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Processo n.º 1260/2019
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 26/Março/2020

ASSUNTOS:

- Função da réplica
- Condição acordada e erro-vício invocado


SUMÁRIO:

I – O Autor só pode utilizar a réplica para responder à matéria das excepções ou reconvenção deduzidas pelo Réu, não podendo esclarecer ou corrigir a facticidade articulada na petição inicial, correspondendo a causa de pedir. Se a Ré na contestação limitou-se a negar os factos alegados pelo Autor e afastar a possibilidade de se verificarem os efeitos pretendidos pelo Autor, não se encontram as condições de que depende a apresentação da réplica (cfr. artigo 420º do CPC).
II – Se o Autor invocou como causa de pedir os factos subsumíveis na figura de erro-vício na realização do negócio (cfr. artigos 240º, 241º e 245º do CCM), traduzidos na transmissão de dois imóveis para a sua mulher como condição de divórcio por mútuo consentimento, mas esta versão fáctica não ficou provada, e pelo contrário, um acordo apresentado pelo próprio Autor menciona expressamente que tal transmissão de bens é um “arranjo” (patilha) de bens para depois de divórcio, e, antes de ser decretado o respectivo divórcio (porque o pedido foi julgado improcedente), o Autor transmitiu antecipadamente mediante escritura pública os dois imóveis para a mulher sem contrapartida financeira, não se verifica, neste caso, o elemento de erro, que deve referir-se ao presente ou ao passado.
III – É do entendimento dominante que o erro consiste numa ignorância ou falsa representação, relativas a circunstâncias passadas ou presentes, ou seja, referentes à situação existente no momento da celebração do negócio. A pressuposição consiste na representação inexacta de um acontecimento ou uma realidade futura que não se vêm a verificar-se (e a pressuposição, quando falha, não traduz um erro, mas uma imprevisão). Faltando este elemento, está condenado ao fracasso o pedido do Autor, uma vez que este pretende anular o negócio com base no erro-vício.



O Relator,

________________
Fong Man Chong



Processo nº 1260/2019
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 26 de Março de 2020

Recorrente : Recurso Interlocutório / Recurso Final
A (A)

Recorrida : B (B)


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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A (A), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, contante de fls. 130 e seguintes, datado de 16/11/2017, pelo qual aquele Tribunal não admitiu a “réplica” do Recorrente, por entender que a contestação da Ré não continha matérias que autorizassem a apresentação daquele articulado, e também não admitiu que fossem modificados as causas de pedir e os pedidos, dela veio, em 30/01/2018, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 163 a 171, tendo formulado as seguintes conclusões :
     I. Sobre a Réplica de fls. 109 a 112 recaiu o despacho de fls. 130 e ss.
     II. O despacho de fls. 130 e ss. decidiu a inadmissibilidade da Réplica de fls. 109 a 112 e indeferiu a modificação da causa de pedir e do pedido por o Tribunal a quo considerar que da Contestação de fls. 93 a 105 não consta qualquer defesa por excepção.
     III. Mas, salvo melhor opinião, outro devia ter sido o sentido da, aliás douta decisão recorrida.
     IV. "Da falta de especificação das excepções pela Ré" - Desde logo, porque a falta de especificação das excepções na contestação em contravenção ao disposto art.º 408°, do CPC não devia ter sido premiada pelo Tribunal a quo com a não admissão da réplica.
     V. Isto porque «ainda que o réu não faça a aludida especificação, isso não quer dizer entre a defesa não haja factualidade que tende para a impugnação e outra que tende para a excepção. O juiz deve saber fazer a destrinça e tomá-la em consideração no momento certo de elaborar a base instrutória, de acordo com o comando do art. 335° do CC.
     VI. E, por outro lado, se esta é matéria de direito, ela tanto o é para o juiz, como para o autor. Ou seja, perante a notificação da contestação, o advogado do autor, técnico jurista habilitado a fazer o mesmo exercício de intelecção e interpretação, tem que saber se a matéria da contestação é somente impugnativa ou também exceptiva. E caso o autor conclua que está perante matéria de excepção, então, deverá defender-se dela por meio da réplica, tal como o permite o art. 420º, nº 1, al. a), do CPC, sem necessidade de o juiz do processo o notificar expressamente para o efeito.» [Ac. TSI, de 20/10/2016, Proc. n.º 872/2015]
     E foi O que sucedeu.
     Vejamos:
     VII. "Da excepção do negócio dissimulado" -nos artigos 3.°,12.°,14.°,16.°,23.° e 34.º da Contestação de fls. 93 a 105, a Ré defende-se dizendo que a transferência das duas fracções ora em causa não foi um negócio de compra e venda, mas sim uma “雙方作為離婚對財產的處分的一部分安排”.
     VIII. Isto por na P.I., o Autor, ora Recorrente, ter alegado que a Recorrida aceitava divorciar-se dele por mútuo consentimento mediante uma condição prévia: que o Autor passasse para nome dela as fracções a que se referem as escrituras de fls. 14 a 23, sem qualquer contrapartida financeira.
     IX. Sucede que, depois da transferência das duas fracções, a ora Recorrida voltou com a palavra atrás, recusando-se a cumprir o acordo de fls. 8 e a divorciar-se do ora Recorrente por mútuo consentimento nas condições ali acordadas.
