Processo nº 119/2020
Data do Acórdão: 19MAR2020
Assuntos:
Acidente de trabalho
Força probatória da perícia
Livre apreciação de prova
SUMÁRIO
1. Ao contrário do que sucede no processo penal, onde o juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador – artº 149º/1 do CPP, inexiste, na matéria civil e laboral, idêntica norma que predetermina a superioridade da força probatória da perícia, em relação às outras provas.
2. Tal como sucede com outros meios de impugnação, o recurso ordinário, incluindo o da matéria de facto, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes, gerador de decisões injustas e portanto, visa justamente à simples eliminação da decisão, inválida, injusta ou não conforme à lei, ou ainda à sua substituição por outra a proferir pelo Tribunal ad quem, na sequência do reexame da matéria controvertida.
3. Desde que seja formada com observância das regras relativas à produção e à valoração das provas, motivada e recondutível a critérios lógicos, a convicção íntima do Tribunal a quo é válida, e portanto, em princípio, insindicável pelo Tribunal superior em sede de recurso, e só é susceptível de controlo jurisdicional por via de recurso ordinário se a convicção tiver sido formada em violação do direito probatório, não motivada ou irrecondutível a critérios lógicos, ou seja, erradamente formada.
4. Para que o Tribunal ad quem possa revogar a decisão sobre a matéria de facto fixada na primeira instância, é preciso que o convença da existência de erro na apreciação de provas por parte do Tribunal a quo.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 119/2020
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção de processo especial do trabalho (acidente de trabalho), intentada, pela trabalhadora sinistrada A, representada pelo Ministério Público, contra a Companhia de Seguros da XXXX (Macau), S.A., registada sob o nº LB1-18-0283-LAE, e correu os seus termos no Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, havendo na tentativa de conciliação discordância, por parte da entidade seguradora, quanto à percentagem de desvalorização da incapacidade permanente parcial (IPP), foi realizado exame pericial pela junta médica para o efeito nomeada nos autos e veio a final proferida a seguinte sentença fixando em 6% a IPP :
在本勞動特別訴訟程序中,遇難人A、僱主實體B娛樂場股份有限公司及保險實體XXXX保險(澳門)股份有限公司於試行調解中未能達成完全和解,而保險實體不認同法醫鑑定報告中6%長期部份無能力(IPP)之減值,並聲請組成會診委員會以進行鑑定。
除了上述部份以外,上述各方於試行調解中均接受以下內容:
- 是次事故屬於工作意外;
- 工作意外與侵害之間存有因果關係;
- 遇難人之基本工資為月薪澳門幣28,970.00元;
- 是次意外所引致之醫療費用已獲全數支付;
- 是次意外引致遇難人遭受118天暫時絕對無能力,遇難人已獲全數支付該賠償;
- 是次意外所引致的責任轉移至上述保險公司。
*
透過會診委員會所進行之鑑定,其多數意見認定認定遇難人之長期部份無能力(IPP)之減值為0%,而少數意見則認定為6%。為著適當的效力,載於卷宗第136頁之會診鑑定報告之內容視為完全轉錄。
在接獲有關報告後,遇難人提出卷宗第140至141頁之意見(為著有關效力在此視為獲完全轉錄)。
*
本院對此案有管轄權。
本訴訟程序形式恰當。
訴訟主體具有當事人能力、訴訟能力及正當性。
沒有妨礙審查本案實體問題之無效、抗辯及先決問題。
*
考慮到透過身體檢查及會診檢查所得出的傷患為在腕骨關節的痛楚,而僅會診報告的少數意見所評定的無能力狀況(感覺減退及感覺異常,第40/95/M號法令之附件無能力表第72條)符合遇難人目前所遺留的上述傷患,且其所評定的減值具有合理性,也符合卷宗所載醫療報告及疾病證明所診斷之病況,因此,本院採信卷宗第136頁之會診報告少數意見之鑑定結果。
基於各方在試行調解中所協議之事實以及上述會診鑑定報告之結果,配合卷宗所載的資料,證實遇難人所遭受之意外為工作意外,而其自被視為治愈之日(2019年02月20日)起,因上述工作意外引致6%之長期部份無能力。
根據第40/95/M號法令第1條、第2條第1款、第3條a)項、g)項(2)目、第4條、第12條、第27條、第46條b)項、第47條第1款c)項(4)目、d)項及第3款a)項、第54條1款a)項、第62條及第63條規定,保險實體須支付遇難人澳門幣166,867.20元(MOP28,970.00 X 96 X 6%)之長期部份無能力之賠償。
*
基於上述,本院決定如下:
- 訂定遇難人A之長期部份無能力之減值為6%;
- 判處保險實體XXXX保險(澳門)股份有限公司向遇難人A支付澳門幣壹拾陸萬陸仟捌佰陸拾柒元貳角(MOP166,867.20)之長期部份無能力之賠償。
訴訟費用由保險實體承擔。
Não se conformando com a sentença que fixou em 6% a IPP, veio a seguradora recorrer concluindo e pedindo que:
I. A ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que fixou a Incapacidade Permanente Parcial para o Trabalho à Autora A de 6%.
