Proc. nº 734/2019
Recurso Jurisdicional em matéria administrativa
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Março de 2020
Descritores:
- Domicílio permanente
- Certificado de confirmação do direito de residência
- Audiência de interessados
SUMÁRIO:
I - Para efeitos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea 9), da Lei n.º 8/1999, tem domicílio permanente ou definitivo em Macau quem, além de residir habitualmente em Macau, tem aqui centrada a sua economia doméstica, quem tem em Macau o centro da sua vida profissional e familiar (ou, quem não exercendo profissão em Macau, possui meios de subsistência estáveis), quem paga os seus impostos em Macau, com intenção de aqui permanecer definitivamente.
II - Segundo uma corrente de pensamento, a audiência prévia de interessados que se limite a ser um mero formalismo inócuo, em que o órgão desconsidera, com o seu silêncio, as questões suscitadas pelo administrado, faz incorrer o acto final em falta de fundamentação.
III - Quando o tribunal chega à conclusão de que o acto foi bem praticado, dentro dos poderes vinculativos que lei impunha ao seu autor, deixa de justificar-se a anulação do acto, em obediência a princípios gerais como o da economia, eficiência e celeridade, mas também a princípios especiais em matéria administrativa, como seja o de aproveitamento do acto administrativo, degradando-se, em tal hipótese, em formalidade não essencial.
Proc. nº 734/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, filha de B, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente nº XXXX e marido C, portador do Bilhete de Identidade de Residente nº XXXX, casados no regime da separação de bens, ambos residentes na XXXXXX, em Macau, e por estes representada, ------
Interpôs no Tribunal Administrativo (Proc. nº 1057/13-ADM) recurso contencioso do despacho de 7 de Novembro de 2013 da Subdirectora da Direcção dos Serviços de Identificação da Região Administrativa Especial de Macau ---
Que indeferiu o pedido de emissão de “Certificado de Confirmação do Direito de Residência nº XXXX”.
Além do pedido anulatório, pediu ainda, a final, a condenação da entidade recorrida na prática do acto devido, consubstanciado na prática de acto que, em substituição do impugnado, determine o deferimento do pedido de confirmação de direito de residência acima assinalado.
*
Por sentença de 20/03/2019, foi o recurso contencioso julgado procedente e anulado o acto sindicado, com fundamento em vícios de forma (preterição de audiência de interessados e falta de fundamentação), por violação do art. 10º do CPA e por vício de violação de lei, por desrespeito pelo art. 5º da Lei da Nacionalidade, julgando, porém, improcedente o 2º pedido cumulado.
*
Face a tal sentença, vem a entidade administrativa apresentar recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
“(1) O ponto de vista da sentença recorrida violou o art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», o art.º 1.º dos «Esclarecimentos», e o art.º 1.º, n.º 1, al. (4) a (6) da Lei n.º 8/1999 e o respectivo ratio legis.
1. Entende a sentença recorrida que a mãe não fez opção de nacionalidade, pelo que aos filhos não é aplicável o disposto na «Lei da Nacionalidade», e é equivoco o esclarecimento feito pela sentença recorrida sobre o art.º 1.º, n.º 2 dos «Esclarecimentos» quanto ao direito dos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa à escolha de nacionalidade. Não sabemos se a sentença recorrida considera que os filhos dos residentes de ascendência chinesa e portuguesa nascidos no estrangeiro não necessitam da confirmação nos termos do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», mas sim directamente gozam do direito à escolha de nacionalidade nos termos do art.º 1.º, n.º 2 dos «Esclarecimentos»?
2. Caso assim considere a sentença recorrida, tal entendimento viola o art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», o art.º 1.º dos «Esclarecimentos» e o seu ratio legis.
3. Nos termos do art.º 1.º da «Lei da Nacionalidade», qualquer pessoa que alegue ter nacionalidade chinesa, só pode confirmá-la nos termos da «Lei da Nacionalidade».
4. A «Lei da Nacionalidade» aplica-se na RAEM a partir do regresso de Macau à China, tendo em consideração o pano de fundo histórico e a realidade de Macau, a fim de proteger os interesses das pessoas de ascendência chinesa e portuguesa, o legislador visa resolver de forma flexível a nacionalidade dos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa, através dos «Esclarecimentos».
5. O conteúdo dos «Esclarecimentos» mostra expressamente o ratio legis, nos quais o art.º 1.º, n.º 1 define o âmbito de cidadãos chineses entre os residentes de Macau, além disso, a fim de respeitar a vontade dos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, os quais não são considerados directamente como cidadãos chineses devido à sua origem que possua ascendência chinesa. O n. º2 do mesmo artigo atribui-lhes o direito de optar pela nacionalidade chinesa ou portuguesa, também não há prazo para a opção de nacionalidade.
6. É de salientar que, quanto ao direito de escolher nacionalidade, logicamente, os pressupostos de escolha consistem em que deve-se possuir os elementos susceptíveis de escolha, ou seja os residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa podem fazer a escolha entre duas nacionalidades nacionalidade desde que já tenham nacionalidade chinesa ou portuguesa.
7. Pelo acima exposto, só podem os residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa, que possuem nacionalidade chinesa nos termos da «Lei da Nacionalidade», ter o direito de escolher nacionalidade nos termos do art.º 1.º, n.º 2 dos «Esclarecimentos». Para os residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa sem nacionalidade chinesa, os quais não têm o supracitado direito de fazer opção de nacionalidade, consoante apenas sua ascendência chinesa e portuguesa e o estatuto dos residentes de Macau, de tal modo a optar indirectamente pela nacionalidade chinesa.
8. O artigo 5.º da «Lei da Nacionalidade» adopta o princípio do direito de sangue conjugado com o direito de solo, pelo que, mesmo que os filhos dos cidadãos chineses nascidos no estrangeiro também devem confirmar se têm nacionalidade chinesa nos termos do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade». Igualmente, os filhos dos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora de Macau também devem confirmar se têm nacionalidade chinesa nos termos do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade».
9. Nos termos do art.º 1.º, n.º 1 da Lei n.º 8/1999, o legislador classifica os residentes permanentes de Macau em cidadãos chineses, indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, cidadãos portugueses e indivíduos de outra nacionalidade, pelo que, segundo as condições necessárias para indivíduos de todos os tipos requererem o estatuto de residente permanente de Macau, evidentemente o legislador não tinha intenção de colocar a posição dos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa superior à dos cidadãos chineses.
10. Os residentes permanentes de Macau previstos no art.º 1.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 8/1999, ou seja o requisito para os filhos dos cidadãos chineses previstos na al. 1) e 2), é “de nacionalidade chinesa”. Quanto à nacionalidade dos filhos dos cidadãos chineses nascidos no estrangeiro, a qual também deve ser confirmada nos termos do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade».
11. Os residentes permanentes de Macau previstos no art.º 1.º, n.º 1, al. 6) da Lei n.º 8/1999, ou seja o requisito para os filhos dos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora de Macau, é “de nacionalidade chinesa ou ainda não faz opção de nacionalidade”, os quais devem, igualmente, confirmar se têm nacionalidade chinesa nos termos do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», e caso tenham nacionalidade chinesa, podem ter direito a optar pela nacionalidade chinesa ou portuguesa, nos termos do art.º 1.º, n.º 2 dos «Esclarecimentos».
12. Isto é, quer sejam os filhos dos residentes de Macau de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, quer sejam os dos residentes de Macau de ascendência chinesa ou portuguesa nascidos fora de Macau, igualmente devem confirmar se têm nacionalidade chinesa nos termos do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade». E quando tenham nacionalidade chinesa, já reúnem os requisitos de “nacionalidade chinesa” e de “nacionalidade chinesa ou não se faz a opção de nacionalidade” previstos na al. 3) ou al. 6).
13. Pelo que, não resta dúvida de que a nacionalidade dos filhos dos residentes de Macau de ascendência chinesa ou portuguesa nascidos fora de Macau e a dos filhos dos residentes de Macau de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau devem ser confirmadas segundo o mesmo fundamento jurídico - «Lei da Nacionalidade».
14. Caso a sentença recorrida entenda que os filhos dos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora de Macau têm a nacionalidade chinesa sem que seja feita a confirmação através do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade» e que directamente têm direito a optar nacionalidade nos termos dos «Esclarecimentos», de tal modo a reunir o disposto na al. 6), então essa condição evidentemente se toma mais privilegiada de que os filhos dos residentes de Macau de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau.
15. Uma vez que os filhos dos residentes de Macau de nacionalidade chinesa nascidos no estrangeiro onde os progenitores fixaram residência, têm nacionalidade estrangeira por causa do nascimento (local de residência) e não têm nacionalidade chinesa, nos termos da parte inferior do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade».
