Processo n.º 1186/2019
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 19 de Março de 2020
Assuntos:
- Cláusula expressa que fixa o objecto de arbitragem
- Aplicação da multa com base num contrato administrativo de empreitada e competência da comissão arbitral para conhecer desta decisão sancionatória
SUMÁRIO:
I – Nos termos do disposto no artigo 39º-A, introduzido pelo DL nº 110/99/M, de 13 de Dezembro, podem ser objecto de arbitragem as questões decorrentes dos contratos administrativos, nomeadamente as tangentes à interpretação e validade das cláusulas contatutais.
II – Uma vez que as partes acordaram uma cláusula com o seguinte teor: “qualquer litígio relativo à interpretação, validade ou execução do presente contrato, que não seja possível por acordo das partes, será submetido a uma comissão arbitral, com sede na RAEM constituído por três árbitros, sendo um nomeado por cada uma das partes, e o terceiro, que funcionará como presidente, por acordo entre os dois primeiros” (cláusula 30ª do contrato), tal deve entender-se abranger a matéria de aplicação de multa com base nesses mesmo contrato, já que é matéria situada no âmbito da execução do contrato, para além de tal possibilidade estar expressamente prevista no próprio contrato.
III – Aplicada uma multa nos termos fixados no respectivo contrato de empreitada pelo dono de obra, tal decisão sancionatória pode ser objecto de arbitragem nos termos da cláusula acima citada, ainda que se entenda que tal acto aplicador de multa seja um acto administrativo destacável, a competência de intervenção do tribunal (ou comissão) arbitral resulta da vontade atribuidora das partes e com base na cláusula expressamente acordada para este efeito.
IV – A possibilidade de submeter a uma comissão arbitral uma sanção pecuniária aplicada com base no contrato administrativo não colide com o artigo 113º do CPAC, já que são meios diferentes para resolver litígios entre as partes e os requisitos exigidos são diferentes. Na falta de elementos para concluir pela ilegalidade da decisão arbitral (em matéria da aplicação de sanção), é de a manter.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 1186/2019
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 19/Março/2020
Recorrentes : - Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區)
- A
Recorridos : - Os mesmos
*
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 09/07/2019, com o seguinte teor:
“O Tribunal julga parcialmente procedente a presente acção interposta pela R.A.E.M. da arguição da nulidade da decisão arbitral contra o Consórcio, na parte respeitante à condenação da A. para pagar o R. as sanções aplicadas no montante de MOP 1.585.822,41, sem juros de mora, nos termos dos art.ºs 37.º, n.º 1, primeira parte da alínea c), n.º 2, 39.º-A e 39.º-B do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho, e da Cláusula Trigésima do Contrato;”
Veio, em 30/09/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 757 a 799, tendo formulado as seguintes conclusões :
A. Na sequência da absolvição do Réu da instância com fundamento em irregularidade de representação da Autora, esta instaurou nova acção à luz do art. 231 ° n.º 1 do CPC.
B. Compulsados porém, os factos relevantes, é manifesto que o impetrado direito de acção da Autora se encontra caducado, excepção que, com o merecido respeito, o Ilustre Tribunal a quo simplesmente ignorou, estribando-se numa argumentação incipiente e ininteligível.
C. Por força do disposto nos artigos 97º f) e 99° n.º 1 do CPAC, à acção vertente são aplicáveis as normas do Código Civil relativamente aos prazos de prescrição e caducidade, nos termos da ressalva do n.º 2 do artigo 231 ° do CPC.
D. O legislador contemplou um regime privilegiado para o Autor em matéria de caducidade ou prescrição "se por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo de prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos 2 meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes 2 meses (cfr. n.º 3 do art. 319°, ex vi art. 324° n.° 1, todos do CC).
E. Nos termos do art. 39° n.º 1 da LAV, a acção de anulação deve ser intentada no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância da primeira acção, sendo o prazo de 2 meses mencionado no n.º 1 do art. 324° do CC substituído por este prazo (especial).
F. Face ao declarado do n." 3 do art. 319º do cc, o legislador impõe claramente uma condição sine qua non para que o titular do direito possa valer-se da excepção à regra na contagem do prazo de caducidade do direito, ou seja, exige que a sua conduta processual seja totalmente alheia à absolvição do réu da instância.
G. Assim, ainda que a acção tenha sido instaurada dentro do prazo de 30 dias, se o motivo pelo qual o réu foi absolvido da instância for totalmente imputável à conduta processual do titular do direito, o direito caduca.
H. Isto porque o legislador não concebeu um regime de excepção quanto à caducidade do direito de acção para favorecer aquele cuja conduta negligente está na origem da absolvição da instância.
I. Ora, diante da factualidade vertida nos autos, facilmente se conclui que a questão sobre a incapacidade judiciária da Autora, mormente da sua irregular representação na acção anterior, é matéria da única e exclusiva responsabilidade da própria Autora que é quem tem obrigação de conhecer o Direito e informar-se dos pressupostos processuais imperativos na propositura duma acção de anulação de uma decisão arbitral.
J. Dos autos resulta claramente que foram dadas à Autora todas as possibilidades para suprir a irregularidade que a própria causou. Tendo sido notificada mais do que uma vez para o efeito e convidada a sanar o vício, não o fez; mesmo tendo-lhe sido permitido um prazo adicional, optou por nada fazer.
K. Quer a licenciada em Direito nomeada, quer o digníssimo Procurador do Ministério Público não podiam ignorar que a absolvição do réu da instância por força da aplicação da al. c) do n.º 1 do artigo 230° e da al. c) do art. 413° do CPC seriam a consequência inevitável da estratégia processual por si adoptada do não cumprimento integral dos despachos de aperfeiçoamento e ratificação do processado que ordenaram a regularização da capacidade.
L. E não há controvérsias nesta matéria porque toda a Doutrina enfatiza que "se o representante do autor não sanar a incapacidade, o processo não pode continuar, quando esse vício afectar a própria petição inicial (que fica sem efeito): neste caso, releva a falta de um pressuposto processual e o réu deve ser absolvido da instância".
M. Obviamente que a Autora está no seu pleno direito de não sanar a irregularidade da sua capacidade.
N. Não pode é argumentar-se que o facto de a parte ter feito determinada escolha (errada) e depois ter recorrido da decisão judicial desfavorável, porque isso se traduz num exercício do direito ao contraditório, a iliba, sem mais, das consequências das decisões tomadas.
O. Convolando-se assim, um erro técnico ou opção negligente na condução da lide numa questão de "natureza controversa" apenas por ter sido submetida ao escrutínio judicial.
P. Salvaguardado o merecido respeito, a sentença recorrida esquivou-se a analisar corretamente esta questão, fundamentando de forma confusa, vaga e contraditória a decisão tomada, à revelia do Direito e da Justiça mais elementar.
Q. Por um lado, o Tribunal a quo parece reconhecer que as opções da parte têm consequências processuais quando afirma que "afigura-se patente que tanto as opiniões manifestadas pela A como pelo MP nos autos de processo n.º 189/12-ATA consubstanciam-se na discussão das questões jurídicas que lhe foram concedidas para assegurar o princípio de contraditório, nos termos do art. 3°, n.° 3 e 56º, n.° 2 do CPC, deixando sempre à disposição da A para cumprir ou não este despacho de suprimento do pressuposto processual proferido no exercício do poder discricionário, mesmo irrecorrível, e em consequência lhe ficando padecido do devido efeito ou cominação legal da opção feita, tal como acontecido em face de qualquer decisão judicial. Foi exactamente o que sucedeu nos autos do processo n.° 189/12-ATA, os autos extinguiram-se pela consequente decisão de absolvição do R. da Instância"
R. Mas já não se compreende o que pretende significar quando argumenta que "para além do mero incumprimento ao ora despacho dentro do prazo concedido, (...), não se surge qualquer acto notório praticado pela A. a fim de dilatar ou obstar à obtenção da descoberta da verdade para a boa decisão da causa, quer através do mandatário nomeado, quer através do MP, que se poderia conduzir à mesma decisão de absolvição do R. da instância, nem se pode formar um juízo de culpa ou censura da conduta da A pela negação de provimento do recurso interposto"
S. Desde logo porque o juízo de culpa não tem nada a ver com obstar à descoberta da verdade, nem com o provimento ou não do recurso. Nem tampouco com a faculdade de exercer o direito de recorrer.
T. Salvo o devido respeito, o douto Tribunal recorrido incorre aqui num manifesto erro de interpretação e aplicação do Direito.
U. Em primeiro lugar, porque pode e deve formular-se um juízo de culpa à conduta processual da Autora.
V. Aliás, é exactamente isso que sufraga o acórdão de 16/02/2012 do STJ que o Tribunal a quo, de forma incongruente com a decisão tomada, invoca: "o novo regime estabelecido no CC para a caducidade- envolvendo apelo a um juízo de culpa ou censurabilidade quanto ao motivo que ditou a absolvição da instância ... - é menos favorável para o autor, que vê determinados erros técnicos na aferição dos pressupostos processuais, envolvendo culpa da parte e seu mandatário ou negligência manifesta na condução da lide ditarem a caducidade do direito, apesar de a acção ter sido tempestivamente desencadeada."
W. Mutatis mutandis, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/2006 também citado na sentença recorrida, que aflora justamente a questão segundo a aplicação da ideia de culpa como corolário do princípio da auto-responsabilização das partes, ou seja, apelando a um juízo de censurabilidade quanto a falhas na condução do processo pela parte ou seu mandatário, por falta de zelo ou negligência e que podem desencadear efeitos cominatórios ou preclusivos.
X. E apresenta como critério para aferir se a absolvição da instância é imputável ao titular do direito que este tenha agido com mera culpa, a qual deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Y. De facto, quem está onerado com um prazo curto de caducidade não pode limitar-se a apresentar em juízo tempestivamente uma qualquer petição, já que tem um particular ónus de zelo, diligência e prudência técnica na propositura da acção e no subsequente desenrolar do processo.
Z. Ora, o juízo de censurabilidade in casu não pode deixar de recair sobre a conduta processual geradora da irregularidade de representação que ditou a absolvição do réu da instância. Essa conduta traduz-se em erros técnicos na aferição de um pressuposto processual da acção e na falta de zelo na condução da lide, envolvendo culpa indesculpável da parte e do seu representante.
A. Obviamente que a absolvição do réu da instância não decorre de um problema de interpretação da lei ou de um erro desculpável da parte. A Autora tendo sido assistida por dois mandatários devia saber que iniciou uma acção em termos que lhe seria inviável obter uma decisão de mérito. E mesmo depois de exortada a suprir a irregularidade, não o fez!
B. Aliás, a decisão unânime da primeira e da segunda instâncias não dão sequer margem para controvérsias!
C. Portanto, não pode a parte imputar a responsabilidade pelo seu erro à interpretação judicial que se limitou, em dois momentos, a aplicar a lei, numa clara e inequívoca dupla-conforme.
D. Sem outros considerandos, seria absurdo premiar com uma segunda chance, uma parte que, por ignorância ou desleixo, deixou naufragar a instância, e depois de recorrer dessa decisão, sem sucesso, pretenda beneficiar de novo prazo para interpor nova acção.
E. Daí que, com a devida vénia, andou mal a sentença em recurso quando citando a Autora Recorrida afirma que "a questão da representação no foro judicial da RAEM ganhou natureza controversa por que foi produzida abundante argumentação no processo a qual mereceu desenvolvida apreciação por parte do Tribunal de Segunda Instância, que certamente disso se dispensaria caso o assunto tivesse solução óbvia e inquestionável.
F. Além de falacioso, é argumento sem qualquer suporte legal ou jurisprudencial.
G. Tanto mais que nem a Autora nem o Ilustre tribunal a quo indicaram qualquer parecer ou decisão jurisprudencial divergente nesta matéria da representação da RAEM.
H. Na verdade, é o próprio acórdão da Segunda Instância que começa por sublinhar a unanimidade, clareza e objectividade da questão levada àquela jurisdição quando refere que "as questões colocadas no presente recurso foram ainda há pouco tempo devidamente apreciadas em douto acórdão proferido nesta secção que mereceu a unanimidade dos Mmos Juízes que o subscreveram e que pela sua clareza, objectividade e convincente fundamentação merece a nossa concordância ..."
L. Daí que o acórdão explique com uma clareza inexpugnável que "não é pelo facto de as regras da arbitragem voluntária não imporem, nem permitirem, a presença do Ministério Público, ou não tolerarem a convenção em litígios que venham a impor a presença do MP em tribunal na defesa de pessoas a quem compete especialmente essa representação, que a solução "a fortiori'' fica encontrada para uma questão de índole judicial."
J. Portanto, não há qualquer dúvida sobre a representação orgânica da RAEM pelo Ministério Público face às normas existentes e que o venerando tribunal analisou, fundamentado devidamente, como lhe cabia, a decisão proferida.
K. Por isso o mesmo enfatizou que esta "é a regra geral da representação da RAEM no foro judicial"! Como acontece no caso duma acção de anulação de decisão arbitral que corre obrigatoriamente trâmites no foro judicial.
L. Portanto, é por demais evidente que não houve outro facto a influir no desfecho da primeira acção para além da conduta negligente da Autora. Isto é, a absolvição do Réu da instância na primeira acção foi única e exclusivamente imputável à conduta processual da Autora, devendo a caducidade ser declarada por este douto Tribunal e, em consequência, ser o Réu absolvido de todos os pedidos, sob pena de violação dos artigos 231°, n.º 1 e 2 do CPC, 319° n.º 3 e 324°, todos do CC, 39° n.º 1 da LAV;
M. Por outro lado, surpreendentemente, na douta sentença em recurso argumenta-se que "uma das causas de arguição tem por fundamento a nulidade da sentença arbitral, o que pode ser arguida a todo o tempo, por força do art. 37º, n.º 3 da LAV".
N. Tal asserção é totalmente incompreensível uma vez que perante a causa de pedir e o pedido formulados, não há a mínima dúvida que o fundamento da acção não consta do elenco taxativo do art. 37°, n.º 1 da LAV, mas configura outrossim, uma eventual causa de anulabilidade descrita na alínea b) do n.º 1 do art. 38° da citada lei.
O. Aliás, é a própria Autora que invoca a incompetência da comissão arbitral ao longo do seu articulado, designadamente a partir do artigo 28° onde coloca a epígrafe: “A incompetência do Tribunal Arbitral", seguidas das sub-epígrafes b) Incompetência- por ter determinado o valor a pagar pela RAEM ao CONSÓRCIO sobre os Trabalhos do Túnel enquanto considerados como Trabalhos Excepcionais, c) Incompetência- por ter condenado à RAEM a pagar ao CONSÓRCIO as sanções aplicadas segundo a cláusula penal e, inter alia, nos artigos 38°, 41°, 78°, 88°, 93°, 103°, 114°, 122° e 125º do seu petitório.
P. E é também o Tribunal a quo a reconhecê-lo no texto do acórdão: "daí devendo proceder à análise do argumento assacado à decisão arbitral, nomeadamente, a incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral. A A. suscita a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer dos pedidos do R."
Q. Já o facto de a Autora não saber ao certo em qual dos vícios há-de subsumir a factualidade narrada, quando diz que a decisão impugnada enferma de "um dos vícios elencados no n.º 1 do art. 37º e também do n.º 1 do art. 38º do DL n.° 29/96/M, de 11 de Junho, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 110/99/M de 13 de Dezembro", não justifica que o Mmo Juiz a quo venha a confundir também uma invalidade por excesso de pronúncia com uma situação de incompetência material.
R. O vício de excesso de pronúncia da alínea c) do art. 37° da LAV é distinto do vício por incompetência listado na alínea b) do art. 38° das invalidades geradoras de anulabilidade, razão pela qual o legislador autonomizou na LAV em elencos taxativos diferenciados as causas de nulidade e anulação duma decisão arbitral.
S. É consabido que o excesso de pronúncia ocorre sempre que o juiz conhece de uma questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação. Trata-se de um corolário do princípio do dispositivo preceituado no art. 563º n.ºs 2 e 3 do CPC, em que ao juiz está vedado conhecer de questões não invocadas pelas partes, nem de excepções da exclusiva disponibilidade das partes, sob pena nulidade da sentença.
T. À semelhança da vinculação do juiz ao pedido e à causa de pedir no processo civil, o árbitro, em processo arbitral, tem os limites do litígio definidos pela convenção de arbitragem.
U. Sucede que o thema decidendum na presente impugnação prende-se com a questão de saber se o tribunal arbitral possui, ou não, competência para apreciar determinadas questões colocadas pelas partes.
V. Ou seja, a questão a decidir está em saber se o tribunal arbitral, à luz da invocada convenção arbitral - e em razão da sua existência, validade, eficácia e aplicabilidade- é competente para decidir do litígio, tal como lhe foi apresentado.
W. Já outra causa distinta de nulidade a que se refere a alínea a) do art. 37° da LAV e que nem sequer foi invocada pela Autora Recorrida nem no âmbito da acção, nem no processo arbitral, é a que se refere à arbitrabilidade dos litígios, ou seja, a possibilidade de um litígio ser submetido a arbitragem voluntária, assumindo a questão particular relevância quando se trata de litígios com entes públicos.
X. Em Macau, os limites da arbitrabilidade dos litígios com entes públicos entram-se estabelecidos na própria LAV, capítulo II, cujo artigo 39° - A onde está taxativamente prevista a arbitrabilidade dos contratos administrativos.
Y. Além disso, nunca a Autora/Recorrida, na PI, põe em causa a arbitrabilidade do litígio, nos termos da alínea a) do n.º1 do art. 37° da LAV, nem o poderia fazer, pois admite expressamente nos artigos 32° a 34° da PI que a convenção de arbitragem contida no contrato administrativo é permitida nos termos dos arts 3°, alínea b) do n.º 1 do art. 4°, n.º2 do art. 5°, n.º3 do art. 34° e art. 39°-A da LAV.
Z. Por conseguinte, a Comissão Arbitral não se pronunciou em excesso nem houve omissão, uma vez que a convenção de arbitragem previa expressamente a apreciação das questões relativas à interpretação, validade e execução do contrato, sendo que tanto os "trabalhos excepcionais" como a "cláusula penal" integram o respectivo contracto, tendo a decisão arbitral incidido apenas sobre essas matérias.
AA. Em suma, não assiste qualquer fundamento para o douto Tribunal a quo julgar improcedente a caducidade do direito da acção proposta pela autora com base numa nulidade pura e simplesmente inexistente, o que, resultando em flagrante erro de interpretação e aplicação do Direito, viola o disposto nos artigos 563°, 564° do CPC, 37°, 38° e 39° da LAV.
BB. Caso V. Exas não acolham os argumentos supra apresentados, relativamente à verificação da excepção dilataria de caducidade do direito de acção da Autora/Recorrida, sem prescindir, e apenas por mera cautela de patrocínio, o Recorrente recusa liminarmente, por infundados, os fundamentos da decisão de mérito de declaração de incompetência do tribunal arbitral na parte em que condenou a RAEM a devolver ao Consórcio a quantia por este paga, resultante da sanção pecuniária aplicada durante a execução do contrato.
CC. O Réu aqui Recorrente submeteu à Comissão Arbitral a apreciação sobre a aplicação de uma penalidade contratual pela Autora/Recorrida ao Réu/Recorrente por alegada apresentação tardia deste último, do Balanço de Operação Comercial ("BOC"), no montante de MOP$ 1.585.822,41.
DD. As questões colocadas à Comissão foram (i) se a apresentação do BOC foi atrasada e se o Réu/Recorrente infringiu ou não as suas obrigações contratuais; (ii) se o Gabinete de Infraestruturas (GIT) possui autoridade para aplicar sanções e (iii) se a sanção aplicada é excessiva.
EE. E no caso de a Comissão Arbitral decidir pela inexistência de fundamento para aplicação da referida sanção pecuniária, pediu que ordenasse a restituição pela RAEM ao Consórcio do valor indevidamente cobrado.
FF. Ora, assumindo-se, e bem, competente para julgar tais questões, a Comissão Arbitral enfatizou que "a aplicação das penas no presente litígio deriva apenas do Contrato. O despacho do Chefe do Executivo criando o GIT não tem de conceder-lhe tais poderes. Seria uma diferente matéria se o GIT aplicou a pena fora do âmbito do Contrato, ou seja, se o Autor foi multado por cometer a infracção administrativa, mas neste caso a pena é coberta pelo Contrato ".
GG. O recurso à arbitragem não teve por base a apreciação da legalidade de actos administrativos definitivos e executórios no âmbito da execução do contrato administrativo, mas antes a verificação ou não, de acordo com o estipulado no Contrato, duma situação de incumprimento contratual.
HH. Contrariamente ao sustentado no aresto em recurso, não esteve em causa a aplicação de qualquer sanção por uma infração administrativa, mas tão somente a interpretação sobre a aplicação duma sanção decorrente do alegado incumprimento do contrato por uma das partes.
II. O objecto do litígio arbitral não foi o pedido de anulação de alegado acto administrativo ou a declaração da sua nulidade ou sequer a inexistência jurídica do acto de aplicação da sanção, nos termos de um recurso contencioso de anulação (cf. Art. 20° do CPAC), caso em que a Comissão Arbitral teria de sindicar se o acto de aplicação da sanção estaria ou não ferido de algum dos vícios dos actos administrativos (legalidade formal do acto praticado).
JJ. O que manifestamente não aconteceu.
KK. Para dilucidar se estamos perante um acto administrativo destacável ou antes uma mera declaração negocial é necessário apurar, em concreto, se a conduta do GIT reveste ou não natureza de acto administrativo.
LL. Ora, salvo o devido respeito, o acto praticado não se pode qualificar como um acto administrativo destacável, porque de acordo com o Despacho de Chefe do Executivo n.º 289/2007, o GIT não tem sequer competência para praticar qualquer acto administrativo de aplicação de sanções, apenas pode aplicar as previstas no Contrato pelo "incumprimento pontual ou definitivo e pelo cumprimento defeituoso do presente contrato, incluindo das prestações decorrentes da execução de "trabalhos adicionais" e de "trabalhos excepcionais " ... ".
MM. Além disso, a conduta da Administração não podia revestir a natureza de administrativo, uma vez que a aplicação da sanção em apreço deriva apenas do Contrato (Cláusula 20.1) e não se trata de uma multa aplicada ao Consórcio por cometer qualquer infracção de natureza administrativa.
NN. Ademais, se a Autora optou por recorrer à arbitragem em matéria de interpretação do Contrato, foi justamente para permitir que a Comissão Arbitral pudesse decidir, em caso de divergência entre as partes, se houve ou não incumprimento das obrigações contratuais, nos termos estipulados no Contrato, não podendo simplesmente considera-la incompetente apenas por não lhe ser favorável a decisão contra si arbitrada.
OO. E como ficou demonstrado, a convenção de arbitragem previa expressamente a apreciação das questões relativas à interpretação, validade e execução do contrato, sendo que a "cláusula penal" apreciada pela Comissão Arbitral é matéria integrante do respectivo contracto.
PP. Acresce que a Recorrida não invocou razões de segurança pública ou de protecção dos interesses envolvidos, designadamente o interesse público que justifique a actuação da Administração sob a forma de acto administrativo destacável, isto é, na veste de um poder de definição jurídica unilateral.
QQ. Por outro lado, ressalvado o merecido respeito, discorda o Recorrente da interpretação que o douto tribunal a quo faz de que o art. 65° do Dec. Lei n.º 63/85/M foi revogado por força do artigo 7° do Dec. Lei n.º 110/99/M de 13 de Dezembro por alegada incompatibilidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 113° do CPAC, pois trata-se de lei especial cuja previsão em nada contende com o que veio a dispor a lei geral.
RR. Quando o artigo 65° do citado diploma prescreve que as decisões ou deliberações da entidade adjudicante suscitadas após a celebração do contrato, devem ser impugnados por via da acção sobre contratos administrativos ou, caso as partes o tenham determinado, mediante recurso à arbitragem, enfatiza justamente que nesse âmbito não se consubstanciam actos administrativos destacáveis.
SS. Tratando-se de um contrato de prestação de serviços, por força do estipulado no art. 69° n.º 2 do DL n.º 63/85/M de 6 de Julho, reforçado pelo art. 3° da LAV e da cláusula 30.3 do Contrato, foi admitido o julgamento ex aequo et bono, aí tendo ficado demonstrado que o Réu/Recorrente cumpriu com as suas obrigações contratuais em matéria de COB, pelo que não deveria ter sofrido qualquer penalização contratual.
TT. Não há pois, qualquer dúvida de que a matéria escrutinada pela Comissão Arbitral não é da legalidade de qualquer acto, mas de mera interpretação da declaração negocial pertinente, resultante de um conflito no âmbito dum contrato administrativo que pode e bem ser resolvido por meio de arbitragem, nos termos permitidos pelos artigos 39°-A, 39º-B e 39°-C da LAV, bem como pelos artigos 64° n.º 2, 69° e 70° do D.L. n.º 63/85/M de 6 de Julho.
