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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, Subchefe do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 7 de Fevereiro de 2007, que negou provimento a recurso hierárquico de despacho do Comandante do CPSP, que aplicou ao recorrente a pena disciplinar de 5 dias de multa.
Por acórdão de 31 de Janeiro de 2008, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
Termina a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
A) O despacho recorrido alegou a Ordem Executiva n.º 13/2002 como o seu fundamento legal de punição, fazendo com que os direitos do particular sejam prejudicados, pelo que, as autoridades devem responder pelas consequências legais resultantes do “erro na escrita”, devendo o despacho recorrido ser anulado.
B) O recorrente não pôde observar as ordens do superior hierárquico, uma vez que, caso as observasse, poderia causar a morte ou danos graves à integridade física dos guardas, e incorreria em responsabilidade penal (como autor material de cinco crimes de homicídio ou ofensa à integridade física doloso ou negligente), pelo que, nos termos do artigo 35.º, n.º 2 do CP, o recorrente não se obrigava a obedecer às mesmas ordens ou comandos.
C) Mesmo que não concordasse com essa ideia, entendia o recorrente que verifica-se aqui o conflito de deveres (o dever de observar as ordens do superior hierárquico e o de respeitar/não violar o direito à vida e à saúde dos subalternos), situação essa que está prevista no artigo 35.º, n.º 1 do CP, pelo que, o recorrente não pode ser imputado.
D) Recaía sobre o recorrente, ao mesmo tempo, o dever de cumprir as ordens do superior e de não prejudicar a integridade física dos colegas. Surge assim, segundo a doutrina, o conflito de deveres, uma vez que o cumprimento dum dever implica inevitavelmente a violação do outro dever.
E) A lei nada diz sobre como fazer a escolha entre os dois deveres, pelo que, basta escolher um deles, já exclui a ilicitude da conduta. Assim sendo, o recorrente não devia ser punido.
F) Pelo acima exposto, o acórdão recorrido violou (ou aplicou erradamente) o disposto no artigo 35.º, n.º 1 e n.º 2 do CP.

A Ex.ma Procuradora-Adjunta emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.
II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
A) Em 16 e Novembro de 2006, o Comandante do CPSP proferiu o seguinte despacho:
“1. Em 7 de Julho de 2006, o suspeito subchefe n. ° XXXXXX A foi cometido de desempenhar as funções de Graduado de dia (Mickey-30) do Comissariado Policial n. ° 3, a trabalhar das 0h00 às 8h00 de manhã.
2. Pela uma hora da madrugada, o suspeito telefonou ao Chefe do Comissariado Policial n. ° 3 o comissário B, dizendo que muitos colegas já tinha pedido ausência por doença e que muitos precisavam de ir à consulta médica. B deu uma explícita instrução ao suspeito n. ° 1 para que este dispusesse os colegas a ir às consultas em ocasiões separadas, e que cada vez só poderia haver duas pessoas a deixar o posto de trabalho.
3. Pelas duas horas de madrugada, o 1.° suspeito violou a instrução do comissário B, dispondo cinco guardas a deixar o seu posto de trabalho ao mesmo tempo, os quais voltaram para o Comissariado Policial n.° 3, preparando-se para ir ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário de modo a ter consultas médicas.
4. Além disso, de acordo com a gravação de chamadas telefónicas fornecidas pela Direcção dos Serviços das Forças de Segurança, sabe-se que às 2h15 de madrugada o suspeito n.° 1 por walkie-talkie mandou o Mickey-91 a transferir o seu trabalho para outros comissariados, sem ter tido previamente a autorização do superior, dizendo que o respectivo comissariado já estava “paralisado”.
5. De acordo com as declarações prestadas pelo 1.° suspeito, ele sabia que o Comissariado não tinha agentes suficientes. No entanto, violando as instruções do superior hierárquico, ele ordenou ao mesmo tempo cinco guardas em serviço a deixarem o seu posto de trabalho e voltarem ao Comissariado de modo a preparar-se para ir às consultas médicas no Centro Hospitalar de Conde São Januário, anunciando logo a seguir, através de walkie-talkie, que o Comissariado n. ° 3 se encontrava “paralisado”. O 1.° suspeito bem sabia que na altura havia muitos superiores hierárquicos que estavam no Comissariado a conhecer e tratar de assuntos, e que o Comissário B já o tinha convocado no seu gabinete, porém, em relação aos respectivos factos, ele, em vez de ir pedir instruções do seu superior hierárquico de imediato, declarou infundamentada, arbitrária, e pessoalmente “paralisado” o Comissariado. As suas condutas, para além de terem causado um mal-entendimento desnecessário aos outros guardas em serviço, influenciaram também gravemente o normal funcionamento do Comissariado. Os respectivos factos foram posteriormente objecto de muitas reportagens pelos média.
6. Esses comportamentos do 1.° suspeito já constituem violação aos dispostos no artigo 6.°, n. ° 2, alínea a), artigo 7.°, n. ° 2, alínea d), e artigo 8.°, n. ° 2, alíneas e) e 1) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, homologado pelo Decreto-lei n. ° 66/94/M de 30 de Dezembro.
7. No prazo legal, o 1.° suspeito apresentou defesa por escrito contra a acusação. No entanto, na respectiva defesa ele não deu explicações razoáveis ou aceitáveis em relação aos seus comportamentos de infracção disciplinar.
8. Portanto, os factos de infracção disciplinar pelos quais o suspeito foi acusado são verdadeiros, e o suspeito tem responsabilidade inesquivável. Ponderada a gravidade das circunstâncias da infracção, e tendo em conta as circunstâncias atenuantes referidos no artigo 200.°, n. ° 2, alínea h) do EMFSM, e agravantes previstos no artigo 201.°, n. ° 2, alíneas b), d) e f), aplica-se, com os direitos atribuídos pelo artigo 211.° do EMFSM, e nos termos dos artigos 219.°, alínea c) e 235.° do mesmo estatuto, uma “multa de cinco dias” ao 1.° suspeito A, Subchefe n. ° XXXXXX.”
B) Interposto recurso hierárquico pelo ora recorrente, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho, em 25 de Janeiro de 2007:
“Despacho n.° XX/XX/XXXX