II. Entendeu o Tribunal a quo adoptar a posição minoritária do Dr. C (médico do Hospital Kiang Wu, indicado pela Autora), em detrimento posição maioritária, sufragada pelos Drs. D (CHCSJ) e F (indicado pela seguradora), na perícia médica efectuada à Autora nos presentes autos.
III. Assim, enquanto o Dr. C considerou existir uma IPP de 6%, os Drs. D (CHCSJ) e F, entenderam não haver qualquer IPP, tendo entendido, o douto Tribunal a quo, adoptar a opinião minoritário do perito indicado pela Autora, condenando a Ré, ora Recorrente, a pagar à Autora uma indemnização pelo IPP no valor de MOP$166,867.20.
IV. No dia 9 de Agosto de 2017 ocorreu um acidente de trabalho no qual esteve envolvida a ora Autora A.
V. Após a tentativa de conciliação realizada no âmbito do processo para a efectivação da responsabilidade decorrente de acidente de trabalho com o nº LB1-18-0283-LAE, a ora Recorrente concordou que se tratou efectivamente de um acidente de trabalho, que existia nexo de causalidade entre o referido acidente e as lesões, que a Autora auferia uma remuneração mensal de MOP$28,970.00 e que o período de ITA foi de 118 dias, discordando apenas com os 6% de valor de Incapacidade Permanente Parcial, resultantes do relatório médico constante de fls. 111 dos autos Recorridos.
VI. Pelo que, foi requerida a competente perícia médica para, tendo para esse efeito, cada uma das partes designado um perito e o CHCSJ indicado, a pedido do Tribunal a quo, um especialista para completar o colégio de 3 peritos.
VII. O exame por perícia colegial teve lugar no dia 23 de Maio de 2019, tendo sido opinião do perito indicado pela Autora, o Dr. C, de que a Incapacidade Permanente Parcial a atribuir no presente caso é de 6%, tendo os peritos médicos designados pelo Tribunal e pelo Ré, os Drs. D (CHCSJ) e F, respectivamente, considerado que a Incapacidade Permanente Parcial a atribuir no presente caso é de 0%.
VIII. Assim, estes dois dos peritos integrantes da junta médica foram claros quanto ao resultado a que chegaram, sendo um deles, o especialista designado pelo Tribunal a quo, tendo justificado com toda a clareza as suas conclusões médicas, que os levaram a considerar que o IPP era de 0%.
IX. Já as conclusões do Dr. C, baseiam-se no anterior relatório sufragado pleo mesmo clinico em 13 de Fevereiro de 2019, enquanto médico do Hospital Kiang Wu.
X. Pelo que, o douto Tribunal a quo, adoptou tais conclusões, em detrimento das conclusões dos Drs. D (CHCSJ) e F, sendo que um deles, é especialista em Ortopedia no Centro Hospitalar Conde São Januário.
XI. Assim, no entender da ora Recorrente, a decisão do douto Tribunal a quo não se encontra devidamente justificada, enfermando o vício de erro de julgamento.
XII. Com o devido respeito, entendemos não haver qualquer fundamento válido para desvalorizar o resultado da perícia colegial que, recorrendo-se à regra da maioria, a qual é comummente seguida na eventualidade das conclusões não serem unânimes, ajuizou, que a sinistrada não apresenta sequelas do acidente dos Autos e consequentemente concluiu pela atribuição de 0% de IPP.