UU. Em suma, a convenção arbitral é plenamente válida e eficaz e a Comissão Arbitral apenas conheceu de matérias previstas nessa mesma convenção, dentro dos limites legais, sendo, portanto, competente.
VV. Pelo que, com todo o respeito, não tem qualquer suporte legal a tese do da douta sentença recorrida de nulidade da decisão arbitral, por incompetência do Tribunal Arbitral, na parte respeitante à condenação da Autora/Recorrida a pagar ao Réu/Recorrido as sanções aplicadas no montante de MOP$1.585.822,41, sem juros de mora, nos termos do art. 37° n.º 1 alínea c) , 39°-A e 39°-B da LAV e Cláusula 30 do Contrato.
WW. Com efeito, por manifestamente infundado e não provado, deverá ser revogada nessa parte a douta sentença recorrida e absolvido o Réu/Recorrente do respectivo pedido.
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A Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區), Recorrida, representada pelo MP, notificada do recurso interposto pelos Recorrente, veio, em 05/11/2019, a apresentar a sua resposta constante de fls. 818 a 823, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. 《民法典》第319條第3款規定所謂“可歸責”,應理解為當事人在訴訟程序中作出過錯行為,導致時效或訴權期間不合理的拖延或流逝,而非單純以不符合訴訟前提便等同於歸責當事人的原因。否則,當出現時效或失效情況下,原訴訟被駁回便等同屬於當事人過錯造成而不允許再次重新提起訴訟,不但與民事訴訟法的有效保護司法原則精神相違背,亦不能顯示基於時效或失效本身制度的特點而立法者另行規定第319條第3款的理由。
B. 不論是於先前的第189/12-ATA號卷宗、還是本案訴辯書狀及被上訴判決中,均詳細解釋了檢察院於撤銷仲裁裁決之訴中作為主參與還是輔助參與的問題所涉及的各法律分析及複雜性,被上訴人於原訴訟程序中與原審法院或上級法院持不同法律理解亦屬正常,不能因為法院觀點不同或裁定上訴人的理由不成立便等同於上訴人存在過錯;再者,不能限制上訴人就不認同原審法院的觀點而拒絕作出補正以及提起上訴的權利,更何況,該問題在此之前於本澳並沒有存在統一司法見解,更沒有作為判決或合議庭裁判,而且,在行政法院提起的撤銷仲裁裁決之訴該案為第一個個案。
C. 誠然,上訴人不能將上述問題簡單化為欠缺訴訟前提導致原訴訟程序被駁回便視為被上訴人的過錯,事實上,不論先前的原審法院的駁回決定還是中級法院的合議庭裁判,均沒有指出被上訴人的理據屬明顯不成立。
D. 值得指出的是,於原訴訟程序中,並沒有出現被上訴人的怠懶、不合作、又或聲請無用措施以使訴訟程序拖延或使訴權期間不合理流逝,相反,自原審法院於該案中作出補正批示後,被上訴人及檢察院先後按照法官批示發表意見,以及原審法院作出一審判決後,被上訴人針對該判決提出上訴。該等訴訟行為正正是被上訴人及訴訟代理為了維護本身的法律理解而作出,在主觀上根本沒有存在意圖拖延訴訟的過錯或惡意,即使在客觀行為標準上,向法院發表不認同意見及提起上訴乃是正當,而且在一般訴訟程序中均經常及普遍出現的當事人的行為。
E. 在面對一個涉及多個法律條文解釋且從未有過往判決或合議庭裁判的訴訟程序問題,被上訴人於原訴訟程序中只不過為了維持本身的法律理解而正當及適時地行使辯論權提出反對意見及行使上訴權利,根本不存在被上訴人主觀過錯及違反客觀善意的行事準則,亦即不存在被上訴人在訴訟程序中過錯行事。
F. 為此,上訴人主張原訴訟程序中存在可歸責被上訴人的原因而不適用《民法典》第319條第3款規定,繼而本案訴權已失效的理由明顯不成立。
G. 另外,儘管起訴狀及被上訴判決指出被上訴人主張的仲裁裁決存在瑕疵的標題為“Incomptência”,實際上,不論從起訴狀及答辯狀,還是被上訴判決,均清楚指出上訴人所質疑的正正是仲裁庭審理了沒有包括或不屬在雙方仲裁協議之內事宜,亦即所謂的“非正常工作(trabalhos extraordinários)”以及行政當局向上訴人作出金錢處罰的決定。
H. 而上述法令第38條第1款b)項規定,像指雙方當事人從沒有存在仲裁協議、仲裁協議非有效又或不符合仲裁程序的規定設立仲裁庭。顯然,本案中被上訴人的理據並非如此,而被上訴人判決認為行政當局向上訴人作出金錢處罰的決定乃不屬或不允許在雙方當事人的仲裁協議範圍內,為此,被上訴判決裁定基於《自願仲裁制度》第37第1款c項規定宣告上述部分的仲裁裁決無效,並無存在上訴人所主張的違反法律的瑕疵。
I. 即使起訴狀或被上訴判決使用了“incompetência "一字,亦只能視為單純筆誤,其理據實際上是相應於《自願仲裁制度》第37條第1款c)項上判部分的無效瑕疵。
J. 《行政程序法典》第167條明確規定了一系列行政當局於行政合同中,作為公權力身分行使當局權力的情況,包括監察權、單方變更權及科處罰款權力。當中同條e)項規定“科處為不履行合同而定處罰”,正正是行政當局作出本義行政決定的當局權力。
K. 本案中,被上訴人正正是行使《行政程序法典》第167條e)項規定的處罰權,針對上訴人作出科處金錢處罰的本義的行政行為。
L. 明顯地,作出處罰的行政行為乃獨立於行政合同的範圍,《自願仲裁制度》第39-A條明確排除行政行為的可仲裁性,亦即基於行政行為的公權力以及涉及審查行為合法性的性質不屬於當事人可處分的範疇,而仲裁庭亦不能審理該行政行為爭議的問題。
M. 無容贅言,正如原審法院的正確理解,根據《自願仲裁制度》第37條1款c)項上半部分,仲裁庭不得審理被上訴人科罰上訴人金錢處罰的行政決定的問題。
*
A Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區), Recorrente, representada pelo MP, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 09/07/2019, veio, em 30/09/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 801 a 810, tendo formulado as seguintes conclusões:
a. A auferição da competência do Tribunal Arbitral pressupõe a solução da questão a saber se os trabalhos do Túnel se enquadram ou não no objecto do contrato existente.
b. Para responder a esta questão, é absolutamente dependente da interpretação do contrato, já que são exactamente as cláusulas contratuais que constituem e delimitam o objecto do contrato.
c. Posto isto, no nosso modesto entendimento, o Tribunal a quo devia conhecer de tal questão mas não a ignorou por considerar ser o litígio entre as partes simples e puramente emergente da interprestação e execução do contrato.
d. A previsão dos trabalhos excepcionais nas cláusulas ao longo do contrato funciona como uma exposição antecipada das circunstâncias em que se justificará, no futurno, outra novo adjudicação de serviço por ajuste directo ao mesmo adjudicatário, ora Recorrida.
e. Se a lei configura a relação contratual pre-existente com determinada entidade como uma das circunstâncias em que, verificada a superior conveniência para a RAEM, se possa proceder a uma nova adjudicação por ajuste directo com dispensa de concurso, certamente que está subjacente a esta opção legislativa o reconhecimento da vantagem para a RAEM na manutenção na segunda adjudicação dos elementos essenciais da adjudicação inicial, tais como o preço unitário ou seus critérios de cálculo, qualidade exigida, modo de execução do contrato, cláusulas penais, etc., pois, tudo isso se contribui para criar estabilidade entre as adjudicações sucessivas com objectos inter-ligados, sobretudo sobre o quantum a pagar e o que se adquire, quando esteja envolvida elevada exigência de especificidades téncinas ou de combinação de diversos factores sectoriais.
f. Foi isso mesmo o que aconteceu no presente caso. As partes do contrato de adjudicação, para além de terem estipulado as cláusulas propriamente aplicadas neste contrato, selecionaram e prefixaram algumas delas para serem aplicadas ao outro contrato de adjudicação, a celebrar no futuro, desde que o objecto do segundo tivesse uma específica ligação com o primeiro, coforme a noção de trabalhos excepcionis feita na cláusula segunda.
g. Por isso, não se podia retirar a conclusão de que pelo simples, facto de no contrato estar prevista a possibilidade de serem adjudicados trabalhos excepcionais, relativamente, aos quais foram acordads disposições contratuais gerais pré-definidas que, era intenção das partes submetê-los todos à arbitragem.
h. Para além das outras cláusulas contratuais acima analisámos, ainda, do disposto na al. c) do n.º 1 da cláusula 2, demonstra-se claramente que, a Ré, pelos menos, a celebrar o presente contrato, já conheceu bem e aceitou que os trabalhos excepcionais são objecto de um prévio procedimento pré-contratual que tenha cluminado numa adjudicação (e na subsequente clebração de um contrato escrito), desde que a RAEM entenda que se venham a revelar necessários à implementação da 1ª fase do Sisitema de Metro Ligeiro de Macau e que seja aconselhável ou particularmente vantajoso para os interesses da RAEM.
i. Isto está conformidade com as regras de interpretação de declaração estabelecidas nos artigos 228º, número 1, e 230º, número 1, do CCM.
j. Quanto à questão da formalização do contrato atinente aos trablhos excepcionais, a este propósito, o Tribunal Arbitral deu como provado foi que a Recorrido, seguindo instruções da RAEM, executou parte dos Trabalhos do Traçado do Túnel, no entanto, atendendo aos requisitos legais sobre a formalização de uma adjudicação, nomeadamente ao disposto do n.º 3 do art.º 49.º do Decreto-Lei n.º 63/85/M, conjugado com o art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 122/84/M, a única conclusão que podemos tirar é a de que os trabalhos excepcionais não estão abrangidos pelo presente contrato de adjudicação, não havendo ainda qualquer adjudicação à Recorrida sobre a execução destes trabalhos.
k. A decisão ora recorrida, por erro de interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente viola o disposto no artigo 27.º, n.º 1 do D.L. n.º 26/96/M, nos artigos 7.º, n.º 2, al. a) e b) e 17.º do D.L. n.º 122/84/M, no artigo 49.º do D.L. n.º 63/85/M bem como nos artigos 228.º, n.º 1 e 230.º, n.º 1 do CCM, pelo que deverá ser revogada e consequentemente declarada a procedência da anulação da decisão arbitral por falta de jurisdição, nos termos da al. b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 38.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 29/96/M.
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A, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 841 a 855, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. O objecto do recurso foi circunscrito à parte da sentença que julgou improcedente a arguição de nulidade da decisão arbitral por incompetência do Tribunal arbitral, condenando a Autora/Recorrente no pagamento da quantia de MOP$11.790.180,00 relativa aos trabalhos do traçado do túnel por si solicitados.
B. Inconformada, a Recorrente estriba a sua defesa no argumento de que os trabalhos excepcionais por si solicitados e efectuados pelo Consórcio, apesar de estipulados no Contrato, estão excluídos do mesmo.
C. Incompreensivelmente, alega a Recorrente que as partes apenas "selecionaram e prefixaram cláusulas no contrato para serem aplicadas noutro contrato de adjudicação, a celebrar no futuro, desde que o objecto do segundo tivesse uma específica ligação com o primeiro".
D. E vai ao ponto de defender que “pelo simples facto de no contrato estar prevista a possibilidade de serem adjudicados trabalhos excepcionais, relativamente aos quais foram acordadas disposições contratuais pré-definidas não se pode concluir que era intenção das partes submetê-los todos à arbitragem".
E. Bem andou o douto tribunal a quo quando na douta sentença censurou a Recorrente dizendo que não pode afirmar "a necessidade de um contrato escrito separado para "fugir" à jurisdição do Tribunal sobre o assunto quando ao mesmo tempo sustenta que os Trabalhos do Traçado em Túnel se inserem no âmbito do Contrato".
F. Com todo o respeito, o argumento da Recorrente não tem qualquer razoabilidade lógica nem base legal, seja no clausulado do Contrato elaborado e proposto pela própria Autora! Recorrente, seja pelo facto incontroverso dos trabalhos do Traçado em Túnel terem sido realizados, depois de adjudicados pela Recorrente ao Recorrido, com especificação dos termos e prazos de execução, factos dados como provados pela decisão arbitral para a qual, desde já, se remete.
G. O Contrato entre Recorrente e Recorrido foi efectivamente celebrado na sequência da consulta, com dispensa de concurso, para a prestação de serviços de gestão e assistência técnica para a implementação da 1ª fase do sistema de metro ligeiro de Macau, tendo a Administração decidido pela adjudicação da referida prestação de serviços aos Consórcio, ora Recorrido, através do Despacho de Sua Excelência, o Chefe do Executivo datado de 13/02/2009.
H. Sobre a matéria que a Recorrente insiste estar excluída do Contrato, não podia este conter tantas cláusulas e disposições. Senão vejamos:
I. A Cláusula 2 define o tipo de trabalhos incluídos no objecto do Contrato, classificando-os em "trabalhos normais ", "trabalhos adicionais" e "trabalhos excepcionais", distinção relevante para efeitos de pagamento, cálculo do preço e de prazos de execução, como resulta das cláusulas 5 e 3, respectivamente.
J. O contrato inclui expressamente no seu objecto a realização de "trabalhos excepcionais", bem como especifica a forma de pagamento dos mesmos, nos termos da Cláusula 5, número 3.
K. No número 5 da Cláusula 5 é também especificado que "para efeitos de cálculo do pagamento dos "trabalhos adicionais" e dos "trabalhos excepcionais ", o valor a pagar ao Adjudicatário pela prestação de serviços de técnicos especializados e não especializados é determinado com base nos preços indicados na Lista de Preços constante da proposta apresentada pelo Adjudicatário e nos valores de remuneração praticados no mercado no momento da execução dos trabalhos".
L. Se tais trabalhos excepcionais não estivessem à partida incluídos no objecto do Contrato, não haveria nenhuma razão para serem classificados de forma distinta dos restantes, nomeadamente para efeitos de pagamento e aplicação de sanções por incumprimento, como exposto na Cláusula 6, número 10.
M. Também na Cláusula 20, número 1, se prevê expressamente as consequências sancionatórias para os casos de incumprimento das prestações decorrentes da execução de "trabalhos excepcionais".
N. Ora, a aceitar-se a necessidade de celebração de novo contrato para a execução dos "trabalhos excepcionais", qual a explicação para a imposição de sanções pecuniárias no Contrato vertente, por incumprimento de obrigações de outro contrato?
O. Ao invés do que refere a Recorrente, o facto destes trabalhos não terem um prazo concreto de execução ou não estarem detalhados à partida, graças logicamente à sua natureza excepcional, por isso, são solicitados ad hoc, consoante a necessidade da RAEM, não significa que não se integrem no presente Contrato.
P. A interpretação conjugada da Cláusula 3, números 1, 2 e 2 (i) que refere que a realização dos "trabalhos excepcionais" é excluída da computação do tempo previsto na cláusula anterior, só pode ser a de que o Consórcio tem direito ao tempo adicional para completar os "trabalhos excepcionais", não podendo negar-se a executá-los com o argumento de que não podem ser concluídos dentro do período contratual.
Q. Ressalvado, claro, o direito do Consórcio a ser compensado pelos custos do prolongamento do período de execução do Contrato por conta dos "trabalhos excepcionais" ou no caso desses "trabalhos excepcionais" causarem atraso na execução dos "trabalhos normais" ou "trabalhos adicionais", como flui do disposto na Cláusula 5.
R. Por outro lado, quando a Recorrente defende que "se a lei configura a relação contratual pré-existente com determinada entidade como uma das circunstâncias em que, verificada a superior conveniência para a RAEM, se possa proceder a uma nova adjudicação por ajuste directo com dispensa de concurso, certamente que está subjacente a esta opção legislativa o reconhecimento da vantagem para a RAEM na manutenção na segunda adjudicação dos elementos essenciais da adjudicação inicial, tais como o preço unitário ou seus critérios de cálculo, qualidade exigida, modo de execução do contrato, cláusulas penais, etc, (...)Foi isso mesmo o que aconteceu no presente caso", torna-se evidente que reconhece que o Contrato contém já todos os elementos essenciais, nos termos do art. 17° do Dec. Lei n.º 122/84/M e n.º 3 do art. 49° do Dec. Lei n.º 63/85/M.
S. Com efeito, o raciocínio expendido nos pontos 25 a 27 das suas alegações, está em contradição com a posição defendia pela própria Recorrente e com a factualidade já demonstrada.
T. Acresce que se os "trabalhos excepcionais" correspondessem à previsibilidade de uma futura adjudicação, essa adjudicação sempre teria de consumar-se aquando da solicitação dos trabalhos pela Recorrente, o que a Recorrente não explica porque não sucedeu afinal.
U. Se a Recorrente entendia que tais trabalhos impunham a adjudicação de um novo contrato separado, porque não o exigiu e, ao invés, deu instruções ao Recorrido para executar os Trabalhos do traçado em Túnel, tendo este preparado os respectivos estudos da solução em túnel e a sua integração nos documentos do Concurso do RS&C, conforme consta provado nos autos do processo arbitral?
V. Ora, não é plausível que a Recorrente tenha solicitado tais trabalhos ao Recorrido sem ter tido a noção dos encargos correspondentes, quando a Recorrente é a autora da fórmula de cálculo dos mesmos, e, sobretudo, porque teria de utilizar dinheiro público para efectuar o seu pagamento.
W. Em suma, nunca esteve em causa a necessidade de celebração de outro contrato, necessidade que a Recorrente não sentiu quando solicitou os trabalhos do traçado em túnel ao Recorrido e este os executou.
X. Em causa está tão só o pagamento dos trabalhos já realizados, razão pela qual a Recorrente, apesar de ter acordado livremente que qualquer litígio relativo à interpretação, validade ou execução do contrato seria submetido a uma Comissão Arbitral, a posteriori, vem reclamar da competência dessa Comissão para conhecer dessas matérias.
Y. A Comissão Arbitral chamada a dirimir o conflito entre as partes, deu como provado que os trabalhos foram realizados e classificou-os como "trabalhos excepcionais" à luz das disposições contratuais aplicáveis, categorização que o ilustre Tribunal recorrido acompanhou e para cuja fundamentação, por razões de economia processual, aqui se remete.
Z. Face ao exposto, não restam quaisquer dúvidas que o Contrato proposto pela Recorrente e celebrado com o Consórcio Recorrido, contém todos os elementos formais e materiais para a realização dos "trabalhos excepcionais", pelo que não se aceita que a Recorrente venha invocar a incompetência do tribunal por si escolhido, apenas para se eximir ao pagamento devido pelos trabalhos por si solicitados e executados pelo Recorrido em conformidade.
AA. Com efeito, não tem qualquer apoio legal a pretensão da Recorrente de que o Ilustre Tribunal Recorrido interpretou ou aplicou erradamente o Direito quando indeferiu o pedido de declaração de nulidade ou anulabilidade da condenação da Autora a pagar ao Réu a quantia de MOP$11.790.180,00 relativa aos trabalhos do traçado do túnel solicitados e realizados.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
1.º - Aos 23/09/2009, foi celebrado entre a A. e o R. o《Contrato de Prestação de Serviços de Gestão de Projecto e Assistência Técnica para a Implementação da 1.ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau》(adiante designada por “Contrato”) (cfr. fls. 514 a 548 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2.º - Por carta datada de 31/03/2010, foi o R. notificado do despacho do Exmº Senhor Chefe do Executivo sobre a decisão do indeferimento do recurso hierárquico necessário interposto contra o acto do Coordenador do GIT, exarado na Informação-Proposta n.º 026/ET/GIT/2010, de 15/03/2010, pelo qual foi determinada a aplicação da sanção contratual da multa ao R. pelo cumprimento defeituoso (cfr. fls. 22 a 70 e 558 a 562 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3.º - Por carta datada de 31/01/2011, o R. notificou ao Exmº Senhor Chefe do Executivo para a constituição do Tribunal Arbitral a fim de resolver os litígios na execução do Contrato (cfr. fls. 549 a 557 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4.º - Pela decisão proferida pelo Tribunal Arbitral constituído para resolução do conflito emergente da interpretação e execução do 《Contrato de Prestação de Serviços de Gestão de Projecto e Assistência Técnica para a Implementação da 1.ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau》datada de 10/09/2012, foi determinado nos termos seguintes:
- 1. A R. (RAEM) é condenada a pagar ao A. (o Consórcio) o montante de MOP 11.790.180,00 para os trabalhos do túnel já executados e a executar até ao 46.º mês do contrato;
- 2. A R. (RAEM) é condenada a pagar ao A. (o Consórcio) as sanções aplicadas no montante de MOP 1.585.822,41, sem juros de mora;
- 3. A R. (RAEM) é condenada a pagar ao A. (o Consórcio) o montante de MOP 4.945.355,00 para todos os trabalhos a mais já executados e a executar até ao 46.º mês do contrato; e
- 4. O A. (o Consórcio) é condenado a pagar à R. (RAEM) o montante de MOP 45.497,50 como compensação para os danos devido aos atrasos no processo de concurso RS&S (cfr. fls. 73 a 203 dos autos, com traduções em língua oficial constantes a fls. 209 a 268 e 269 a 399 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
5.º - Em 11/09/2012, foi a A. notificada da decisão arbitral acima mencionada.
6.º - Em 10/10/2012, a A., representada em juízo pelo licenciado em direito designadamente nomeado pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo, através do despacho n.º 132/CE/2013, veio intentar a acção judicial da anulação da decisão arbitral junto deste Tribunal, correndo sob o processo n.º 189/12-ATA (cfr. fls. 404 a 511 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
7.º - Pela decisão proferida em 10/04/2013 a fls. 2793 a 2794 dos autos do processo n.º 189/12-ATA, foi determinada a absolvição do R. da instância por inverificação do suprimento da irregularidade da capacidade judiciária da A. (cfr. fls. 564 a 566 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
8.º - Pelo acórdão dos Venerando Juízes do Tribunal de Segunda Instância, no âmbito do recurso jurisdicional ordinário interposto pela A. sobre a decisão acima mencionada, proferido em 23/01/2014 nos autos do processo de recurso n.º 515/2013, foi negado provimento ao ora recurso jurisdicional e confirmada a decisão recorrida (cfr. fls. 567 a 587 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
9.º - Em 17/02/2014, o douto acórdão do T.S.I. transitou em julgado (cfr. fls. 588 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
10.º - Em 18/03/2014, a A. intentou junto deste Tribunal a presente acção judicial da decisão arbitral contra o R. (cfr. fls. 2 a 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito)
* * *
IV - FUNDAMENTOS
Parte I – questão prévia: excepção da caducidade do direito da acção:
O Recorrente (consórcio) entende que, quando foi proposta esta acção pela Autora/RAEM, representada pelo MP, já caducou o seu direito de acção, advogando para tal a seguinte tese:
A decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído para resolução do conflito emergente da interpretação e execução do contrato de Prestação de Serviços de Gestão de Projecto e Assistência Técnica para a Implementação da la Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau (adiante designado por "Contrato") foi notificada à Autora em 11 de Setembro de 2012;
b. Nessa decisão a aí Ré, RAEM, foi (i) condenada a pagar ao Autor, o Consórcio, o montante de MOP11.790.180,00 pelos trabalhos do túnel já executados e a executar até ao 46° mês do contrato; (ii) foi ainda condenada a RAEM a pagar ao Consórcio as sanções aplicadas no montante de MOP1.585.822,41, sem juros de mora e foi também condenada a pagar ao Consórcio o montante de MOP4.945.355,00 por todos os trabalhos realizados a mais já executados e a executar até ao 46° mês do contrato;
c. Na mesma decisão foi ainda o Consórcio condenado a pagar à RAEM o montante de MOP45.497,50 a título de compensação pelos danos devidos pelo atraso no processo do concurso RS&S;
d. Em 10 de Outubro de 2012 a Autora, representada em juízo por licenciada em Direito, expressamente nomeada pelo Exmo Chefe do Executivo, intentou urna acção judicial de anulação daquela decisão arbitral que correu trâmites no Tribunal Administrativo, sob o processo n.° 189112-ATA;
e. Em 10 de Abril de 2013 foi proferida decisão de absolvição do Réu da instância por falta de suprimento da irregularidade da capacidade judiciária da Autora;
f. Inconformada, a Autora recorre e, por douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 23 de Janeiro de 2014 proferido no âmbito do proc. n.º 515/2013, foi negado provimento ao recurso ordinário interposto e confirmada a decisão recorrida;
g. O referido acórdão transitou em julgado em 17 de Fevereiro de 2014;
h. Em 18 de Março de 2014 a RAEM intenta nova acção peticionando "a nulidade ou anulação da decisão proferida pelo douta Comissão Arbitral na parte que diz respeito à condenação à RAEM a pagar a Consórcio o montante de MOP 11.790.180,00 relativamente aos Trabalhos do Túnel, e o montante de MOP 1.585.822,41, relativamente às sanções aplicadas, (…) por ter conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, ou seja, ser incompetente para conhecer as questões determinantes das referidas condenações".
