo de alteração da finalidade do terreno, mostra-se evidentemente desproporcional o prazo de 60 dias.
11. Os materiais e equipamentos no terreno destinam-se ao seu desenvolvimento.
12. Pelo que, é impossível para a recorrente remover todos os materiais dentro de 60 dias, a custa de desocupação dentro do prazo tão curto será muito elevada e desproporcional em relação ao interesse que a Administração pretende obter.
13. O acto recorrido viola o princípio da proporcionalidade, previsto pelo art.º 5.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que é anulável nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
14. O acto executivo incorre em vários vícios, o despacho recorrido é anulável nos termos do art.º 138.º n.º 4 do Código do Procedimento Administrativo.
Pelo exposto e nos termos da lei, o recurso deve ser julgado procedente, o acto recorrido deve ser anulado por ilegalidade e, assim, devem ser produzidos os respectivos efeitos jurídicos.”
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A entidade recorrida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. O objecto do presente recurso contencioso é o despacho de “Concordo” do STOP, de 4/04/2019, exarado na Proposta n.º 079/DSO/2019, que, ao abrigo do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de terras e nos artigos 55.º e 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, ordenou à Recorrente o despejo/desocupação do terreno dos autos;
2. Não se verifica o alegado vício de forma, por falta de audiência prévia, porquanto o ordenado despejo do terreno é urna mera consequência inelutável do acto do Chefe do Executivo de declaração de caducidade da concessão, praticado em 12 de Dezembro de 2018;
3. O acto recorrido, face ao disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013, era o único concretamente possível;
4. A entidade recorrida actuou de forma estritamente vinculada e no procedimento de despejo não foi realizada qualquer diligência que pudesse ser qualificada como instrutória;
5. Se não temos urna fase de instrução, consequentemente, não se impõe a prevista audiência prévia a que se refere o n.º 1 do artigo 93.º do CPA;
6. Donde decorre que a realização de audiência prévia no caso sub judice teria constituído uma formalidade inútil, desnecessária e dilatória;
7. Mesmo que omissão tivesse havido, sempre a mesma se teria degradado numa mera irregularidade não invalidante, em respeito ao princípio do aproveitamento dos actos;
8. Não poderá proceder a alegação da Recorrente de que o acto recorrido padece de falta de fundamentação, pois o acto recorrido encontra-se devidamente fundamentado;
9. A fundamentação do acto recorrido encontra-se expressa na proposta n.º 379/DSO/2017, da qual o acto recorrido se apropriou, designadamente de todos os seus fundamentos;
10. A Administração não justificou, nem tinha que o fazer, o prazo de 60 dias concedido para o despejo;
11. De facto o prazo concedido excede em 15 dias o prazo legalmente previsto no n.º 2 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, que é de 45 dias;
12. A Recorrente foi, portanto, beneficiada em 15 dias;
13. A questão de saber se 60 dias são um prazo razoável/suficiente, para a Recorrente deixar o terreno livre e desimpedido de bens móveis, veículos motorizados e gabinete é outra questão à qual a própria dá resposta;
14. De facto a Recorrente admite expressamente que é possível desocupar o terreno no prazo concedido, pese embora seja oneroso;
15. É perfeitamente possível cumprir a ordem de despejo no prazo concedido pelo que o acto impugnado cumpriu por completo o dever de fundamentação;
16. De igual modo não se verifica qualquer desproporcionalidade na ordem de despejo, a qual pode ser emanada sem aguardar pelo trânsito em julgado da decisão judicial relativa ao recurso contencioso do acto de declaração de caducidade;
17. O princípio da proporcionalidade não é violado porque o bem público que se pretende alcançar com o despejo do terreno dos autos é muito superior ao interesse da Recorrente na manutenção de um terreno cuja falta de aproveitamento lhe é imputável;
18. O acto recorrido tem em vista implementar o aproveitamento útil e efectivo dos terrenos, optimizando a utilização dos solos e bem assim o cumprimento das prescrições legais e contratuais concernentes ao aproveitamento dos terrenos;
19. As alegadas despesas bastante elevadas com a desocupação do terreno no prazo concedido são seguramente inferiores ao elevados custos económicos e sociais da manutenção do terreno desaproveitado impedindo que o solo se tome num recurso natural produtivo, tendo em especial atenção as características únicas do projectado “Parque Oceanis”, que se destinava a prover RAEM de um “Dolphinarium”, “Santuário de aves”, “Jardim botânico”, entre outras atracções, destinadas a uma significativa melhoria da qualidade de vida dos residentes e turistas;
20. Ao que acresce que, a violação do princípio da proporcionalidade, não se configura no exercício de poderes vinculados, como é o caso do acto recorrido;
Nestes termos e nos melhores de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso e mantido o acto recorrido.”