     X. Ora, se o Recorrente soubesse que a Ré iria voltar atrás no acordado depois de se ver proprietária dos imóveis, recusando divorciar-se por mútuo consentimento nos termos previamente combinados, o Recorrente pura simplesmente não lhe teria alienado os imóveis ou não lhos teria alienado sem receber o preço ou teria procedido à sua alienação mediante a inclusão de uma condição ou de uma cláusula resolutiva nas escrituras.
     XI. Pelo que o ora Recorrente se viu forçado a pedir a anulação dos negócios de compra e venda de fls. 14 a 23 por erro essencial nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 2 do art.º 240.° e do art.º 241.°, ambos do Código Civil.
     XII. Além disso, a ora Recorrida, nos artigos 3.° e 16.° da sua Contestação, defendeu-se dizendo também que a transferência das duas fracções ora em causa só teve por objectivo a partilha parcial dos bens e de ela poder continuar a viver na fracção "***" com o filho menor do casal.
     XIII. Neste sentido, a ora Recorrida, nos artigos 3.° e 16.° da Contestação faz a invocação de factos (novos) impeditivos do erro-vício do Autor.
     XIV. Isto por tal erro-vício apenas existir se o Recorrente transferiu as duas fracções à Recorrida com o único motivo de cumprir a condição prévia estabelecida pela Recorrida para que ela se divorciasse dele por mútuo consentimento o mais cedo possível.
     XV. Dito por outras palavras: o erro essencial do Autor não existiria se o negócio dissimulado sob as compras e vendas de fls. 14 a 23 fosse realmente aquele (partilha parcial dos bens) que a Ré diz ter sido.
     XVI. Trata-se de uma defesa por excepção para neutralizar o erro-vício onde radica o efeito anulatório dos contratos de fls. 14 a 23 pretendido pelo Autor.
     XVII. A defesa da Ré foi assim e por isso uma defesa por excepção peremptória que opõe ao erro-vício do Autor o negócio dissimulado sob as compras e vendas de fls. 14 a 23, o que configura a invocação de factos novos impeditivos do efeito jurídico dos factos articulados na P.I., nomeadamente do efeito jurídico de anulação dessas compras e vendas.
     XVIII. A Ré defendeu-se assim mediante a invocação da simulação relativa dos negócios titulados pelas escrituras de fls. 14 a 23, dado que, como decorre do artigo 233/1 do Código Civil, a lei admite a validade do negócio dissimulado na medida em que uma vez desvendada a simulação arguida por qualquer um dos simuladores (234/1 do Código Civil), abstrai-se do negócio jurídico simulado e atende-se ao negócio real, oculto, de tal modo que, prevalecendo o que na realidade se quis e fez sobre o que simuladamente se concebeu, o acto dissimulado, vindo à superfície, fica sujeito ao regime que lhe é próprio, como se tivesse sido celebrado às claras, tendo pois, valor jurídico.
     XIX. Com isto a Ré opôs ao erro-vício do Autor (na celebração dos negócios titulados pelas escrituras de compra e venda de fls. 14 a 23) a excepção da validade do negócio dissimulado (partilha parcial dos bens) sob essas compras e vendas.
     XX. Cabia, pois Réplica à matéria da excepção alegada nos artigos 3.°, 12.º 14.º, 16.º, 23.° e 34.° da Contestação por força do disposto no artigo 420.°, n.º 1, al. a) ex vi do artigo 407/2, al. b), todos do CPC.
     XXI. "Da excepção da recusa culposa de cumprimento" - Por outro lado, a Recorrida defendeu-se nos artigos 6.º a 9.º, 19.º, 22.º, 24.º, 28.º e 31.º da Contestação, dizendo que concordava em proceder ao divórcio por mútuo consentimento segundo as condições estipuladas no acordo de fls. 8.
     XXII. Mas com uma diferença essencial: que foi o ora Recorrente quem alegadamente se terá recusado a proceder ao divórcio por mútuo consentimento por alegadamente não ter vontade a cumprir o acordo de fis. 8!
     XXM. Assim, nos artigos 6.º a 9.º, 19.º, 22.º, 24.º, 28.º e 31º da Contestação a Ré opôs ao erro-vício do Autor (na celebração dos negócios de compra e venda de fls. 14 a 23) a excepção peremptória de direito material da recusa culposa de cumprimento contratual, designadamente do acordo de fls. 8.
     XXIV. Com efeito, a Ré, ora Recorrida, não contestou a existência do acordo de fls. 8; o que ela fez foi imputar ou devolver ao Autor a culpa pelo seu incumprimento!
     XXV. Tal imputação da culpa pelo incumprimento do acordo de fls. 8 configura defesa por excepção peremptória nos termos do disposto no artigo 335/2 do Código Civil e artigo 407.º, n.º 2, al. b) do CPC, implicando para o Autor o ónus de impugnação por força do disposto nos artigos 787.º e 788.º do Código Civil e o consequente direito a Réplica, sob pena da cominação prevista no artigo 424.º ex vi do artigo 420.°, n.º 1, al. a), do CPC.
     XXVI. Nada obstava, por conseguinte, à admissão da Réplica de fls. 109 a 112 e da modificação simultânea do pedido e da causa de pedir até por nada proibir «que o autor, quando haja Réplica, possa, nesta peça, completar, rectificar ou concretizar a matéria de facto alegada na petição e que integra a causa de pedir, ... » [Cfr. VIRIATO MANUEL PINHEIRO DE LIMA, in loc. Cit.]