2. A primeira acção de anulação intentada pela Autora terminou em primeira instância numa decisão de absolvição do Réu da instância com fundamento em irregularidade de representação da autora, decisão posteriormente mantida em via de recurso na segunda instância.
3. Compulsados os factos relevantes, é por demais evidente que o direito da Autora propor nova acção se encontra caducado, como enfatizou o Réu na sua contestação, cuja fundamentação o Ilustre Tribunal a quo, com o merecido respeito, simplesmente ignorou, estribando a rejeição da excepção alegada pelo Réu numa argumentação incipiente e ininteligível.
Analisemos:
4. A Autora instaurou uma nova acção à luz do art. 231º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) que determina que "a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto".
O n.º 2 do referido inciso legal dispõe que "sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da propositura da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância."
5. De acordo com o regime especial do n.º 1 do artigo 39° da LAV "a anulação da decisão arbitral pode ser requerida por qualquer das partes através de acção judicial a intentar no Tribunal de Competência Genérica no prazo de 30 dias contados da data da notificação daquela".
6. Com efeito, por força do disposto nos artigos 97° f) e 99° n.º 1 do CPAC, à acção vertente são aplicáveis as normas do Código Civil (CC) relativamente aos prazos de prescrição e de caducidade.
7. Ora, dispõe o n.º 3 do art. 319°, ex vi art. 324°, todos do CC, que "se por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo de prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos 2 meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes 2 meses." (negrito e sublinhado nossos)
8. Conforme preceituado no art. 39° n.º 1 da LAV, a acção de anulação deve ser intentada no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância da primeira acção, sendo o prazo de 2 meses mencionado no n.º 1 do art. 324° do CC substituído por este prazo (especial).
9. Acontece que, ainda que a acção tenha sido instaurada dentro do prazo (30 dias), o motivo pelo qual o réu foi absolvido da instância foi totalmente imputável à conduta processual do titular do direito, a RAEM.
Senão vejamos:
10. Neste contexto relevam os seguintes factos:
a. A primeira acção foi intentada pela Autora representada por licenciada em Direito contra a Presidente da Comissão Arbitral;
b. A Autora chamou o Consórcio aos autos, mas na categoria de contra-interessado;
c. Em 26 de Fevereiro de 2013 a Meritíssima Juíza proferiu um despacho de aperfeiçoamento no qual convidou a Autora para, no prazo de 10 dias aperfeiçoar a petição de modo a regularizar a sua capacidade judiciária e a legitimidade passiva, fundamentando que "a RAEM, sendo pessoa colectiva de direito público, na ausência de estipulação especial sobre a representação das partes na acção de anulação da decisão arbitral, a regra geral deve ser aplicada pelo que, a RAEM deve ser representada pelo Ministério Público, por força do disposto nos artigos 52º n.º1 do C.P.C e artigo 56° n.º1 e 60°, n.° 2, alínea 2) da Lei n.° 9/1999 "Lei de Bases da Organização Judiciária" e do princípio da unidade ou coerência do ordenamento jurídico";
d. Notificada deste despacho, a Autora apresentou em 12 de Março de 2013 nova petição, na qual passou a figurar como único Réu o Consórcio, cumprindo assim parcialmente o convite ao aperfeiçoamento (legitimidade passiva);
e. Na parte relativa à capacidade judiciária a Autora nada fez, interpondo recurso dessa parte da decisão;
f. Neste seguimento, a Meritíssima Juíza proferiu despacho no qual ordenou notificação ao Ministério Público para "no prazo de 10 dias, ratificar ou retirar, no todo ou em parte, o processado anterior, sob pena de ser absolvido o réu da instância, ao abrigo dos artigos 6.º, n.º 2, 56º n.º 2, 397º e 230º, n.º 1 alínea c) do CPC, suspendendo-se a instância";
g. Sucede porém que o Ministério Público não só não deu cumprimento ao despacho, como a Autora interpôs recurso do predito despacho;
h. Em resultado do não cumprimento quer pela Autora, quer pelo Ministério Público do despacho de aperfeiçoamento e do despacho de ratificação, a Meritíssima Juíza viria a proferir um despacho de indeferimento dos pedidos de interposição dos recursos, dizendo "com convite para aperfeiçoamento, ao abrigo do artigo 6º nº2, 397º e 413º alínea c) do C.P.C, não cabe recurso do despacho de aperfeiçoamento (em relação à iniciativa do juiz para suprimento de algumas excepções dilatórias no despacho liminar)";
i. No Tribunal de Segunda Instância (Proc. n.º 515/2013) foi negado provimento ao recurso e mantida a decisão de primeira instância;
j. Quanto à questão da representação, o tribunal foi peremptório a afirmar que não há margem para qualquer dúvida, face ao disposto nos artigos 52°, n.º 1, 55°, n.ºs 1 e 2 do CPC, sobre quem deve representar a RAEM nos autos duma acção de anulação de decisão arbitral; é o Ministério Público: "De acordo com o artigo 56º, n.º 1 da Lei de Bases da Organização Judiciária constante da Lei n.º 9/1999, uma das "atribuições" do Ministério Público é, genericamente, a representação em juízo da RAEM. Descendo ao plano da competência, o mesmo legislador foi dizendo no n.º 2, do referido artigo 59° que ao Ministério Público compete especialmente representar a RAEM Esta é a regra geral da representação da RAEM no foro judicial!"
11. Face ao exposto, não seria necessária aturada investigação para facilmente se concluir que a questão sobre a capacidade judiciária da Autora, mormente da sua irregular representação em juízo, é matéria da única e exclusiva responsabilidade da própria Autora que é quem tem obrigação de conhecer ou de pelo menos se informar previamente sobre quais os pressupostos processuais obrigatórios na propositura de uma acção de anulação de uma decisão arbitral.
12. Acresce que, como se demonstrou, foram dadas ainda à Autora todas as possibilidades para suprir a irregularidade que a própria causou, tendo sido notificada mais do que uma vez para o efeito, convidada a sanar o vício, não o fez, mesmo sendo-lhe permitido um prazo adicional, optou por teimosamente nada fazer.
13. Quer a licenciada em Direito nomeada, quer o digníssimo Procurador do Ministério Público não podiam ignorar quais seriam as consequências da estratégia processual por si adoptada (além de terem sido advertidos das consequências pela Meritíssima Juíza).
14. Ou seja, a absolvição do Réu da instância por imperativo da aplicação da al. c) do n.º 1 do artigo 230° e da al. c) do art. 413° do CPC seriam a consequência inevitável do não cumprimento integral dos despachos de aperfeiçoamento e de ratificação que ordenaram a regularização da capacidade judiciária da Autora.
15. A doutrina é assertiva nesta matéria. Como assinala ALBERTO DOS REIS, in "Código de Processo Civil Anotado", Coimbra Editora, 3ª ed., vol. I, em anotação ao art. 24°, pág. 67 "a irregularidade supre-se pela intervenção ou citação do representante legal e ratificação do processado. Pode ter lugar por iniciativa do juiz ou a requerimento da parte. O juiz ... pode fixar o prazo dentro do qual deve suprir-se a falta ou a irregularidade. No caso de não ser suprida a falta nem ratificado o processado, o processo fica sem efeito, absolvendo-se o réu da instância, se a incapacidade ou irregularidade diz respeito ao réu...”
16. Notificada a parte para suprir a falta, "se o representante ou curador nada fizer, o processo termina por absolvição da instância (arts 494°-c r 288-1. c), no caso de o incapaz ser o autor e o vício de verificar logo na petição inicial" (vide LEBRE DE FREITAS, J. REDINHA E R. PINTO, "Código de Processo Civil Anotado", Coimbra Editora, vol. I, anotação ao art. 23°, pág. 46).
17. Também MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA reitera que "se o representante do autor não sanar a incapacidade, o processo não pode continuar, quando esse vicio afectar a própria petição inicial (que fica sem efeito): neste caso, releva a falta de um pressuposto processual e o réu deve ser absolvido da instância..." (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág. 136 e ss).
18. Ora, o legislador não concebeu certamente um regime de excepção quanto à caducidade do direito de acção para favorecer aquele cuja conduta processual negligente está na origem da absolvição da instância.
19. De acordo com o enunciado do n." 3 do art. 3190 do CC, o legislador impõe claramente uma condição sine qua non para que o titular do direito possa valer-se da excepção à regra na contagem do prazo de caducidade do direito, ou seja, exige que a sua conduta processual não seja o motivo exclusivo que determinou a absolvição do réu da instância.
20. A lei substantiva faculta o aproveitamento de alguns efeitos civis decorrentes da propositura da primeira acção e confere ao autor o privilégio de poder tirar proveito do efeito impeditivo da caducidade provocado pela propositura da primeira acção, mas quem está onerado com um prazo (curto) de caducidade não pode limitar-se a apresentar em juízo tempestivamente uma qualquer petição, tem um particular ónus de zelo, diligência e prudência técnica na propositura da acção e no subsequente desenrolar do processo.
21. Mesmo feita uma análise perfunctória dos factos, é por demais evidente que não houve outro factor ou causa a influir no desfecho da primeira acção para além da escolha e conduta processual da Autora.
22. Com todo o respeito, o douto Tribunal a quo esquivou-se a analisar corretamente esta questão, fundamentando incipientemente a decisão tomada, à revelia do Direito e da Justiça mais elementar. Em bom rigor, o Recorrente não logrou sequer alcançar a ratio decidendi do ilustre Tribunal.
23. Não se compreende pois, as considerações tecidas, nomeadamente quando na douta sentença se salienta que a opção da Autora tem consequências legais:
"Afigura-se patente que tanto as opiniões manifestadas pela A como pelo MP nos autos de processo n.º 189/12-ATA consubstanciam-se na discussão das questões jurídicas que lhe foram concedidas para assegurar o princípio de contraditório, nos termos do art. 3º, n.º3 e 56º n.º 2 do CPC, deixando sempre à disposição da A para cumprir ou não este despacho de suprimento do pressuposto processual proferido no exercício do poder discricionário, mesmo irrecorrível e em consequência lhe ficando padecido do devido efeito ou cominação legal da opção feita, tal como acontecido em face de qualquer decisão judicial. (sublinhados nossos) Foi exactamente o que sucedeu nos autos do processo n.º 189/12-ATA, os autos extinguiram-se pela consequente decisão de absolvição do R. da Instância".
24. Para mais adiante se argumentar, salvo o devido respeito, de forma vaga, confusa e completamente falaciosa que:
"Para além do mero incumprimento ao ora despacho dentro do prazo concedido, (...), não se surge qualquer acto notório praticado pela A. a fim de dilatar ou obstar à obtenção da descoberta da verdade para a boa decisão da causa, quer através do mandatário nomeado, quer através do MP, que se poderia conduzir à mesma decisão de absolvição do R. da instância, nem se pode formar um juízo de culpa ou censura da conduta da A pela negação de provimento do recurso interposto"
25. Obviamente que se pode e deve formular um juízo de culpa quanto à conduta processual da Autora. Mas a culpa aqui nada tem a ver com impedir ou não a descoberta da verdade ou com o provimento ou não do recurso. Nem tampouco com a faculdade de exercer o direito de recorrer. São questões totalmente distintas que, com todo o respeito, o douto Tribunal recorrido, confunde, incorrendo em flagrante erro de interpretação e aplicação do Direito.
26. O juízo de censurabilidade in casu não pode deixar de recair sobre a conduta processual geradora da irregularidade de representação que ditou a absolvição do réu da instância. Essa conduta traduz-se em erros técnicos da Autora /Recorrida na aferição dos pressupostos processuais da acção e em clara falta de zelo na condução da lide, com culpa indesculpável da parte e do seu representante.
27. Ora, tal comportamento não pode deixar de ser da exclusiva e única responsabilidade da Autora!
28. De facto, a Autora tem todo o direito de não sanar a irregularidade da sua capacidade. Aliás, a autora tem, como qualquer parte, o direito de cometer erros. Não está em causa essa prerrogativa universal.
29. Mas, como o próprio Tribunal recorrido assinala, tem de acatar as consequências legais. Trata-se do reflexo da vigência do princípio da auto-responsabilização das partes, do qual resulta que falhas ou erros grosseiros na condução do processo podem desencadear efeitos preclusivos que acabam por prejudicar irremediavelmente a parte que agiu sem a diligência
30. Não pode é argumentar-se que o facto de a parte ter feito determinada escolha (errada) e depois ter recorrido da decisão judicial desfavorável, conquanto isso traduza um legítimo exercício do direito ao contraditório, tal a isenta, sem mais, das consequências das opções tomadas,
31. convolando-se assim um erro técnico numa questão de "natureza controversa" apenas por ter sido submetida ao escrutínio judicial!
32. Salvaguardado o devido respeito, tal argumento não tem qualquer cabimento lógico nem apoio legal.
33. Aliás, reproduzir a Autora afirmando que "a questão da representação no foro judicial da RAEM ganhou natureza controversa por que foi produzida abundante argumentação no processo a qual mereceu desenvolvida apreciação por parte do Tribunal de Segunda Instância, que certamente disso se dispensaria caso o assunto tivesse solução óbvia e inquestionável", é, com todo o respeito, refugiar-se no total vazio argumentativo, ignorando quer a existência duma dupla-conforme de decisões, quer o facto de nem a Autora nem o insigne Tribunal a quo terem apontado qualquer divergência doutrinal ou jurisprudencial conhecidas sobre esta matéria.
34. Aliás, é o próprio texto do acórdão do Tribunal de Segunda Instância a sublinhar a inexistência de qualquer controvérsia ou dúvida sobre a questão da representação da RAEM numa acção de anulação de decisão arbitral.
35. Quando começa por ler-se nesse douto acórdão, no início da epígrafe da fundamentação que "as questões colocadas no presente recurso foram ainda há pouco tempo devidamente apreciadas em douto acórdão proferido nesta secção que mereceu a unanimidade dos Mmos Juízes que o subscreveram e que pela sua clareza, objectividade e convincente fundamentação merece a nossa concordância... " (sublinhado nosso), qualquer leitura lógica e razoável da desenvolvida apreciação ulterior só pode ser a de que a questão da representação orgânica da RAEM pelo Ministério Público não oferece quaisquer dúvidas face às normas existentes e que o venerando tribunal analisa, fundamentado devidamente, como lhe cabia, a decisão proferida.
36. Mais: o insigne Tribunal exclama ao transcrever outro acórdão unânime citado sobre o assunto que "esta é a regra geral da representação da RAEM no foro judicial!"
37. É pois, com uma clareza inexpugnável, que explicita adiante: "Não é pelo facto de as regras da arbitragem voluntária não imporem, nem permitirem, a presença do Ministério Público, ou não tolerarem a convenção em litígios que venham a impor a presença do MP em tribunal na defesa de pessoas a quem compete especialmente essa representação, que a solução "a fortiori" fica encontrada para uma questão de índole judicial."
38. Como é o caso duma acção de anulação de decisão arbitral que corre obrigatoriamente trâmites no foro judicial.
39. Curiosamente, o único acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/2006 aludido pelo Tribunal a quo e que o Recorrente havia citado na sua contestação, aflora justamente a questão da imputabilidade envolvendo um juízo de culpa ou censurabilidade quanto ao motivo que ditou a absolvição da instância, afastando desse juízo apenas os casos em que nenhuma culpa pode ser assacada à parte.
40. Já no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/06 salienta-se: "II - para a absolvição da instância ser imputável ao titular do direito basta que este tenha agido com mera culpa, a qual deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. III - Atendendo ao condicionalismo próprio da primeira acção intentada, é de imputar ao autor do vício da incompetência absoluta de que padecia a acção e, portanto, a absolvição do réu da instância, já que não empregou a diligência que seria de exigir a um profissional do Direito na ponderação dos pressupostos processuais (...)" E é explicado mais adiante que “o novo regime estabelecido na CC para a caducidade - é menos favorável para o autor, que vê determinados erros técnicos na aferição dos pressupostos processuais, envolvendo culpa da parte e seu mandatário, ou negligência manifesta na condução da lide ditarem a caducidade do direito, apesar de a acção que acaba por se frustrar ter sido tempestivamente desencadeada."
41. Nesse mesmo sentido vai o teor do douto acórdão da instância judicial atrás citada de 16/02/2012: "na verdade, a ratio que parece atravessar todo o regime inovatoriamente instituído no CC é a que se traduz em considerar que quem está onerado com um prazo de caducidade não pode- para impedir eficaz e definitivamente a extinção do direito exercitado judicialmente- limitar-se a apresentar em juízo tempestivamente uma qualquer petição, independentemente da consistência e da adequação para obter uma decisão de mérito no processo por ela iniciado. Pelo contrário, ... implicará um particular ónus de zelo, diligência e a prudência técnica na propositura da acção e no subsequente desenrolar do processo, obstando a frustração da causa por motivo imputável em exclusivo ao autor".
42. Ao citar em abono da sua decisão, mas sem analisar convenientemente toda esta Jurisprudência dos Tribunais portugueses, o Ilustre Tribunal a quo acaba por baralhar-se quanto à conclusão alcançada de improcedência da excepção alegada pelo Réu.
43. É claro que a absolvição da instância in casu não procede de um problema de interpretação da lei ou de um erro desculpável da parte ("ignorantia legis non excusat"). A Autora, tendo sido assistida por dois mandatários, devia saber que iniciou uma acção em termos que lhe seria inviável obter uma decisão de mérito. E mesmo depois de exortada a suprir a irregularidade, nada fez!
44. Aliás, a decisão unânime da primeira e da segunda instâncias não dão sequer margem para controvérsias.
45. Portanto, não pode a parte imputar a responsabilidade pelo seu erro à uníssona interpretação judicial nas duas instâncias sobre o pressuposto processual da regular representação da RAEM, nem sequer tentar encobri-lo sob a capa de um exercício de direitos.
46. Pelo exposto, não pode deixar de considerar-se que a absolvição do Réu da instância na primeira acção é única e exclusivamente imputável à conduta processual da Autora, devendo a caducidade ser declarada por este douto Tribunal e, em consequência, ser o Réu absolvido de todos os pedidos, sob pena de violação dos artigos 231°, n.º 1 e 2 do CPC, 319° n.º3 e 324°, todos do CC e 39° n.º 1 da LAV.
Ora, a decisão sob censura tem o seguinte teor:
Da excepção da caducidade da acção
Vamos, desde já, pronunciar sobre a invocada excepção da caducidade do direito da acção.
Resulta dos presentes autos e da confissão das partes a seguinte factualidade pertinente:
(…)
*
Entendeu a A. que a presente acção foi interposta atempadamente dentro do novo prazo de 30 dias concedido ao abrigo do art.º 231.º, n.º 1, do Código do Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo da aplicação, pela remissão do n.º 2 do mesmo artigo, dos art.ºs 324.º, n.º 1 e 319.º, n.º 3, do Código Civil (C.C.), sendo a irregularidade da representação da RAEM nos autos do processo n.º 189/12-ATA ser devida a uma interpretação diversa feita à natureza da acção para a anulação da decisão arbitral, entretanto aguardando para a decisão final do recurso jurisdicional interposto com efeito suspensivo (cfr. art.º 1.º a 28.º da p.i.).
Para o R., a decisão da absolvição da instância nos referidos autos do processo n.º 189/12-ATA foi exclusivamente devida à causa imputável à A. daí não se pode beneficiar da prorrogação do prazo previsto no art.º 231.º do C.P.C. (cfr. art.º 1.º a 83.º da contestação).
Vejamos.
De acordo com o n.º 1 do art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 29/96/M, de 11 de Junho, com redacção introduzida pela do Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, “A anulação da decisão arbitral pode ser requerida por qualquer das partes através de acção judicial a intentar no Tribunal de Competência Genérica, no prazo de 30 dias contados da data da notificação daquela.”, e o n.º 2 do art.º 39.º-B : “ Consideram-se reportadas ao Tribunal Administrativo e à lei de processo administrativo contencioso, respectivamente, as referências efectuadas no capítulo anterior a qualquer tribunal de primeira instância e à lei de processo civil.”
In casu, a A. intentou a acção de anulação da decisão arbitral contra o R. junto deste Tribunal pela primeira vez atempadamente em 10/10/2012, dentro do prazo de 30 dias a que se refere o art.º 39.º, n.º 1, do mesmo D.L..
Estipulam no Código Civil (C.C.) os artigos seguintes:
“Artigo 319.º
(Duração da interrupção)
… … …
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos 2 meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes 2 meses.
Artigo 324.º
(Absolvição e interrupção da instância e ineficácia do compromisso arbitral)
1. Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 319.º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a 2 meses, é substituído por ele o designado nesse preceito.
2. Nos casos previstos na primeira parte do número anterior, se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção e a interrupção da instância.”
E prevê o art.º 231.º do Código de Processo Civil (C.P.C.):
“Artigo 231.º
(Alcance e efeitos da absolvição da instância)
1. Salvo se o fundamento tiver sido a procedência da excepção de caso julgado, a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto.
2. Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.
3. Se o réu tiver sido absolvido por qualquer dos fundamentos compreendidos na alínea e) do n.º 1 do artigo anterior, na nova acção que corra entre as mesmas partes podem ser aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo e têm valor as decisões aí proferidas.”
Das disposições citadas resulta inequivocamente que a lei civil define o regime substantivo da interrupção prolongada do prazo de caducidade respeitante ao direito de propositura da acção em juízo (cfr. a regra geral consagrada no art.º 320.º do C.C.), fazendo dilatar o termo do prazo até dois meses imediatamente subsequente ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que venha a tornar ineficaz o compromisso, caso o direito de acção for exercido atempadamente e na respectiva acção judicial interposta, o réu for absolvido da instância por causa não imputável à conduta processual do titular de direito.
Por sua vez, a lei processual civil refere-se ao alcance e efeitos em caso se surja a decisão da absolvição do réu da instância, sem havendo o conhecimento da causa, ou seja, o legislador permite a interposição de uma nova acção sobre o mesmo objecto desde que a excepção que viesse a ser julgada procedente no processo anterior não fosse a de caso julgado. Além do mais, caso esta nova acção for intentada ou o réu for citado dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, os efeitos civis derivados da proposição do primeiro processo e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível. Aliás, na hipótese que o réu tiver sido absolvido por procedência de qualquer excepção dilatória prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 230.º do C.P.C., e se mantiverem as mesmas partes na nova acção, podem as provas produzidas no primeiro processo ser aproveitadas e têm valor as decisões aí proferidas.
Deste modo, deve-se recorrer ao estipulado na lei civil para analisar se a situação em apreço poderia ser enquadrada neste normativo beneficioso da prorrogação do prazo da propositura da acção.
É provado que, pela decisão proferida em 10/04/2013 nos autos de anulação da decisão arbitral autuado com processo n.º 189/12-ATA, em que se envolviam as mesmas partes, tal como nos presentes autos, a A. viu-se ser representado pelo licenciado de direito nomeado e o R. foi absolvido da instância por inverificação do suprimento da irregularidade da capacidade judiciária da A..
E posteriormente nos autos de recurso jurisdicional do T.S.I. sobre essa decisão dos autos do processo n.º 189/12-ATA, foi decidido negar provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida, tendo o acórdão trânsito em julgado em 24/02/2014.
Vem agora a A., representado pelo M.ºP.º, intentar a presente acção para a declaração de nulidade ou anulação da decisão arbitral contra o R. em 18/03/2014.
Não é menos verdade, tal como se refere na contestação do R., que, nos autos do processo n.º 189/12-ATA, antes de proceder a notificação ao M.ºP.º para vir aos autos, em representação da A., ratificar ou retirar, no todo ou em parte o processado anterior, foi a A. notificada para regularizar a irregularidade da sua incapacidade judiciária, e afinal veio a A. recorrer da decisão do convite de aperfeiçoamento. Face a isto, conjugado com as considerações jurídicas expostas pelo M.ºP.º para não adoptar o convite na altura, o Tribunal decidiu absolver o R. da instância por falta do suprimento da irregularidade da capacidade judiciária da A.
Todavia, não se pode deixar admitir que a questão da representação no foro judicial da RAEM, no âmbito dos autos de anulação da decisão arbitral, tal como se referiu pela A. na réplica, é “…nada disso ocorreu com a acção inicialmente proposta na qual se discutia uma questão que veio a ganhar natureza controversa, concernente à representação em juízo da RAEM, sobre a qual foi produzida abundante argumentação no referido processo, para a qual aqui se remete, e que mereceu desenvolvida apreciação por parte do Tribunal de Segunda Instância, que certamente disso se dispensaria caso o assunto tivesse, à face do ordenamento jurídico de Macau, solução óbvia e inquestionável” (cfr. art.º 8.º).