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Ambas as partes apresentaram alegações, contendo as da recorrente as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem como objecto o despacho de 4 de Abril de 2019 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que concorda com a proposta n.º 079/DSO/2019, ordena a recorrente a desocupar-se dum terreno descrito na CRP sob o n.º 22982, com a área de 134.891,00 m2, situado na ilha de Taipa, contíguo à Estrada Almirante Marques Esparteiro, remover todos os bens móveis e veículos estacionados ali, devolver à RAEM sem qualquer responsabilidade ou encargo as benfeitorias de qualquer forma no terreno.
2. A recorrente insiste nas opiniões expostas na motivação.
3. No recurso já é suscitado o vício do respectivo acto de despejo, por isso, está susceptível de recurso.
4. Em todo o procedimento administrativo, foi preterida a audiência prévia da recorrente, assim, o despacho recorrido padece do vício formal por violação dos princípios da participação dos interessados e da audiência, deve ser anulado, ao abrigo dos art.º 21.º n.º 1 alínea c) e art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
5. O princípio da proporcionalidade deve ser considerado em função das situações e factores concretos.
6. Os equipamentos, máquinas e materiais de construção, guardados no respectivo terreno, destinam-se à obra preliminar após a concessão do terreno.
7. Não é fácil despejar e desocupar o terreno dentro de 60 dias, a recorrente tem de empregar trabalhadores, o que, devido à questão de escassez de trabalhadores no desenvolvimento económico de Macau, originará custas grandes.
8. Agora o Governo não tem plano de desenvolvimento concreto para o terreno, o despejo após a solução da impugnação sobre o terreno não vai provocar qualquer prejuízo do Governo, senão, causa dano da recorrente, pelo qual não poderá esta solicitar a qualquer pessoa a indemnização (sic.).
9. Além disso, o acto de despejo também viola o princípio da justiça, previsto pelo art.º 7.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que, o acto demanda injustificadamente que o particular - sacrifique o seu interesse pessoal para a aplicação dumas medidas desnecessárias, não urgentes e improporcionais.
10. Por violação dos princípios da protecção dos direitos e interesses dos residentes, da proporcionalidade e da justiça, o acto recorrido padece do vício da ilegalidade, portanto, deve ser anulado nos termos do art.º 21.º n.º 1 alíneas c) e d) do Código de Processo Administrativo Contencioso e art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
Pelo que, nos termos da lei, deve ser julgado procedente o recurso por ilegalidade do acto e ser anulado o acto de despejo proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas.”.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Constitui objecto do presente recurso contencioso o despacho de 04 de Abril de 2019, da autoria do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que ordenou o despejo, no prazo de 60 dias, do terreno ocupado pela recorrente, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22982, com a área de 134.981.00 m2, situado na Ilha da Taipa.
A recorrente, “Chong Va - Entretenimento, Limitada.”, imputa ao acto os vícios de preterição da formalidade de audiência dos interessados, falta de fundamentação e violação do princípio da proporcionalidade.
Por seu turno, a autoridade recorrida bate-se pela legalidade do acto.
Vejamos.
Na sua petição de recurso, a recorrente começa por imputar ao acto a omissão da formalidade de audiência prévia.