16. Daí podemos verificar que nos termos da «Lei da Nacionalidade», mesmo que os filhos dos residentes de Macau de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau também podem não ter nacionalidade chinesa, mas se se considera que não é aplicável a «Lei da Nacionalidade» aos filhos dos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora de Macau, mas podem os quais, nos termos do art.º 1.º, n.º 2 dos «Esclarecimentos», indirectamente obter o direito de opção de nacionalidade, quer dizer, os filhos dos residentes de Macau de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau têm possibilidade de perder a nacionalidade chinesa, mas os filhos dos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora de Macau têm necessariamente a nacionalidade chinesa.
17. Considera a recorrente que isto é inaceitável e que evidentemente tal entendimento viola o disposto no art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade» e no art.º 1.º dos «Esclarecimentos».
18. Além disso, para os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa que não tenham nacionalidade chinesa por não reunirem a «Lei da Nacionalidade», caso os mesmos tenham o direito a optar pela nacionalidade chinesa nos termos dos «Esclarecimentos», de modo a que reúnam o disposto na al. 6) e possuam o estatuto de residente permanente de Macau, e depois de adquirido o estatuto de residente permanente de Macau, se os quais optarem pela nacionalidade chinesa nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 7/1999, então não reuniriam o disposto na «Lei da Nacionalidade», sendo isso evidentemente contrário à lógica e à «Lei da Nacionalidade».
19. É de salientar que qualquer pessoa não reúne a «Lei da Nacionalidade», não tem nacionalidade chinesa e mesmo que sejam os residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa, também não gozam de um tratamento excepcional na aquisição da nacionalidade chinesa.
20. Macau é um território da China, sendo necessário que os cidadãos chineses desfrutem do mais alto tratamento na China. Embora exista problema com descendentes portugueses de ascendência chinesa e portuguesa devido a razões históricas, os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa não gozam de um tratamento mais elevado de que -os cidadãos chineses.
21. Daí podemos verificar que não procede o que entende a sentença recorrida que o direito dos residentes de Macau de ascendência chinesas e portuguesa a fazer opção de nacionalidade não depende de possuir a nacionalidade chinesa nos termos da «Lei da Nacionalidade», sendo isso uma errada interpretação do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade» e do art.º 1.º dos «Esclarecimentos», também contrário ao seu ratio legis.
22. Se for feita uma interpretação tal como a da sentença recorrida - não é aplicável a «Lei da Nacionalidade» aos filhos por causa de a mãe não ter optado pela nacionalidade chinesa, daí resultará um vazio jurídico quanto ao reconhecimento da nacionalidade dos filhos, privando-os da possibilidade de adquirir a nacionalidade chinesa.
23. Nos termos do art.º 1.º, n.º 1, al. 6) da Lei n.º 8/1999, os filhos dos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa nascidos fora de Macau têm que reunir as condições seguintes para adquirir o estatuto de residente permanente de Macau:
1) Possuem os requerentes a nacionalidade chinesa ou ainda não fazem opção de nacionalidade;
2) À data do nascimento, o pai ou a mãe já satisfazia os critérios previstos nas al. 4) ou 5).
3) Declaram o seu domicílio permanente em Macau.
24. Nos termos da lei, os filhos dos residentes de Macau referidos nas 4) e 5), de ascendência chinesa e portuguesa, nascidos fora de Macau possuem o estatuto de residente permanente de Macau, desde que reúnam a al. 6). Contudo, a lei não exige aos pais que devam optar primeiramente pela nacionalidade chinesa.
25. Daí podemos verificar que o legislador visa conceder um prazo não fixado aos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa que reúnam al. 4) e 5) e que ainda não façam a opção de nacionalidade, de modo a que os mesmos possam continuar manter o seu estado de nacionalidade “não seleccionada”.
26. Quanto aos residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa referidos nas al. 4) e 5) que ainda não fazem opção de nacionalidade, a lei não lhes exige que optem pela nacionalidade chinesa para que os seus filhos nascidos fora de Macau se tomem como residentes permanentes de Macau, pelo que se se exige aos supracitados residentes de Macau que optem primeiramente pela nacionalidade chinesa nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 7/1999 para que os seus filhos nascidos fora de Macau possuam o estatuto de residente permanente de Macau nos termos da al. 6), isto não só viola o ratio legis do art.º 1.º, n.º 1, al. 6) da Lei n.º 8/1999, como também viola a disposição de não haver prazo para opção de nacionalidade prevista nos “Esclarecimentos”, privando os residentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa referidos nas al. 4) e 5) do direito de não fazer opção de nacionalidade.
27. Com base nisso, o que julgou erradamente a sentença recorrida que à requerente não é aplicável o art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», viola o art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», o art.º 1.º dos Esclarecimentos, os art.ºs 1.º, al. 4) a 6) da Lei n.º 8/1999 e seu ratio legis.
(2) A decisão da recorrente tem fundamentos e fundamentação suficientes, não padecendo do vício de falta de fundamentação alegada pela sentença recorrida, e pelo que a sentença recorrida incorreu em erro no julgamento
28. Quanto a que alega a sentença recorrida que a decisão da recorrente padeceu do vício de falta de fundamentação, e mais entende que a recorrente não tomou em consideração todos os factos nos autos (incluindo que a mãe está agora empregada numa instituição sediada em Macau), pelo que, quanto aos fundamentos quer jurídico quer factual, não bastam justificar a decisão de recusa, e mais alega que não tem valor relevante a apreciação do estatuto de residente permanente da mãe da requerente por parte da recorrente, também não entende qual a razão que a recorrente exigiu que a mãe da requerente fornecesse prova que não fixe residência em Portugal no momento do nascimento da requerente. Contudo, a recorrente não se conforma com isso, considerando que o reconhecimento errado da sentença recorrida constituiu erro de julgamento.
29. De facto, segundo os ofícios dirigidos à mãe da requerente sobre a notificação de alegação escrita e do indeferimento, bem como da resposta à reclamação da mãe da requerente, neles tendo a recorrente já indicado que a decisão de não ter emitido à requerente a certidão de confirmação do direito de residência, foi devido a que a sua mãe fixou residência em Portugal à data do nascimento da requerente e que a requerente possui a nacionalidade portuguesa, nos termos do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», a requerente não possui a nacionalidade chinesa. Nos ofícios, a recorrente já analisou de forma pormenorizada a razão como determinou a fixação de residência da mãe da requerente em Portugal, e especificou os fundamentos jurídicos que a requerente não possui a nacionalidade chinesa e não tem o estatuto de residente permanente de Macau.
30. Mesmo que a sentença recorrida não aceitasse a justificação feita pela recorrente sobre a fundamentação, não quer dizer que a recorrente não tenha feito a fundamentação ou a tenha feito insuficientemente.
31. Não é importante o que a mãe da requerente está a trabalhar numa instituição sediada em Macau, o ponto-chave é a situação de residência da mãe à data do nascimento da requerente sendo isso exigida na lei, pelo que a situação actual de residência da mãe da requerente não tem nada a ver com a condição de requerimento, também não há necessidade de discussão sobre isso.
32. A recorrente não expôs directamente a conclusão de indeferimento, mas sim fez fundamentação sobre os factos apurados no caso concreto e explicou claramente os fundamentos de facto e de direito do acto por si praticado, devendo a justificação respectiva ser capaz de permitir à mãe da requerente saber a razão sobre a decisão de indeferimento tomada pela recorrente.
33. Com base nisso, não existe a insuficiência dos fundamentos de facto e de direito para a decisão de indeferimento tal como alegada pela sentença recorrida, também não existe na decisão da recorrente a falta de consideração dos fundamentos da mãe da requerente, nem sequer o vício da falta de fundamentação alegada pela sentença recorrida, pelo contrário, a decisão tomada pela recorrente tem fundamentos e fundamentação suficientes.
34. A recorrente tem que esclarecer que, face ao estatuto de residente permanente de Macau da mãe da requerente, a recorrente não tem intenção de analiser ou pôr em causa, dado que tal estatuto já foi confirmado juridicamente, a mãe da requerente goza do direito de residência permanente em Macau, pelo que à data do nascimento da requerente a mãe já reuniu a disposição sobre a residente permanente de Macau prevista no art.º 1.º, n.º 1, al. 4) e 5) da mesma lei.
35. Nos autos, se a requerente possui o estatuto de residente permanente de Macau, o ponto crucial reside em que se a mesma possui a nacionalidade chinesa, nos termos do art.º 5 da «Lei da Nacionalidade», o elemento essencial para determinar se a requerente possui a nacionalidade chinesa é o estado de residência da mãe da requerente quando a requerente nasceu em Portugal, sendo isso também a causa de a recorrente exigir que a mãe da requerente apresente a prova de que não fixe residência em Portugal à data do nascimento da requerente em Portugal.