Trata-se, pois, ao lado de ajuizar à aplicação adequada da regra geral da representação da RAEM consagrada nos art.º 52.º, n.º 1, do C.P.C. e art.º 56.º, n.º 1, e 60.º, n.º 2, alínea 2) da Lei n.º 9/1999《Lei de Bases da Organização Judiciária》(L.B.O.J.), de 20 de Dezembro, necessita uma análise relativo ao tipo de processo de contencioso administrativo a que respeite à acção de anulação de decisão arbitral, em face da regra do patrocínio judicial prevista no art.º 4.º do Código do Processo Contencioso Administrativo (C.P.A.C.), bem como ao estudo sobre a admissibilidade ou não da aplicação extensiva da norma prevista no art.º 22.º, n.º 1, do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho.
Todas estas questões foram ponderadamente apreciadas no douto arresto do Tribunal de Segunda Instância, nos autos do recurso jurisdicional do processo n.º 515/2013.
Afigura-se patente que tanto as opiniões manifestadas pela A. como pelo M.ºP.º nos autos do processo n.º 189/12-ATA consubstanciam-se na discussão das questões jurídicas que lhe foram concedida para assegurar o princípio de contraditório, nos termos dos art.º 3.º, n.º 3, e 56.º, n.º 2, do C.P.C., deixando sempre à disposição da A. para cumprir ou não este despacho do suprimento do pressuposto processual proferido no exercício do poder discricionário, mesmo irrecorrível, e em consequência lhe ficando padecido do devido efeito ou cominação legal da opção feita, tal como acontecido em face de qualquer decisão judicial. Foi exactamente o que sucedeu nos autos do processo n.º 189/12-ATA, os autos extinguiram-se pela consequente decisão de absolvição do R. da instância.
E o M.ºP.º, irrelevante da modalidade de intervenção num determinado processo, quer principal quer acessória, é no exercício de atribuições ficando sujeito apenas aos critérios de legalidade, de objectividade e às instruções previstas na lei (cfr. art.º 55.º e 60.º da L.B.O.J.).
Para além de mero incumprimento ao ora despacho dentro do prazo concedido, por considerações jurídicas atempadamente expostas naqueles autos (pese embora não foram acolhidas pela instância judicial superior no recurso devidamente interposto), não se surge qualquer acto notório praticado pela A. a fim de dilatar ou obstar à obtenção da descoberta da verdade para a boa decisão da causa, quer através do mandatário nomeado quer através do M.ºP.º, que se poderia conduzir à mesma decisão de absolvição do R. da instância, nem se pode formar um juízo de culpa ou censura da conduta da A. pela negação de provimento do recurso interposto.
Neste sentido, a título de jurisprudência comparada, cita os ensinamentos do acórdão do processo n.º 566/09.0TBBJA.E1.S1, do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 16/02/2012, donde consta uma análise profunda relativo aos art.º 332.º, n.º 1 e art.º 327.º, n.º 3, do Código Civil (correspondentes aos art.º 324.º, n.º 1 e art.º 319.º, n.º 3, do C.C. de Macau):
“… … …
Como é evidente, o novo regime estabelecido no CC para a caducidade – envolvendo apelo a um juízo de culpa ou censurabilidade quanto ao motivo que ditou a absolvição da instância ( cfr. Ac. de 15/11/06, proferido pelo STJ no P. 06S1732) – é menos favorável para o autor, que vê determinados erros técnicos na aferição dos pressupostos processuais, envolvendo culpa da parte e seu mandatário, ou negligência manifesta na condução da lide ( conduzindo à prolongada interrupção da instância, de modo a completar-se entretanto o prazo de caducidade inicialmente impedido com a propositura da acção – cfr. nº2 do art. 332º do CC) ditarem a caducidade do direito, apesar de a acção que acaba por se frustrar ter sido tempestivamente desencadeada.
Não parece, todavia, que este regime se possa ter por desproporcionado, sendo simples reflexo nesta matéria da vigência do princípio da auto-responsabilidade das partes, do qual decorre que falhas culposas na condução do processo pela parte ou seu mandatário podem efectivamente desencadear efeitos cominatórios ou preclusivos que acabem por prejudicar irremediavelmente a parte que agiu sem o zelo e diligência devidos.
Questão é que se proceda a uma interpretação razoável e funcionalmente adequada do conceito de culpa no desencadear da decisão de absolvição da instância, dela afastando os casos em que nenhuma culpa pode ser imputada à parte - por ex., quando a absolvição da instância é determinada por uma simplificação do processo ou separação de causas, determinada pelo juiz, em termos amplamente discricionários e prudenciais – cfr. art. 31º, nº4, do CPC; ou em que a falta do pressuposto processual que ditou a absolvição da instância decorre de dúvida fundada e razoável sobre a interpretação da lei ou de comportamento ou falta de cooperação da contraparte – e não de erro indesculpável da parte que injustificadamente iniciou uma acção que bem sabia - ou devia saber - que era inviável, em termos de virtualidade para nela se obter de uma decisão de mérito – veja-se, em aplicação desta orientação, o Ac. de 30/6/11, atrás citado, bem como o Ac. de 10/7/08, proferido na Revista 1948/06, em que se considerou que o erro na determinação do tribunal competente para julgar uma acção de anulação de deliberações sociais de cooperativa não era censurável, por não primar pela clareza o disposto no art. 89º, al. d), da LOTJ, que levou a várias decisões desencontradas na 1ª instância sobre a questão.
… … …”
A isto acresce que, ao lado que foi intentada a presente acção pela A. dentro do prazo de 30 dias após do trânsito em julgado da sentença da absolvição do R. da primeira e que não resulta da conduta processual culposa e imputável à A., uma das causas de arguição tem por fundamento a nulidade da sentença arbitral, o que pode ser arguida a todo o tempo, por força do art.º 37.º, n.º 3 do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho.
Pelos expostos, não resta outra solução senão a improceder a excepção da caducidade do direito da acção.
*
Quid Juris?
Ora, vamos simplificar a questão, começando pela menção cronológica dos factos relevantes ocorridos:
- Em 10/09/2012 foi proferida a respectiva decisão pelo Tribunal Arbitral ;
- Em 11/09/2012 tal decisão foi notificada à Autora/RAEM;
- Em 10/10/2012 foi proposta no TA uma acção de anulação da decisão arbitral, em que uma licenciada em Direito nomeada pelo Chefe do Executivo para representar a RAEM;
- Em 10/04/2013 foi proferida pelo juiz do TA a decisão de absolvição da instância por não ficar regularizada a representação da RAEM;
- Foi interposto recurso contra esta decisão para o TSI, que veio a proferir o acórdão em 23/01/2014, negando o recurso interposto pela Autora/RAEM, confirmando a decisão do TA recorrido (deve ser o MP a representar a RAEM e não jurista na acção em causa);
- Tal acórdão do TSI transitou em julgado em 17/02/2014;
- Em 18/03/2014 a Autora/RAEM, representada pelo MP intentou no TA a presente acção judicial contra o Réu (consórcio) que tem por objecto a respectiva decisão arbitral.
A questão principal reside em saber se a acção judicial intentada em 18/03/2014 pelo MP em representação da RAEM é tempestiva? Ou seja, não violou o artigo 37º/3 do DL nº 29/96/M, de 11 de Junho, que manda que a acção deve ser proposta no prazo de 30 dias contados a partir da notificação da decisão arbitral?
Ora, ao resolver a controvérsia aqui focada, importa reter as seguintes ideias:
1) – O artigo 231º do CPC (aplicável por força dos artigos 97º e 99º do CPAC) manda:
(Alcance e efeitos da absolvição da instância)
1. Salvo se o fundamento tiver sido a procedência da excepção de caso julgado, a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto.
2. Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.
3. Se o réu tiver sido absolvido por qualquer dos fundamentos compreendidos na alínea e) do n.º 1 do artigo anterior, na nova acção que corra entre as mesmas partes podem ser aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo e têm valor as decisões aí proferidas.
Ora, a primeira acção foi intentada em 10/10/2012 e a decisão foi proferida em 09/10/2012, portanto, dentro do prazo de 30 dias fixado pelo artigo 39º do DL nº 29/96/M, de 11 de Junho, para impugnar a respectiva decisão arbitral.
2) – Depois, foi proferida a respectiva decisão de absolvição da instância, contra esta foi interposto recurso. A decisão definitiva para arrumar esta questão transitou em julgado em 17/02/2014, depois, o MP em representação da RAEM veio intentar acção em 18/03/2014, portanto, também dentro do prazo de 30 dias!
3) – Nestes termos, o que vale é obviamente a decisão do TSI que resolveu a questão básica: quem é que tem legitimidade para representar a RAEM? É a partir desta decisão que conta para todos os efeitos do artigo 231º/2 do CPC acima citado! A ele foi dado escrupulosamente cumprimento.
4) – Agora, o Recorrente veio a invocar o artigo 319º/3 do CCM, ex vi do artigo 324º do CCM, não tem razão!
Vejamos.
O artigo 319º do CCM dispõe:
(Duração da interrupção)
1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos 2 meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes 2 meses.
Por sua vez, o artigo 324º do CCM estipula:
(Absolvição e interrupção da instância e ineficácia do compromisso arbitral)
1. Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 319.º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a 2 meses, é substituído por ele o designado nesse preceito.
2. Nos casos previstos na primeira parte do número anterior, se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção e a interrupção da instância.
O resultado interpretativo destes dois preceitos só permite concluir pela ideia de dilação do prazo, o que é ainda mais favorável para a parte contrária (Autora/RAEM, dispondo de um prazo mais longo para propor a respectiva acção). Por outro lado, não há elementos suficientes para se concluir que a acção foi proposta intempestivamente.
Perante a decisão de absolvição da instância, a parte vencida tem direito a recorrer dela! Repare-se o que está em causa é um direito. E a partir daí até ao momento em que o Tribunal ditou a sua justiça, não encontramos quaisquer elementos que permitam concluir que, durante todo esse período de tempo, a Autora praticasse algum facto para atrasar o andamento do processo ou para que o tribunal de recurso não pudesse decidir a questão num prazo razoável.
Não havendo estas circunstâncias, não existe fundamento para imputar a responsabilidade à parte recorrente!
Mais, tal como o MM juiz do TA afirmou, foi invocada a nulidade da decisão arbitral, e como tal não tem limite temporal para a sua declaração (artigo 37º/2 do citado DL). Agora, se existem elementos para sustentar a nulidade da decisão ou não, já é uma questão do mérito!
Pelo expendido, improcede o argumento do Recorrente nesta parte do recurso, não se verifica a excepção da caducidade de direito da acção titulado pela Autora/ERAM.
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Prosseguindo, passemos a ver o mérito da acção.
Como esta parte do recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu.
A respectiva decisão foi tomada com base nos seguintes fundamentos:
A Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), ora A., representada em juízo pelo Ministério Público, vem intentar a presente acção contra o A (adiante designada por Consórcio), ora R., melhor identificado nos autos, pedindo a declaração de nulidade ou anulação da decisão do tribunal arbitral datado de 10/09/2012 na parte em que respeitante à condenação da A. no pagamento das quantias de MOP11.790.180,00 e MOP1.585.822,41 ao R., relativas aos “Trabalhos dos Traçados do Túnel” e sanção pecuniária, pela incompetência do Tribunal Arbitral do conhecimento das questões determinantes das referidas condenações.
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Devidamente citada, o R. vem impugnar na contestação a excepção peremptória da intempestividade da presente acção pela imputada culpabilidade da conduta processual da A. demonstrada nos autos do processo n.º 189/12-ATA, pugnando ainda pela improcedência dos todos os argumentos e consequente absolvição dos pedidos.
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Na réplica apresentada, a A. vem defender a tempestividade da instauração da presente acção e refutar a excepção invocada pelo R. pela inverificação do erro indesculpável na irregularidade da representação judicial nos autos do processo n.º 189/12-ATA.
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(…)
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Não existe outras nulidades, excepções dilatórias e questões prévias de que cumpre conhecer e que obstam ao conhecimento do mérito da causa, daí devendo proceder à análise do argumento assacado à decisão arbitral, nomeadamente, a incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral.
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A A. suscita a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer os pedidos do R. (demandante) em relação aos “Trabalhos do Traçado em Túnel” no caso de os considerarem como “trabalhos excepcionais”, por não serem abrangidos pelo Contrato, bem como para conhecer relativamente ao acto de aplicação de “sanções sobre o balanço da operação comercial” ao R..
Segundo os alegados na p.i., sobretudo, os art.ºs 42.º a 79.º, acentuam-se essencialmente na falta de adjudicação ao R. e na necessidade da celebração do contrato complementar para a execução dos “trabalhos excepcionais”, o que, no seu modesto entendimento, não estão “ab initio” a coberto pelo Contrato em causa, pelo que se importa a incompetência do Tribunal Arbitral para a respectiva fixação da compensação pecuniária dos “Trabalhos do Traçado em Túnel”, já executados pelo R..
Por outro lado, o acto de aplicação da multa contratual é um acto administrativo dotado de imposição autoritária autonomamente destacável da jurisdição exercida pelo Tribunal Arbitral.
É estipulado na Cláusula Trigésima – (Resolução de litígios) do Contrato o seguinte (cfr. fls. 514 a 535 e verso dos autos):
“Cláusula Trigésima - (Resolução de litígios):
Um. Qualquer litígio relativo à interpretação, validade ou execução do presente contrato, que não seja possível dirimir por acordo das partes será submetido a uma Comissão Arbitral, com sede na RAEM, constituída por três árbitros, sendo um nomeado por cada uma das partes e o terceiro, que funcionará como presidente, por acordo entre os dois primeiros.
Dois. A língua a utilizar pela Comissão Arbitral é a inglesa.
Três. A Comissão Arbitral julgará segundo critérios de equidade e das suas decisões não cabe recurso.
Quatro. Quando o recurso à arbitragem, pela natureza do conflito, implique atraso na execução das prestações, a decisão arbitral deverá pronunciar-se sobre a imputabilidade de tal atraso.
Cinco. As custas com a arbitragem são pagas em porções iguais pelas partes.
Seis. Nos casos omissos observar-se-ão as disposições do Decreto-Lei número 29/96/M, de 11 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei número 110/99/M, de 13 de Dezembro, relativas à arbitragem e, bem como, toda a legislação em vigor na RAEM em matéria de arbitragem.”
Foi por mesma cláusula compromissória com apelo ao art.º 15.º do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho, que o R. enviou ao Exmº Senhor Chefe do Executivo para a notificação da arbitragem ad hoc, a fim de resolver os seguintes conflitos dos contraentes, entre outros:
“…A) DOS TRABALHOS EXCEPCIONAIS - TRAÇADO EM TÚNEL
(i) Se os estudos e trabalhos para o traçado em túnel para o Metro Ligeiro de Superfície (doravante designado por “Metro”), ou em conexão/relação com os mesmos, executados ou a executar pelo Consórcio EFS, são “trabalhos excepcionais”, nos termos da alínea c), do número um, da cláusula segunda do Contrato;
(ii) Se assim for, os mencionados estudos e trabalhos deverão ser sujeitos a um contrato independente, ou uma adenda ao Contrato será suficiente para formalizar o acordo entre a RAEM e o Consórcio EFS, relativamente aos serviços prestados e a prestar para/em conexão com o traçado em túnel e o preço a pagar pelos mesmos; e
(iii) Se o preço a pagar pela RAEM ao Consórcio EFS, relativamente a todos os estudos e trabalhos relacionados com o traçado em túnel, deverá ser calculado nos termos do número três da cláusula quinta do Contrato.
(a) Se assim for, e uma vez que a Lista de Preços do Contrato não fornece elementos suficientes para o cálculo do preço a ser pago pela RAEM ao Consórcio EFS, nos termos do mencionado número três da cláusula quinta, poderá/deverá o preço para os referidos trabalhos excepcionais, apresentado pelo Consórcio EFS ao Gabinete para as Infra-Estruturas e Transportes (doravante designado por “GIT”), nos documentos L2100207A, de 7 de Dezembro de 2010 e C050-000.00-CLM-AFI-00001 A, de 25 de Outubro de 2010, ser utilizado para o cálculo do valor a ser pago;
(b) Se o plano de recursos humanos a afectar aos “trabalhos excepcionais”, relativo ao traçado em túnel e incluído no documento C050-000.00-CLM-AFI-0001 A, de 25 de Outubro de 2010, apresentado pelo Consórcio EFS ao GIT, pode ser utilizado para o cálculo do preço;
(c) Se os preços apresentados pelo Consórcio EFS ao GIT nos documentos L2100207A, de 7 Dezembro 2010 e C050-000.00-CLM-AFI-00001 A, de 25 de Outubro 2010 são os aplicáveis, e os que deverão ser pagos pela RAEM pelos “trabalhos excepcionais”, relativamente aos trabalhos relacionados com o traçado em túnel; e
(d) Se as subalíneas (a), (b) e (c) não forem aplicáveis, qual então o método/as regras precisas que se deverá(ão) utilizar para o cálculo do preço a ser pago pela RAEM ao Consórcio EFS, pela prestação dos “trabalhos excepcionais”.
B) DA MULTA - BALANÇO DA OPERAÇÃO COMERCIAL
(i) Se o GIT poderá aplicar qualquer uma das multas especificadas no Contrato, nos termos da cláusula vigésima, ou se só a RAEM está habilitada a aplicar as mencionadas multas;
(ii) Se o Consórcio EFS esteve em incumprimento de alguma das suas obrigações respeitantes aos estudos do balanço da operação comercial, e
(iii) Se há algum fundamento para a aplicação da multa no valor de MOP1.585.822,41 (um milhão, quinhentos e oitenta e cinco mil, oitocentas e vinte e duas patacas e quarenta e um cêntimos), aplicada pelo GIT ao Consórcio EFS, pelo alegado não cumprimento do balanço da operação comercial em 1 de Abril de 2010.…”
Para os citados litígios é decidido na decisão arbitral arguida nos termos seguintes (conforme a tradução do R. a fls. 269 a 399 dos autos):
“…76. O Demandado alega que, no caso de serem adjudicados ao Demandante Trabalhos Excepcionais, teria de ser celebrado um novo contrato entre as Partes (conforme o disposto no Artigo 11.º e seguintes do DL 122/84/M, e no Artigo 47.º do DL n.º 63/85/M). Por essa razão, alega ainda o Demandado, o Tribunal não possui competência sobre as demandas apresentadas pelo Demandante em relação aos Trabalhos do Traçado em Túnel, se esses trabalhos forem consideradas Trabalhos Excepcionais, porque a cláusula de arbitragem do Contrato não se aplica a novos contratos.
77. A decisão do Tribunal relativamente a esta questão depende da interpretação do Contrato neste contexto, ou seja, se os do Traçado em Túnel são considerados Trabalhos Normais, Adicionais ou Excepcionais, e se considera ser necessário um novo contrato em separado.
78. O Princípio da Legalidade está previsto no Artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, datado de 11 de Outubro (“CPA”). E de acordo com o Princípio da Legalidade (ou “princípio de legalidade”), as cláusulas contratuais não podem violar normas legais imperativas que estabeleçam o regime dos contratos administrativos (Lino Ribeiro, Cândido Pinho, “Comentários ao Código do Procedimento Administrativo”, pág. 927).
79. A lei geral estabelece que os contratos administrativos devem ser celebrados por escrito (Artigo 171.º CPA, 11.º e seguintes. DL 122/84/M).
O Demandante, na sua Réplica (SOR), parágrafo 63 e seguintes, contesta a posição do Demandado e reforça que todas as ordens e respostas foram feitas por escrito, tendo o Demandante seguido as ordens do Demandado ao executar parte dos Trabalhos do Traçado em Túnel.
80. Apesar de todas as ordens e respostas, que podiam constituir um contrato escrito, não se chegou a acordo quanto aos Trabalhos do Traçado em Túnel e ao valor dos honorários a pagar pelos mesmos. Além disso, e ainda que se tenha chegado a acordo, devido à exigência de um contrato escrito, ao abrigo dos Artigos 171.º do CPA e 11.º e 12.º do DL n.º 122/84/M, a maior parte da doutrina suporta a exigência de formalização mediante um contrato escrito.
81. No entanto, o facto (não disputado pelo Demandado) é de que o Demandante, seguindo as instruções do Demandado, executou parte dos Trabalhos do Traçado em Túnel, tendo preparado os respectivos estudos da solução em túnel e a sua integração nos Documentos do Concurso do RS&S
82. Por conseguinte, não está em causa que estes trabalhos foram até agora executados ao abrigo do Contrato (existente). É esta também a posição do Demandado, tendo em conta que considera que os Trabalho do Traçado em Túnel são Trabalhos Normais, no âmbito do Contrato e, por conseguinte, abrangidos pela Cláusula de Arbitragem. Assim, o Demandado não pode usar o argumento da necessidade de um contrato escrito separado, para “fugir” à jurisdição do Tribunal sobre o assunto, quando, ao mesmo tempo, sustenta que os Trabalhos do Traçado em Túnel se inserem no âmbito do Contrato.
83. Face às considerações acima, o Tribunal decide que tem efectivamente competência sobre o assunto dos Trabalhos do Traçado em Túnel e para determinar a classificação dos trabalhos como Trabalhos Normais, Adicionais ou Excepcionais, no âmbito do Contrato, podendo igualmente deliberar quanto aos pagamentos a efectuar (se for caso disso) relativamente a esses trabalhos.
… … …
OS PEDIDOS
VIII. PEDIDO RELATIVO AO TRAÇADO EM TÚNEL
Contexto e pedido
95. O Demandante apresenta um pedido substancial contra o Demandado, resultante de e relacionado com a questão do chamado “Traçado em Túnel”.
96. Antes de abordar ou de considerar os méritos, ou a falta dos mesmos, do pedido do “Traçado em Túnel”, é útil estabelecer uma perspectiva da natureza do pedido e dos argumentos das Partes. Ao fazê-lo, o Tribunal confirma que, ao tomar as suas decisões, não se limitou às matérias resumidas abaixo. O Tribunal considerou e teve em conta todas as matérias devidamente apresentadas pelas Partes, incluindo todos os requerimentos, argumentos, provas documentais, relatórios de peritos e provas testemunhais.
… … …
Questões que surgem no contexto do Pedido do Traçado em Túnel
99. As questões surgidas no contexto do Pedido do Traçado em Túnel podem ser divididas em quatro subcategorias:
(a) Os “Trabalhos do Túnel” são efectivamente “Trabalhos Normais”, “Trabalhos Adicionais” ou “Trabalhos Excepcionais”?
(b) O Demandante tem direito a receber pagamentos adicionais relativos aos “Trabalhos do Túnel”? Em caso afirmativo, em que base?
(c) Se O Demandante tem direito a receber pagamentos adicionais relativos aos “Trabalhos do Túnel”, a quanto é que tem direito?
(d) Qual o efeito, se for caso disso, que os “Trabalhos do Túnel” têm sobre o período de Execução do Contrato?
100. O Tribunal considerou cuidadosamente tudo aquilo que lhe foi submetido pelas Partes e todas as provas produzidas, estabelecendo abaixo as suas conclusões sobre cada uma das matérias.
Os Trabalhos do Túnel são: Trabalhos Normais, Trabalhos Adicionais ou Trabalhos Excepcionais?
101. Tal como o Tribunal estabeleceu acima, o pedido relativo ao “Traçado em Túnel” refere-se a trabalhos diversos ou trabalhos suplementares, cuja execução o Demandante alega ser ou vir a ser necessária, na sequência, segundo afirma, de uma decisão tomada pelo Demandado de modificar o sistema de LRT de Macau de um sistema em viaduto elevado para um sistema em túnel parcialmente subterrâneo.
102. Para além do volume substancial de provas documentais produzidas pelas Partes, o Tribunal dispôs também do benefício de provas testemunhais de uma série de testemunhas factuais relacionadas com o Pedido do Traçado do Túnel.
103. As testemunhas factuais do Demandante relativamente ao Pedido do Traçado em Túnel incluíram o Sr. B (Director de Projecto na Egis Rail SA), o Sr. C (Engenheiro na Egis Rail SA), e o Sr. D (Gestor de Projecto na Fase - Estudos e Projectos SA). As testemunhas factuais do Demandado relativamente ao Pedido do Traçado em Túnel, incluíram o Sr. E (Coordenador Assistente do Gabinete de Infraestruturas de Transportes do Governo de Macau) e, em certas questões relacionadas, a Sra. F.
104. Fica claro, pelos elementos apresentados e as provas recebidas pelo Tribunal, que, após a adjudicação do Contrato ao Demandante, houve efectivamente uma mudança de um sistema LRT em viaduto elevado, para um sistema LRT em túnel parcialmente subterrâneo, facto que, em si mesmo, é não-litigioso, já que foi estabelecido de comum acordo entre as Partes.