  Assunto: Recurso hierárquico
  Recorrente: Subchefe n.o XXXXXX. A do CPSP
  Acto Recorrido: Despacho punitivo do Comandante do CPSP

O recorrente impugna o despacho do comandante do Corpo de Segurança Pública de 16.11.2006, proferido nos autos de processo disciplinar n.° XXX/XXXX e através do qual foi punido com a pena de multa correspondente a 5 dias vencimento.
Pese embora a singeleza da sua petição de recurso cremos remeter-se, o recorrente. à sua alegação na oportunidade da defesa escrita, bem como ao facto de, em seu entender, ter agido em cumprimento da lei, pelo que solicita o arquivamento dos autos.
Ora, a factualidade pela qual o arguido foi acusado (fol. 148 e 149) encontra-se suportada pela prova feita nos autos, porquanto, tendo recebido instruções específicas quanto ao modo de actuação na situação que deu lugar ao incidente (declaração de doença impeditiva de cumprimento da missão de serviço, simultaneamente, por parte de vários agentes), optou por não as cumprir, antes as contrariando e permitindo que os mesmos se ausentassem conjuntamente para o hospital, desguarnecendo o policiamento da área da respectiva circunscrição policial.
O arguido sustentou a sua defesa na impossibilidade de impedir os agentes de acederem aos cuidados de saúde, mas o certo é que as medidas recomendadas permitiram que os mesmos recorressem à assistência sem prejudicarem de forma tão drástica o serviço, como resulta dos autos.
Ao adoptar uma conduta revel às orientações que lhe foram superiormente emanadas, permitindo que a ausência colectiva pusesse em risco o bom funcionamento do serviço, o arguido constituiu-se em desobediência, na forma como tipificada na alínea a) do n.° l do artigo 6° do EMFSM, aprovado pelo DL n.° 66/94/M, de 30 de Dezembro, para além de ter excedido a sua competência própria limitada, no mínimo, pelas instruções a que desobedeceu, assim se constituindo, ainda em infracção ao disposto na alínea d) do n°. 2 do art. 7° do mesmo diploma. Isto para além de e cumulativamente, ter infringido, o disposto na alínea e) do n. ° 2 do art. 8° também daquele EMFSM.
A conduta do arguido resulta ainda agravada pelas circunstâncias constantes das alíneas b) (acto de serviço); d) (prejuízo da honra e do brio do serviço) e f) (prejuízo para o serviço), todas do n.° 2 do art. 201° do EMFSM, sendo que apenas o favorece circunstância da alínea I) (recompensas antecedentes).
E, assim, com a ressalva da modificação da qualificação jurídica dos deveres infringidos pela forma como acima vem descrita., usando da competência que me é conferida pela Ordem Executiva n.° 13/2002, Nego Provimento ao presente recurso hierárquico.
Este é o acto recorrido.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
Trata-se de saber se o facto de o acto recorrido, a propósito da invocação da competência que lhe é conferida por delegação de competência, ter referido a Ordem Executiva n.º 13/2002 em vez da Ordem Executiva n.º 13/2000 tem algumas consequências, designadamente em termos de ilegalidade do acto administrativo.
A segunda questão é a de saber se o Acórdão recorrido violou a lei ao não considerar que o recorrente não estava obrigado a obedecer às ordens superiores, por haver um conflito de deveres.

2. Lapso de escrita
Quanto à primeira questão, nenhuma censura merece o Acórdão recorrido ao dizer que o lapso de escrita da entidade recorrida não é relevante, já que o recorrente percebeu perfeitamente que esta entidade actuava por delegação de competência.
Aliás, nenhuma questão colocou o recorrente quanto à competência do autor do acto administrativo, pelo que não se percebe a sua insistência em pormenores formais sem nenhum interesse quanto a saber se ele foi ou não bem punido disciplinarmente.

3. Conflito de deveres
No que se refere aos factos que estão na base da questão, este TUI não tem poder de cognição, como tem repetidamente mencionado em Acórdãos anteriores.
Ora, o Acórdão recorrido concluiu que “em lado algum dos autos se comprova o perigo de vida ou da integridade física na pessoa dos agentes envolvidos, sendo que esse era facto cuja prova lhe (ao recorrente) cabia...”.
Logo, não se detecta qualquer conflito de deveres, a que o recorrente estivesse obrigado, nem, portanto, violação do art. 35.º do Código Penal.
Por outro lado, também é de concordar com a análise que o mesmo Acórdão do TSI faz a propósito da situação, expressamente mencionando que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 203.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança, que regula a situação de exclusão da responsabilidade do militarizado que actue no cumprimento de ordens ou instruções de serviço.
Não merece provimento o recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
Macau, 23 de Julho de 2008.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai – Chu Kin

A Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei




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Processo n.º 21/2008