36. Diz a sentença recorrida que a mãe da requerente já manifestou adequadamente a sua posição na alegação escrita e apresentou documentos para provar que ela sempre estava em Macau e actualmente tinha profissão estável em Macau. Mas a recorrente não se conforma com isso.
37. Na realidade, a mãe da requerente sempre não consegue apresentar qualquer prova de que não tivesse fixado residência em Portugal à data do nascimento da requerente, os documentos por si apresentados não provam que ela sempre estava em Macau tal como indicado pela sentença recorrida, e além da alegação escrita, a mesma só conseguiu provar documentalmente que estava empregada numa instituição de Macau desde 2013.
38. A mãe da requerente nasceu em Macau e detinha o bilhete de identidade de residente de Macau antes de regresso de Macau à China, pertencendo ao tipo dos indivíduos que regressaram a Macau do estrangeiro depois do regresso de Macau a China. Em 2003 foi a Portugal para frequentar o curso de formação de juiz de direito e posteriormente foi nomeada como juiz estagiária em Portugal onde permaneceu obrigatoriamente havia cinco anos. Não regressou a Macau para a substituição do bilhete de residente permanente de Macau por vários anos. Em 2007, a requerente nasceu em Portugal, e em 2008 a mãe da requerente regressou a Macau para pedir a substituição do bilhete de identidade de residente permanente de Macau e no mesmo ano, foi nomeada como juiz em Portugal. Em 2010 deu à luz outra vez uma filha em Portugal e em 2012 casou-se com o pai da requerente em Portugal e depois, em 2013 foi empregada numa instituição em Macau.
39. Daí podemos verificar que para além de deter o bilhete de identidade de residente de Macau, a mãe da requerente não tem uma ligação efectiva com Macau à data do nascimento da requerente.
40. É de salientar que a mãe da requerente goza do direito de residência em Portugal onde também pode residir legalmente. Segundo a trajectória de vida da mãe da requerente, é capaz de mostrar que ela tinha o seu centro de vida concreta e estável em Portugal, razão pela qual a recorrente acredita razoavelmente que à data do nascimento da requerente em Portugal, a mãe ali fixava residência, pelo que não é acreditável a declaração prestada pela mãe da requerente quanto à sua ausência provisória de Macau.
41. Com base nisso, nos termos do art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», a requerente não possui a nacionalidade chinesa e por consequência não tem direito a fazer opção de nacionalidade nos termos do art.º 1.º, n.º 2 dos «Esclarecimentos», pelo que a requerente não reúne o disposto no art.º 1.º, n.º 1 al. 6) da Lei n.º 8/1999, não possui o estatuto de residente permanente de Macau, pelo que nos termos da lei, a recorrente não lhe emitiu a certidão de confirmação do direito de residência.
(3) Constitui o erro de julgamento e viola o princípio do aproveitamento dos actos administrativos o que a sentença recorrida julgou que a recorrente não tinha realizado audiência à interessada, considerando que o incumprimento do respectivo procedimento legal produziu efeito de anulabilidade
42. A recorrente, antes de tomar a decisão de indeferimento, já notificou a mãe da requerente para a realização de audiência escrita nos termos dos art.ºs 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo. Mesmo que a recorrente ainda não tenha apreciado as informações apresentadas pela mãe da requerente para a audiência, quando determinou não emitir à requerente a certidão de confirmação do direito de residência, a recorrente não considera que a não apreciação da respectiva alegação escrita levou a que na respectiva decisão a requerente tenha sido privada do seu direito de participação no procedimento administrativo, violando o princípio da participação previsto no art.º 10.º do Código do Procedimento Administrativo.
43. Uma vez que, após a decisão de indeferimento da recorrente, a mãe da requerente apresentou reclamação, e nessa fase, a recorrente voltou a apreciar sinteticamente todos os documentos existentes nos autos incluindo a alegação e informações apresentadas pela mãe da requerente para a audiência e reclamação. A recorrente só rejeitou a reclamação da mãe da requerente e manteve a decisão original de indeferimento, depois de ter analisado plenamente os fundamentos de facto e de direito apresentados pela mãe da requerente.
44. Na fase de impugnação administrativa, a mãe da requerente já se pronunciou completamente sobre a decisão, a recorrente já fez uma análise completa, o direito de defesa da mãe da requerente também estava garantido, pelo que a recorrente não privou a mãe da requerente do direito de audiência, também não existe a violação do princípio da participação por falta de audiência.
45. Caso os meritíssimos juízes não se conformem com o supracitado entendimento, devido ao acto vinculado e segundo o princípio do aproveitamento dos actos administrativos, a audiência da interessada pode degradar-se em formalidade desnecessária, pelo que não deve a sentença recorrida anular a decisão da recorrente por não ter realizado a audiência.
46. Diz o Tribunal de Segunda Instância no acórdão n.º 799/2012 que segundo a teoria do aproveitamento do acto anulável, mesmo que a Administração tenha realizado inadequadamente ou omitido a audiência antes de tomar a decisão, também pode o tribunal não anular a decisão, desde que o respectivo acto seja um acto administrativo vinculado e é seguro que depois de eliminar o vício de anulabilidade, a Administração vai praticar de novo o acto com o mesmo conteúdo.
47. Nos autos, a requerente não reúne o disposto no art.º 1.º, n.º 1, al. 6) da Lei n.º 8/1999, não possuindo a condição prevista no art.º 1.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 7/1999, pelo que, só cumpre à recorrente, nos termos da lei, não emitir à requerente a certidão de confirmação do direito de residência, nele não existindo qualquer espaço para escolha livre.
48. A decisão da recorrente de não emissão à requerente da certidão de confirmação do direito de residência pertence ao acto vinculado e/ou acto limitado.
49. Por outro lado, na fase de reclamação, a recorrente já apreciou os dados fornecidos pela mãe da requerente para a audiência, tendo posteriormente determinado manter a decisão de não emissão da certidão, pelo que, mesmo que a recorrente volte a realizar a audiência, também iria tomar a decisão com o mesmo conteúdo. Pelo que, nos termos do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, o procedimento de audiência da interessada pode degradar-se em formalidade desnecessária.
50. Quer dizer, em princípio, a audiência é uma formalidade essencial no procedimento administrativo, mas face ao acto vinculado, não é possível que a Administração tome uma decisão com outro conteúdo ou sentido, pelo que, o cumprimento inadequado ou omissão da audiência não prejudica a validade do acto administrativo.
51. Com base nisso, o que a sentença recorrida julgou que a falta de realização da audiência da interessada, como procedimento legal, por parte da recorrente, produziu o efeito de anulação, é um erro de julgamento, violando o princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
Pelo acima exposto, a recorrente não se conforma com a sentença recorrida, considerando que a sentença recorrida violou o art.º 5.º da «Lei da Nacionalidade», o art.º 1.º dos «Esclarecimentos», o art.º 1.º, n.º 1, als. 4) a 6) da Lei n.º 8/1999 e seu ratio legis, erradamente aplicando a lei e padecendo do vício de violação da lei, além disso, a sentença recorrida também constituiu erro de julgamento por ter julgado a falta de fundamentação da decisão da recorrente e entendido que a falta de audiência da interessada produziu efeito de anulação, violando o princípio do aproveitamentos dos actos administrativos, pelo que, requer aos meritíssimos juízes do Tribunal de Segunda Instância que julguem procedentes as motivações da recorrente, anulando a sentença recorrida.
Pede aos meritíssimos juízes que façam a costumada JUSTIÇA.”
*
Em resposta ao recurso jurisdicional, mas sem conclusões, a recorrente defendeu a manutenção da sentença impugnada, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“A Subdirectora dos Serviços de Identificação vem recorrer jurisdicionalmente da sentença de 20 de Março de 2019, do Tribunal Administrativo, que julgou procedente o recurso contencioso de anulação interposto por A, menor devidamente representada pelos seus progenitores, em que era visado o acto de 7 de Novembro de 2013, de indeferimento de pedido de emissão de certificado de confirmação do direito de residência.
Argumenta que aquela sentença padece de erros no julgamento dos vícios apreciados.
A requerente e recorrente contenciosa havia imputado ao acto a preterição da formalidade de audiência prévia, em violação do inerente direito de participação, bem como erro nos pressupostos. Vícios a que o Ministério Público aditou o de insuficiência de fundamentação.
A decisão recorrida acabou por dar guarida à pretensão anulatória, julgando procedentes tais vícios e anulando consequentemente o acto impugnado.
Constata-se que, na sua alegação de recurso jurisdicional, a ora recorrente arremete contra a sentença e contra os assacados erros de julgamento, trazendo a terreiro e reavivando argumentos que já esgrimira em sede de contestação.