     XXVII. Em consequência, tanto a Réplica de fls. 109 a 112, como a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir deveriam ter sido admitidas nos termos do disposto nos números 1, 2 e 6 do artigo 217.º ex vi do artigo 420.º, n.º 1, al. a) ex vi do artigo 407/2, al. b), todos do CPC.
     XXVIII. "Da convolação" - Caso porventura assim não se entenda, nada obstaria à admissibilidade do articulado de fls. 109 a 112 como se de um articulado superveniente se tratasse nos termos do artigo 425.° do CPC, bem como da modificação da causa de pedir e do pedido que dele decorre, por força dos princípios da economia, da gestão do processo e do máximo aproveitamento dos actos processuais - nos quais se funda o poder/dever de convolação processual do tribunal.
     
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    B (B), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 176 a 186, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1) Em sede de recurso, vem o Autor pugnar pela admissibilidade da réplica por si apresentada sustentando-se em alegadas excepções peremptórias que teriam sido invocadas pela Ré no âmbito da sua contestação;
     2) O raciocínio formulado pelo Autor ao longo do seu recurso não passa de uma falácia "circulus in probando", uma vez que o Autor procura confundir o conceito jurídico de "factos impeditivos" com o respectivo sentido em linguagem coloquial;
     3) Na verdade, a defesa por excepção peremptória parte da aceitação dos factos constitutivos alegados pelo autor (pelo menos para efeitos de raciocínio, já que é cumulável com a defesa por impugnação), mas vem acrescentar novos factos que obstam ao efeito jurídico que seria próprio desses factos constitutivos;
     4) Por seu turno, a impugnação ou negação motivada “(…) ainda que contendo aceitação de parte dos factos alegados, envolve sempre negação do facto constitutivo da acção como um todo (...)" (Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol, III, 1982, pág. 213) (negrito nosso);
     5) Ora, foi o próprio Autor que alegou que os negócios celebrados não dependiam de qualquer pagamento, não sendo por isso verdadeiramente negócios de compra e venda, mas antes negócios levados a cabo no âmbito de um acordo de divórcio por mútuo consentimento!;
     6) O facto constitutivo da acção movida pelo Autor prende-se com o facto da Ré supostamente recusar avançar com o divórcio por mútuo consentimento acordado entre as partes, o que teria motivado um alegado erro-vício do Autor na celebração dos negócios jurídicos de transmissão das fracções autónomas;
     7) Na sua contestação a Ré impugnou esse facto constitutivo, motivando essa impugnação com o facto de ser o Autor que recusa avançar com o divórcio por mútuo consentimento nos termos acordados;
     8) Como é bom de ver, nada do que foi alegado pela Ré na sua contestação pressupõe a aceitação dos factos constitutivos invocados pelo Autor na sua petição inicial, não se correspondendo por conseguinte com as (juridicamente inexistentes) "excepção do negócio dissimulado" e "excepção da recusa culposa de cumprimento contratual";
     9) Caso contrário e seguindo a lógica do Autor, qualquer defesa por impugnação consistiria na alegação de "factos impeditivos" já que impedem o sucesso de qualquer acção;
     10) No recurso a que ora se responde, o Autor alega ainda que a Réplica deveria ter sido admitida como articulado superveniente, questão que se entende que não pode ser apreciada pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância porquanto não foi apreciada pelo Mm.º Tribunal Judicial de Base;
     11) Em todo o caso, sempre se dirá que o Autor procura deturpar a sua alegação no sentido de que o facto superveniente é a propositura de uma acção judicial de divórcio pelo próprio Autor, facto esse que supostamente levou a que o Autor tenha perdido o interesse que tinha na contraprestação da Ré nesse acordo;
     12) Sucede que esse suposto "facto" criado pelo Autor não tem qualquer relevância no âmbito do presente processo, onde se discute se o Autor incorreu num erro-vício ao celebrar as escrituras públicas do dia 20 de Junho de 2016!
     13) Não há, assim, qualquer facto superveniente que seja constitutivo (ou impeditivo, modificativo, extintivo) dos negócios jurídicos em discussão nos presentes autos, tal não passando de um mero artifício do Autor para procurar, desse modo, sustentar a pretendida modificação da causa de pedir e do pedido.
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    A (A), Recorrente, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 27/05/2019, que julgou improcedente a acção por ele intentada, dela veio, em 18/09/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 399 a 416, tendo formulado as seguintes conclusões :
     a) Do processo constam todos os elementos de prova, incluindo a gravação dos depoimentos prestados, que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto ora em causa.
     b) Nada obsta, portanto, à modificação para "Provado" das respostas negativas ou restritivas que foram dadas aos quesitos 2.°,5.°, 10.°, 14.° e 15.° da Base Instrutória no acórdão de fls. 294 a 296, por tais pontos da matéria de facto se mostrarem incorretamente julgados, conforme demonstrado no corpo destas alegações.
     c) Tal como o ora Recorrente configurou a acção, no caso sub judicie estava em causa apurar se se verificava um vício da vontade, seja na modalidade de erro-vício ou na modalidade de erro sobre a base negocial.
     d) O Tribunal a quo considerou, na esteira de MANUEL DE ANDRADE, que o erro pressupõe 3 elementos: i) determinada circunstância de facto ou de direito; ii) representação dessa circunstância pelo declarante; e iii) falta de correspondência entre a representação e a circunstância.
     e) O Tribunal a quo reconheceu, e bem, que a representação do Autor era efectivamente no sentido de que o divórcio seria formalizado nos termos acordado(s) entre as partes, porque a Ré actuaria em conformidade com o estabelecido no acordo.
