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Proc. nº 474/2019
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Março de 2020
Descritores:
- Revisão e confirmação de sentença
- Adopção

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa na revisão de sentença, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III. É de confirmar a decisão do Tribunal competente da RAEHK, segundo a lei da RAEM, que decreta a adopção de uma menor a favor do requerente casado com a mãe da adoptanda, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.



Proc. nº 474/2019

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo masculino, casado com B, em regime da separação de bens, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong n.º XXXX, emitido pelo órgão competente da Região Administrativa Especial de Hong Kong em 7 de Julho de 2016, residente actualmente em Hong Kong, XXXXXX, ----
Instaurou a presenta acção de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal do exterior de Macau ----
Contra ----
C, actualmente com o nome de D, do sexo feminino, solteira, menor, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º XXXX, emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM em 2 de Junho de 2008, residente actualmente em Hong Kong, XXXXXX.
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Citada através do representante legal, não houve contestação.
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O digno Magistrado do MP não se opôs ao deferimento do pedido.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias queobstem ao conhecimento do pedido.
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III – Os factos
1. A Requerida nasceu em Hong Kong em 29 de Agosto de 2006, a que foi dado o nome de C, filha de E e de B (assento de nascimento n.º XXXX: Doc. 3)
2. Por ordem de adopção n.º 3/2018, emitida pelo Tribunal Distrital da Região Administrativo Especial de Hong Kong em 25 de Abril de 2018, o Requerente adoptou plenamente a Requerida. (Doc. 4)
3. Conforme a referida ordem de adopção, confirmou-se que o vínculo da adopção entre o Requerente e a Requerida foi estabelecido a partir da data do registo, isto é, 25 de Abril de 2018.
4. Após a adopção, o nome da requerida foi alterado para D, sendo o Requerente o pai adoptivo da Requerida.
4. Ao abrigo do Capítulo 290 da Lei da Adopção da Região Administrativa Especial de Hong Kong, após a adopção, o assento de nascimento primitivo da Requerida n.º XXXX teve de ser registado no livro de registo de adopção de criança e foi assim emitida a certidão de adopção da Requerida n.º S101869/13677. (Doc. 5)
5. O vínculo da adopção entre o Requerente e a Requerida foi estabelecido a partir da data do registo, isto é, 25 de Abril de 2018, e o nome da Requerida C foi alterado para D.
6. O conteúdo da sentença é o seguinte:
“Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong Processo de Adopção N.º 3 do Ano de 2008
Em relação à menor D e à Lei da Adopção (Capítulo 290),
No Juízo da MM.ª Juíza XXX,
Nos termos da Lei da Adopção (Capítulo 290), A, oficial correccional, residente actualmente em Hong Kong XXXXXX (doravante designado por “Requerente”) é autorizado a adoptar a menor C, filha de E e de B;
A aludida C (doravante designada por “menor”), do sexo feminino, solteira;
O Requerente completou 25 anos de idade.
[O nome que a menor irá utilizar é D] (1)
[A Juíza provou que a aludida menor e C são a mesma pessoa, o n.º no livro de registo de nascimento da Conservatório de Registo de Hong Kong em 26 de Setembro de 2006 é XXXX.] (2)
A data de nascimento da referida menor é 29 de Agosto de 2006;
Todo o conteúdo previsto no diploma acima referido já foi satisfeito ou dispensado;
Venho autorizar a adopção da referida menor pelo Requerente;
Mando o conservador dos registos de nascimento e óbito registar a adopção no livro de registo de adopção de criança conforme os pormenores constantes do mapa anexo a esta Ordem de Adopção.
[Ao mesmo tempo, mando o conservador dos registos de nascimento e óbito fazer a menção “Adoptada” ou “Adopted” no referido registo constante do livro de registo de nascimento.] (2)
Aos 25 de Abril de 2018
(Assinatura)
(XXX)
Juíza do Tribunal Distrital”
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IV – O Direito
Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo requerente. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do tribunal competente de Hong Kong que decretou a adopção da requerida com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a adopção.
Como foi dito em acórdão deste mesmo TSI, de 27/05/2010, no Proc. nº 828/2009: “Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê exactamente esse procedimento e constituição de tais laços familiares no sentido da protecção das crianças, constatando-se da situação vantajosa e de bem estar dali resultante para a menina adoptanda.”
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, os documentos juntos, nomeadamente a sentença revidenda proferida pelo tribunal de Hong Kong, provêm da autoridade competente, não se mostrando haver qualquer obstáculo relativamente à sua autenticidade, nem óbice referente ao trânsito.
Tudo se conjuga, portanto, para a procedência do pedido (art. 1204º, do CPC).
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong, nos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
T.S.I., 26 de Março de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



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