105. O Demandado (ou, pelo menos, o Governo de Macau) tinha iniciado o estudo e a preparação para o possível sistema LRT de Macau vários anos antes de o Demandante se ter envolvido pela primeira vez. De facto, o envolvimento do Governo de Macau data, pelo menos, ao ano de 2002. O Governo de Macau anunciou o convite aos documentos de concurso para o actual Contrato de Gestão do Projecto e Assistência Técnica, em Fevereiro de 2008 (“o Convite para os Documentos do Concurso”), tendo o Contrato sido adjudicado ao Demandante em Março de 2009.
106. Fica claro, pelas provas recebidas que, antes do envio do convite aos documentos do concurso, o Governo de Macau tinha estudado previamente uma série de potenciais soluções para o sistema LRT de Macau, incluindo uma possível solução em túnel (ou seja, um sistema no qual uma parte substancial do LRT seria construída e operada em túneis subterrâneos). Após estes estudos, o Governo de Macau decidiu não promover um sistema LRT em túnel, tendo, em vez disso, optado por promover o sistema LRT em viaduto elevado. Ou seja, o sistema LRT seria principalmente construído e operado à superfície e em viadutos elevados. No entanto, mesmo com este sistema proposto, haveria excepções nos pontos onde pequenos troços da via estariam à superfície ou abaixo do nível do solo (por exemplo, nas proximidades do Lago Sai Van e da Ponte Sai Van). O Sr. E, testemunha do Demandado, com uma franqueza e honestidade louváveis, confirmou esse facto no seu depoimento oral.
107. O Sr. E concordou também (uma vez mais com uma franqueza e honestidade louváveis) que o Convite aos Documentos do Concurso, enviados pelo Demandado ao Demandante e a outras entidades, foram expressamente preparados para um sistema LRT baseado em viadutos elevados. O Convite aos Documentos do Concurso (incluindo o Sumário Executivo do Estudo de Implementação do Sistema do Metro Ligeiro de Macau - o chamado “Sumário Executivo”) fazia referência expressa - e apenas - à solução do viaduto elevado. Não havia qualquer referência expressa à possibilidade de esta solução poder vir a ser modificada para uma solução em túnel ou de poder vir a ser implementado um sistema em túnel.
108. Notamos, no entanto, que o Convite aos Documentos de Concurso, enviado pelo Demandado ao Demandante e a outras entidades, não incluía nem anexava cópias dos estudos de viabilidade previamente realizados nem a documentação solicitada pelo Demandado relativamente ao sistema ou às soluções baseadas num Túnel. As únicas cópias de documentação facultadas aos candidatos ao concurso eram referentes à solução em viaduto elevado.
109. Além disso, o anúncio de abertura de concurso fazia referência aos estudos de viabilidade previamente realizados pelo Governo (incluindo os estudos relativos a um sistema em túnel), tendo os concorrentes sido informados de que poderiam analisar os referidos estudos e a documentação. Não havia, no entanto, qualquer declaração clara ou expressa relativa à importância desses estudos prévios ou aos documentos, da necessidade de os analisar, ou da possibilidade de o Governo poder pretender alterá-los, ou considerar a sua modificação de uma solução em viaduto elevado para uma solução parcialmente em túnel.
110. O depoimento oral do Sr. E foi de que, numa dada fase do processo de concurso, o Demandado contemplou internamente a possibilidade de reavaliar o Sistema em Túnel para o sistema do LRT. Os pormenores deste processo interno do Demandado não foram introduzidos nos depoimentos, nem são materiais para esta Arbitragem.
111. O que é relevante e material é que, quando da adjudicação do Contrato ao Demandante, o Demandado decidiu pedir ao Demandante que executasse algum trabalho inicial, a fim de rever a possibilidade de mudança para um sistema parcialmente em Túnel. Torna-se claro que esta decisão foi adoptada, pelo facto de o Demandado ter solicitado ao Demandante que executasse algum trabalho inicial de revisão da solução do Túnel, nos primeiros encontros entre as Partes, imediatamente após a adjudicação do Contrato ao Demandante. Não há provas, nesta Arbitragem, de quando o Demandado tomou exactamente esta decisão, mas o seu timing exacto não é relevante nem material para as questões desta Arbitragem.
112. No seu depoimento, o Demandado referia que quando o Contrato foi adjudicado ao Demandante, o Demandado não tinha ainda tomado qualquer decisão quanto à alteração ou não de um sistema em viaduto elevado para um sistema em túnel. O Demandado simplesmente decidiu que isso era algo que ele pretendia considerar e para que procurava alguma assistência por parte do Demandante.
113. Ficou provado, e nós aceitamos, que foi nestas reuniões, que apenas após o Demandado ter adjudicado o Contrato ao Demandante, o Demandante soube que o Demandado pretendia analisar ou reavaliar a possibilidade de adoptar uma solução em túnel parcial para o sistema LRT.
114. O Sr. E pareceu aceitar, no seu testemunho oral, e nós, de qualquer modo, consideramos que, no Convite para os Documentos do Concurso, não havia nada que alertasse, ou que razoavelmente devesse ter alertado o Demandante para a possibilidade de o Demandado poder considerar algo diferente de um sistema em viaduto elevado para o sistema LRT de Macau. No Convite para os Documentos Concurso as referências aos anteriores estudos de viabilidade eram insuficientes para este efeito, tal como o facto de o Demandado alegar que esses anteriores estudos de viabilidade, tal como a documentação, poderiam ser verificados pelos concorrentes. O Convite para os Documentos Concurso referia e indicava expressamente uma solução em viaduto elevado.
115. O Demandado, antes da adjudicação do Contrato, podia ter tomado medidas para dizer ao Demandante que o Demandado estava a considerar, ou tinha decidido, rever ou reavaliar a possibilidade de um sistema em túnel para o LRT. Por qualquer razão, o Demandado não procedeu desse modo.
116. Não há qualquer prova nesta Arbitragem da razão pela qual o Demandado nada disse ao Demandante antes da adjudicação do Contrato, e nós não tiramos qualquer conclusão a este respeito. O Tribunal considera que as razões do Demandado não são relevantes ou materiais para as questões desta Arbitragem. Também não foi feita qualquer sugestão de que o Demandado tenha agido de forma imprópria a este respeito.
117. O facto de, quando da adjudicação do Contrato, o Demandante ignorar a possibilidade de uma investigação ou de uma mudança para uma solução em túnel, não é, obviamente, o fim da questão. Há que ter em consideração, em seguida, as obrigações e os riscos que o Demandante assumiu, ou a que está sujeito, ao abrigo do presente Contrato.
118. Tal como sublinhámos acima, o argumento do Demandante é de que os Trabalhos do Túnel não são “Trabalhos Normais” no âmbito do Contrato, pelo que constituem, portanto, uma forma de trabalho diversificado ou trabalho extra - relativamente ao qual o Demandante tem direito a um pagamento adicional (entre outras coisas). O argumento do Demandado é de que os Trabalhos do Túnel são “Trabalhos Normais” e que, de qualquer modo, o Demandante assumiu o risco dos Trabalhos do Túnel, no âmbito da margem de risco contratual implícita ou explícita ao Contrato.
119. O ponto de partida, sob este aspecto, é a Cláusula 2 - um (a), que estabelece que “Trabalhos Normais” são os indicados na Cláusula 1 (Objecto e Forma de Execução) do Contrato.
120. Toda a Cláusula 1 é relevante neste contexto e foi tida em conta pelo Tribunal. É no entanto de referir, inter alia, os seguintes aspectos da Cláusula 1.
121. A Cláusula 1(2) estabelece que o Objecto do Contrato inclui, especificamente, a Gestão Completa do Projecto e também a prestação de Assistência Técnica nos trabalhos de construção civil, no Sistema e no Material Circulante, na escolha do modelo de operação/ operação comercial, com vista à correcta implementação da primeira fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau, nos termos definidos, entre outros, nos seguintes documentos, facultados pelo Demandado:
• “Anexo ao Contrato”;
• Cláusula 2 da Parte I - Preâmbulo do Programa de Consulta;
• Cláusula 2 da Parte II - Regulamentos da Consulta;
• No Capítulo 2 - Prestação de Serviços da Parte V das Especificações Técnicas;
• Programa de Consulta.
122. A Cláusula 1(3) estabelece que a execução do contrato inclui as fases e subfases a que se referem, entre outros, os seguintes documentos, fornecidos pelo Demandado:
• Item 3, “Trabalhos da Empresa de Consultoria” do “Anexo ao Contrato”;
• Cláusula 3 do Capítulo 2, Parte V das Especificações Técnicas;
• Anexos ao Programa de Trabalhos contido na Proposta do Demandante.
123. A Cláusula 1(4) estabelece que o Programa de Trabalhos, na página 30, Secção 11, Capítulo 2, da Proposta do Demandante, está sujeito a actualizações periódicas, tendo em conta a implementação correcta e atempada da primeira fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau, sem encargos adicionais.
124. Os argumentos do Demandado são, com efeito, que estas cláusulas contratuais (entre outras) impõem obrigações contratuais ao Demandante, no sentido de este rever e revalidar os parâmetros do sistema LRT, o que, por conseguinte, “abrange” os Trabalhos do Túnel, de modo que estas são Trabalhos Normais.
125. Por exemplo, a Cláusula 2, Parte I - Preâmbulo ao Programa de Consultas, no entanto, não impõe a obrigação em aberto de o Demandante rever todos os parâmetros de todo o sistema do LRT. A cláusula classifica as obrigações do Demandante de analisar, estimar e aperfeiçoar os parâmetros com referência aos parâmetros considerados no “Estudo Preliminar do Desenvolvimento do Sistema LRT de Macau”.
126. Os parâmetros considerados no “Estudo Preliminar do Desenvolvimento do Sistema LRT de Macau”, de que ao Demandante é exigida uma revisão e revalidação, são parâmetros sobre como o sistema em viaduto elevado devia ser implementado e não sobre se o mesmo devia ou não ser adoptado.
127. O mesmo se aplica também à definição mais detalhada do âmbito do trabalho, na Cláusula 3, Capítulo 2 (Prestação de Serviços da Parte V das Especificações Técnicas). Esta cláusula impõe ao Demandante a obrigação de confirmar, alterar, completar e aperfeiçoar os trabalhos propostos para o sistema em viaduto elevado, mas não impõe ao Demandante a obrigação de rever ou considerar se o sistema LRT deverá ser em viaduto elevado ou em túnel. Igualmente não impõe ao Demandante a obrigação de este executar os Trabalhos do Túnel.
128. Além disso, o faseamento e o programa fornecido pelo Demandado são inconsistentes com o argumento de que o Contrato exige que o Demandante reveja e revalide a opção de um sistema em viaduto elevado, ou execute os Trabalhos do Túnel. Foi estabelecido pelo Demandado um período de três meses para a execução completa da revalidação de estudos anteriores, O Tribunal aceita e considera que este período não seria adequado ou suficiente para o Demandante revalidar a opção de um sistema em viaduto elevado, por oposição a um sistema em túnel, juntamente com todos os outros exercícios de revalidação expressamente previstos no Contrato. Além disso, o programa prevê que todos os estudos fiquem concluídos num prazo de três meses após aquela data, devendo os trabalhos de construção civil ser iniciados praticamente em seguida.
129. O programa do Demandado é também inconsistente com os seus argumentos de que é exigido ao Demandante que revalide a sua opção de um sistema em viaduto elevado, atendendo à sua obrigação de realizar estudos de impacto ambiental e visual (ver cláusula 3.1, Capítulo 2 (Prestação de Serviços da Parte V das Especificações Técnicas). Estes dois estudos estão especificados na Cláusula 3.2 do Capítulo 2 como fazendo parte da Actividade 4 (“Estudos Diversos”). O programa do Demandado mostra a Actividade 4 como começando no início do mês 3 e terminando no final do mês 6. Por outras palavras, a Actividade 4 sobrepõe-se ao exercício de revalidação (Actividade 1) apenas durante o mês 3, mas prossegue depois de a Actividade 1 ter supostamente sido concluída.
130. O Tribunal considera e determina que, numa interpretação adequada do Contrato, os Trabalhos do Túnel não são Trabalhos Normais no âmbito do Contrato. Além disso, mesmo que os argumentos do Demandado quanto a Trabalhos Normais pudessem, de outro modo, ter sido aceites numa interpretação estrita do Contrato (e nós determinámos que o não fossem), consideraríamos injusto e/ou não equitativo para o Demandante que lhe fosse exigido executar os Trabalhos do Túnel como Trabalhos Normais, em quaisquer circunstâncias. Assim, mesmo que o Contrato pudesse, de outro modo, significar que os Trabalhos do Túnel são Trabalhos Normais, exerceríamos o nosso poder discricionário, no âmbito da cláusula ex aequo et bono do Acordo de Arbitragem, para decidir que os Trabalhos do Túnel não deveriam ser considerados como Trabalhos Normais, mas antes como Trabalhos Diversos ou Trabalhos Extra. Porém, à luz da nossa decisão quanto ao significado e efeito do Contrato, não necessitamos de exercer o nosso poder discricionário.
Estamos satisfeitos e decidimos que os Trabalhos do Túnel não são Trabalhos Normais ao abrigo do Contrato.
131. Isto significa portanto que nos cabe decidir se os Trabalhos do Túnel são “Trabalhos Adicionais” ou “Trabalhos Excepcionais” ao abrigo do Contrato.
132. A Cláusula 2 do Contrato estabelece que:
• Trabalhos Adicionais são aqueles que, decorrendo da execução dos “Trabalhos Normais”, compreendem alterações quanto ao tempo, modo e forma da sua prestação, incluindo, nomeadamente, a execução de prestações adicionais e complementares.
• Trabalhos Excepcionais são aqueles que, não sendo “Trabalhos Normais” ou “Trabalhos Adicionais”, durante a execução do Contrato se venham a revelar necessários à implementação da primeira fase do Sistema LRT de Macau, e para os quais seja aconselhável ou particularmente vantajoso para os interesses do Governo de Macau que os mesmos sejam Adjudicados à Empresa Concorrente à qual seja Adjudicado o Contrato.
133. O Demandado argumenta que se os trabalhos forem efectivamente “Trabalhos Excepcionais”, será necessário negociar um novo contrato entre as partes, a fim de incluir esses “Trabalhos Excepcionais”.
134. Notamos, de passagem, que esta solução poderia expor o Governo de Macau a um risco substancial. O argumento do Demandado significaria que se o Governo de Macau decidisse que seria aconselhável ou particularmente vantajoso para os interesses do Governo de Macau que os Trabalhos Excepcionais fossem adjudicados ao concorrente vencedor do concurso, o Governo continuaria a ter de negociar um novo contrato com o Concorrente Vencedor, relativamente aos Trabalhos Excepcionais, podendo o Concorrente Vencedor do Concurso estar portanto em posição comercial e/ou contratual de explorar a situação quando da negociação dos termos desse novo contrato.
135. O Demandado alega ainda que o Tribunal actual não teria qualquer competência para impor às partes um novo contrato relativo aos “Trabalhos Excepcionais”, assim como também não teria poderes para esse fim.
136. Concordamos com o Demandado, relativamente à segunda parte do seu argumento - nomeadamente o ponto da competência. Se for exigido um novo contrato para a implementação de “Trabalhos Excepcionais”, este Tribunal não terá nem competência nem poderes para impor o mesmo às partes ou para decidir ou impor os termos do mesmo.
137. O argumento do Demandado de que teria de ser negociado um novo contrato para “Trabalhos Excepcionais” parece ser inconsistente e/ou parece não ter em conta o número de condições do contrato existente. Por exemplo:
• As Cláusulas 5(3) - 5(5) do Contrato estabelecem expressamente a base de pagamento do Demandante relativamente aos “Trabalhos Excepcionais”.
• A Cláusula 5(3) estabelece que sejam efectuados pagamentos adicionais, a serem calculados com base no trabalho aplicado na execução desses trabalhos, no número e remuneração do pessoal afecto à execução dos trabalhos, e nos preços indicados na Lista de Preços contida na Proposta apresentada pelo Concorrente Vencedor do Concurso para execução de trabalhos de natureza idêntica ou similar.
• A Cláusula 5(5) estabelece que o montante a ser pago ao Concorrente Vencedor do Concurso devido pelo pessoal especializado e não especializado é determinado com base nos preços indicados na Lista de Preços que consta da Proposta apresentada pelo Concorrente Vencedor do Concurso e nas remunerações praticadas no mercado, no momento da execução dos trabalhos.
• A Cláusula 6(10) confere expressamente poderes ao Demandado para suspender os pagamentos ao Demandante, ao abrigo do presente Contrato, caso o Demandante não cumpra os seus serviços no âmbito da execução, inter alia, dos Trabalhos Excepcionais, por um período de pelo menos 15 dias.
• A Cláusula 20(1) estabelece que o Demandante pague ao Demandado uma indemnização em caso de falta de cumprimento pontual ou definitivo ou de cumprimento defeituoso do presente Contrato, incluindo das prestações resultantes da execução de “Trabalhos Adicionais” e de “Trabalhos Excepcionais”.
• A Cláusula 3(1) estabelece que o prazo de vigência do Contrato é de 46 meses, a contar da data da assinatura do mesmo. A Cláusula 3(2) estabelece que o Demandado tem o direito de estender o prazo de execução do presente Contrato até ao máximo de 23 meses, sempre que assim o justifiquem quaisquer razões de interesse público, não podendo o Concorrente Vencedor do Concurso opor-se. A Cláusula 3(2)(i) estabelece que a realização de “Trabalhos Excepcionais” está excluída do cálculo de tempo referido na cláusula anterior.
138. Referimo-nos acima às Cláusulas 5(1) a 5(3), que estabelecem a base segundo a qual devem ser calculados e avaliados os pagamentos adicionais relativos a “Trabalhos Excepcionais”. Essas cláusulas aplicam-se expressamente a “Trabalhos Adicionais”. Por outras palavras, o Contrato especifica que as mesmas cláusulas contratuais se aplicam ao cálculo de pagamentos adicionais tanto para “Trabalhos Adicionais” como para “Trabalhos Excepcionais”.
139. No âmbito do Contrato, a consequência mais significativa de o trabalho ser considerado “Trabalho Excepcional” é de que, no âmbito da Cláusula 3(2)(i), o Trabalho Excepcional está excluído do cálculo do período de tempo referido na respectiva cláusula anterior.
140. A Cláusula 3(2)(i) é incerta e obscura. Consideramos e determinamos que os efeitos da Cláusula 3(2)(i) e da Cláusula 4(11) são os seguintes:
• Na medida em que os “Trabalhos Excepcionais” não possam ser concluídos dentro do período contratual estabelecido, o Demandante terá direito a tempo adicional, a fim de concluir os “Trabalhos Excepcionais”.
• O Demandante tem de concluir os “Trabalhos Excepcionais” e não poderá recusar-se a executá-los baseando-se no argumento de que os mesmos não poderão ser concluídos dentro do prazo contratual.
• O Demandante tem o direito de ser indemnizado (ao abrigo da Cláusula 5) das despesas inerentes à extensão do período de execução do Contrato, causada pelos Trabalhos Excepcionais.
• Na medida em que a instrução do Demandado de “Trabalhos Excepcionais” provoque atrasos nos Trabalhos Normais ou nos Trabalhos Adicionais, de modo a que esses Trabalhos Normais ou os Trabalhos Adicionais não possam ser concluídos dentro do prazo contratual, o Demandante tem direito a tempo adicional e a uma indemnização, conforme estabelecido acima.
• Excepto na medida em que a instrução de “Trabalhos Excepcionais” do Demandado provoque um atraso nos Trabalhos Normais ou nos Trabalhos Adicionais, de modo a que esses Trabalhos Normais ou os Trabalhos Adicionais não possam ser concluídos dentro do prazo contratual, o Demandado mantém o direito a uma extensão do prazo contratual até 23 meses, ao abrigo da Cláusula 3(2), sem que o Demandante tenha direito a um pagamento adicional em resultado de tal facto.
141. Consideramos ainda que a posição conforme estabelecido acima é justa e equitativa e que, se assim for exigido, exerceremos o nosso direito discricionário, ao abrigo da cláusula ex aequo et bono do acordo de Arbitragem, de aplicar os mesmos critérios nos quais nos baseámos acima, ao abrigo do Contrato.
142. Voltamo-nos agora para a questão de determinar se os Trabalhos do Túnel são efectivamente “Trabalhos Adicionais” ou “Trabalhos Excepcionais”.
143. Conforme estabelecemos acima, a Cláusula 2 do Contrato estabelece que Trabalhos Adicionais são aqueles que, decorrendo da execução dos “Trabalhos Normais”, compreendem alterações quanto ao tempo, modo e forma da sua prestação, incluindo, nomeadamente, a execução de prestações adicionais e complementares.
144. Ao abrigo da mesma Cláusula 2, “Trabalhos Excepcionais” são aqueles que, não sendo Trabalhos Normais ou Trabalhos Adicionais, durante a execução do Contrato, se venham a revelar necessários à implementação da 1.ª fase do LRT, e os quais são aconselháveis ou particularmente vantajosos para os interesses da RAE de Macau.
145. Por conseguinte, “Trabalhos Adicionais” são simples alterações resultantes dos Trabalhos Normais, o que claramente não é o caso dos Trabalhos do Túnel; por conseguinte, os Trabalhos do Túnel devem ser classificados como “Trabalhos Excepcionais”.
146. Consideramos e decidimos que os Trabalhos do Túnel são Trabalhos Excepcionais, encontrando-se a respectiva base de cálculo para o pagamento adicional ao Demandante estabelecida na Cláusula 5 do Contrato.
147. Tal como fixado acima, o Contrato estabelece expressamente na sua Cláusula 5 a base segundo a qual deverá ser calculado o pagamento adicional, como segue:
• A Cláusula 5(3) estabelece que os pagamentos adicionais a efectuar deverão ser calculados com base no trabalho efectivamente executado, no número e na remuneração do pessoal afecto à execução dos trabalhos realizados, e nos preços indicados na Lista de Preços incluída na Proposta apresentada pelo Concorrente Vencedor do Concurso para trabalhos de natureza idêntica ou similar.
• A Cláusula 5(5) estabelece que o montante a pagar ao Concorrente Vencedor do Concurso relativamente a pessoal especializado e não-especializado é determinado com base nos preços indicados na Lista de Preços incluída na Proposta apresentada pelo Concorrente Vencedor do Concurso e nos montantes da remuneração praticada no mercado no momento da execução dos trabalhos.
• A Cláusula 5(5)(i) estabelece ainda que quando a duração das prestações é inferior a um mês, o respectivo cálculo do pagamento será efectuado com base nos dias efectivos e completos de trabalho.
• A Cláusula 5(5)(ii) estabelece que todos os encargos, e em especial os relativos a pagamentos de viagens, estadias, seguros, alimentação e outros, devem ser considerados como incluídos nos preços referidos na Cláusula 5(5), não havendo lugar a quaisquer pagamentos adicionais.
148. O Contrato estabelece expressamente que há que ter em conta os preços da Lista de Preços da Proposta do Demandante. Nós consideramos e decidimos que quando há preços relevantes ou aplicáveis na Lista de Preços do Demandante, estes devem ser aplicados como a base de cálculo do pagamento adicional.
149. Quando, no entanto, não há quaisquer preços aplicáveis ria Lista de Preços do Demandante, a Cláusula 5(5) estabelece que o cálculo do pagamento adicional poderá basear-se nos valores de remuneração praticados no mercado no momento da execução dos trabalhos.
As Instruções
150. O Demandante pretende que o Tribunal decida se as Instruções devem ou não ser aplicadas no cálculo dos honorários relativos a Trabalhos Excepcionais.
151. O Tribunal considera e determina que as Instruções não são obrigatórias e serão excluídas se houver acordo entre as Partes quanto ao cálculo dos honorários.
152. Atendendo aos termos das cláusulas do Contrato, acima referidas, não há dúvidas de que as Partes acordaram no método de cálculo para o pagamento dos trabalhos adicionais e excepcionais, excluindo desse modo a aplicação das Instruções.
153. O Tribunal concorda que a Lista de Preços não fornece preços que possam ser aplicados no cálculo dos honorários dos Trabalhos do Túnel, mas o método de pagamento descrito nas Instruções não é equivalente ao preço de mercado.
Montante dos pagamentos adicionais devidos ao Demandante pelos Trabalhos do Túnel
154. Relativamente aos montantes que o Demandante reclama para os Trabalhos do Túnel, o Tribunal considera que a informação fornecida nesta Arbitragem, para permitir ao Tribunal avaliar como foram alcançados os números, é insuficiente.
155. Há que dizer que, nesta Arbitragem, o Demandante apresentou o seu argumento considerando o quantum e o tempo de uma forma insatisfatória. Esta questão foi levantada pelo Tribunal logo quando da Primeira Audiência Processual, mas não lhe foi dado seguimento.
156. O Demandante apresentou um grau de informação relativo aos atrasos causados e aos trabalhos adicionais exigidos; porém, não explica a relação entre os montantes reclamados e o número exacto de recursos necessários relativamente a cada um desses trabalhos adicionais.