Crê-se que, no caso, a formalidade não era exigível, pelo que não lhe assistirá razão.
Estamos perante um acto de execução do despacho que declarou a caducidade da concessão. Posto que este acto de execução seja recorrível - não foi, aliás, suscitada qualquer questão quanto a isso -, trata-se de um acto situado a jusante da decisão principal; mas que faz parte do mesmo procedimento e constitui uma decorrência normal daquela decisão. É relativamente a essa decisão principal, que se seguiu à fase procedimental da instrução, que pode fazer sentido invocar a necessidade e acuidade da exercitação da audiência prévia. Não quanto ao despejo que, como se referiu, é uma decorrência normal daquela decisão sobre a caducidade.
Aliás, e como temos vindo a sustentar noutros casos em tudo idênticos, mesmo que, em tese, se equacionasse um exercício de autonomização do procedimento de execução, nem assim se imporia a audição, já que não houve uma fase de instrução neste “novo” procedimento, sendo certo que, só quando há instrução faz sentido o exercício do direito de audição prévia - cf. artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Improcede, pois, o vício de preterição da audiência.
Sustenta depois a recorrente que o acto padece do vício de falta de fundamentação, na medida em que, tendo-lhe concedido um prazo de 60 dias para o despejo, não explica a razão de lhe ter concedido esse prazo e não outro.
Não tem razão.
O artigo 179.º, n.º 3, da Lei de Terras dispõe que o despejo se processa nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto- Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto. Este diploma prevê, no seu artigo 55.º, um prazo certo para se efectivar o despejo, que é de 45 dias. Estando previsto em lei o prazo concreto a observar, como sucede, o que tem a Administração que fundamentar? Nada. No caso, até aconteceu que a Administração concedeu um prazo superior ao previsto legalmente. Não saiu afectado qualquer direito ou interesse da recorrente. Nada havia a fundamentar neste particular aspecto.
Improcede também este vício.
Por fim, a recorrente afirma que o acto incorreu em violação do princípio da proporcionalidade. Isto porque o prazo de 60 dias que lhe foi dado para a desocupação do terreno se mostra desproporcionado no confronto com a conduta morosa da Administração em todo o processo, e porque a desocupação nesse prazo importará um custo demasiado elevado, que não é proporcional ao benefício que a Administração pretende obter.
Crê-se que também nesta parte não lhe assiste razão.
O princípio da proporcionalidade é um corolário do princípio da justiça e obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir.
Dito isto, importa notar, antes de mais, que a eventual mora anterior da Administração em nada contende com a proporcionalidade ou desproporcionalidade do prazo fixado para o despejo. Nada permite, com efeito, sustentar a ideia de que os prazos a cumprir pelos particulares têm que ser proporcionais às demoras ocorridas no seio da Administração, tal como nada permite extrair a conclusão de que estas demoras significam menosprezo, desinteresse ou desvalorização das matérias em que ocorrem.
Por outro lado, e como já se salientou a propósito da questão da fundamentação, o prazo para o despejo está fixado por lei em 45 dias. A Administração concedeu um prazo superior ao fixado em lei, o que pode ser indiciário de que considerou o prazo legal exíguo, tomando por mais justo, ou mais proporcional, o prazo de 60 dias. Mas daqui não decorre que o prazo de 60 dias seja insuficiente para o despejo, nem resulta que os valores/benefícios para o interesse público em que o despejo se efective naquele prazo sejam desproporcionadamente inferiores ao esforço financeiro exigido à recorrente para cumprir aquele prazo. Aliás, a recorrente não esboçou qualquer demonstração dessa alegada desproporcionalidade.
Improcede igualmente o invocado vício de violação do princípio da proporcionalidade.
Restará acrescentar que os demais vícios referidos em alegações facultativas, concretamente a violação dos princípios da justiça e da protecção dos interesses dos residentes, porque não tendo sido invocados na petição de recurso nem tendo sido de conhecimento superveniente - artigos 42.º, n.º 1, alínea d), e 68.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso -, não podem ser abordados como causa de pedir neste recurso contencioso, pelo que deles não se deve conhecer.