     i) A propósito da representação da circunstância de facto pelo declarante, a decisão recorrida reconhece que essa representação assentava num acordo celebrado entre o Recorrente e a Recorrida.
     g) O acordo em que assentou a representação do declarante, é precisamente aquele a que referem os factos dados como provados em resposta aos quesitos 1.º, 2.°, 4.°, 11.°, 13.° e 15.° da base instrutória.
     h) Precisamente por porque este factos foram dados como provados, não se compreende que na sentença se aluda, com referência ao ora Recorrente, que nunca afirmou que, antes da transmissão ou quando a transmissão teve lugar, a Ré tinha ou não intenção de cumprir o acordo divorciando(-se) do Autor por mútuo consentimento.
     i) Ao contrário do que consta da fundamentação jurídica da decisão recorrida, ficou apurada a atitude da Recorrida antes da declaração de transmissão dos imóveis, tal como o Tribunal considerou que urgia apurar.
     j) E a atitude da Recorrida antes da transmissão dos imóveis era a de se divorciar por mútuo consentimento do Recorrente, como contrapartida dessa transmissão.
     k) ln casu também se demonstraram os factos integradores da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro e o conhecimento dessa essencialidade pela Recorrida, requisitos de relevância do erro-vício e da anulabilidade do negócio de transmissão na formação da vontade e no processo de decisão do Recorrente - resposta ao quesito 13.° da base instrutória.
     l) Assim, ao contrário do que consta da decisão recorrida, no caso dos autos verificam-se todos os elementos do erro-vício.
     m) Ao contrário do que também consta da sentença, a representação do declarante e a circunstância de facto ou de direito não têm que se referir ao momento da emissão da declaração de vontade alegadamente inválida, podendo, como a unanimidade da doutrina reconhece, e na sentença também se escreveu, referir-se a um momento anterior.
     n) O negócio jurídico de transmissão dos imóveis, consumado no momento de celebração das escrituras públicas de 20/07/2016 - alíneas E) e F) dos factos assentes - é precisamente o negócio prometido nos contratos-promessa de compra e venda de 25/05/2016 - alíneas C) e D) dos factos assentes.
     o) Promessas de compra e venda inicialmente plasmadas no acordo de 24/05/2016, a fls. 8 dos autos - alínea b) dos factos assentes e resposta ao quesito 4.° da base instrutória.
     p) Para efeitos de análise da declaração de vontade das partes e a verificação dos pressupostos do erro a promessa e negócio prometido são indissociáveis.
     q) E se na decisão recorrida se reconhece a verificação da representação do Autor sobre determinada circunstância de facto, o Tribunal a quo está, naturalmente, a confirmar a verificação dessa circunstância de facto, com resulta do mero raciocínio lógico-dedutivo.
     r) A decisão ora recorrida fez uma errada apreciação da matéria dada como assente e provada, para concluir que que nos autos nada foi alegado sobre o 1.º elemento do erro-vício e uma errada interpretação e aplicação dos artigos 240.º e 241.º do Código Civil.
     s) Na sentença vem escrito, a propósito da análise feita aos argumentos do Recorrente sobre a figura do erro-vício, que a alegação do Autor correspondia a uma figura jurídica diferente: a da pressuposição.
     t) A figura da pressuposição mencionada na sentença recorrida, e que o Tribunal a quo considerou como sendo a que verdadeiramente correspondia à alegação do Autor, mais não é do que a figura do erro sobre a base do negócio, prevista art.º 245.º do Código Civil de Macau e alegada expressamente pelo ora Recorrente na sua p.i.
     u) O Tribunal a quo, persistindo no mesmo equívoco, concluiu pela impossibilidade da concretização da análise da figura do erro sobre a base do negócio, por, na sua óptica, nada vir alegado quanto ao 1.º elemento do erro (uma circunstância de facto).
     v) Mas o ora Recorrente alegou - e foi dado como provado - que a Recorrida antes da transmissão tinha intenção de cumprir o acordo de se divorciar dele por mútuo consentimento.
     w) Se assim não fosse, não teria assinado o documento de fls. 8.
     x) A enquadrar-se doutrinariamente a situação dos autos na figura do erro sobre a base do negócio, deverá ser declarada a anulação das compras e vendas identificadas nas alíneas E) e F) dos Factos Assentes, como decorre do art.º 245.º do CC.
     y) Em face da matéria provada, a acção sempre deveria ter sido julgada procedente, com a anulação das compras e vendas identificadas nas alíneas E) e F) dos factos assentes, com fundamento na verificação de erro sobre a base negocial.
     z) O Tribunal a quo cometeu um erro de subsunção, por errado juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão no art.º 245.° do CC, e por errónea interpretação dos conceitos utilizados nessa previsão.
     aa) O Tribunal a quo entendeu que dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa o pedido deveria ser julgado improcedente, porquanto a deslocação patrimonial verificada com a transmissão dos imóveis resultou do acordo de divórcio de que essa transmissão fazia parte, tratando-se, por isso, de uma questão de incumprimento contratual.
     bb) O pedido de condenação com fundamento em enriquecimento sem causa, foi formulado pelo Autor a título subsidiário, para o caso da acção não proceder com os fundamentos no erro-vício e no erro sobre a base negocial, que levariam, precisamente, à anulação dos negócios que estiveram na origem nas deslocações patrimoniais
     cc) Não sendo reconhecido ao Recorrente a possibilidade de anulação dos negócios jurídicos que levaram à deslocação patrimonial, e estando reunidos os demais requisitos do enriquecimento sem causa, a decisão recorrida deveria ter julgado procedente o pedido subsidiário.
     dd) Assim não sucedeu, pelo que incorreu o Tribunal a quo na errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 467.° do CC.