Sobre os vícios do acto pronunciou-se oportunamente o Ministério Público, fazendo-o nos moldes do parecer de fls. 225 e seguintes, onde, de forma esclarecida, completa e proficiente, se pronuncia pela ilegalidade do acto, que considerou estar inquinado pelos vícios suscitados, entendimento que igualmente veio a ser consagrado na douta sentença recorrida.
Vai no mesmo sentido o nosso posicionamento, pelo que temos por bem chamar à colação aquele parecer, que, com a devida vénia, aqui convocamos em abono da decisão recorrida, o que conduz a que nos pronunciemos pela improcedência dos fundamentos do recurso jurisdicional.
Deve, pois, manter-se a sentença recorrida e negar-se provimento ao recurso jurisdicional.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
«1.º - B, mãe da recorrente, nasceu em Macau e é titular do BIR, tendo a emissão inicial verificada em 30/06/1983 com a última renovação verificada em 29/12/2008 (vide fls. 6 e 7 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2.º - A recorrente é filha de C e de B, e nasceu em Coimbra de Portugal em 22/10/2007 (vide fls. 11 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3.º - A mãe, em representação da recorrente, apresentou junto da Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) o requerimento do Certificado de Confirmação do Direito de Residência com os documentos comprovativos e declarações (vide fls. 3 a 20 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4.º - Por ofício n.º 08935/DIR/DR/2013 datado de 06/08/2013, os pais foram notificados para apresentar documentos comprovativos de que a mãe da recorrente não tinha fixado residência em Portugal à data de nascimento da recorrente (vide fls. 22 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
5.º - Em 02/09/2013, em resposta do solicitado, a mãe da recorrente apresentou uma declaração à DSI com os documentos comprovativos, pela qual informou que ela estava a residir temporariamente em Portugal à data de nascimento da recorrente, em virtude de se encontrar a frequentar o I Curso Especial de Formação de Magistrados para os Tribunais Administrativos e Fiscais e ter sido nomeada como Juiz de Direito em regime de estágio para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra em 07/01/2003, e posteriormente para o Tribunal Administrativo de Circulo de Coimbra em 22/09/2003, assim tendo obrigada a permanecer na magistratura por cinco anos (vide fls. 23 a 27 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
6.º - Por despacho proferido em 10/09/2013, a entidade recorrida determinou notificar a recorrente para a audiência escrita da decisão provável de indeferimento do requerimento em face ao disposto da alínea 6) do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999 (vide fls. 3v do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
7.º - Por ofício n.º 445/GAD/2013 datado de 21/10/2013, a entidade recorrida informou a mãe da recorrente para se pronunciar sobre o sentido provável do indeferimento do seu pedido de emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência (vide fls. 29 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
8.º - Em 05/11/2013, a mãe da recorrente apresentou junto da DSI, com os documentos comprovativos, a sua defesa escrita nos termos dos art.º 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo (vide fls. 31 a 43 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
9.º - Por despacho proferido em 07/11/2013, a entidade recorrida decidiu indeferir o requerimento da recorrente em virtude de não ser residente permanente nos termos do art.º 1, n.º 1, alínea 6), da Lei n.º 8/1999, tendo a mãe fixada a residência permanente em Portugal à data do nascimento da recorrente e a adquirição da recorrente de nacionalidade portuguesa por nascimento (vide fls. 3 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
10.º - Por ofício n.º 447/GAD/2013 datado de 07/11/2013, a entidade recorrida notificou a mãe da decisão de indeferimento do requerimento da recorrente da emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência (vide fls. 30 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
11.º - Em 28/11/2013, a mãe da recorrente, em representação desta, apresentou à entidade recorrida reclamação da referida decisão de indeferimento de emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência, com os documentos comprovativos (vide fls. 44 a 66 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
12.º - Em 10/12/2013, a recorrente, representada pelos seus pais, deduziu o presente recurso contencioso de anulação contra a decisão da entidade recorrida de 07/11/2013 (vide fls. 2 dos autos).
13.º - Por ofício n.º 575/GAD/2013 datado de 31/12/2013, a entidade recorrida notificou a mãe da sua decisão de indeferimento da reclamação deduzida pela recorrente e de manutenção da decisão impugnada (vide fls. 67 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
***
III – O Direito
1. O caso
A recorrente contenciosa, representada por sua mãe, pretendeu obter o certificado de confirmação do direito de residência à recorrente, pretensão que pelo acto em crise foi negado.
Face a essa decisão administrativa, foi interposto recurso contencioso para o T.A., em cuja petição lhe foram imputados os vícios seguintes:
- Violação dos arts. 10º e 93º do CPA, por desrespeito do dever de, após a audiência de interessados, considerar os argumentos levados pela recorrente ao procedimento no seguimento dessa formalidade.
- Erro nos pressupostos de facto e de direito, por não ter tido na devida conta a situação material da mãe da recorrente no momento do nascimento das filha, e por atentar, entre outros, contra os preceitos do art. 1º, nº1, als. 4) e 6) da Lei nº 8/1999, de 20/12 e do art. 5º Lei da Nacionalidade da RPC.
*
A sentença proferida no TA anulou o acto sindicado por violação dos arts. 93º e 10º do CPA, bem como por falta de fundamentação, nos termos do art. 115º, nº2, do CPA.
Para além disso, também entendeu que estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito para a obtenção do certificado de confirmação do direito de residência à recorrente.
*
2. Nota prévia
Se a recorrente tinha imputado aqueles referidos vícios, não se percebe muito bem a razão pela qual a anulação também teve a sua raiz na verificação do vício de forma por falta de fundamentação, sendo certo que este vício não é de conhecimento oficioso, dada a sanção invalidante a que ele tende (anulabilidade e não nulidade).
Nesse sentido, é possível, em tese, admitir-se a ocorrência de um vício de nulidade da sentença, por esta ter excedido os poderes de cognição que lhe cumpria respeitar (cfr. art. 571º, nº1, al. d), 2ª parte, do CPC).
É provável que o juiz da sentença tenha querido dizer que a Administração, ao não observar correctamente a audiência prévia, tenha feito o acto, tal como praticado, incorrer em falta de fundamentação. Na verdade, há uma corrente que se inclina para essa solução, ao assinalar que a audiência prévia de interessados não pode limitar-se a ser um mero formalismo inócuo, em que o órgão desconsidera, com o seu silêncio, as questões suscitadas pelo administrado (v.g., em termos de direito comparado, ver o Acs. do STA, de 8/05/2013, Proc. nº 575/13 e de 4/12/2019, Proc. nº 0299/08; tb. do TCA/N de 9/96/2011, Proc. nº 02815/08 ou do TCA/S, de 23/02/2017, Proc. nº 5428/12).
Colocamos estas reticências porque, em boa verdade, a sentença não é muito nítida a este propósito, mal se sabendo se a solução anulatória fundada nesse vício se fica a dever a uma mera qualificação do vício diferente da que tinha a recorrente efectuado.
Em todo o caso, independente de qual tenha sido a razão, a verdade é que a sentença também concluiu que o acto tinha violado o disposto nos arts. 10º e 93º do CPA, em virtude da omissão sobre qualquer das questões suscitadas pela recorrente na resposta/pronúncia no âmbito da audiência prévia.
Por esta razão, e só por ela, o TSI apreciará esta matéria de uma forma unificada mais adiante. Na verdade, para se aquilatar do acerto ou não da conclusão do TA, importará ver se o acto administrativo ora sindicado repousa num quadro de poderes vinculados ou meramente discricionários. É que, como se tem reafirmado, sendo o acto praticado no âmbito de poderes vinculados, a omissão dessa formalidade não gerará invalidade do acto, se for de concluir que ele foi tomado com total acerto, independentemente da observância, ou não, da audiência de interessados.
Ou seja, desde o tribunal chegue à conclusão de que o acto foi bem praticado, dentro dos poderes vinculativos que lei impunha ao seu autor, deixa de justificar-se a anulação do acto, em obediência a princípios gerais como o da economia, eficiência e celeridade, mas também a princípios especiais em matéria administrativa, como seja o de aproveitamento do acto administrativo, degradando-se, em tal hipótese, em formalidade não essencial (Ac. do TUI, de 19/12/2018, proc. nº 91/2018; TSI, de 19/09/2019, Proc. nº 1122/2017, 4/10/2018, Pro. Nº 290/2017).
É preciso, portanto, averiguar em que âmbito de poderes se integra a prática deste acto.
E para isso, nada melhor do que avançar imediatamente para a análise do vício de erro nos pressupostos de direito e de facto invocado pela recorrente.