Ante o exposto, e na improcedência dos vícios alegados na petição de recurso, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.”
*
Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito dos vícios invocados na petição inicial.
*
A recorrente na sua alegação final facultativa invocou ainda a violação dos princípios da protecção dos direitos e interesses dos residentes e da justiça.
Contudo, não apreciaremos estes vícios, em virtude de a recorrente já os poder ter arguído na petição e não assentarem em matéria de que só posteriormente tenha tomado conhecimento, face ao art. 68º, nº3, do CPAC.
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III – Os Factos
1 - No dia 12/12/2018 o Chefe do Executivo declarou a caducidade do contrato de concessão celebrado com a recorrente relativamente ao terreno descrito na CRP sob o n.º 22982, com área de 134.981,00 m2, situado na ilha da Taipa, junto à Estrada Almirante Marques Esparteiro.
2 - Foi lavrada a Proposta nº 079/DSO/2019 em 3/04/2019, com o seguinte teor:
“1. Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo, de 12 de Dezembro de 2018, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 134 891 m2, situado na ilha da Taipa, junto à Estrada Almirante Marques Esparteiro, em frente ao Hotel Hyatt (actualmente designado por Regency Hotel), descrito na CRP sob o n.º 22 982 do livro B, a que se refere o processo n.º 42/2016 da Comissão de Terras, nos termos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 17 de Agosto de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho e ao abrigo da alínea a) do número um da cláusula décima quinta do contrato de concessão e nos termos da alínea 1) do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do STOP n.º 42/2018, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 51, II Série, de 19 de Dezembro de 2018, e que através do ofício n.º 362/DAT/2018, de 19 de Dezembro de 2019, foi notificado à “Chong Va - Entretenimento, Limitada” o conteúdo do referido despacho. (Anexo 1)
3. De acordo com as fotografias tiradas pelo pessoal deste departamento em 29 de Março de 2019, verifica-se que no terreno existem alguns veículos automóveis cujos proprietários são desconhecidos, contentores, geradores eléctricos, construções temporárias de estrutura metálica, vários tipos das máquinas e materiais de construção, resíduos sólidos e lixos, e que também está coberta de vegetação natural. (Anexo 2)
4. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve considerar-se o seguinte:
4.1. Nos termos do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 136.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.º do CPA;
4.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do «Código de Processo Administrativo Contencioso» aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M de 13 de Dezembro, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
4.3. Assim sendo, quer interponha o recurso contencioso quer não, a ordem emitida pela Administração pode ser executada;
4.4. Com base no n.º 2 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras», o despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.º 79/85/M «Regulamento Geral da Construção Urbana» (RGCU), de 21 de Agosto;
4.5. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.º da «Lei de terras».
5. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da «Lei de terras» e com o artigo 55.º do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
5.1. Ordenar o despejo da “Chong Va - Entretenimento, Limitada”, no prazo de 60 dias contado a partir da data de notificação, do terreno com a área de 134 891 m2, situado na ilha da Taipa, junto à Estrada Almirante Marques Esparteiro, em frente ao Hotel Hyatt (actualmente designado por Regency Hotel), descrito na CRP sob o n.º 22 982 do livro B, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 12 de Dezembro de 2018, devendo demolir e remover todos os objectos existentes no local, tais como os contentores, geradores eléctricos, construções temporárias de estrutura metálica, vários tipos das máquinas e materiais de construção, resíduos sólidos e lixos, bem como os veículos automóveis lá estacionados;
Caso não se execute voluntariamente no referido prazo de 60 dias,
5.2. A DSSOPT irá executar coercivamente o referido despejo de acordo com o artigo 56.º do RGCU.
À consideração superior
A Técnica Superior
XXX”
3 - Em 4/04/2019 o Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras Públicas lavrou o seguinte despacho (a.a.)