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    B (B), Recorrida, ofereceu a resposta constante de fls. 436 a 486, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O Recorrente veio apresentar recurso da douta sentença proferida pelo Mm.º Tribunal Judicial de Base, alegando em primeiro lugar um suposto erro no exame crítico das provas, procurando desse modo conseguir dar como provado matéria que não conseguiu provar porque é falsa e, além disso, é matéria que não foi alegada pelo Recorrente;
     2) Desde logo, diga-se que a Ré nunca recusou e muito menos manteve a sua recusa em divorciar-se do Recorrente por mútuo consentimento conforme o acordo de fls. 8 no decurso do processo que correu termos sob o n.º FM1-17-0167-CDL, oportunidade que nunca foi dada à Ré naquele processo, sendo aliás de fácil constatação, já que aquele processo só foi apresentado depois da Ré, neste processo, ter contestado e afirmado que nunca rejeitou o divórcio nos termos do acordo de fls. 8 e que se mantinha (e mantém) disponível para tal;
     3) Basta ver ainda que tal representaria uma tremenda incongruência do Recorrente, já que ainda neste processo tentou e continua a tentar (em sede de recurso) que seja admitida uma Réplica por si apresentada em clara violação das normas processuais, para que seja desse modo aceite uma ampliação do pedido para que possa requerer que seja "declarado resolvido o acordo de fls. 8 por incumprimento";
     4) Por outro lado, o Recorrente vem alegar a existência de "confissões extrajudiciais" da Ré nos artes 13.º e 17.º da Contestação ao processo de divórcio litigioso que correu termos sob o n.º FM1-17-0167-CDL, com o fito de procurar deturpar as conclusões do Mm.º Tribunal Judicial de Base sobre a matéria de facto provada;
     5) Não há nenhuma "confissão extrajudicial" quando a versão dos factos por parte da Ré é sempre a mesma, qualquer que seja o processo, nunca tendo a Ré negado que o acordo de fls. 8 representava e representa um acordo para o divórcio por mútuo consentimento;
     6) O que o Recorrente pretende é dar como provada matéria muito para além daquilo que foi por si alegado, em clara infracção do princípio do dispositivo, como se pode constatar da matéria que foi dada como provada no âmbito dos quesitos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º da base instrutória;
     7) Não há assim qualquer erro no exame crítico das provas, o que facilmente se constata quando se observa que o Recorrente quer "impugnar" matéria que nem consta da Base Instrutória;
     8) Além disso, vem o Recorrente também impugnar a matéria de facto, nomeadamente, a prova efectuada dos quesitos 2.º, 5.º 10.º 14.º e 15.º da Base Instrutória;
     9) Em relação ao quesito 2.º, repare-se que não ficou provado que tivesse sido a Ré a impor uma condição prévia para o divórcio por mútuo consentimento, qual seja, a de o Recorrente ter de passar para o nome da Ré uma fracção autónoma destinada a habitação e uma fracção autónoma destinada a estacionamento, sem qualquer contrapartida;
     10) Pretende o Recorrente abalar a convicção do Mm.º Tribunal Judicial de Base a esse respeito com base no depoimento de testemunhas que não têm conhecimento directo das negociações realizadas entre as partes (!), no caso, as testemunhas C (C), do Recorrente, e C da Ré (sendo que o depoimento desta última nem sequer diz o que o que o Recorrente julga dali retirar);
     11) Com efeito, e conforme melhor se deixou demonstrado supra, a testemunha do Recorrente em causa no seu depoimento revelou nunca ter presenciado qualquer negociação feita entre as partes, não tendo sequer um conhecimento dos documentos que foram assinados, datas e período temporal relativo ao acordo ou mesmo quais as fracções em causa, entre outros elementos que revelam uma absoluta falta de conhecimento da situação de facto (nem sequer conhece a Ré);
     12) O depoimento da testemunha arrolada pela Ré também nada diz que coloque em causa a convicção do Mm.º Tribunal Judicial de Base quanto à matéria que foi dada como provada sobre o quesito 2.º da base instrutória;
     13) Refira-se ainda que a força probatória da prova testemunhal é apreciada segundo o princípio da livre apreciação (artigo 390.º do Código Civil), sendo o respeito por esse princípio e pelo princípio da imediação impõe que só em casos de erro evidente ou deturpação das regras sobre as provas é que pode o Tribunal de recurso alterar a decisão de facto.