XIII. Conforme habitualmente, os peritos da Junta consultaram o processo e responderam ao que concretamente se lhes perguntou.
XIV. Certo é que, os relatórios médicos visam habilitar o Meritíssimo Juiz, como "perito dos peritos", com os necessários conhecimentos técnicos de especialistas de forma a poder proferir a mais justa das decisões, sendo que se trata de matéria clínica, ninguém melhor do que os especialistas na referida matéria para elucidarem quem não esteja na posse dos conhecimentos técnicos necessários a tal entendimento.
XV. No entanto, a argumentação utilizada para preterir o resultado da junta médica não é suportado por qualquer razão científica ou técnica, apoiada em sólidos e convincentes argumentos, que imponha decisão diversa da tirada pela maioria da Junta Médica: optou-se por uma mera adesão ao descritivo, considerandos e proposta de um dos integrantes da referida junta.
XVI. Assim, e não obstante a clara e unânime resposta dos Drs. D (CHCSJ) e F, entendeu-se que deveria prevalecer a opinião do Dr. Dr. C, médico que já tinha emitido um relatório médico anteriormente com essa mesma opinião.
XVII. Mas, com o devido respeito, sem fundada razão, a nosso ver, uma vez que, o valor probatório das respostas dos peritos é, como se sabe, livremente apreciado e fixado pelo Tribunal, conforme artigos 383.º do Código Civil e 512º do Código de Processo Civil, no entanto, entendemos que a livre apreciação deste tipo de prova tem contornos mais exigentes do que os postulados pela regra geral da livre apreciação das provas consagrada no número 1 do artigo 558º do C.P.C.
XVIII. No presente caso, muito embora o Juiz a quo não esteja forçosamente vinculado à rigorosa observância das respostas periciais, (... ainda que maioritárias), sempre terá de admitir que às conclusões a retirar presidam mais do que as regras normalmente decorrentes da lógica, da razão e das máximas da experiência comum, que terão naturalmente de ser precedidas/complementadas com as regras de uma ciência cultivada em especial pelos peritos intervenientes.
XIX. Face às suas naturais limitações científicas, e tratando-se de uma valoração eminentemente técnica, é induzido a aceitar, por via de regra, o saber técnico-científico inerente às `legis artis´ dos peritos, nele se justificando
XX. Por isso se entende pacificamente, há muito, que, sempre que o Julgador se desvie do teor das respostas dos peritos, se lhe impõe que fundamente adequadamente a sua motivação, conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21, de Abril de 2005, in www.dgsi.pt. proferido no âmbito do Processo n.º 311/05.
XXI. A ora Recorrente não pode concordar com a decisão do Tribunal a quo, uma vez que, a prova produzida nos presentes autos, nomeadamente o relatório da junta médica, o qual expressa a opinião maioritária de 2 dos médicos designados, deveria ter sido valorado.
XXII. Pelo que consideramos que houve erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, após a apreciação dos argumentos apresentados, por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o presente recurso, devendo dar-se como não justificada a preterição do resultado maioritário da junta médica, adoptando-se as conclusões dos Drs. D (CHCSJ) e F.
Pelas razões expostas
V. Exas., alterando a sentença recorrida em conformidade com o alegado, farão inteira e sã
JUSTIÇA.
Notificada quer da motivação do recurso, a trabalhadora sinistrada, representada pelo Ministério Público contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo e oportunamente feito subir a esta instância.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 115º/1 do CPT, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, de acordo com as conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela seguradora, a recorrente limitou-se a pôr em crise a fixação da incapacidade permanente parcial (IPP), tendo imputado erro à decisão de matéria de facto na valoração da prova pericial.
Portanto é esta a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação.
Tal como vimos na sentença recorrida, foi, na sequência da discordância por parte da seguradora, ora recorrente, quanto à fixação da incapacidade permanente parcial (IPP) em 6%, e a requerimento da seguradora, ordenada a realização do exame médico da sinistrada pela junta médica.
Realizado o exame médico, dos três peritos nomeados dois concluíram pela fixação da incapacidade permanente parcial (IPP) em 0%.
Enquanto o outro, indicado pela trabalhadora sinistrada, ora recorrida, defende a fixação da incapacidade permanente parcial (IPP) em 6%.