“Concordo”
***
IV – O Direito
1 - A recorrente imputou ao acto sindicado os vícios de:
a) Preterição de audiência de interessados;
b) Falta de fundamentação;
c) Violação do princípio da proporcionalidade.
Vejamos.
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2 - Da falta de audiência de interessados
Efectivamente não houve lugar a audiência de interessados (cfr. art. 93º do CPA) antes da prática deste acto do Secretário do Governo, que se limita a dar execução do acto do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno.
No entanto, e como é jurisprudência reiterada neste TSI, não se mostraria necessária a observância dessa formalidade se, para além de não ter havido instrução, o acto não introduz nada ex novo de substancial em relação ao acto que pretende executar.
Significa isto que este acto aqui sindicado se apresenta como o resultado de uma actividade vinculada a que o Secretário não podia esquivar-se (Acs. do TUI, de 30/07/2019, Proc. nº 78/2019 e 80/2019), e isso tem como consequência que a audiência em causa se degradou em formalidade não essencial ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto administrativo (v.g., Ac. do TSI, de 20/07/2017, Proc. nº 15/2016).
Como foi dito, entre outros, no Ac. de 4/04/2019, no Proc. nº 789/2018: “…se este acto de execução nada traz de novo em termos substantivos ou materiais em relação ao acto executado, e não representa senão a consequência normal e própria da concretização material (leia-se “execução”) do acto declarativo já citado, não se crê que fosse necessário ouvir o interessado para se pronunciar de novo sobre uma solução que automaticamente emerge da determinação administrativa primária e prévia e sobre a qual já a recorrente tinha vertido impugnação contenciosa no âmbito do Processo nº 573/2018 (Neste sentido, entre outros, ver Acs. do TUI, de 22/11/2017, Proc. nº 39/2017, de 30/05/2018, Proc. nº 42/2018 ou de 21/11/2018, Proc. nº 89/2018; tb. do TSI, de 30/11/2017, Proc. nº 626/2016 e nº 1048/2017, de 21/06/2018).
De resto, também se nos afigura desnecessária a audiência de interessados, em virtude de, no caso em apreço, e conforme consulta do p.a. anexo aos presentes autos e ao Proc. de Rec. Cont. nº 573/2018, não ter havido nenhum acto instrução, face ao que dispõe o art. 93º, nº1, do CPA (cit. aresto). Por esta razão, cremos que se tornava despiciendo proceder à audiência de interessados.”.
Neste mesmo sentido, entre outros, ver Acs. de 27/10/2016, Proc. nº 842/2015, 23/02/2017, Proc. nº 461/2016; 25/05/2017, Proc. nº 826/2015; 24/10/2019, Proc. nº 997/2017.
Improcede, pois, o vício.
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3 - Da falta de fundamentação
Entendia inicialmente (na p.i.) a recorrente que o acto carece de fundamentação por não ter explicado a razão pela qual lhe foi apenas concedido o prazo de 60 dias para a desocupação e entrega do terreno. Tal argumentário não foi incluído, porém, na alegação facultativa, nem na respectivas conclusões, o que leva a admitir que terá querido abandonar o vício. Ainda assim, e cautelarmente, iremos analisá-lo.
Não tem razão, manifestamente.
Como se diz no Ac. do TSI, de 30/11/2017, Proc. nº 626/2016 «…o despejo do concessionário, segundo o que o prevê o art. 179º, nº2, da Lei de Terras processa-se nos termos do art. 79/85/M, de 21 de Agosto. E este diploma estabelece que o despejo será efectuado administrativamente, no prazo de 45 dias a contar da respectiva notificação.
Ora, o prazo concedido de 60 dias ultrapassou o prazo legalmente previsto (não parece que a lei proíba a fixação de prazo maior: neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pág. 366). Sendo “favorável”, portanto, aos interesses da recorrente, nem mereceria fundamentação justificativa do prazo, nem faria esperar a presente impugnação.