     14) Por sua vez, em relação ao quesito 5.º, importa referir que, ao contrário do alegado pelo Recorrente na suas alegações de recurso, não há qualquer confissão extrajudicial, desde logo porque o facto em discussão não era o que pretende fazer crer o Recorrente;
     15) O que o Recorrente tinha alegado era que “Para concretização desse acordo foi solicitado ao Autor" (sem nunca indicar quem é que teria feito essa solicitação de assinatura de contratos-promessa no dia seguinte a fim de concretizar o acordo de fls. 8 dos autos!);
     16) Essa matéria não ficou provada nem há qualquer confissão extrajudicial sobre a mesma porque, como é bom de ver, o que era perguntado e tinha sido alegado pelo Recorrente é que alguém (não se sabendo quem!) teria solicitado que, no dia seguinte, que fossem celebrados os contratos-promessa a fim de se concretizar o acordo de fls. 8 dos autos;
     17) Deste modo, cai por terra a teoria preconizada pelo Recorrente para considerar que deveria ter sido dado por provado o quesito 5.º na sua integral configuração;
     18) Por seu turno, em relação ao quesito 10.º, reproduzimos tudo o que se disse supra a respeito da força probatória do depoimento testemunhal (e remete-se, também para este efeito, para as passagens invocadas supra) que não tem conhecimento directo das negociações realizadas entre as partes, que não conhece os pormenores do acordo e que vai ao ponto de afirmar em plena audiência que o que sabe foi-lhe dito pelo Recorrente no escritório de advogados no mês anterior à data do julgamento;
     19) Portanto, bem decidiu o Mm.º Tribunal a quo ao determinar que "(...) por a prova não ter sido suficiente para demonstrar que fora a Ré quem não aceitou concretizar o acordo do divórcio, (...)”, não estando assim em causa qualquer erro evidente na apreciação da prova que impusesse a alteração da decisão de facto a este respeito;
     20) Por sua vez, em relação ao quesito 14.º, o Tribunal deu o quesito como "não provado", sendo que o Recorrente alega tratar-se de um erro de julgamento e que há uma incompatibilidade lógica entre a resposta negativa a este quesito e a resposta positiva aos quesitos 13.º e 15.º, designadamente;
     21) Aqui cumpre dizer que se não está provado que a Ré incumpriu o acordo de divórcio nem que recusou o divórcio por mútuo consentimento (aliás, a própria Ré manteve sempre em todo o processo a sua disponibilidade para se divorciar nos termos acordados), então como é que se pode dar como provada a matéria de um quesito que tem como premissa essencial aquela recusa ou incumprimento?;
     22) A este respeito disse, e bem, o Tribunal a quo na decisão sobre a matéria de facto de 21 de Janeiro de 2019 que "por a prova não ter sido suficiente para demonstrar que fora a Ré quem não aceitou concretizar o acordo do divórcio, o Tribunal entendeu que o quesito 15.º pode ser dado como provado apesar da resposta dada ao quesito 14.º da base instrutória.";
     23) Quanto ao depoimento da testemunha transcrito pelo Recorrente, também aqui importa referir que a mesma só tem conhecimento através do que lhe foi contado pelo Recorrente no escritório de advogados no mês anterior à data do julgamento nos autos, sendo que não acompanhou as negociações nem a celebração de qualquer acordo;
     24) Em suma, a decisão de facto tomada pelo Mm.º Tribunal Judicial de Base segundo a sua prudente convicção não merece qualquer censura, pelo que não pode o Venerando Tribunal de Segunda Instância alterar a decisão de facto do Tribunal recorrido sob pena de violação dos princípios da imediação e da livre apreciação da prova;
     25) Finalmente, em relação ao quesito 15.º, importa recordar que o Tribunal a quo no acórdão que recaiu sobre a matéria de facto não dá como demonstrado “o alegado pelo Recorrente acerca da génese do acordo e das razões por que, contrariamente ao acordado, a transmissão dos imóveis fora feita antes de as partes se terem divorciado por mútuo consentimento".
     26) O que ficou demonstrado é que o pressuposto era o acordo de fls. 8 dos autos e não simplesmente o divórcio por mútuo consentimento;
     27) Daí que o Mm.º Tribunal recorrido tenha decido, e bem, dar uma resposta restritiva à matéria do quesito 15.º, dando por provado que a Ré sabia o que acordou com o Recorrente nos termos referidos na resposta aos quesitos 1.º e 2.º, sem contudo colocar a Ré na posição de estar a incumprir com qualquer "pressuposto" ou "condição" desse mesmo acordo ou colocando ainda como "pressuposto" um simples divórcio por mútuo consentimento quando o que estava em causa era o acordo de fls. 8 dos autos;
     28) Vem ainda o Recorrente alegar que o Mm.º Tribunal Judicial de Base incorreu em erro de direito quando na decisão que tomou não deu por verificado qualquer erro-vício, erro sobre a base do negócio ou enriquecimento sem causa;
     29) Em primeiro lugar, é preciso notar que se é certo que, em geral, a transmissão de fracções tem a configuração de um negócio jurídico, também não se pode olvidar que neste caso concreto as mesmas transmissões são também obrigações resultantes do acordo de fls. 8 dos autos;
     30) Não é um mero detalhe, visto que toda a construção jurídica do Recorrente se torna absurda quando se constata que pretende invalidar as obrigações decorrentes desse acordo por "erro-vício" e não o próprio acordo de fls. 8 dos autos;
     31) Daí que toda a teoria do Recorrente consista num retalhar da realidade, querendo invalidar a execução de obrigações de um acordo por "erro-vício" (escudando-se na aparência das mesmas se traduzirem na celebração de negócios jurídicos) provocado por conta de um alegado (mas não provado) incumprimento do acordo de fls. 8 onde se encontram previstas essas obrigações;