157. Parece que o Demandante baseia as suas reivindicações na proposta datada de 25 de Outubro de 2010, justificando a exigência de honorários adicionais (a “Proposta de Outubro”) e o plano de distribuição de pessoal (SDP), mas não explica, ponto por ponto, como chegou aos números que reclama.
158. Também não existem provas ou explicações de como o preço cotado na Proposta de Outubro, de MOP 11.790.180,00 para Trabalhos Excepcionais, subiu para MOP 19.422.620,00 na SOC.
159. O Demandante baseia-se também na proposta apresentada em 7 de Dezembro de 2010, com uma justificação revista, na qual o preço para os Trabalhos do Túnel é reduzido para MOP 9.086.006,00, presumivelmente como uma oferta de desconto comercial.
160. O Tribunal não pode portanto atribuir ao Demandante os montantes apresentados na SOC, uma vez que os mesmos não estão devidamente provados.
161. No entanto, o Tribunal está ciente do facto de que os Trabalhos do Túnel já foram maioritariamente executadas e que, para tal, o Demandante incorreu em despesas significativas, pelo que seria extremamente injusto para o Demandante não lhe atribuir qualquer pagamento.
162. O Tribunal exerceria o seu poder discricionário ao abrigo da cláusula ex aequo et bono do Acordo de Arbitragem, com vista a atribuir ao Demandante o montante de MOP 11.790.180,00 (valor inicialmente proposto ao Demandado) para os Trabalhos do Túnel já executadas e a executar até ao mês 46 do Contrato.
163. No que se refere ao pedido de pagamento de juros acrescidos relativos ao montante acima indicado, a uma taxa de 8%, a contar de 1 de Junho de 2009 (data que o Demandante afirma ser a data de arranque da execução dos Trabalhos do Túnel), ao abrigo do Artigo 52.º (1) do DL 63/85/M, que estabelece que o concorrente vencedor do concurso tem direito a um juro de 8% ao ano, em caso de atraso nos pagamentos pela entidade adjudicante, o Tribunal determina o seguinte:
164. A obrigação do pagamento de juros resulta de atraso no pagamento (mora) de uma obrigação pecuniária. O momento em que o devedor incorre em mora, ou seja, em que se considera estar em atraso, é o dia em que a obrigação é devida. O não-pagamento até à data de vencimento resulta na obrigação de pagamento de juros, neste caso à taxa de 8% ao ano.
165. O Demandante apresentou diversas propostas para pagamentos adicionais ao Demandado, mas os montantes referidos eram apenas propostas que o Demandado não aceitou, pelo que, por conseguinte, a obrigação de pagamento do Demandado não se tornou efectiva.
166. Assim sendo, o Tribunal determina que ao Demandante seja atribuído o montante global de MOP 11.790.180,00 para os Trabalhos do Túnel.…”
“…87. O Demandado alega que o Tribunal Arbitral não tem competência para decidir quanto a uma sanção administrativa, no caso de serem aplicadas sanções relacionadas com o Balanço da Operação Comercial (209 SOD). De acordo com o Demandado, o Tribunal não tem qualquer competência sobre um recurso administrativo, mas apenas sobre assuntos contratuais relativos ao direito de acção judicial (artigo 39-A DL 29/96/M), pelo que se opõe por excepção aos parágrafos 197 a 281 e aos pedidos dos pontos (vii), (viii), (ix), (x) da SOC (212-214 SOD).
88. O Tribunal não concorda com a posição do Demandado. O artigo 65.º n.º 1 do DL 63/85/M determina que: “As decisões ou deliberações proferidas pelo adjudicante após a celebração do contrato reduzido a escrito, sobre matéria deste [o Contrato], não são susceptíveis de recurso contencioso.”). Como suporte desta posição, veja-se Cândida Antunes Pires/Álvaro Dantas, em “Justiça Arbitral em Macau”, pág. 214, que refere que os tribunais arbitrais têm poderes para julgar a legalidade dos actos administrativos relacionados com a execução do Contrato Administrativo. O CPTA veio resolver as dúvidas previamente levantadas sobre esta matéria e reconheceu, no ponto a) do n.º 1 do artigo 180.º, que os Tribunais Arbitrais têm competência sobre actos administrativos, incluindo os recursos administrativos, quando relacionados com a execução de um contrato administrativo. Por conseguinte, não poderá mais dizer-se que este é um assunto retirado à Arbitragem.
89. Além disso, os Artigos 25.º e 26.º do Código do Procedimento Judicial Administrativo (“CPAC”) não são aplicáveis, uma vez que essa matéria não está sujeita a recurso judicial.
… … …
IX BALANÇO DA OPERAÇÃO COMERCIAL - SANÇÕES
Contexto
167. No que se refere à aplicação de sanções pelo Demandado ao Demandante, relacionadas com a apresentação do Balanço da Operação Comercial (“COB”), o Tribunal é chamado a decidir quanto às seguintes questões:
a) Se o GIT tem poderes para aplicar sanções ou se apenas o Demandado poderá fazê-lo;
b) Se o Demandante estava efectivamente a incumprir as suas obrigações contratuais em relação à Versão D do relatório do COB;
c) Se existem razões para as sanções a aplicar ao abrigo do Contrato;
d) E se a totalidade ou parte das sanções devem ser aceites ou revertidas.
e) Se as sanções forem revertidas, o Demandante tem direito a um juro de 9,75% a contar da data de.
Direito do GIT para aplicar sanções
168. O Demandante alega que só o Demandado, mas não o GIT, tem autoridade para aplicar as sanções ao abrigo do Contrato e “também tendo em conta o Despacho do Chefe do Executivo que criou E definiu os poderes do GIT” [Despacho n.º 289/2007 datado de 15 de Outubro de 2007] (parágrafo I, página 75 das Alegações Finais do Demandante), e que o GIT não podia ter deduzido as sanções aplicadas dos pagamentos dos honorários do Demandante.
169. Nas suas alegações, o Demandante não dedica mais do que 1 parágrafo ao assunto e não explica por que razão considera que o GIT não tem autoridade para aplicar as sanções.
170. A aplicação das sanções no presente litígio resulta apenas do Contrato. O Despacho do Chefe do Executivo que cria o GIT não tem de lhe conferir tais poderes. Seria uma questão diferente se o GIT aplicasse uma sanção fora do âmbito do Contrato, ou seja, se o Demandante fosse penalizado por cometer uma “infracção administrativa”, embora nesse caso a sanção esteja abrangida pelo Contrato.
171. Desse modo, se o Tribunal considerar que a aplicação das sanções ao abrigo da Cláusula 20.1 se justifica, o GIT detém poderes para tal e está autorizado a fazê-lo.
172. Além disso, o Tribunal considera também que o GIT está autorizado a deduzir as sanções do montante de cada prestação a pagar ao Demandante, ao abrigo da Cláusula 6.8 do Contrato, assim como em conformidade com o Artigo 43.º, n.º 2, do DL n.º 63/85/M, que estipula que “a entidade adjudicante poderá recorrer à caução, independentemente de decisão judicial, nos casos em que o adjudicatário não pague nem conteste no prazo legal as multas aplicadas [...]”.
… … …
Conclusão
199. O Tribunal analisou cuidadosamente todas as provas e requerimentos e argumentos apresentados pelas partes, tendo concluído e decidido o seguinte.
200. Em conclusão, a aplicação da sanção não foi justificada e legal.
201. As testemunhas periciais do Demandado não prestaram quaisquer declarações relativas ao COB. O Demandante apresentou um Relatório Pericial, feito pelo Sr. G, referente ao COB (D. 860 e seg.), que não foi refutado pelo Relatório Pericial de Resposta do Demandado (conforme acordado na Declaração Conjunta - D. 937C).
202. Face às declarações do perito do Demandante, o Sr. G (resposta ao Q.I – D. 860), e na ausência de especificações detalhadas nos documentos contratuais quanto a determinar qual o detalhe que necessita de ser incluído no COB (os documentos contratuais referem-se apenas a estudos financeiros e económicos e ao Balanço da Operação Comercial em geral), é justo concluir que a Versão A era adequada para fornecer uma visão das perspectivas financeiras relativamente ao projecto LRT de Macau.
203. Uma vez que o Demandado apenas aplicou sanções em relação à Versão D do COB, o Tribunal deverá focar a sua análise nesta Versão, a fim de avaliar se o Demandante incumpriu ou não as suas obrigações contratuais.
Investimento de capital:
204. Da história das discussões entre as Partes após a primeira Versão A do COB, pode concluir-se que, até a Versão C ser apresentada, o Demandado partiu em geral do princípio de que o investimento de capital não deveria ser incluído no COB, na medida em que não seria suportado pela Sociedade Operadora. De todas as provas apresentadas, é claro que não foi dada pelo Demandado qualquer indicação do contrário, até à sua carta de 13 de Novembro de 2009.
205. A questão da falta de investimento de capital é levantada pela primeira vez no Relatório de Avaliação do COB do Demandado, anexo à sua notificação de 13 de Novembro de 2009. Neste relatório, o Demandado, relativamente ao investimento de capital, faz o seguinte comentário na Versão C: “Secção 2 - Pressupostos Gerais - À semelhança das Versões A & 8, a EFS declarou que ’O Investimento de Capital não deverá ser suportado pela Sociedade Operadora. Não é portanto tido em conta nesta avaliação. No entanto, com a actualização da estratégia de compras para o RS&S, isto apenas se torna verdade para o primeiro conjunto de Material Circulante (RS), mas não para os dois lotes de RS adicionais subsequentes”. O mesmo comentário é feito quanto aos dois lotes de RS adicionais relativos à Versão B, embora na acta da reunião e na correspondência trocada entre a apresentação das Versões B e C, não seja possível ver-se esse comentário.
206. Na acta da reunião realizada em videoconferência em 17 de Novembro (E.7 Cont I pág. 9653v - ponto a)), enquanto é claro que o Demandante indica que “estes investimentos não podem ser incluídos no Balanço da Operação Comercial, dado tratar-se de uma questão de aquisição de activo”; é também claro que o Demandante “se propõe facultar informação adicional no [COB]: o actual valor líquido da sociedade operadora será calculado a fim de determinar a capacidade da Sociedade operadora para financiar, se assim for decidido, a aquisição dos dois lotes de RS subsequentes”.
207. No dia seguinte, 18 de Novembro, o Demandado, via e-mail, deu as seguintes instruções ao Demandante: “Pressupostos Gerais - Separação do investimento de capital e Balanço da Operação Comercial.” (E.7 Cont. I pág. 9654v).
208. Posteriormente, na Versão D do COB (E6.2 4691), o Demandante mantém a declaração que consta do Capítulo 2 (Pressupostos Gerais): “O Investimento de Capital não deverá ser suportado pela Sociedade Operadora. Portanto, não é tido em conta nesta avaliação”.
209. É justo afirmar que o feedback do Demandado de “separar” o investimento de capital no Balanço da Operação Comercial não foi claro e podia ser mal-entendido pelo Demandante, como uma instrução para manter essa questão fora do relatório do COB.
210. Segundo o parecer pericial do Sr. G (Q. 15 - D.863), “dado que a receita da exploração do sistema tinha poucas probabilidades de gerar fundos suficientes para a aquisição ou substituição do Material Circulante (RS), ou para o financiamento da frota necessária para a operação inicial”, o Demandante entende que “parece ser um pressuposto razoável”. Em sua opinião, “tentar incluir o investimento de capital nas finanças de exploração poderia fazer desequilibrar o modelo financeiro, tornando difícil a adaptação à realidade.”
211. O Sr. G afirma mais adiante no seu relatório (Q. 16 - D.863v) que “parece que [o Demandante] viu a separação do investimento de capital resultante da exploração comercial como a solução óbvia, sendo a aparente concordância [do Demandado] equivalente ao acordo entre ambos.”
212. De igual modo, e embora o Demandante não tenha seguido as instruções do Demandado, tal como este último as entendeu, é evidente que o Demandante não incumpriu intencional ou negligentemente as suas obrigações contratuais.
Despesas de Manutenção
213. O Tribunal deve ter em conta a prova do perito Sr. G (nomeado pelo Demandante) ao considerar se a discriminação das despesas de manutenção em correctiva e preventiva é algo que deve ser incluído num relatório COB deste tipo como algo de normal, conforme alega o Demandado.
214. No seu relatório (O. 16 - D, 863v), o Sr. G considera que não é comum em empresas de transportes tentar separar as despesas de manutenção preventiva e correctiva e que a manutenção correctiva é muitas vezes gerida mediante dados estatísticos de fiabilidade.
215. O Tribunal aceita o depoimento do Sr. G e considera que o Demandado não tem razão ao afirmar que a discriminação devia ter sido incluída no relatório do COB, logo desde o início, sem necessidade de pedido específico, uma vez que é algo muito comum na gestão de instalações.
216. De todas as provas disponíveis nesta arbitragem pode inferir-se que a primeira vez que a questão da discriminação das despesas de manutenção foi trazida à atenção do Demandante, foi na notificação do Demandado, datada de 13 de Novembro, com o Relatório de Avaliação do COB.
217. Na reunião realizada em videoconferência, em 17 de Novembro 2009, foi acordado o seguinte (ponto b) da acta da reunião), “[…] Relativamente à discriminação entre manutenção preventiva e correctiva, a EFS deverá fornecer uma série alargada de valores para o Material Circulante e para os equipamentos fixos e a infraestrutura” e “o valor exacto é altamente dependente do tipo de material circulante a ser escolhido e do plano de manutenção a ser elaborado pelo empreiteiro do R&S”. Não foi dado mais feedback pelo Demandado relativamente a este tópico.
218. Considerando a Versão D do COB, o Demandante facultou, na Versão D do COB, uma série alargada de valores estimativos para as despesas de manutenção preventiva e correctiva para o RS&S, equipamento e infraestrutura.
219. Este facto é igualmente corroborado no relatório pericial e no depoimento do perito Sr. G, prestado na audiência, assim como pelo próprio relatório do COB.
220. A testemunha factual do Demandado, a Sra. H, que escreveu o relatório de avaliação da Versão D, contestou este facto, afirmando que através de benchmarking internacional, via internet, ela concluiu que estes dados não estavam ao nível da norma. O Tribunal pode, porém, não ter em conta este testemunho convincente.
221. De igual modo, o Tribunal considera que, no que se refere à discriminação das despesas de manutenção em manutenção preventiva e manutenção correctiva, o Demandante não incumpriu com as suas obrigações contratuais, nem executou as mesmas de uma forma deficiente.
Razões da aplicação de sanções
222. Segundo o disposto na Cláusula 20.1 do Contrato, “[...] O Adjudicatário [...] incorre na aplicação das seguintes sanções: a) Caso o adjudicatário incumpra o prazo de execução das prestações definidas no Programa dos Trabalhos, incluindo os que decorrentes de actualizações periódicas, ou as cumpra defeituosamente, ser-Ihe-á aplicada até ao final dos trabalhos ou até à rescisão do presente contrato, a seguinte multa diária: (i) 1 (um) por mil do valor da adjudicação, no primeiro período correspondente a um décimo do prazo previsto para a execução das prestações […]”.
223. Estas multas, muito comuns em contratos administrativos entre o Governo da RAEM e entidades privadas, quando o primeiro adjudica concursos públicos, tem a natureza de uma sanção (“cláusula penal”) e não de uma indemnização que é medida em relação à perda ou dano efectivo sustentado pela entidade não-faltosa.
224. Por conseguinte, é correcto afirmar que se trata meramente de uma fórmula matemática, sendo apenas necessário provar que ocorreu uma execução tardia ou deficiente do Contrato. O Demandado, ao aplicar a sanção estabelecida na Cláusula 20, não tem de provar os danos.
225. O Contrato é de natureza administrativa, ou seja, é um contrato no âmbito do direito público, regido pelas regras do Código do Processo Administrativo (“CPA”), conferindo à Administração Pública determinados poderes, como aqueles a que se refere o Artigo 167.º do CP (“Poderes da Administração”), em especial na sua alínea e), segundo a qual [...] “a Administração Pública pode: [...] e) aplicar as sanções estipuladas pela não-execução dos contratos”.
226. Porém, a natureza do direito público dos contratos administrativos não impede a aplicação dos princípios amplos de que o direito contratual privado está investido (nomeadamente no Código Civil - “CC”), relativamente ao equilíbrio de contratos e ao dever das Partes de agirem de boa-fé.
227. Um dos corolários desses critérios é de que a cláusula penal apenas pode ser aplicada se o devedor tiver agido “com dolo” (Art.º 800 C.C.). Isso significa que a mera ocorrência de uma prestação atrasada no tempo ou deficiente não é suficiente; também é necessário determinar se houve qualquer grau de falta cometida pela Parte que cometeu o incumprimento, ou seja, se o Demandante consegue provar que não agiu com negligência ou falha intencional, caso em que a sanção não poderá ser aplicada.
228. Perante todas as provas produzidas nesta arbitragem quanto à questão do COB, o Tribunal considera que o Demandante agiu sempre de forma diligente, seguindo as instruções do Demandado, o que, por vezes, não parece ser claro nem consistente.
229. O Tribunal conclui, pelas razões acima apontadas, que a apresentação da Versão D do COB não consistiu numa execução tardia ou defeituosa, conforme a Cláusula 20 do Contrato, pelo que decide que a aplicação das sanções pelo Demandado não foram justificadas ou legais.
230. Face a tudo o acima exposto, o Tribunal decide manter o pedido do Demandante e reverter a sanção e ordena ao Demandado que pague o montante de MOP 1.585.822,41.…”
*
Rezam os art.ºs 2.º, 37.º e 39.º-A do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho, com redacção dada pelo Decreto Lei, n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, que:
“Artigo 2.º
(Objecto da arbitragem)
1. A arbitragem pode ter por objecto qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis, desde que não esteja submetido por lei especial a tribunal judicial ou a arbitragem necessária.
2. Em especial, não podem constituir objecto de arbitragem:
a) Os litígios já decididos por decisão de mérito transitada em julgado, excepto quando se trate de decidir questões respeitantes à futura execução do julgado que não constem daquela decisão;
b) Os litígios objecto de processo em que deva intervir o Ministério Público, em representação de pessoas que careçam da necessária capacidade processual para agir em juízo por si mesmos.
Artigo 37.º
(Nulidade)
1. É nula a decisão arbitral:
a) Quando o litígio não é susceptível de resolução por via arbitral, por não dizer respeito a direitos disponíveis das partes;
b) Quando faltar a citação do demandado a que alude a alínea c) do artigo 20.º, se este não interveio no processo;
c) Quando o tribunal tenha conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, ou tenha deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar;
d) Quando ofenda princípios de ordem pública.
2. O disposto na alínea c) do número anterior implica apenas a nulidade parcial da decisão se a parte dispositiva desta relativa às questões submetidas à arbitragem se puder dissociar das questões que não chegaram a ser submetidas à arbitragem ou que o foram indevidamente.
3. A nulidade da decisão arbitral pode ser arguida a todo o tempo, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público e pode ser declarada oficiosamente pelos tribunais judiciais.
4. Da decisão proferida sobre a nulidade cabe sempre recurso para o Tribunal Superior de Justiça.
Artigo 39.º-A
(Âmbito)
No domínio do contencioso administrativo, pode ser submetido a arbitragem o julgamento de questões que tenham por objecto:
a) Contratos administrativos;
b) Responsabilidade da Administração ou dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo a efectivação do direito de regresso;
c) Direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos de conteúdo patrimonial, designadamente quantias que devam ser pagas a título diferente do tributário.”
Conforme os citados art.ºs 2.º e 37.º, n.º 1, alínea a), são matérias de inarbitrabilidade do litígio os direitos indisponíveis, excepto que esteja submetido por lei especial a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, e os litígios já decididos por decisão de mérito transitados em julgado. Ou seja, caso a decisão arbitral tiver resolvido litígio que dizer respeito aos direitos indisponíveis ou já tiver caso julgado material, seria inquinada a decisão arbitral pelo vício da nulidade.
E a alínea c) do n.º 1 do art.º 37.º se refere o excesso e a omissão de pronúncia:
“…A verificação de excesso ou omissão de pronúncia, não implica necessariamente a nulidade total da decisão.
Existe excesso de pronúncia ou uma pronúncia indevida sempre que o juiz conhece de uma questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação263.
Importa ponderar que, em processo arbitral, a pronúncia indevida pode implicar igualmente a incompetência do tribunal quando as questões sobre as quais o tribunal arbitral se pronuncie indevidamente não caibam no âmbito da convenção de arbitragem264.
Por outro lado, ocorre omissão de pronúncia quando a sentença deixe de pronunciar-se sobre questões de que o juiz devia conhecer, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras265.…
────────
263 Nestes termos, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 143.
264 Apontando no mesmo sentido, PAULA COSTA E SILVA, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, cit., p. 943.
265 Cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código… cit., vol. V, p. 142.” 1
In casu, obviamente não é posta em causa os litígios submetidos a arbitragem se encaixam nos direitos indisponíveis dos contraentes, nem é arguida pela A. alguma omissão de pronúncia, mas são arguidas os “trabalhos excepcionais” que não foram incluídos no Contrato em causa e o acto de aplicação da multa contratual ser matéria destacável por via arbitral, ou seja, se existe excesso de pronúncia ou pronúncia indevida exorbitante da convenção de arbitragem regulada pela Cláusula Trigésima do Contrato.
Efectivamente, na referida cláusula compromissória deixa em aberto a resolução por arbitragem qualquer litígio relativo à interpretação, validade ou execução do Contrato caso se não tiver acordo das partes, com o expurgo absoluto da possibilidade de impugnação por recurso, nos termos dos art.ºs 4.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 6.º, n.ºs 1 e 2, 7.º, n.ºs 1 e 2, e 34.º do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho.
Segundo o bom ensinamento da Professora Paula Costa e Silva, “…o tribunal arbitral tem todos os poderes para conhecer da questão - ou questões - que lhe é submetida pelas partes, mas só tem competência para conhecer dela. Deste modo, é a convenção de arbitragem que delimita o âmbito da competência do tribunal arbitral…se o tribunal arbitral estender a sua esfera de actuação para além do acordo celebrado entre as partes, gerar-se-á uma situação de incompetência, que desencadeia uma invalidade da própria decisão arbitral…” (cfr.《Anulação e Recursos de Decisão Arbitral》, Paula Costa e Silva, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 1992, vol. III, pp. 924 - 925). 2
Deste modo, ainda que a mesma questão da incompetência do Tribunal Arbitral relativa aos “Trabalhos do Traçado do Túnel”, no caso serem definidos como “trabalhos excepcionais”, ora levantada pela A., ao abrigo do art.º 27.º, n.º 2 do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho, não parece ser a divergência dos contraentes relativa aos trabalhos realizados durante a execução do contrato ser matéria óbvia e objectivamente fora do âmbito da competência do Tribunal Arbitral, por força do art.º 39.º-A do mesmo D.L. e do n.º 1 da Cláusula Trigésima do Contrato.
Conforme o transcrito da decisão arbitral, há uma factualidade pertinente para a decisão: “…que o Demandante, seguindo as instruções do Demandado, executou parte dos Trabalhos do Traçado em Túnel, tendo preparado os respectivos estudos da solução em túnel e a sua integração nos Documentos do Concurso do RS&S…” (ponto 81 da decisão arbitral arguida) conjugado com a consideração da A. dos “trabalhos normais” indicados na Cláusula Primeira (Objecto e Modo de Execução) do Contrato (cfr. n.º 1, alínea a) da Cláusula Segunda do Contrato), o Tribunal Arbitral concluiu ser-se competente para conhecer o litígio, no que concerne à classificação dos estudos e trabalhos para o traçado em túnel para o Metro Ligeiro de Superfície executados pelo R., bem como ao pagamento dos referidos trabalhos.
Obviamente a divergência dos contraentes origina-se da interpretação das cláusulas contratuais e a referida classificação do Tribunal Arbitral é feita segundo à análise dos referidos trabalhos realizados e a definição estabelecida no Contrato.
Salvo o devido respeito por entendimento diverso, é difícil concluir se o Tribunal Arbitral é competente somente para fazer a classificação dos trabalhos caso se entenda serem “trabalhos excepcionais”, como aconteceu nos autos, e ficaria a tal ponto afastada da competência para decidir as restantes questões, designadamente, o recurso às mesmas cláusulas contratuais para fixar o pagamento ao R.. E efectivamente nem a adjudicação nem o contrato complementar para os “Trabalhos do Traçado em Túnel” que a A. veio a defender existe nem poderia existir, em consistência da posição dos “trabalhos normais” da A..
É por isso irrelevante para se saber os “trabalhos excepcionais” são matérias já prefixadas ou não no Contrato, para efeitos da aferição da competência do Tribunal Arbitral, ou a necessidade da formalização contratual para os legitimarem, mas que em face da factualidade apurada, que o R. tinha executado estudos e trabalhos para o traçado em túnel na ausência da adjudicação ou contrato complementar, é indubitável competente ao Tribunal Arbitral para dirimir este litígio ou divergência dos contraentes relativo aos trabalhos executados emergente simples e puramente da interpretação e execução do Contrato.