Estamos perante uma prova pericial.
Por força da remissão expressa do artº 1º/1 do CPT, o processo do trabalho é regulado pelo presente Código e, subsidiariamente, pelo disposto na legislação relativa à organização judiciária e na legislação processual comum civil ou penal que se harmonize com o processo do trabalho.
Não se encontrando especificadamente reguladas no CPT a produção e a valoração da prova pericial, temos portanto de recorrer subsidiariamente às normas sobre esta matéria previstas na lei civil.
A propósito da valoração da prova pericial, reza o artº 383º do CC que “a força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal.”.
Isto é, ao contrário do que sucede no processo penal, onde o juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador – artº 149º/1 do CPP, inexiste, na matéria civil e laboral, norma que predetermina a superioridade da força probatória da perícia, em relação às outras provas.
Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal de primeira instância aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada pelo Tribunal superior, em sede de recurso, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.
Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
(Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
O meio probatório que, na óptica do recorrente, impunha decisão diversa é a posição maioritária no relatório da perícia médica que, para a recorrente, é mais convincente por ser tomada pelos dois médicos que foram claros quanto ao resultado a que chegaram, sendo um deles o especialista de ortopedia designado pelo Tribunal a quo, tendo justificado com toda a clareza as suas conclusões, que os levaram a considerar que a IPP era de 0%.
Para a recorrente, ao adoptar as conclusões do perito minoritário, baseadas no anterior relatório sufragado pelo mesmo perito, enquanto médico do hospital onde a sinistrada foi tratada, não justificou devidamente a sua convicção, pois a argumentação utilizada para preterir o resultado da junta médica não é suportada por qualquer razão científica ou técnica, apoiada em sólidos e convincentes argumentos, capaz de impor decisão diversa da tirada pela maioria da junta médica. O que fez a decisão enfermar o vício de erro de julgamento.
E pede, com fundamento no invocado erro na valoração da prova, a revogação da decisão da matéria de facto quanto a fixação da IPP em 6%, e em substituição a fixação da matéria a esta respeitante de acordo com a posição maioritária, ou seja, em 0%.
Pela recorrente foi identificado o meio de prova para ser reapreciado.
Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.
Ora, decorre do preceituado no artº 629º que o Tribunal de recurso é permitido funcionar como tribunal de substituição na matéria da questão de facto, relativamente ao Tribunal de primeira instância, desde que, em qualquer das situações aí previstas, se mostrem preenchidos os pressupostos nele exigidos, isto é, se coloquem ao dispor do tribunal ad quem os mesmos meios probatório de que dispunha o tribunal de 1ª instância.
O que significa que vigoram para ambas as instâncias as mesmas regras do direito probatório adjectivo e substantivo.
In casu, está em causa apenas um relatório da perícia médica colegial.
Assim, por força do princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 558º do CPC, este Tribunal de recurso deve igualmente apreciar o relatório pericial a fls. 136, segundo o critério de valoração racional e lógica do julgador, com a observação das regras de conhecimentos gerais e experiência de vida e dos critérios da lógica.
In casu, estamos perante dois juízos técnico-médicos, ambos formalmente fundados na ciência médica, um, subscrito por dois médicos, defende a fixação da IPP em 0% e outro, por um médico, defende em 6%, o Tribunal a quo optou pelo segundo.
Então vejamos se estamos autorizados a substituir-nos ao Tribunal, alterando a matéria de facto fixada em 1ª instância.
O Tribunal a quo optou pela posição minoritária.
A recorrente diz que o Tribunal a quo não justificou a opção pela adopção da posição minoritária.
Isto não é verdade.
Pois o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção no seguinte:
考慮到透過身體檢查及會診檢查所得出的傷患為在腕骨關節的痛楚,而僅會診報告的少數意見所評定的無能力狀況(感覺減退及感覺異常,第40/95/M號法令之附件無能力表第72條)符合遇難人目前所遺留的上述傷患,且其所評定的減值具有合理性,也符合卷宗所載醫療報告及疾病證明所診斷之病況,因此,本院採信卷宗第136頁之會診報告少數意見之鑑定結果。
Ou seja, para o Tribunal a quo, o juízo minoritário que defende a fixação da IPP em 6% mostra-se mais compatível com o sintoma que foi ainda verificado quer no exame directo quer no exame pericial realizado pela junta médica, isto é, a persistência da dor no pulso esquerdo da sinistrada.