     32) Ainda que fosse admissível dissociar a transmissão das fracções do acordo concluído entre as partes a fls. 8 dos autos, o que o próprio Recorrente não faz, tão-pouco teria qualquer sentido a teoria de que o Recorrente incorreu em erro-vício ao celebrar aquelas transmissões;
     33) Como bem notou a sentença recorrida, não há juridicamente qualquer erro-vício porque os negócios celebrados foram queridos pelo Autor naqueles exactos termos, como de resto resulta dos seus articulados, sendo que o alegado (mas não provado) incumprimento da Ré coloca-se no âmbito do instituto jurídico do incumprimento contratual e não do erro-vício sobre os motivos ou sobre as circunstâncias;
     34) Vem ainda o Recorrente alegar que, afinal, a sentença recorrida estaria viciada porque o Mm.º Tribunal não tomou em devida a conta a figura da pressuposição, equiparando-a à figura do erro sobre a base do negócio para assim poder sustentar a sua teoria;
     35) Note-se que as referências doutrinárias utilizadas pelo Recorrente distinguem claramente a pressuposição da figura jurídica do erro, designadamente do erro sobre a base do negócio, ao contrário do que aquele pretende fazer crer;
     36) Em todo o caso, e partindo do raciocínio de admissibilidade feito na conclusão 32), o que se diz num esforço de síntese, importa considerar que o erro sobre a base do negócio incide sobre circunstâncias externas ao negócio e com base no qual o mesmo foi edificado e não em relação à atitude ou vontade de uma das partes em cumprir o acordado;
     37) Ora, não se pode configurar um suposto incumprimento contratual da Ré do acordo de fls. 8 dos autos (que não ficou provado em momento) como sendo uma mera "circunstância" na base do negócio de transmissão das fracções, já que a lógica do Recorrente sobre a matéria do erro-vício leva a que esta figura jurídica englobe não só a alteração de circunstâncias como também o próprio incumprimento contratual;
     38) Finalmente, vem o Recorrente alegar que o Tribunal Judicial de Base julgou incorrectamente a questão de direito relativa ao enriquecimento sem causa porque ao reconhecer a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, o Mm.º Tribunal Judicial de Base obviou a que o seu pedido de condenação em enriquecimento sem causa havia sido formulado a título subsidiário;
     39) Salvo o devido respeito, é uma confusão grosseira entre a natureza subsidiária (questão de direito substantivo) do instituto do enriquecimento sem causa com o facto de, em termos de direito processual, o pedido ser formulado a título subsidiário;
     40) Como é evidente, não há transmissão indevida ou sem causa justificativa porque a transmissão dos imóveis foi efectuada com base no acordo de divórcio estabelecido entre as partes;
     41) Ademais, não se tendo verificado o divórcio por mútuo consentimento em vista do qual se verificou a deslocação patrimonial, ainda o mesmo poderá se realizar, não havendo efectivamente incumprimento (pelo que também não se pode afirmar que definitivamente não se verificou o escopo pretendido com a causa justificativa, i.e., o acordo de divórcio celebrado entre as partes);
     42) Deste modo, deverá também improceder o pedido de condenação da Ré com base em enriquecimento sem causa.
     
*
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     Da Matéria de Facto Assente:
     - Autor e Réu casaram, em 6 de Junho de 2006, conforme certidão de casamento a fls. 7 dos autos (alínea A) dos factos assentes).
     - O Autor e a Ré assinaram, em 24 de Maio de 2016, o documento a fls. 8 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea B) dos factos assentes).
     - Em 25 de Maio de 2016, o Autor e a Ré assinaram o contrato promessa de compra e venda da fracção ***, destinada a habitação, do prédio sita na Taipa, na Rua do Jardim n.º 6 a 200, Avenida dos Jardins do Oceano n.º 465 a 571, Jardins do Oceano (Azalea Court, Bauhinia Court, Violet Court), correspondente ao **º andar *, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 2####, cuja cópia consta de fls. 9 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por conveniente (alínea C) dos factos assentes).
     - Na mesma data, o Autor e a Ré assinaram o contrato promessa de compra e venda, de 1/356 avos da fracção JR/C, destinada a estacionamento, do prédio sita na Taipa, na Rua do Jardim n.º 6 a 200, Avenida dos Jardins do Oceano n.º 465 a 571, Jardins do Oceano (Azalea Court, Bauhinia Court, Violet Court), correspondente ao lugar de estacionamento JR/C, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 2####, cuja cópia consta de fls. 10 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por conveniente (alínea D) dos factos assentes).
     - A prometida compra e venda da fracção habitacional acabou por ser concretizada por escritura pública celebrada em 20 de Julho de 2016, no Cartório no Notário Privado D, a fls. 135 a 136v. do Livro n.º 79 (fls. 15 a 18 dos autos) (alínea E) dos factos assentes).
     - Enquanto a prometida compra e venda da fracção de estacionamento acabou por se concretizada por escritura pública celebrada em 20 de Julho de 2016, no Cartório no Notário Privado D, a fls. 133 a 134v. do Livro n.º 79 (fls. 20 a 23 dos autos) (alínea F) dos factos assentes).
     - As aquisições das fracções autónomas foram registadas a favor da Ré em 26 de Julho de 2016 pelas inscrições n.º 3####6G e n.º 3####7G (fls. 24 a 87) (alínea G) dos factos assentes).
     - Os bens imóveis identificados nas alíneas C. e D., foram adquiridos pelo Autor antes do seu casamento com a Ré (cfr. fls. 35 e 83 dos autos) (alínea H) dos factos assentes).