De qualquer maneira, mesmo que se entenda que o prazo de 45 dias não se aplica ao caso vertente, uma vez que o art. 179º, nº2 citado apenas manda que o despejo seja “processado” de acordo com o disposto nos arts. 55º e 56º do DL nº 79/85/M (“processamento” que excluiria a matéria da fixação dos prazos), nem por isso se acha que o vício merece proceder.
É que se tem que considerar que a fixação do prazo tem implícita uma ideia de suficiência. Quando um órgão determina um prazo fá-lo por lhe parecer ser suficiente para que o administrado o possa cumprir. Impondo um prazo certo, quando se supõe que é curto para cumprir o dever que impende sobre o particular, então o acto poderá padecer de desrazoabilidade ou desproporcionalidade. E esse será outro fundamento invocável pelo recorrente,….
Improcede, pois, o recurso quanto a esta alegada causa invalidante.»
Reiteramos aqui a fundamentação acabada de transcrever, com base na qual se julga improcedente o aludido vício.
*
4 - Da violação do princípio da proporcionalidade
A este respeito, a recorrente advoga que a fixação do referido prazo de 60 dias torna o acto desproporcional, face ao disposto no art. 5º do CPA.
Começa por achar estranha a “preguiça” da Administração ao longo de 20 anos quando comparada com o prazo curto afora fixado para a entrega do terreno.
Depois, acha que ele é curto para remover todos os imensos materiais e máquinas ali existentes, salvo a custo muito elevado e desproporcional em relação ao interesse que a Administração pretende alcançar.
Quanto ao primeiro argumento, trata-se de um fundamento não jurídico, o qual, no plano do direito, não tem qualquer aptidão para densificar o preenchimento da imputada violação do princípio da proporcionalidade.
Quanto ao segundo, convocamos o que foi mencionado no Ac. do TSI, de 30/11/2017, no Proc. nº 334/2017: «Vamos admitir que a fixação do prazo é livre e não está sujeito ao limite previsto no art. 55º, nº2, do DL nº 79/85/M. Bem, nesse caso, teremos que supor que a situação será de actuação discricionária, caso em que violação do princípio da proporcionalidade (art. 5º do CPA) só poderia proceder se a actuação administrativa revelasse um erro grosseiro e manifesto, como tem sido jurisprudência uniforme do TUI e do TSI. E tal não está configurado no caso dos autos.
Na verdade, a interessada recorrente não comprova que esse prazo é curto para toda a tarefa que tem pela frente para cumprir o despacho. Por outro lado, à falta de mais elementos nos autos, não se crê que desmontar um barracão de ferro seja uma tarefa técnica tão difícil e morosa (isso, pelo menos, não foi invocado), tal como não se antevê que a remoção de todos os bens móveis que se encontram no terreno, tais como eventuais contentores, guindastes e materiais de construção implique um período de tempo mais longo (também não foi alegada nenhuma dificuldade concreta nesse sentido).
Aliás, se o problema era só esse (o de falta de tempo), não se percebe por que a recorrente não solicitou mais tempo para cumprir a exigência constante da notificação.
E, mais ainda, somos a concluir – é argumento lateral, sim, mas não deixa de ter correspondência com o mundo da realidade dos factos - que com a instauração do recurso contencioso, o prazo para a desocupação mais do que duplicou (já para não falar no tempo que irá decorrer até ao trânsito em julgado do presente aresto). Acaso seria lógico que, depois de todo o tempo por que durou o presente processo até ao momento, mais ainda o que irá durar até ao seu trânsito, ainda fosse legítimo exigir que à Administração a fixação de novo prazo (na óptica da recorrente, mais razoável, i.é., mais longo) para a recorrente calmamente desocupar o terreno?» (no mesmo sentido, o Ac. de 21/06/2018, Proc. nº 1048/2017).
Com estes fundamentos, que subscrevemos e para os quais remetemos, somos a julgar improcedente o vício em apreço.
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UCs.
T.S.I., 02 de Abril de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
      M° P°
      Joaquim Teixeira de Sousa





Rec. Cont. nº 625/2019 19