*
3. Do vício de violação de lei (erro nos pressupostos de direito e de facto assim invocado).
Este TSI, no recente Ac. de 19/03/2010, Proc. nº 735/2019, teve já a oportunidade de se debruçar sobre uma situação precisamente igual a esta (igual, porque se trata de pedido formulado com o mesmo objectivo, indeferido pelas mesmas razões, formulado por outra recorrente, irmã da presente recorrente).
Razão pela qual nos limitaremos a remeter para ela, com a devida vénia. A fundamentação relevante desse aresto é aquele que a seguir se transcreve:
«A Entidade Recorrida entende que a Recorrente (interessada, adoptamos a qualidade que ela assume na tramitação de 1ª instância), ora representada pela sua mãe, não reúne os pressupostos legalmente exigidos para lhe ser reconhecido o estatuto de residência permanente, mas a Recorrente entende que sim, e o Exmo. Juiz do TA também tem a mesma posição.
Em suma, a Recorrente/ interessada afirma o seu direito com base na alínea 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na RAEM), de 20 de Dezembro, que tem o seguinte teor;
Residentes permanentes
1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).
2. O nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau.
A Recorrente/interessada defende ainda a ideia de que aqui não se convoca, por desnecessária, o artigo 5º da Lei da Nacionalidade Chinesa, porque efectivamente ela não exerceu a opção de nacionalidade chinesa, nem a sua progenitora, face à lei chinesa!
O Exmo. Juiz do TA fez a mesma leitura, julgando procedente o recurso e anulando a decisão negatória dos SIM.
Enquanto a Entidade Recorrida tem uma perspectiva diferente, advogando que há lugar à aplicação ao caso da Recorrente/interessada do artigo 5º da Lei da Nacionalidade Chinesa, não bastando chamar a Lei nº 7/1999 (Regulamento sobre os Requerimentos Relativos à Nacionalidade dos Residentes da RAEM), de 20 de Dezembro, sob pena de se defraudar o conteúdo da lei da nacionalidade chinesa.
Mas não chegou a indicar concretamente qual artigo da Lei nº 7/1999 acima referida que se aplica ao caso em apreciação.
Sendo certo que, na conclusão deste recurso, a Entidade Recorrida fez menção do nº 1 do artigo 1º do Regulamento Administrativo nº 7/1999 (Regulamento para a Emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residente), de 20 de Dezembro, mas fê-lo como hipótese, para demonstrar que, caso não preenchidos os requisitos previstos neste número, não pode optar pela nacionalidade chinesa.
É de lembrar os fundamentos expressamente invocados pela Entidade Recorrida para indeferir o pedido da Recorrente, que constam do Facto Assente sob n nº 9:
9.º - Por despacho proferido em 07/11/2013, a entidade recorrida decidiu indeferir o requerimento da recorrente em virtude de não ser residente permanente nos termos do art.º 1, n.º1, alínea 6), da Lei n.º 8/1999, tendo a mãe fixado a residência permanente em Portugal à data do nascimento da recorrente e a adquisição da recorrente de nacionalidade portuguesa por nascimento (vide fls. 3 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
É um pouco ambígua esta resposta, em certos aspectos, que veremos mais adiante.
E o ofício notificado (datado de 21/10/2013 – fls. 28 do PA) à Recorrente tem o seguinte teor:
Em referência ao requerimento do Certificado de Confirmação do Direito de Residência, a favor da menor D, vem pelo informar do seguinte:
A Lei da Nacionalidade da República Popular da China, no seu artigo 5.º, define que "Um indivíduo nascido no estrangeiro cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses tem nacionalidade chinesa; mas um indivíduo cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses que tenham fixado residência no estrangeiro e que tenham adquirido a nacionalidade estrangeira no momento do nascimento não tem nacionalidade chinesa."
Conforme os elementos apresentados a esta Direcção de Serviços, Ex.ª foi para Portugal em 2003 para estudar em Portugal, onde estudou e trabalhou e nasceu a sua filha D, em 14.09.2010, e a menor tem adquirido a nacionalidade portuguesa por nascimento. O facto de que à data de nascimento da sua filha, V. Ex.ª vivia em permanência em Portugal e ali tinha uma profissão estável faz presumir que V. Ex.ª já tinha fixado residência em Portugal, à data de nascimento da menor.
Face ao exposto, a menor não tem nacionalidade chinesa por não reunir o previsto no artigo 5.º Lei da Nacionalidade da República Popular da China, e não tem o estatuto de residente permanente de Macau por não satisfazer as condições definidas na alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da RAEM. Nestes termos, a DSI decide não lhe emitir o Certificado de Confirmação do Direito de Residência solicitado.
Informa-se ainda que segundo a alínea 23) do n.º 1 e o n.º 3 do Despacho da DSI n.º 7/DSI/2010, alterado pelo Despacho da DSI n.º 1/DSI/2011, em inconformidade com a decisão da DSI sobredita, pode ser apresentada a esta Direcção de Serviços a reclamação, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 145.° e do previsto no artigo 149.° do Código do Procedimento Administrativo, ou recorrer para o Tribunal Administrativo, interpondo recurso contencioso, nos termos dos artigos 25.° e 26.° do Código do Procedimento Administrativo Contencioso, no prazo de 15 dias e 30 dias respectivamente, contados a partir da recepção do presente ofício.
Ora, em relação às pessoas nascidas fora de Macau, o artigo 1º/1-6) fixa como requisitos cumulativos da aquisição do estatuto de residente permanente:
1º requisito: Que seja o filho de residente permanente de ascendência chinesa e portuguesa;
2º requisito: Que tenha a nacionalidade chinesa (ou que ainda não tenha feito a opção de nacionalidade);
3º requisito: Que tenha nascido fora de Macau;
4º requisito: Que tenha o seu domicílio permanente em Macau;
5º requisito: Que o seu progenitor tenha também domicílio permanente em Macau à data do nascimento.
Do acima referido sobressai um ponto que chama a nossa atenção: que é o conceito de domicílio permanente! O que ele é?
Conceitos próximos temos vários, a saber:
Residência habitual - é onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas (Mota Pinto. Teor. Ger. Dir. Civ., 3.ª ed.-258).
Residência permanente – é o local de residência habitual, estável e duradouro de qualquer pessoa, ou seja a casa em que a mesma vive com estabilidade e em que tem instalada e organizada a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da respectiva organização doméstica referida (Ac. R.L. de 17-1-78: Col. Jur., 3.º -42).
Domicílio - a ideia geral corresponde à do sítio onde a pessoa mora (Castro Mendes, Dir. Civil, Teoria Geral, 1978, I-415).
Domicílio - é o local da residência habitual de cada pessoa (Luís A. Carvalho Fernandes, Teor. Ger. Dir. Civ.. ed. 1983 1.º, Tomo 1-361). A doutrina tradicional distinguia no domicílio um elemento objectivo (“corpus”) – consistindo na fixação espacial da pessoa – e um elemento subjectivo (“animus”) referente à intenção de a pessoa se fixar em certo local, para efeito de aí se ter como domiciliada. A lei portuguesa, no plano do domicílio geral, dá relevância ao aspecto objectivo, o que não significa que a vontade não possa ter relevância (ob. cit., 363, nota 277).
Domicílio electivo – é um domicílio particular, estipulado, por escrito, para determinados negócios (Mota Pinto, Teor. Ger. Dir. Civ., 2.ª ed. -257; 3.ª ed.-259)
Domicílio legal ou necessário - é o que resulta da lei, em conjugação com outro facto, que não o da livre fixação da residência habitual (Castro Mendes. Dir. Civil, Teoria Geral, 1978, I-426),
Domicílio profissional - verifica-se para as pessoas que exercem uma profissão e é relevante para as relações que a esta se referem, localizando-se no lugar onde a profissão é exercida (Mota Pinto, Teor. Ger. Dir. Civ., 2.ª ed.-257; 3.ª ed.-259).
Domicílio voluntário - é o que resulta da vontade das partes, embora indirectamente -através da livre fixação da sua residência habitual (Castro Mendes, Dir. Civil, Teoria Geral, 1978, I-426).
Domicílio permanente é idêntico à residência habitual?
Talvez não, porque no artigo 8º da Lei nº8/1999, de 20 Dezembro, aparecem ao mesmo tempo o conceito de domicílio permanente e o de residência habitual, que estipula:
Reconhecimento do domicílio permanente
1. Ao requerer o estatuto de residente permanente, os indivíduos referidos nas alíneas 4) a 9) do n.º 1 do artigo 1.º devem assinar uma declaração em como têm o seu domicílio permanente em Macau.