Na acção de anulação da decisão arbitral, o tribunal não pode proferir outra decisão em substituição da acção anulada, pois que o objecto da anulação é a própria decisão arbitral e não a relação material controvertida3. Na esteira do mesmo raciocínio, ainda que a A. desconcorda com a fundamentação dada à classificação dos “Trabalhos do Traçado do Túnel”, por falta dos elementos essênciais que apontam à eventual adjudicação, tais como os trabalhos concretos a realizar, o prazo de execução bem como o preço global, e a consequente condenação pecuniária a pagar ao R. para compensar os trabalhos executados, todas feitas segundo a equidade (cfr. pontos 130, 141, 145 e 146 da decisão arbitral arguida), não se pode reclamar ao fundamento da incompetência do Tribunal Arbitral por excesso de pronúncia ou pronúncia indevida e exorbitante da convenção de arbitragem, regulado nos art.ºs 37.º, n.º 1, alíneas a) e c), 38.º, n.º 1, alínea b) e 39.º, alínea a) do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho, e Cláusula Trigésima do Contrato, para duvidar a legitimidade do Tribunal Arbitral em conhecer e resolver àquele litígio dos contraentes.
Pelo que, é de indeferir este pedido da declaração da nulidade ou anulabilidade da condenação da A. para pagar o R. a quantia de MOP11.790.180,00 relativa aos “Trabalhos do Traçado do Túnel”.
*
No que concernente à condenação no sentido de a A. proceder à devolução da quantia paga pelo R. resultante de uma sanção pecuniária aplicada durante a execução do Contrato, não se pode ignorar que a referida decisão do indeferimento do recurso hierárquico necessário interposto contra o acto do Coordenador do GIT e praticado pelo Exmº Senhor Chefe do Executivo, é verdadeiramente um acto administrativo sancionatório praticado pela adjudicante no âmbito da execução do contrato administrativo, por força do art.º 167.º, alínea e) do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.).
Salvo o devido respeito por entendimento diverso, não é de acolher o entendimento do Tribunal Arbitral, no sentido que os tribunais arbitrais têm poderes para julgar a legalidade dos actos administrativos relacionados com a execução do contrato administrativo.
Aqui se cita e subscreve as explicações ajuizadas e correctas dadas pela A. na p.i., para justificar a alegada incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer a matéria:
“…88. Porém, a lei não reconhece aos tribunais arbitrais a competência para julgar actos administrativos autonomamente destacáveis relativos à execução de um contrato administrativo como o caso de aplicação de multa contratual;
89. Interpretação essa que está conforme com a doutrina corrente adoptada dentro do quadro legal vigente na RAEM;
90. Cite-se, a este respeito o Professor Doutor Freitas do Amaral, explana na obra “Curso de Direito Administrativo (Com a colaboração de Lino Torgal)”, Vol. II, 4.ª Reimpressão da Edição de 2001, a pp. 655, 656 e 657 que:
“(...) é também verdade que, no nosso ordenamento actual, esse recurso à jurisdição arbitral se encontra, em princípio, vedado relativamente a questões litigiosas que envolvam a apreciação da legalidade de um acto administrativo. (...) Poderão, porém, as partes comprometer-se em árbitros quanto às matérias que, embora da competência dos tribunais administrativos, sejam objecto de acção, desde que se trate de direitos e obrigações de que qualquer delas (Administração e particulares) possa dispor à sua vontade (...)”
“(...), em matéria de execução de contratos administrativos, tanto pode a Administração praticar actos administrativos definitivos e executórios, que serão actos destacáveis susceptíveis de recurso (...), como proferir meros actos opinativos ou até nada dizer, caso em que a via a seguir será a da acção (...). Ora, as questões litigiosas surgidas no quadro da execução de um contrato administrativo não podem, no nosso ordenamento actual, por força dos mesmos princípios de que a competência dos tribunais administrativos é de ordem pública (...) e da indisponibilidade de todas as questões relacionadas com a legalidade dos actos da Administração Pública (...), ser solucionadas a título definitivo através de tribunal arbitral (...)”
“As cláusulas compromissórias - cujo fundamento se estriba (...) o artigo 188.º do CPA [na RAEM 175.º do CPA] - têm apenas a virtualidade de cometer ao tribunal arbitral nelas previsto e regulado a apreciação e o julgamento das questões litigiosas em que a Administração não actue com poder de autoridade, através de actos administrativos definitivos e executórios.”
91. Portanto, nos termos do art.º 175 do CPA vigente em Macau, “está excluído o recurso à arbitragem relativamente a actos administrativos respeitantes à execução, modificação ou extinção do contrato administrativo.” (cfr. Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, pág. 981; nota nossa: o art.º 175.º do CPA vigente tem a mesma fonte e redacção do art. 167º do CPA de 1994);
92. É também esse o entendimento seguido pela jurisprudência de Macau, “Admitimos que a posição adoptada pelo nosso legislador é a impossibilidade de os tribunais arbitrais julgarem da legalidade dos actos administrativos destacáveis relativos à execução de um contrato administrativo, que em princípio é matéria da competência exclusiva da jurisdição pública.” (cfr. Ac. do TSI de 28/11/2013, Proc. n.º 130/2012);
93. Assim, a impugnação de um acto administrativo de aplicação de multa nos termos do clausula contratual, só pode ser efectuada perante o Tribunal Público da RAEM, conforme o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 113.º do CPAC;
94. Não se pode acolher o argumento que o Tribunal Arbitral invoca para sustentar a sua competência sobre esta matéria segundo o qual, não são passíveis de recurso contencioso as decisões e deliberações proferidas pelo adjudicante após a celebração do contrato escrito, conforme o disposto no art.º 65.º do Decreto-Lei n.º 63/85/M;
95. É de notar que, por força do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, que aprovou o CPAC, esse art.º 65.º do Decreto-Lei n.º 63/85/M só pode ser interpretado como revogado por ser incompatível com o disposto nos 2.º e 3.º do art.º 113.º do CPAC;
96. Por outro lado, no próprio Contrato de adjudicação, na Cláusula Vigésima Nona (Lei aplicável), está expressamente estipulado que “Um- O presente contrato encontra-se redigido e é interpretado de acordo com as leis em vigor na RAEM. Dois- Em tudo o que for omisso neste contrato observar-se-á o disposto no Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei número 57/99/M, 11 de Outubro, no Decreto-Lei número 122/84, de 15 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei número 30/89/M, de 15 de Maio, no Decreto-Lei número 63/85/M, de 6 de Julho, no Regulamento Administrativo n.º 6/2006, e na demais legislação aplicável na RAEM.”; e na Cláusula Trigésima (Resolução de litígios), que “Seis- Nos casos omissos observar-se-ão as disposições do Decreto-Lei número 29/96/M, de 11 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei número 110/99/M, de 13 de Dezembro, relativas à arbitragem e, bem como, toda a legislação em vigor na RAEM na matéria de arbitragem.” (negrito e sublinhado nossos);
97. O Tribunal Arbitral não está “autorizado” a transpor e aplicar posições doutrinárias relativas à legislação portuguesa, mais, concretamente, comentários doutrinais sobre as alterações normativas operadas com a promulgação do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ao abrigo da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que não têm consagração no ordenamento jurídico da RAEM;
98. Se é verdade que, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 180.º do CPTA, o legislador de Portugal admitiu que os Tribunais Arbitrais tivessem jurisdição para conhecer de certos actos administrativos, o mesmo não acontece na RAEM;
99. De facto, a solução preconizada na Legislação da RAEM, mais precisamente, no art.º 39.º-A do Decreto-Lei n.º 29/96/M, de 11 de Junho, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, está em linha com o n.º 2 do art.º 2 e o n.º 3 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 129/1984 - Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, entretanto já revogado pela Lei n.º 13/2002, que aprovou o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), ambos, de Portugal;
100. Nessa medida, só devem ser tidas em atenção as considerações doutrinárias, nomeadamente, dos autores portugueses, relativas à anterior solução jurídica prevista na legislação portuguesa…”
Efectivamente, não é através da cláusula compromissória do Contrato, nem existe suporte legal para reconhecer a possibilidade de os tribunais arbitrais apreciarem e julgarem a legalidade dos actos administrativos que se ligam à fase de execução do contrato administrativo4.
Aliás, segundo as questões formuladas pelo R. e submetidas à arbitragem para resolução, são levantadas para o conhecimento do Tribunal Arbitral tanto a competência da autoria do acto sancionatório, bem como o seu fundamento factual e legal. Desde já, é manifestamente posta em causa a legalidade da decisão sancionatória embora que se tange à aferição dos comportamentos praticados pelo R. na óptica do cumprimento dos deveres contratuais.
Nesta conformidade, é de decidir proceder a arguição da nulidade da decisão arbitral, pela incompetência do Tribunal Arbitral, na parte respeitante à condenação da A. para pagar o R. as sanções aplicadas no montante de MOP 1.585.822,41, sem juros de mora, nos termos dos art.ºs 37.º, n.º 1, primeira parte da alínea c), n.º 2, 39.º-A e 39.º-B do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho, e da Cláusula Trigésima do Contrato.
***
Por tudo o que fica expendido e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente acção interposta pela R.A.E.M. da arguição da nulidade da decisão arbitral contra o Consórcio, na parte respeitante à condenação da A. para pagar o R. as sanções aplicadas no montante de MOP 1.585.822,41, sem juros de mora, nos termos dos art.ºs 37.º, n.º 1, primeira parte da alínea c), n.º 2, 39.º-A e 39.º-B do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho, e da Cláusula Trigésima do Contrato.
Custas fixadas em 12UCs, ficando a cargo do R. um terço e a A. ficar isenta (cfr. art.º 88.º do 《Regime das Custas dos Tribunais》, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25 de Outubro).
Registe, notifique e D.N..
Quid Juris?
Perante esta decisão, quer a Autora/RAEM, quer o Réu/Consórcio, veio recorrer dela.
Vamos ver a matéria parte por parte.
Comecemos pelo recurso interposto pela Autora/RAEM, que defende a ideia de que certos trabalhos feitos pelo consórcio não são “trabalhos excepcionais”, e que sobre ela o TA não chegou a pronunciar-se.
Se o argumento da Autora/RAEM proceder, cairá por terra a condenação de pagamento de quantias por trabalhos excepcionais executados.
Sobre esta matéria, importa rever e recapitular o que o Tribunal arbitral analisou, argumentou e decidiu:
“(…)
104. Fica claro, pelos elementos apresentados e as provas recebidas pelo Tribunal, que, após a adjudicação do Contrato ao Demandante, houve efectivamente uma mudança de um sistema LRT em viaduto elevado, para um sistema LRT em túnel parcialmente subterrâneo, facto que, em si mesmo, é não-litigioso, já que foi estabelecido de comum acordo entre as Partes.
105. O Demandado (ou, pelo menos, o Governo de Macau) tinha iniciado o estudo e a preparação para o possível sistema LRT de Macau vários anos antes de o Demandante se ter envolvido pela primeira vez. De facto, o envolvimento do Governo de Macau data, pelo menos, ao ano de 2002. O Governo de Macau anunciou o convite aos documentos de concurso para o actual Contrato de Gestão do Projecto e Assistência Técnica, em Fevereiro de 2008 (“o Convite para os Documentos do Concurso”), tendo o Contrato sido adjudicado ao Demandante em Março de 2009.
106. Fica claro, pelas provas recebidas que, antes do envio do convite aos documentos do concurso, o Governo de Macau tinha estudado previamente uma série de potenciais soluções para o sistema LRT de Macau, incluindo uma possível solução em túnel (ou seja, um sistema no qual uma parte substancial do LRT seria construída e operada em túneis subterrâneos). Após estes estudos, o Governo de Macau decidiu não promover um sistema LRT em túnel, tendo, em vez disso, optado por promover o sistema LRT em viaduto elevado. Ou seja, o sistema LRT seria principalmente construído e operado à superfície e em viadutos elevados. No entanto, mesmo com este sistema proposto, haveria excepções nos pontos onde pequenos troços da via estariam à superfície ou abaixo do nível do solo (por exemplo, nas proximidades do Lago Sai Van e da Ponte Sai Van). O Sr. E, testemunha do Demandado, com uma franqueza e honestidade louváveis, confirmou esse facto no seu depoimento oral.
107. O Sr. E concordou também (uma vez mais com uma franqueza e honestidade louváveis) que o Convite aos Documentos do Concurso, enviados pelo Demandado ao Demandante e a outras entidades, foram expressamente preparados para um sistema LRT baseado em viadutos elevados. O Convite aos Documentos do Concurso (incluindo o Sumário Executivo do Estudo de Implementação do Sistema do Metro Ligeiro de Macau - o chamado “Sumário Executivo”) fazia referência expressa - e apenas - à solução do viaduto elevado. Não havia qualquer referência expressa à possibilidade de esta solução poder vir a ser modificada para uma solução em túnel ou de poder vir a ser implementado um sistema em túnel.
108. Notamos, no entanto, que o Convite aos Documentos de Concurso, enviado pelo Demandado ao Demandante e a outras entidades, não incluía nem anexava cópias dos estudos de viabilidade previamente realizados nem a documentação solicitada pelo Demandado relativamente ao sistema ou às soluções baseadas num Túnel. As únicas cópias de documentação facultadas aos candidatos ao concurso eram referentes à solução em viaduto elevado.
109. Além disso, o anúncio de abertura de concurso fazia referência aos estudos de viabilidade previamente realizados pelo Governo (incluindo os estudos relativos a um sistema em túnel), tendo os concorrentes sido informados de que poderiam analisar os referidos estudos e a documentação. Não havia, no entanto, qualquer declaração clara ou expressa relativa à importância desses estudos prévios ou aos documentos, da necessidade de os analisar, ou da possibilidade de o Governo poder pretender alterá-los, ou considerar a sua modificação de uma solução em viaduto elevado para uma solução parcialmente em túnel.
110. O depoimento oral do Sr. E foi de que, numa dada fase do processo de concurso, o Demandado contemplou internamente a possibilidade de reavaliar o Sistema em Túnel para o sistema do LRT. Os pormenores deste processo interno do Demandado não foram introduzidos nos depoimentos, nem são materiais para esta Arbitragem.
111. O que é relevante e material é que, quando da adjudicação do Contrato ao Demandante, o Demandado decidiu pedir ao Demandante que executasse algum trabalho inicial, a fim de rever a possibilidade de mudança para um sistema parcialmente em Túnel. Torna-se claro que esta decisão foi adoptada, pelo facto de o Demandado ter solicitado ao Demandante que executasse algum trabalho inicial de revisão da solução do Túnel, nos primeiros encontros entre as Partes, imediatamente após a adjudicação do Contrato ao Demandante. Não há provas, nesta Arbitragem, de quando o Demandado tomou exactamente esta decisão, mas o seu timing exacto não é relevante nem material para as questões desta Arbitragem.
(…)
131. Isto significa portanto que nos cabe decidir se os Trabalhos do Túnel são “Trabalhos Adicionais” ou “Trabalhos Excepcionais” ao abrigo do Contrato.
132. A Cláusula 2 do Contrato estabelece que:
• Trabalhos Adicionais são aqueles que, decorrendo da execução dos “Trabalhos Normais”, compreendem alterações quanto ao tempo, modo e forma da sua prestação, incluindo, nomeadamente, a execução de prestações adicionais e complementares.
• Trabalhos Excepcionais são aqueles que, não sendo “Trabalhos Normais” ou “Trabalhos Adicionais”, durante a execução do Contrato se venham a revelar necessários à implementação da primeira fase do Sistema LRT de Macau, e para os quais seja aconselhável ou particularmente vantajoso para os interesses do Governo de Macau que os mesmos sejam Adjudicados à Empresa Concorrente à qual seja Adjudicado o Contrato.
133. O Demandado argumenta que se os trabalhos forem efectivamente “Trabalhos Excepcionais”, será necessário negociar um novo contrato entre as partes, a fim de incluir esses “Trabalhos Excepcionais”.
134. Notamos, de passagem, que esta solução poderia expor o Governo de Macau a um risco substancial. O argumento do Demandado significaria que se o Governo de Macau decidisse que seria aconselhável ou particularmente vantajoso para os interesses do Governo de Macau que os Trabalhos Excepcionais fossem adjudicados ao concorrente vencedor do concurso, o Governo continuaria a ter de negociar um novo contrato com o Concorrente Vencedor, relativamente aos Trabalhos Excepcionais, podendo o Concorrente Vencedor do Concurso estar portanto em posição comercial e/ou contratual de explorar a situação quando da negociação dos termos desse novo contrato.
135. O Demandado alega ainda que o Tribunal actual não teria qualquer competência para impor às partes um novo contrato relativo aos “Trabalhos Excepcionais”, assim como também não teria poderes para esse fim.
136. Concordamos com o Demandado, relativamente à segunda parte do seu argumento - nomeadamente o ponto da competência. Se for exigido um novo contrato para a implementação de “Trabalhos Excepcionais”, este Tribunal não terá nem competência nem poderes para impor o mesmo às partes ou para decidir ou impor os termos do mesmo.
137. O argumento do Demandado de que teria de ser negociado um novo contrato para “Trabalhos Excepcionais” parece ser inconsistente e/ou parece não ter em conta o número de condições do contrato existente. Por exemplo:
• As Cláusulas 5(3) - 5(5) do Contrato estabelecem expressamente a base de pagamento do Demandante relativamente aos “Trabalhos Excepcionais”.
• A Cláusula 5(3) estabelece que sejam efectuados pagamentos adicionais, a serem calculados com base no trabalho aplicado na execução desses trabalhos, no número e remuneração do pessoal afecto à execução dos trabalhos, e nos preços indicados na Lista de Preços contida na Proposta apresentada pelo Concorrente Vencedor do Concurso para execução de trabalhos de natureza idêntica ou similar.
• A Cláusula 5(5) estabelece que o montante a ser pago ao Concorrente Vencedor do Concurso devido pelo pessoal especializado e não especializado é determinado com base nos preços indicados na Lista de Preços que consta da Proposta apresentada pelo Concorrente Vencedor do Concurso e nas remunerações praticadas no mercado, no momento da execução dos trabalhos.
• A Cláusula 6(10) confere expressamente poderes ao Demandado para suspender os pagamentos ao Demandante, ao abrigo do presente Contrato, caso o Demandante não cumpra os seus serviços no âmbito da execução, inter alia, dos Trabalhos Excepcionais, por um período de pelo menos 15 dias.
• A Cláusula 20(1) estabelece que o Demandante pague ao Demandado uma indemnização em caso de falta de cumprimento pontual ou definitivo ou de cumprimento defeituoso do presente Contrato, incluindo das prestações resultantes da execução de “Trabalhos Adicionais” e de “Trabalhos Excepcionais”.
• A Cláusula 3(1) estabelece que o prazo de vigência do Contrato é de 46 meses, a contar da data da assinatura do mesmo. A Cláusula 3(2) estabelece que o Demandado tem o direito de estender o prazo de execução do presente Contrato até ao máximo de 23 meses, sempre que assim o justifiquem quaisquer razões de interesse público, não podendo o Concorrente Vencedor do Concurso opor-se. A Cláusula 3(2)(i) estabelece que a realização de “Trabalhos Excepcionais” está excluída do cálculo de tempo referido na cláusula anterior.
138. Referimo-nos acima às Cláusulas 5(1) a 5(3), que estabelecem a base segundo a qual devem ser calculados e avaliados os pagamentos adicionais relativos a “Trabalhos Excepcionais”. Essas cláusulas aplicam-se expressamente a “Trabalhos Adicionais”. Por outras palavras, o Contrato especifica que as mesmas cláusulas contratuais se aplicam ao cálculo de pagamentos adicionais tanto para “Trabalhos Adicionais” como para “Trabalhos Excepcionais”.
139. No âmbito do Contrato, a consequência mais significativa de o trabalho ser considerado “Trabalho Excepcional” é de que, no âmbito da Cláusula 3(2)(i), o Trabalho Excepcional está excluído do cálculo do período de tempo referido na respectiva cláusula anterior.
140. A Cláusula 3(2)(i) é incerta e obscura. Consideramos e determinamos que os efeitos da Cláusula 3(2)(i) e da Cláusula 4(11) são os seguintes:
• Na medida em que os “Trabalhos Excepcionais” não possam ser concluídos dentro do período contratual estabelecido, o Demandante terá direito a tempo adicional, a fim de concluir os “Trabalhos Excepcionais”.
• O Demandante tem de concluir os “Trabalhos Excepcionais” e não poderá recusar-se a executá-los baseando-se no argumento de que os mesmos não poderão ser concluídos dentro do prazo contratual.
• O Demandante tem o direito de ser indemnizado (ao abrigo da Cláusula 5) das despesas inerentes à extensão do período de execução do Contrato, causada pelos Trabalhos Excepcionais.
• Na medida em que a instrução do Demandado de “Trabalhos Excepcionais” provoque atrasos nos Trabalhos Normais ou nos Trabalhos Adicionais, de modo a que esses Trabalhos Normais ou os Trabalhos Adicionais não possam ser concluídos dentro do prazo contratual, o Demandante tem direito a tempo adicional e a uma indemnização, conforme estabelecido acima.
• Excepto na medida em que a instrução de “Trabalhos Excepcionais” do Demandado provoque um atraso nos Trabalhos Normais ou nos Trabalhos Adicionais, de modo a que esses Trabalhos Normais ou os Trabalhos Adicionais não possam ser concluídos dentro do prazo contratual, o Demandado mantém o direito a uma extensão do prazo contratual até 23 meses, ao abrigo da Cláusula 3(2), sem que o Demandante tenha direito a um pagamento adicional em resultado de tal facto.
141. Consideramos ainda que a posição conforme estabelecido acima é justa e equitativa e que, se assim for exigido, exerceremos o nosso direito discricionário, ao abrigo da cláusula ex aequo et bono do acordo de Arbitragem, de aplicar os mesmos critérios nos quais nos baseámos acima, ao abrigo do Contrato.
142. Voltamo-nos agora para a questão de determinar se os Trabalhos do Túnel são efectivamente “Trabalhos Adicionais” ou “Trabalhos Excepcionais”.
143. Conforme estabelecemos acima, a Cláusula 2 do Contrato estabelece que Trabalhos Adicionais são aqueles que, decorrendo da execução dos “Trabalhos Normais”, compreendem alterações quanto ao tempo, modo e forma da sua prestação, incluindo, nomeadamente, a execução de prestações adicionais e complementares.
144. Ao abrigo da mesma Cláusula 2, “Trabalhos Excepcionais” são aqueles que, não sendo Trabalhos Normais ou Trabalhos Adicionais, durante a execução do Contrato, se venham a revelar necessários à implementação da 1.ª fase do LRT, e os quais são aconselháveis ou particularmente vantajosos para os interesses da RAE de Macau.
145. Por conseguinte, “Trabalhos Adicionais” são simples alterações resultantes dos Trabalhos Normais, o que claramente não é o caso dos Trabalhos do Túnel; por conseguinte, os Trabalhos do Túnel devem ser classificados como “Trabalhos Excepcionais”.
146. Consideramos e decidimos que os Trabalhos do Túnel são Trabalhos Excepcionais, encontrando-se a respectiva base de cálculo para o pagamento adicional ao Demandante estabelecida na Cláusula 5 do Contrato.
147. Tal como fixado acima, o Contrato estabelece expressamente na sua Cláusula 5 a base segundo a qual deverá ser calculado o pagamento adicional, como segue:
• A Cláusula 5(3) estabelece que os pagamentos adicionais a efectuar deverão ser calculados com base no trabalho efectivamente executado, no número e na remuneração do pessoal afecto à execução dos trabalhos realizados, e nos preços indicados na Lista de Preços incluída na Proposta apresentada pelo Concorrente Vencedor do Concurso para trabalhos de natureza idêntica ou similar.
• A Cláusula 5(5) estabelece que o montante a pagar ao Concorrente Vencedor do Concurso relativamente a pessoal especializado e não-especializado é determinado com base nos preços indicados na Lista de Preços incluída na Proposta apresentada pelo Concorrente Vencedor do Concurso e nos montantes da remuneração praticada no mercado no momento da execução dos trabalhos.
• A Cláusula 5(5)(i) estabelece ainda que quando a duração das prestações é inferior a um mês, o respectivo cálculo do pagamento será efectuado com base nos dias efectivos e completos de trabalho.
• A Cláusula 5(5)(ii) estabelece que todos os encargos, e em especial os relativos a pagamentos de viagens, estadias, seguros, alimentação e outros, devem ser considerados como incluídos nos preços referidos na Cláusula 5(5), não havendo lugar a quaisquer pagamentos adicionais.