Como se sabe, desde que seja formada com observância das regras relativas à produção e à valoração das provas, motivada e recondutível a critérios lógicos, a convicção íntima do Tribunal a quo é válida, e portanto, em princípio, insindicável pelo Tribunal superior em sede de recurso, e só é susceptível de controlo jurisdicional por via de recurso ordinário se a convicção tiver sido formada em violação do direito probatório, não motivada ou irrecondutível a critérios lógicos, ou seja, erradamente formada.
Na verdade, tal como sucede com outros meios de impugnação, o recurso, incluindo o da matéria de facto, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes, gerador de decisões injustas e portanto, visa justamente à simples eliminação da decisão, inválida, injusta ou não conforme à lei, ou ainda à sua substituição por outra a proferir pelo Tribunal ad quem, na sequência do reexame da matéria controvertida – neste sentido cf. Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed. pág. 69.
Assim, o recurso é concebido para corrigir a decisão, considerada pelo recorrente errada ou injusta por ser errada.
Com efeito, para que possamos revogar a decisão sobre a matéria de facto fixada na primeira instância, é preciso que nos convença da existência de erro na produção ou na valoração de provas por parte do Tribunal a quo.
No caso sub judice, a recorrente limitou-se a dizer que a posição maioritária no relatório da perícia médica é mais convincente por ser tomada pelos dois médicos que foram claros quanto ao resultado a que chegaram, sendo um deles o especialista de ortopedia designado pelo Tribunal a quo, tendo justificado com toda a clareza as suas conclusões, que os levaram a considerar que a IPP era de 0% e que, ao adoptar as conclusões do perito minoritário, baseadas no anterior relatório sufragado pelo mesmo perito, enquanto médico do hospital onde a sinistrada foi tratada, a decisão não se encontra devidamente justificada, pois a argumentação utilizada para preterir o resultado da junta médica não é suportada por qualquer razão científica ou técnica, apoiada em sólidos e convincentes argumentos, que imponha decisão diversa da tirada pela maioria da junta médica.
Para além de estar cheio de expressões meramente conclusivas, o alegado não corresponde à verdade.
Ora, tal como salientamos supra, a convicção do Tribunal a quo não foi puramente subjectiva ou emocional, muito menos influenciada por simpatia para com a sinistrada, mas sim motivada. Pois explicou por que razões que o levaram a atribuir a credibilidade ao juízo minoritário.
O que obviamente não quer dizer haver erro.
Não tendo sido demonstrada a existência do erro na valoração da prova, obviamente nada nos legitima para nos substituirmos ao Tribunal a quo, abalando a convicção formada por este e alterando a matéria de facto já fixada na primeira instância.
Não pode assim senão improceder o recurso.
Em conclusão:
1. Ao contrário do que sucede no processo penal, onde o juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador – artº 149º/1 do CPP, inexiste, na matéria civil e laboral, idêntica norma que predetermina a superioridade da força probatória da perícia, em relação às outras provas.
2. Tal como sucede com outros meios de impugnação, o recurso ordinário, incluindo o da matéria de facto, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes, gerador de decisões injustas e portanto, visa justamente à simples eliminação da decisão, inválida, injusta ou não conforme à lei, ou ainda à sua substituição por outra a proferir pelo Tribunal ad quem, na sequência do reexame da matéria controvertida.
3. Desde que seja formada com observância das regras relativas à produção e à valoração das provas, motivada e recondutível a critérios lógicos, a convicção íntima do Tribunal a quo é válida, e portanto, em princípio, insindicável pelo Tribunal superior em sede de recurso, e só é susceptível de controlo jurisdicional por via de recurso ordinário se a convicção tiver sido formada em violação do direito probatório, não motivada ou irrecondutível a critérios lógicos, ou seja, erradamente formada.
4. Para que o Tribunal ad quem possa revogar a decisão sobre a matéria de facto fixada na primeira instância, é preciso que o convença da existência de erro na apreciação de provas por parte do Tribunal a quo.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
RAEM, 19MAR2020
(Relator)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
Ac. 119/2020-17