2. Na declaração prevista no número anterior, feita pelos indivíduos referidos nas alíneas 7), 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º, devem constar, para referência da DSI na apreciação do requerimento, os seguintes elementos:
1) Ser Macau o local da sua residência habitual;
2) Ser Macau o local de residência habitual de familiares próximos, nomeadamente o cônjuge e os filhos menores;
3) A existência de meios de subsistência estáveis ou o exercício de profissão em Macau;
4) O pagamento de impostos nos termos da lei.
3. Se existirem dúvidas sobre as declarações prestadas, nos termos do n.º 1, pelos indivíduos referidos nas alíneas 4), 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º, a DSI pode solicitar comprovativos dos elementos referidos no número anterior.
Parece que ter residência habitual em Macau pode não ter domicílio permanente em Macau, porque aquela é um pressuposto de acesso a este último.
Estas considerações valem igualmente para o artigo 24º da Lei Básica da RAEM.
Pergunta-se, qual é o critério seguido pela Entidade Competente para densificar o conceito de domicílio permanente?
No caso, o SIM na sua resposta referiu:
37. 事實上,申請人母親一直未能提交其在申請人出生時其非在葡萄牙定居的任何證明,其提供的文件並非如被上訴裁判所指可證明其一直在澳門,除提交陳述外,其僅能提供文件證明於2013年起受聘於澳門機構。
38. 申請人母親在澳門出生,回歸前曾持澳門居民身份證,屬於回歸後從海外返回澳門的回流人士,其於2003年在葡萄牙修讀法官課程,被任命為實習法官及義務留在葡萄牙5年,多年來並未回澳換領澳門永久性居民身份證1,其於2007年在葡萄牙產子,其後於2008年回澳申請換領澳門永久性居民身份證,同年其於葡萄牙獲委任為法官,申請人於2010年在葡萄牙出生,於2012年與申請人父親在葡萄牙結婚,及後於2013年受聘於澳門機構。
39. 申請人母親除持有澳門居民身份證外,其於申請人出生時與澳門並沒有任何實際聯繫。
40. 須指出的是,申請人母親在葡萄牙享有居留權,其在葡萄牙亦可合法定居。從申請人母親的生活軌跡已足以顯示其是以葡萄牙為實際且固定的生活中心,故上訴人可合理確信申請人在葡萄牙出生時其母親是在當地定居,申請人母親於聲明中強調只是暫時不在澳並不可信。
Afigura-se-nos de que o conceito de domicílio permanente exige algo mais do que o de residência habitual, ele quer referir-se ao centro de vida de uma pessoa, a ligação tendencialmente estável de uma pessoa à RAEM, prova disto é ter a sua profissão aqui, ou ter a sua vida estável aqui, ter a sua família aqui, ou permanece mais tempo aqui e está integrado na comunidade local.
Ou seja, por domicílio permanente pode entender-se que é o local de residência habitual, tendencialmente estável e duradouro de uma pessoa, onde se encontra a sua casa em que a pessoa vive com estabilidade e tem instalado e organizado a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da vida pessoal e profissional de uma pessoa.
*
Vamos ver agora se a Recorrente preenche ou não todos os requisitos acima elencados.
1º requisito: Que seja o filho de residente permanente de ascendência chinesa e portuguesa:
Efectivamente a Recorrente é filha de uma residente permanente da RAEM, que é a sua progenitora, representante legal da ora Recorrente, mas isto não basta, é preciso ainda que essa progenitora tenha sangue chinês, ou seja, que seja descendência chinesa e portuguesa.
Fls. 15 do PA contém uma declaração, datada de 03/07/2013, assinada pela representante da Recorrente (menor), sua progenitora, afirmou que a Recorrente tem ascendência chinesa e portuguesa. Tal declaração foi aceite pelo então Director dos SIM, apondo-se nela a respectiva assinatura.
Fls. 22 do PA contém um documento em que se enumeram os nomes dos progenitores, dos avôs maternos e paternos, dos bisavós, também maternos e paternos da Recorrente, não se vê nenhum nome chinês, nem de apelido, nem de nome adoptado. O que pode levantar uma dúvida fundada quanto à alegada ascendência chinesa!
Mesmo que se entenda que tal dúvida não é razão bastante para indeferir a pretensão, existem outros motivos ponderosos para esta finalidade como iremos ver mais adiante.
Quanto ao sangue português não resta dúvida que a Recorrente tem.
Recordem-se as pertinentes observações do Nuno Riquito:
“Na nossa modesta opinião, a expressão "os portugueses" deve, efectivamente, lida como estabelecendo uma remissão para o conceito jurídico de nacionalidade, o qual - doutrina nenhuma defenderá solução diversa, estamos em crer, -, há-de ser apurado, no caso, como dissemos, em face do ordenamento jurídico português. É que, como é sobejamente sabido, as regras do direito da nacionalidade cumprem uma função unilateral incontroversa - e tão-só essa mesma - a qual se traduzirá no estabelecimento do universo dos sujeitos nacionais do Estado em que essas mesmas regras de direito efectivamente operam porque ao mesma sejam constitucionalmente imputadas.
É que, como tivemos ensejo de dizer mais acima, a referência actuada ao conceito de nacional - quer ao de nacional da RPC quer ao da nacional da República Portuguesa - constitui uma referência pressuponente ou, em outros termos, é actuada enquanto questão prévia ("Vorfrage"). Ora, no âmbito deste tipo de referência, o que importa é a situação de facto, surta e desenvolvida na esquadria de uma certa ordenação de direito (a do ordenamento referido ou remetido) e não a situação de direito nos seus efeitos directos e próprios. O que importa, diremos, é a definição normativa de efeitos de direito que, sendo estabelecidos no âmbito do ordenamento remetente, têm como facto pressuposto da sua efectivação uma situação de facto definida juridicamente, nos seus efeitos directos e imediatos, no âmbito do ordenamento jurídico remetido. Mas, se assim é, como ensina o Saudoso Mestre do Direito Português, BAPTISTA MACHADO, nem pelo facto da referência o facto se "juridifica", perdendo esse rigoroso e singular estatuto de facto pressuposto e não de facto constitutivo de efeitos de direito compostos normativamente pelo sistema remetente.
ln casu, a nacionalidade portuguesa será entendida apenas, no âmbito do art. 24º nos 3 e 4, como facto pressuposto do efeito de que, logo que estejam, em relação a determinado indivíduo, cumpridos os restantes requisitos explicitados por essas mesmas disposições, o mesmo seja considerado residente permanente da RAE. Só que, queremos insistir, nem por isso se falaria de um reconhecimento, ex iure, da nacionalidade portuguesa do mesmo.” (Cfr. O Direito da Nacionalidade no Contexto da Lei Básica da RAEM, João Nuno Riquito, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Nº 6, pág. 82).
*
2º requisito: Que tenha a nacionalidade chinesa (ou que ainda não tenha feito a opção da nacionalidade):
Efectivamente a Recorrente não tem a nacionalidade chinesa.
Quanto mais, ela pode invocar que, hoje, ainda não tenha feito a opção da nacionalidade (chinesa, digamos, como obviamente, porque o que releva é sempre a nacionalidade chinesa, estando em causa matéria situada no âmbito da soberania, a cada estado compete definir qual categoria de pessoas que são seus subordinados, e não definir pessoas para outro Estado ou ente público). Repita-se, as regras do direito da nacionalidade cumprem uma função unilateral incontroversa que se traduz no estabelecimento do universo dos sujeitos nacionais do Estado em que essas mesmas regras de direito efectivamente operam.
Como observa Nuno Riquito:
Efectivamente, situações há em que o conceito de nacionalidade é chamado, v.g, apenas a integrar a definição do conceito de residente, sendo aquele, em sentido próprio, um elemento normativamente constitutivo deste último.
É, justamente, aquilo que acontece no âmbito do art. 24º, nos 1,2,3 e 4, quanto, como dissemos, à definição do universo de sujeitos que, normativamente, devam ser entendidos residentes permanentes da RAEM2 (Cfr. In ob citada, pág. 78).
Nestes termos, não vamos adivinhar se a Recorrente pode adquirir ou não a nacionalidade chinesa, mas uma coisa certa que é a de que ela nunca pode adquirir a nacionalidade chinesa por critério jus soli! O resto, depende da avaliação por parte da entidade competente perante os fundamentos e o pedido apresentados pela interessada.
*
3º requisito: Que tenha nascido fora de Macau:
Sem sombra de dúvida, a Recorrente preenche este requisite por ter nascido em Coimbra, Portugal, conforme o documento comprovativo junto ao PA (fls. 11).
*
4º requisito: Que tenha o seu domicílio permanente em Macau:
Um dos problemas delicados é justamente este: como vamos concretizar esta ideia de uma menor ter domicílio permanente em Macau? Único meio é ponderar as circunstâncias concretas dos progenitores à data do nascimento da menor e esta ficava à guarda de quem, dos progenitores ou de eventualmente outros familiares e em sítios diferentes.