148. O Contrato estabelece expressamente que há que ter em conta os preços da Lista de Preços da Proposta do Demandante. Nós consideramos e decidimos que quando há preços relevantes ou aplicáveis na Lista de Preços do Demandante, estes devem ser aplicados como a base de cálculo do pagamento adicional.
(…).”
Estes argumentos foram acolhidos pelo Tribunal a quo, o que pode alcançar-se pela leitura do seguinte troço da sentença:
“(…)
Conforme o transcrito da decisão arbitral, há uma factualidade pertinente para a decisão: “…que o Demandante, seguindo as instruções do Demandado, executou parte dos Trabalhos do Traçado em Túnel, tendo preparado os respectivos estudos da solução em túnel e a sua integração nos Documentos do Concurso do RS&S…” (ponto 81 da decisão arbitral arguida) conjugado com a consideração da A. dos “trabalhos normais” indicados na Cláusula Primeira (Objecto e Modo de Execução) do Contrato (cfr. n.º 1, alínea a) da Cláusula Segunda do Contrato), o Tribunal Arbitral concluiu ser-se competente para conhecer o litígio, no que concerne à classificação dos estudos e trabalhos para o traçado em túnel para o Metro Ligeiro de Superfície executados pelo R., bem como ao pagamento dos referidos trabalhos.
Obviamente a divergência dos contraentes origina-se da interpretação das cláusulas contratuais e a referida classificação do Tribunal Arbitral é feita segundo à análise dos referidos trabalhos realizados e a definição estabelecida no Contrato.
Salvo o devido respeito por entendimento diverso, é difícil concluir se o Tribunal Arbitral é competente somente para fazer a classificação dos trabalhos caso se entenda serem “trabalhos excepcionais”, como aconteceu nos autos, e ficaria a tal ponto afastada da competência para decidir as restantes questões, designadamente, o recurso às mesmas cláusulas contratuais para fixar o pagamento ao R.. E efectivamente nem a adjudicação nem o contrato complementar para os “Trabalhos do Traçado em Túnel” que a A. veio a defender existe nem poderia existir, em consistência da posição dos “trabalhos normais” da A..
É por isso irrelevante para se saber os “trabalhos excepcionais” são matérias já prefixadas ou não no Contrato, para efeitos da aferição da competência do Tribunal Arbitral, ou a necessidade da formalização contratual para os legitimarem, mas que em face da factualidade apurada, que o R. tinha executado estudos e trabalhos para o traçado em túnel na ausência da adjudicação ou contrato complementar, é indubitável competente ao Tribunal Arbitral para dirimir este litígio ou divergência dos contraentes relativo aos trabalhos executados emergente simples e puramente da interpretação e execução do Contrato.
Na acção de anulação da decisão arbitral, o tribunal não pode proferir outra decisão em substituição da acção anulada, pois que o objecto da anulação é a própria decisão arbitral e não a relação material controvertida5. Na esteira do mesmo raciocínio, ainda que a A. desconcorda com a fundamentação dada à classificação dos “Trabalhos do Traçado do Túnel”, por falta dos elementos essênciais que apontam à eventual adjudicação, tais como os trabalhos concretos a realizar, o prazo de execução bem como o preço global, e a consequente condenação pecuniária a pagar ao R. para compensar os trabalhos executados, todas feitas segundo a equidade (cfr. pontos 130, 141, 145 e 146 da decisão arbitral arguida), não se pode reclamar ao fundamento da incompetência do Tribunal Arbitral por excesso de pronúncia ou pronúncia indevida e exorbitante da convenção de arbitragem, regulado nos art.ºs 37.º, n.º 1, alíneas a) e c), 38.º, n.º 1, alínea b) e 39.º, alínea a) do D.L. n.º 29/96/M, de 11 de Junho, e Cláusula Trigésima do Contrato, para duvidar a legitimidade do Tribunal Arbitral em conhecer e resolver àquele litígio dos contraentes.
Pelo que, é de indeferir este pedido da declaração da nulidade ou anulabilidade da condenação da A. para pagar o R. a quantia de MOP11.790.180,00 relativa aos “Trabalhos do Traçado do Túnel”. (…)”
No recurso, não temos elementos probatórios que permitam sustentar o contrário, ao invés, os dados resultantes dos autos reforçam a conclusão de que tais trabalhos são, sem sombra de dúvida, trabalhos excepcionais, e como tal a Autora/RAEM tem de pagar adicionalmente, pois:
- O próprio contrato de adjudicação prevê a possibilidade de exigir a execução de trabalhos excepcionais, até prevê um regime completo, desde a forma de pedir de tais trabalhos e a fórmula de cálculo de preço, agora se as partes chegaram a acordo ou não em todos os aspectos, já é uma outra questão;
- Não acolhemos a tese da Autora/RAEM quando esta afirmou que, caso se trate de trabalhos excepcionais, deveria lançar mão de um outro contrato à parte para este fim. Poderia fazer-se desta maneira, mas quem tinha poder para decidir é a Autora/RAEM. Porque não assim decidiu?
- Pela natureza dos trabalhos executados, estudo da viabilidade de passar o metro em túnel (ainda que parcialmente), estes são mais complicados do que os trabalhos preparativos para que o metro passe na superfície da terra, o que é óbvio sem necessidade de fazer apelo aos conhecimentos técnicos de engenharia civil.
- Se fosse certo passar em túnel o metro, deveria pôr isto no preto e branco no programa do concurso e no respectivo contrato de adjudicação, nada isto foi feito.
Pelo que, os trabalhos executados pelo Consórcio e que foram objecto de arbitragem são trabalhos excepcionais e assim nascem as respectivas consequências nos termos contratualmente fixados e o decidido pelo tribunal arbitral nesta matéria, devendo ser pagos os trabalho realizados.
Improcedendo os argumentos invocados pela Autora/RAEM neste ponto, julga-se improcedente o recurso por ela interposto, mantendo-se a decisão recorrida nesta parte.
*
Passemos agora a ver o recurso do Consórcio.
Este defende que não é acto administrativo a decisão de aplicação da multa pelo tribunal arbitral com base no contrato de empreitada firmado entre ele e a Autora/RAEM, e como tal o tribunal arbitral tem competência para decidir esta matéria.
Porém, o Mm Juiz do TA tem uma perspectiva contrária, defendendo que tal decisão de aplicação de multa é um acto administrativo, e o tribunal arbitral não tem competência para decidir o acto administrativo por lhe faltar a respectiva competência, motivo pelo qual o TA anulou esta parte da decisão.
Quem tem razão?
Ora, antes de mais, e, salvo o melhor respeito, discordamos do argumento do Recorrente/Consórcio quando este afirmou que tal não é um acto administrativo destacável.
Pelo contrário, a doutrina dominante entende que se trata de um autêntico acto administrativo, mas com perfil diferenciado!
Observam-se:
“(…)
VIII. Não pode pensar-se em deixar aqui um panorama das questões que as sanções administrativas contratuais suscitam, de tal monta são.
No Código esclarece-se que o poder sancionatório da Administração só existe se estiver expressamente previsto na lei ou no contrato - o que arreda já um sem número de dificuldades.
Pode afirmar-se também que a previsão legal ou contratual dessas sanções leva a considerá-las, no seio dos contratos administrativos, como objecto de poderes de decisão e aplicação unilateral pelo contraente público, mediante acto administrativo (dito destacável do contrato), sem embargo, claro, do dever de prévia audiência da contraparte e, em geral, da procedi mentalização da prática desse acto.
As sanções contratuais administrativas fundam-se apenas em incumprimento objectivo da lei, do contrato ou de determinação (legítima) do contraente administrativo e podem ter natureza pecuniária ("multas" por dias de atraso) ou não, como no caso da rescisão.
As "multas" contratuais aplicadas por acto administrativo têm, como se viu já, um regime de execução fiscal (favorecido) e pode até, muitas vezes, estar predisposta também ao seu pagamento uma caução de execução do contrato, sobre a qual a Administração contratante gozará (ou não) do direito de apreensão prévia.
Uma sanção especial de certos contratos administrativos consiste no sequestro (de obras, serviços ou bens, objecto ou afectos ao contrato), que se traduz em a Administração contratante tomar posse administrativa da obra, do serviço ou do bem em causa e fazê-lo funcionar ou gerir por ela própria ou por terceiro, mas por conta (e risco) do contraente privado.
IX. Para além dos referidos, podem existir nos contratos administrativos outros poderes e direitos exorbitantes, de supra e infra-ordenação jurídica, entre contraente administrativo e particular” (in Código do Procedimento Administrativo Comentado, Mário Esteves de Oliveira Pedro Costa Gonçalves –J . Pacheco de Amorim, 2ª edição, Almedina, pág. 827).
Agora, a questão fundamental é saber se o acto administrativo, praticado com base num contrato administrativo, pode ser ou não objecto de arbitragem?
Ora, não encontramos obstáculo legal para dizer que não, visto que:
- Este tipo de acto administrativo tem uma base negocial, porque resulta do acordo das partes, de um contrato administrativo com base no qual se atribui o poder de punir a uma parte, normalmente que é o poder público, mas não necessariamente;
- Se este tipo de acto tem esta natureza, porque é que as partes não podem acordar, antes de submeter ao controlo do tribunal judicial, no caso de divergência das partes, apresentar tal “desacordo” a um tribunal arbitral? Ou seja, as partes podem acordar que qualquer divergência emergente do respectivo contrato seja resolvido por meio não contencioso.
- Mais, proferida a respectiva decisão sobre a divergência das partes, no caso de dela se discordar ainda, poderá pôr o problema ao Tribunal mediante via contenciosa, neste plano, sim, o Tribunal pode ajuizar da legalidade da decisão arbitral nos termos legais.
- Bem observa José Cândido de Pinho (in Notas e Comentários ao CPAC, Vol. II, 2018, CFJJ, pág. 123 e seguinte):
“(…)
13 - Revestirão igualmente a forma de acção, a intentar no Tribunal Administrativo, os litígios emergentes do incumprimento e inexecução dos contratos administrativos (art. 113.º, n.º 1, CPAC).
E é a propósito da aplicação de multas contratuais que se colocam frequentemente algumas dúvidas, sobre se os actos que as aplicam podem ou não ser objecto de recurso contencioso.
Sobre o assunto, transcrevemos um trecho do Ac. do STA de 15/05/2002, Proc. n° 046106:
“O que acabamos de dizer não exclui, assim, que a Administração, em casos muito contados, por razões exógenas à execução do contrato não possa praticar actos administrativos que com ele directamente interfiram. Será o caso, p. ex., da rescisão unilateral do contrato por imperativo de interesse público prevista no art. ° 180.°, al. c) do CPA, ou a modificação também unilateral do conteúdo das prestações [al. a) do mesmo preceito], actos que, por espelharem o exercício de um poder discricionário potenciado por um interesse público de particular intensidade, mais facilmente se amoldam aos limites cognitivos do contencioso de anulação. Da evolução legislativa citada e de uma combinação harmónica destes princípios pode concluir-se que houve por parte do legislador a intenção de distinguir no contrato de empreitada de obras públicas entre o período anterior à celebração do contrato e o período posterior a essa celebração.
A partir do momento em que a Administração e o empreiteiro celebram o contrato de empreitada de obras públicas, a Administração, no interesse da prossecução da obra nas melhores condições pode pressionar o empreiteiro à realização de obras, no quadro legal e contratualmente definido, no desenvolvimento da relação estabelecida.
A partir daí, todas as questões relativas à execução do contrato de empreitada de obras públicas são consideradas como "questões" a decidir através do instrumento processual da acção, retirando qualquer relevância à qualificação dogmática das posições da Administração a elas subjacentes como actos administrativos destacáveis ou como meras declarações negociais, já que a opção legislativa foi a de, qualquer que fosse a sua natureza, as submeter à apreciação dos Tribunais através do meio processual acção.
Dir-se-á, contudo que dificilmente se compaginaria com a característica da auto-tutela executiva que caracteriza o acto administrativo a imposição dessa forma processual de discussão de tais controvérsias.
Há, pois, que concluir que, no âmbito do D.L. 405/93, o meio próprio de reacção para dirimir quaisquer "questões" relativas à execução do contrato e independentemente da natureza dessas "questões", é a acção.
(...) A decisão recorrida ao decidir que a multa aplicada pela Câmara Municipal da Mealhada constituía um acto administrativo destacável, e, como tal, impugnável pela via do recurso contencioso, não pode, assim, manter-se."
O problema das multas, como é comum, resulta de um incumprimento do contrato por parte do contraente privado, frequentemente em virtude de atrasos na conclusão das obras. Trata-se, então, não de efectivar uma responsabilidade civil reparatória, mas urna responsabilidade administrativa sancionatória (Pedro Gonçalves, Cumprimento e Incumprimento do Contrato Administrativo cit., pág. 598).”
Ou seja, aplicar multa com base num contrato administrativo é um problema situado no âmbito da execução do contrato, e como tal não há nenhum obstáculo legal que impeda que tal seja objecto de arbitragem.
- O que permite concluir com toda a segurança que o tribunal arbitral pode intervir em matéria de aplicação de sanção com base num contrato administrativo, razão pela qual é de revogar a sentença do TA na parte que declarou incompetente o tribunal arbitral para decidir esta matéria constante de um acto administrativo.
- Ou, seguida uma perspectiva diferente, que é defendida por Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, afirmando:
“(…)
A natureza de muitos contratos de atribuição paritária (isto é, de contratos em que a prestação principal é a da Administração e em que a relação nascida do contrato não depende exclusivamente da vontade administrativa), não se compadece com a atribuição à Administração de poderes de interpretação, modificação, suspensão, rescisão ou execução mediante o exercício unilateral de autoridade.
Noutros casos, como nos contratos de empreitada de obra públicas, prestação de serviços para fins de utilidade pública e fornecimento contínuo, é a própria lei que afasta a competência para a emissão de actos administrativos no âmbito da execução do contrato. Os artigos 65.º, n.º 2 do DL n.º 63/85/M de 6/7 e 217.º, n.º 1 do DL n.º 48871 de 19/2/69 prescrevem que «revestirão a forma de acção as questões submetidas ao julgamento do Tribunal Administrativo sobre interpretação, validade ou execução do contrato». Quer isto dizer que as questões emergentes daqueles contratos estão submetidas a um contencioso de plena jurisdição e não de mera anulação. Ora, sendo o objecto da jurisdição de mera anulação a declaração da invalidade ou anulação dos actos recorridos (cfr. art. 6.º do ETAF), a submissão à acção daquelas questões significa a proibição expressa da Administração praticar actos administrativos dotados de obrigatoriedade e executoriedade, As posições que a Administração tome nessa matéria (v.g. rescisão do contrato, sanções contratuais, etc) correspondem a declarações negociais através das quais se exercem direitos potestativos que produzem efeitos jurídicos, mas desprovidos de autoridade. Em caso de discordância só o Tribunal Administrativo, através de sentença, pode proceder a uma definição obrigatória.” (Cfr. in Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, Fundação Macau e SAFP, 1998, pág. 933).
O resultado é o mesmo!
Finalmente, recordam-se o que a comissão arbitral argumentou neste ponto:
“(…)
O Demandante incumpriu o Contrato?
Os argumentos do Demandante
173. O Demandante apresentou a Versão A do COB em 23 de Agosto de 2009, ou seja, no prazo de 5 meses a contar da data da assinatura do Contrato, cumprindo assim o prazo contratual.
174. A Versão A do COB foi adequada para proporcionar uma perspectiva das expectativas financeiras do sistema LRT de Macau e, por conseguinte, não incumpriu o Contrato.
175. Todas as alterações subsequentemente introduzidas e que tiveram como resultado as Versões B e C foram o resultado das novas exigências do Demandado e constituíram melhorias e aperfeiçoamentos progressivos, considerados perfeitamente normais e até desejáveis do ponto de vista técnico, como fazendo parte de um processo normal de amadurecimento, pelo que não houve qualquer desempenho defeituoso das obrigações contratuais do Demandante.
176. O Demandado aplicou as sanções apenas respeitantes à Versão D (apresentada após a notificação do Demandado de 13 de Novembro de 2009 - E.7 Cont. I, pág. 9723), baseado no facto de que (i) falta o investimento de capital destinado aos dois lotes das opções de Material Circulante; e (ii) a discriminação dos custos de manutenção entre manutenção preventiva e correctiva está em falta.
177. A não-inclusão do investimento de capital baseou-se num pressuposto fundamental, feito pelo Demandado numa reunião que decorreu em 3 de Agosto de 2009 (e em reuniões e correspondência subsequentes), de que o investimento de capital deveria ser feito inteiramente com os fundos públicos do Demandado.
178. A instrução do Demandado para incluir o investimento de capital foi feita apenas no relatório de avaliação do COB, Versão C, anexada à notificação do Demandado, datada de 13 de Novembro de 2009 (E.7 Cont. I, pág. 9725 e seguintes - o "Relatório de Avaliação do COB").
179. Numa reunião em 17 de Novembro de 2009 (realizada por videoconferência), o Demandante informou o GIT de que não incluiria o investimento de capital na sua Versão D, porque a receita tarifária foi insuficiente para suportar a aquisição de activo. O Demandado não se opôs nem comentou esta recomendação.
180. Em 18 de Novembro de 2009, o Demandado deu instruções ao Demandante por correio electrónico: "Pressuposto geral. Separação do investimento de capital e Balanço da Operação Comercial", que o Demandante entendeu ser uma instrução para remover o investimento de capital na Versão D do Relatório do COB, dado que, na ausência de dados do investimento de capital nos relatórios anteriores, não havia nada para separar, considerando a informação anterior do Demandante, a que o Demandado não objectou.
181. Relativamente à falta de discriminação dos custos de manutenção em manutenção preventiva e correctiva, o Demandado deu instruções ao Demandante para incluir esses dados pela primeira vez na reunião de 13 de Novembro de 2009, após a apresentação da Versão C.
182. O Demandante informou o Demandado de que facultar números detalhados na discriminação dos custos relativos a manutenção preventiva e correctiva seria enganoso, porque teria de se basear num grande número de variáveis, não directamente aplicáveis ao Projecto LRT de Macau.
183. Esta recomendação foi aceite pelo Demandado durante a reunião em videoconferência, de 17 de Novembro de 2009, não tendo sido feitos mais nenhuns comentários sobre o assunto.
184. Na Versão D, o Demandante incluiu uma vasta gama de estimativas de valores de custos de manutenção preventiva e correctiva para o RS&S e para o equipamento e as infraestruturas, conforme referido pelo Demandante e aceite pelo Demandado.
185. De igual modo, e na medida em que são tidos em conta os custos da manutenção correctiva e preventiva, o Demandante facultou ao Demandado o relatório do COB (Versão D), que conseguiu facultar nessa altura, quando ainda não tinha sido escolhida nenhuma Empresa Operadora e nenhum fornecedor do RS&S.
186. O Demandante não incumpriu as suas obrigações contratuais e o seu desempenho não apresentou deficiências.
187. A sanção aplicada, de MOP 1.585.822,41 (correspondente a 1% do preço total do Contrato e a mais de 10% da margem potencial do Demandante em 4 anos de execução do Contrato) é excessiva e desproporcionada e resulta num impacto negativo injustificado quanto à posição contratual do Demandante.
Os argumentos do Demandado
188. Considerando a importância dos estudos financeiros, o Demandado esperava que o Demandante lhe facultasse um COS com informação alargada e precisa, a fim de permitir ao Governo a tomada de decisões estratégicas importantes sobre a futura operação do LRT, uma vez que se trata de um projecto completamente novo para Macau, visto não existir qualquer experiência de LRT ou via-férrea em funcionamento.
189. A aplicação das sanções é uma consequência da apresentação pelo Demandante das diferentes Versões do COB, com deficiências e discrepâncias, resultando num cumprimento deficiente das obrigações contratuais do Demandante ("cumprimento defeituoso"), e não devido ao atraso na sua apresentação.
190. Em especial, as sanções foram aplicadas exclusivamente em relação à Versão D do COB, devido às deficiências anteriormente apontadas pelo Demandado relativamente à Versão C e que não foram remediadas na Versão D.
191. A Versão D do COB, apresentada pelo Demandante, não cumpriu com as instruções do Demandado, dadas na reunião em videoconferência, realizada em 17 de Novembro, e também por correio electrónico, em 18 de Novembro de 2009.
192. O Demandante não cumpriu com a instrução relativa à separação dos custos de manutenção preventiva e correctiva e também não cumpriu com as instruções dadas por correio electrónico de 18 de Novembro de 2009, sobre o investimento de capital.
193. A instrução de "separar" (ou seja, dividir, abordar a questão em separado) não podia ser entendida como um acordo da omissão do investimento de capital.
194. A discriminação das despesas de manutenção entre manutenção correctiva e preventiva não é uma exigência especial do Demandado, mas um requisito comum na gestão das instalações.
195. Tendo em conta que o universo de potenciais fornecedores e o Material Circulante é determinável logo desde o início, dados os requisitos específicos da Proposta de Material Circulante e Sistemas (RS&S), e sem demasiadas discrepâncias, foi possível efectuar projecções fiáveis (embora o Demandado tenha a noção de que não é possível 100% de fiabilidade) e, por conseguinte, não foi necessário esperar pelos resultados do Concurso para o RS&S.
196. Assim, a discriminação dos custos de manutenção em manutenção correctiva e preventiva deveria fazer parte dos estudos financeiros, logo desde o início.
197. Como consultor profissional, o Demandante não deveria necessitar de instruções detalhadas do Demandado para cumprir com as suas obrigações. Devia alertar, aconselhar e informar o Demandado de todos os dados necessários relativos ao COB, designadamente formas viáveis e realistas de investimento de capital e de balanço da operação, considerando diferentes cenários.
198. O método de cálculo do montante da sanção é uma fórmula matemática, conforme estabelecido na Cláusula 20 do Contrato, que não aplica factores de proporcionalidade e dano.”
Pelo expendo, procedendo os argumentos do Recorrente/Consórcio, julga-se procedente o recurso por ele interposto, mantendo-se a decisão do tribunal arbitral por os elementos dos autos apontarem para o mesmo sentido da decisão, inexistem dados que autorizem uma decisão em sentido contrário.
*
Síntese conclusiva:
I – Nos termos do disposto no artigo 39º-A, introduzido pelo DL nº 110/99/M, de 13 de Dezembro, podem ser objecto de arbitragem as questões decorrentes dos contratos administrativos, nomeadamente as tangentes à interpretação e validade das cláusulas contatutais.
II – Uma vez que as partes acordaram uma cláusula com o seguinte teor: “qualquer litígio relativo à interpretação, validade ou execução do presente contrato, que não seja possível por acordo das partes, será submetido a uma comissão arbitral, com sede na RAEM constituído por três árbitros, sendo um nomeado por cada uma das partes, e o terceiro, que funcionará como presidente, por acordo entre os dois primeiros” (cláusula 30ª do contrato), tal deve entender-se abranger a matéria de aplicação de multa com base nesses mesmo contrato, já que é matéria situada no âmbito da execução do contrato, para além de tal possibilidade estar expressamente prevista no próprio contrato.
III – Aplicada uma multa nos termos fixados no respectivo contrato de empreitada pelo dono de obra, tal decisão sancionatória pode ser objecto de arbitragem nos termos da cláusula acima citada, ainda que se entenda que tal acto aplicador de multa seja um acto administrativo destacável, a competência de intervenção do tribunal (ou comissão) arbitral resulta da vontade atribuidora das partes e com base na cláusula expressamente acordada para este efeito.
IV – A possibilidade de submeter a uma comissão arbitral uma sanção pecuniária aplicada com base no contrato administrativo não colide com o artigo 113º do CPAC, já que são meios diferentes para resolver litígios entre as partes e os requisitos exigidos são diferentes. Na falta de elementos para concluir pela ilegalidade da decisão arbitral (em matéria da aplicação de sanção), é de a manter.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em:
1) - Negar provimento ao recurso inerposto pela Autora/RAEM, mantendo-se a decisão na parte recorrida.
*
2) – Conceder provimento ao recurso interposto pelo Recorrente/Consórcio, revogando-se a decisão do TA na parte que anulou a decisão arbitral (tendo esta revogado a decisão da aplicação da multa por não estarem reunidos os pressupostos exigidos), mantendo-se a decisão proferida pela respectiva comissão arbitral.
*
*
Custas por ambas as partes na proporção de decaimento.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 19 de Março de 2020.
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
1 Cfr.《Justiça Arbitral Em Macau, A Arbitragem Voluntária Interna, Anotações ao Decreto-Lei n.º 29/96/M, de 11 de Junho》, Cândida da Silva Antunes Pires e Álvaro António Mangas Abreu Dantas, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2010, p. 202 a 203.
2 Cfr. obra citada, p. 206.
3 Cfr. obra citada, p. 209 a 210.
4 Cfr. obra citada, p. 214.
5 Cfr. obra citada, p. 209 a 210.
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2019-1186-arbitragem-acto-adm-REAM-MP 87