No caso, tudo indica que a Recorrente tem vivido com os progenitores desde o seu nascimento, lá em Portugal, e, cá em Macau. Mas o que releva é no momento do seu nascimento para efeitos da pretensão formulada pela interessada.
Ora, conforme os dados constantes do PA:
- A Recorrente nasceu em 14/10/2010;
- A mãe da Recorrente contraiu casamento em 2012;
- Em 3/07/2013 a mãe da Recorrente declarou perante o SIM que residia temporariamente em Coimbra e aí exercia funções de juiz de direito no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (fls. 16);
- Desde 2003 a mãe da Recorrente estava em Portugal a frequentar o curso de Direito e depois ingressou no CEJ onde acabou o seu curso de formação de magistrados. Portanto, 5 anos de Curso de Direito, mais 3 anos no CEJ, sensível em 2011 a progenitora ingressou na magistratura portuguesa. Portanto, estava fora de Macau dez anos.
- Em 05/11/2013, a pedido do SIM, a mãe da Recorrente veio a prestar esclarecimentos complementares, em que se reitera a sua posição (fls. 31 e 32):
B, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente nº XXXX, residente na XXXXXX, em Macau, mãe de D, notificada para se pronunciar nos termos dos artigos 93° e 94° do Código do Procedimento Administrativo, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
Não obstante ser um facto que na data de nascimento da sua filha D a declarante estava temporariamente a residir em Portugal, a verdade é que a declarante é residente permanente da RAEM nos termos da alínea 4) do n° 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro.
Nos termos do citado diploma, a ausência temporária de Macau não determina que tenha deixado de ter em Macau a sua residência permanente.
Ora, a declarante está, neste momento, novamente, a residir habitualmente em Macau, com as suas filhas e o seu marido, aqui estando empregada numa instituição sediada em Macau - cfr. documentos nºs 1, 2,3 e 4 -, o que demonstra que Macau, apesar da sua ausência temporária, nunca deixou de ser o seu domicílio permanente.
Acresce que nos parece, salvo todo o devido respeito, que a alínea 6) do n° 1 do artigo 1° do diploma em causa se refere à opção de nacionalidade dos progenitores, pois não se afigura que a lei tenha querido impor ao menor a opção de nacionalidade.
Compreendendo as razões de ser explanadas no ofício em referência, espera a declarante, com estes esclarecimentos adicionais, ter demonstrado a V. Exa. que não deixou de ter residência permanente na RAEM e, como tal, que a sua filha menor deve, nos termos do alínea 6) do n° 1 do artigo 1° da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro, ser considerada residente permanente da RAEM.
No caso de V. Exa. entender que, apesar dos esclarecimentos prestados, o pedido em referência merece indeferimento, muito se agradece, nessa hipótese, que acompanhe o caso da requerente com a maior brevidade possível.
Nestes termos, pede e espera deferimento.
Perante isto, desde já concluimos que não foi violado o seu direito de audiência, já que a interessada participou, desde o início, no respectivo procedimento administrativo, sabendo todos os elementos relevantes no processo. Aliás, em rigor, há lugar à aplicação do artigo 97º/-a) do CPA. O que torna infundado o argumento da Recorrente (violação do direito de audiência).
Prosseguindo o nosso raciocínio,
Tudo acima expendido demonstra que, a partir de 2013 a progenitora da Recorrente retoma a sua vida normal aqui, até hoje, estando a servir na AMCM.
Sendo certo que não se retira o seu estatuto de residente permanente da progenitora da Recorrente, mas para efeitos da aquisição do mesmo, a Recorrente estava a reunir estes requisitos? É este cerne da questão que estamos a tratar.
Desde já, importa esclarecer um ponto: discordamos da afirmação da Recorrente, quando ela disse:
“ (…) Acresce que nos parece, salvo todo o devido respeito, que a alínea 6) do n° 1 do artigo 1° do diploma em causa se refere à opção de nacionalidade dos progenitores, pois não se afigura que a lei tenha querido impor ao menor a opção de nacionalidade.”
Obviamente não se trata de opção de nacionalidade portuguesa, porque, nesta matéria, no ordenamento jurídico da RPC, domina o princípio de não reconhecimento da dupla nacionalidade (cfr. o artigo 3º da Lei da Nacionalidade Chinesa da RPC).
*
Com isto passemos a entrar na análise do 5º requisito:
5º requisito: Que o seu progenitor tenha também domicílio permanente em Macau à data do seu nascimento:
Ora, à data do nascimento da Recorrente (2010), a sua progenitora ainda não casou, estava a frequentar curso superior em Portugal, circunstâncias estas que constituem razão bastante para se chegar à conclusão de que a progenitora já deixou de ter domicílio permanente em Macau?
Se situamos no ano 2010 ou 2011, conforme os dados constantes do PA, a progenitora estava a frequentar o CEJ, formação profissional para ingressar na carreira de magistratura portuguesa, tal, pensamos, resultou de um plano de vida da progenitora da Recorrente, ou seja, ela fê-lo não por “brincadeira” ou só para satisfazer curiosidade pessoal, fê-lo porque fez opção de uma profissão que exige necessariamente ter o seu domicilio profissional (necessário) em Portugal, tal como os magistrados de Macau (cfr. art.º 26 da LBOJ de Macau; em Portugal, artigo 8º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho), são estes dados que temos de ponderar, inexistem outros que digam o contrário. Nesta óptica, tudo indica que, na altura, a mãe da Recorrente deixou de ter domicilio permanente em Macau. Isso não colidiu com o facto de, mais tarde, a progenitora da Recorrente regressar a Macau e aqui está a desempenhar função pública, são factos supervenientes.
*
Para que possamos ter uma convicção mais sólida daquilo que que dissemos antes, não basta analisar o diploma legal de Lei n.º 8/1999, é preciso ver ainda o que está estipulado na Lei Básica de RAEM nesta matéria.
Está em causa a possibilidade da aquisição do estatuto de residente permanente por pessoa nascida fora de Macau, e que alegou que tem ascendência chinesa e portuguesa, é verdade que a Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro visa concretizar o regime regulador da mesma matéria constante do artigo 24º da Lei Básica, dispondo este artigo:
Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento a Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito de residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.
Os residentes não permanentes da Região Administrativa Especial de Macau são aqueles que, de acordo com as leis da Região, tenham direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas não tenham direito à residência.
Comparando o artigo 24º da Lei Básica com o artigo 1º da Lei nº8/1999, de 20 de Dezembro, é de verificar que este último tem um conteúdo mais pormenorizado em alguns aspectos e em relação a determinado universo dos sujeitos que são destinatário daa norma em causa.
No caso dos autos, uma vez que está em causa apenas uma portuguesa, concentremos nas alíneas 3) e 4) do artigo 24º da Lei Básica.
Destas 2 alíneas podemos extrair um factor relevante:
- Nas alíneas 3) e 4) do artigo 24º da Lei Básica, não há referência aos filhos nascidos fora de Macau, de ascendência chinesa e portuguesa;
- Diferentemente, a alínea 6) do artigo 1º da Lei nº 8/1999 disciplina EXPRESSAMENTE os filhos nascidos fora de Macau, que dispõe:
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
A primeira conclusão que podemos tirar aqui imediatamente é a seguinte:
O legislador da Lei Básica nunca prevê que seja automática e por critério de jus sanguis a aquisição de estatuto de residente permanente por filho de ascendência chinesa e portuguesa, nascido fora de Macau, exige-se algo mais, nomeadamente que tenha o seu domicílio permanente aqui, em Macau, compreende-se!
A este propósito escreveu o Prof. Ieong Wan Chong:
“ c. 葡萄牙籍永久性居民。葡萄牙人成為永久性居民的條件是:1. 出生地為標準。 根據本條第2款第3項規定,“在澳門特別行政區成立以前或以後在澳門出生並以澳門為永久居住地的葡萄牙人”,均為澳門特別行政區永久性居民。根據澳門特區第8/1999號法律《永久性居民及居留權法律》,確認“永久居留地”的參考條件是:a. 在澳門有無慣常居所;b. 家庭主要成員,包括配偶及未成年子女是否在澳門通常居住;c. 在澳門是否有職業或穩定的生活來源;d. 在澳門是否有依法納稅。2. 以居住年限為標準。根據本條第2款第4項規定,“在澳門特別行政區成立以前或以後在澳門通常居住連續7年以上並以澳門為永久居住地的葡萄牙人”,均為澳門特別行政區永久性居民。從以上規定可以看出,葡萄牙人取得永久性居民身份的條件比中國人多了一個“以澳門為永久居住地”的條件,其在澳門以外所生的子女也不能因為父母的關係取得永久性居民的資格。道理很簡單,這是因為在澳門特別行政區,中國人是本國人,葡萄牙是外國人,在界定居民身份問題上,本國人和外國人的標準有所不同,這是國際慣例。” (in Lei Básica da ERAM anotada, em chinês, DSAJ, 2013, pág. 65).
Esta alínea 6) do artigo 1º da Lei nº 8/1999 tem de ser interpretada em conjugação com a alínea 3) e 4) do artigo 24º da Lei Básica.
Observa-se pertinentemente:
“Com o que, verdadeiramente, não se torna para nós evidente qual o seu conteúdo. E assim, até porque não podemos crer que o legislador tenha intencionado - neste como em qualquer outro contexto - um procedimento de interpretação da Lei Básica conforme as leis que, no caso vertente, em hipótese que, aliás, só academicamente se admite, poderia traduzir-se num recurso à legislação que, no âmbito do Território de Macau (ou da futura RAE) regulamentam o fenómeno da imigração. É que, se, por um lado, tal procedimento representaria sempre, in genere, uma violação do próprio valor hierárquico-normativamente superior da Lei Básica - enquanto, como sustentámos, diploma de natureza jurídico-constitucional-, por outro lado, in specie, traduzir-se-ia na subordinação do conteúdo de um normativo de valor genérico e, aliás, verdadeiramente fundamental, a um outro de valor circunstanciado e, como quer que seja, sem valor constitucional.” (In ob. citada, Nuno Riquito, pág. 83).
Tem razão quando afirma o Dr. Nuno Riquito no seu trabalho citado:
“É que, se aos nacionais portugueses nascidos em Macau e que neste tenham domicílio permanente é reconhecida a qualidade de residente permanente da RAEM (art. 24°, nº 3), o mesmo não correrá no que aos seus descendentes diz respeito.
Tal parece ser a solução extraível, por argumento a contrario sensu do disposto no agora considerado art. 42º. Isto porque, a ser admitida solução interpretativa diversa, teria de se concluir no sentido de que esta última norma seria expressão de um fenómeno de "superfatação" normativa que, novamente segundo o cânone do legislador razoável, preferimos afastar do universo das possibilidades interpretativas consentidas pela lógica normológica do sistema. Sem esta restrição interpretativa - questionamo-nos - que sentido teria a afirmação da tutela dos interesses dos residentes de ascendência portuguesa, no âmbito do Capítulo III (Direitos e Deveres Fundamentais dos Residentes) para além da tutela que resultaria do singular facto de que fossem, enquanto nacionais portugueses, e cumpridos os restantes requisitos, residentes permanentes da RAEM? Aliás o mesmo se diria em relação ao universo de sujeitos (também eles) residentes permanentes, definido pelo n° 4 do art. 24° da Lei Básica.” (In ob citada, pág. 85).
Pelo que, a interpretação a dar-se à alínea 6) do artigo 1º da Lei nº 8/1999, só pode ser a de que:
- A opção de nacionalidade refere-se à nacionalidade chinesa; e
- Que a/o progenitora(o) tenha domicílio permanente em Macau à data de nascimento do filho.
Caso contrário, ou seja, quando não se verifiquem os requisitos da citada alínea 6) do artigo 1º da Lei citada, só poder-se-á adquirir o estatuto de residente permanente após 7 anos de ter residência habitual em Macau, nos termos do artigo 24º/-6) da Lei Básica, ou da alínea 7) do artigo 1º da Lei nº 8/1999.
Pelo que, perante os dados apresentados pela Recorrente, a Entidade Recorrida concluiu-se pela inverificação dos seguintes requisitos:
- Que não tenha a nacionalidade chinesa;
- Que a progenitora da Recorrente não tenha tido domicílio permanente em Macau à data do nascimento da Recorrente;
- Nem a própria Recorrente tinha domicílio permanente em Macau naquele preciso momento.
Perante esta conclusão negativa de necessidade de ter domicílio em Macau, torna-se inútil a diligência de ouvir a Recorrente por ser uma realidade fáctica objectivamente verificável e verificada, acresce ainda a circunstância de que, desde o início do procedimento administrativo, a Recorrente estava e está a par de tudo o que acontece no procedimento, tendo nele participado, quer na fase antes de ser tomada a respectiva decisão, quer em sede da reclamação. Foi sempre assegurada a intervenção dela. Aliás, sendo esta uma matéria incluída no âmbito de uma actividade vinculada, a falta de audiência, nos moldes em que se terá verificado, degrade-se em formalidade dispensável quando é de concluir, como é o caso, que outra não podia ser a solução encontrada.
Pelo que, há de julgar-se procedente o recurso interposto pela Entidade Recorrida, revogando a decisão recorrida, proferida pelo TA, mantendo-se a decisão administrativa negatória da pretensão formulada pela Recorrente.
Resumindo e concluindo:
- Nos termos acima analisados, não há violação do direito da audiência da Recorrente;
- Não se verificam pressupostos de facto nem de direito, todos estes foram bem tratados e analisados pela Entidade Recorrida;
- Igualmente não se verifica o vício de falta de fundamentação da decisão, já que a Recorrente sabe perfeitamente quais foram as razões de facto e de direito que levaram a Entidade Recorrida a tomar a decisão naquele sentido negativo. Ora, nesta matéria, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender a relatividade do conceito da fundamentação da decisão administrativa, destacando que o que releva é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra.
- A nossa interpretação da alínea 6) do nº1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro é consentânea com a dada pela Entidade Recorrida, por razões acima produzidas;
- Os factos invocados pela Recorrente, quer no pedido apresentado à Entidade Recorrida, quer os aqui produzidos neste recurso, não demonstram que ela preencheu todos os requisitos do artigo acima citado, pelo que, é de negar a pretensão por ela formulada».
*
Reiteramos o teor do acórdão transcrito por traduzir a boa solução do caso.
Acresce apenas dizer que o que era relevante era que a mãe da recorrente tivesse residência em Macau no momento do nascimento da menor recorrente, conforme asseverado pelo TUI, nos seguintes termos:
“Para efeitos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea 9), da Lei n.º 8/1999, tem domicílio permanente ou definitivo em Macau quem, além de residir habitualmente em Macau, tem aqui centrada a sua economia doméstica, quem tem em Macau o centro da sua vida profissional e familiar (ou, quem não exercendo profissão em Macau, possui meios de subsistência estáveis), quem paga os seus impostos em Macau, com intenção de aqui permanecer definitivamente. (…). Domicílio permanente, no contexto do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea 9), da Lei n.º 8/1999, mencionado na conclusão II, é um conceito indeterminado, sendo que na parte em que se refere ao centro da vida doméstica do residente, não confere à Administração qualquer margem de livre apreciação” (Ac. do TUI, de 7/01/2015, Proc. nº 21/2014). E tal não sucedia neste caso particular.
*
4. Epílogo
Face à conclusão alcançada anteriormente, deixa de relevar a desconsideração, ou melhor, o silêncio da entidade administrativa competente acerca das questões suscitadas pela recorrente na pronúncia feita em sede de audiência de interessados. O facto de a Administração não se ter debruçado sobre elas, independentemente das razões, válidas ou não, que possa ter tido para justificar a omissão, não surte efeitos invalidantes, porque a decisão foi bem tomada e não podia ser outra diferente, dada a natureza vinculada da actuação do titular do órgão administrativo na situação em apreço.
E isto vale, tanto para afastar a invalidação pelo prisma do vício de violação de lei, por atentado contra as próprias normas que prevêem a audiência (arts. 93º e 10º do CPA), como pelo prisma de falta de fundamentação, tal como decorre da possibilidade acima aventada.
Em suma, o recurso jurisdicional tem que proceder, não por inverificação dos aludidos vícios de forma por falta de fundamentação ou de falta de audiência, consoante a perspectiva, mas sim pela não ocorrência do vício material de violação de lei (citados preceitos da Lei nº 8/1999 e Lei da Nacionalidade).
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença impugnada e julgando totalmente improcedente o recurso contencioso, quer na parte anulatória, quer na parte condenatória.
Custas pela recorrida (recorrente contenciosa), com taxa de justiça em 5 UCs.
T.S.I., 26 de Março de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
M°P°
Joaquim Teixeira de Sousa
1 根據第12/2007號行政長官批示,以澳門居民身份證換發澳門特別行政區居民身份證的程序於2007年2月9日終止。
2 Art. 24º: Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento a Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito de residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.
Os residentes não permanentes da Região Administrativa Especial de Macau são aqueles que, de acordo com as leis da Região, tenham direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas não tenham direito à residência.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Proc. nº 734/2019 45