     *
     Da Base Instrutória:
     - Em data não apurada, o Autor e a Ré acordaram divorciar-se por mútuo consentimento (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
     - Mais acordaram que, depois do divórcio, o Autor transmitiria à Ré uma fracção autónoma destinada a habitação e uma fracção autónoma destinada a estacionamento, sem qualquer contrapartida financeira (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
     - O Autor e a Ré assinaram, em 24 de Maio de 2016, o documento a fls. 8 dos autos, em que acordavam, para além de outros pontos, na transmissão, após o divórcio, das fracções autónomas em causa (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
     - Procedeu-se no dia seguinte, a assinatura dos contratos-promessa de compra e venda referidos em C) e D) dos factos assentes (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
     - Pese embora das escrituras públicas conste que o Autor havia recebido os preços das compras e vendas e dos quais chegou a dar quitação, tal nunca aconteceu (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
     - O Autor transmitiu o direito de propriedade sobre os identificados imóveis à Ré porque as partes tinham acordado divorciar-se por mútuo consentimento e porque o Autor estava convencido de que o divórcio se concretizaria (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
     - Até à presente data, as partes ainda se encontram casadas (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
     - O Autor nunca teria transmitido à Ré, como era do conhecimento desta, o direito de propriedade sobre os imóveis caso não se concretizasse o divórcio por mútuo consentimento (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
     - A Ré sabia que acordou com o Autor nos termos referidos na resposta aos quesitos 1º e 2 (resposta ao quesito 15º da base instrutória).

* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Comecemos pelo recurso contra a decisão interlocutória.
    O despacho atacado tem o seguinte teor:

“- 卷宗第120至123頁;第128及129頁:
就原告提出的反駁狀,被告認為根據«民事訴訟法典»第420條第1款a項及b項的規定,原告無權提交該反駁狀,並請求將之抽出並退還予原告。
原告不認同被告的聲請,並指出,由於答辯狀中載有構成永久抗辯的事實,故其有權提交反駁狀。
讓本院作出審理。
對此問題有重要性的,是«民事訴訟法典»第420條第1款a項(其規定如答辯中有提出抗辯,原告得於反駁時僅就該等事宜對答辯作出答覆),因為本案明顯不符合同一條文b項及c項的情況。
本案中,被告在答辯時沒有提出延訴抗辯。那麼,被告有否一如原告所言,在答辯中陳述“作為妨礙、變更或消滅原告所提出之權利之原因之事實”(«民事訴訟法典»第407條第2款b項),因而導致原告有權提交反駁狀?
讓我們先看看原告在起訴狀陳述的訴因。原告尤其陳述了以下內容:
- 其希望與被告離婚,故向被告要求以兩願方式解銷兩人的婚姻(起訴狀第2條);
- 被告最終同意與原告離婚,但設下前提條件:原告須在無償情況下,將其名下的一個住宅及一個停車位轉至被告名下,否則,被告不會同意以兩願方式離婚,原告則須提出訴訟離婚(起訴狀第2條及第3條);
- 在此情況下,兩人簽署載於起訴狀的文件2,並尤其約定了在離婚後,將對上述兩個物業進行轉移;(起訴狀第5條)
- 為落實此一協議,雙方簽署了預約合同及相關的本約合同;(起訴狀第7條至第9條、第12條及第13條)
- 無論在簽署預約合同,抑或簽署本約合同後,被告一直拒絕與原告離婚,令原告感到受欺騙;(起訴狀第11條、第18條、第20條)
- 原告只在被告同意前者將兩項不動產移轉後兩人隨即以兩願方式離婚,以及確信被告會履行協定的情況下,方允許將涉案兩個不動產移轉;(起訴狀第19條)
- 正如被告亦知道的,如果兩人不會在兩項不動產移轉後隨即以兩願方式離婚,原告不會將兩個不動產移轉予被告;(起訴狀第22條)
- 原告在沒有收取價金的情況下將兩個不動產出售並移轉予被告,以能夠在兩項不動產移轉後隨即與被告以兩願方式離婚;(起訴狀第23條)
- 被告知悉兩個不動產的移轉前提是取決於兩人以兩願方式離婚;(起訴狀第24條)
- 如果原告知悉被告不會履行雙方的承諾,原告不會作出有關轉移。(起訴狀第26條及第27條)
基於起訴狀內所陳述的事實,原告請求撤銷涉案兩個不動產的買賣。作為補充請求並基於不當得利,原告請求被告須向其返還兩個不動產或向其支付不動產的巿場價金。
正如«民法典»第335條第1款的規定,創設權利之事實,由主張權利之人負責證明。
根據上述舉證責任規則,要使原告的主請求成立,原告必須證明其與被告之間存在起訴狀聲稱的協議(即待證事實中尤其第1至第4條所涉及的事實。透過該協議,被告同意兩願離婚的條件是:原告在無償情況下,將其名下的一個住宅及一個停車位轉至被告名下);除此以外,原告亦要證明被告知悉兩願離婚對原告的重要性(即待證事實尤其第11、13、14及15條所涉及的事實,尤其是被告知悉兩個不動產的移轉的前提條件是取決於兩人以兩願方式離婚),亦要證明被告沒有一如原告所主張存在的協議般履行其義務,拒絕與原告以兩願方式離婚(即待證事實第7、10及12條)。就補充請求,即不當得利為依據的部份,原告尤其有責任陳述並證明被告在無合理原因下,基於原告的損失而得利(即起訴狀第34條事實,對應待證事實尤其第11條)。1
上段所載的事實屬於原告所主張的權利(請求撤銷涉案兩個不動產交易的權利,或補充地以不當得利的制度要求財產返還的權利)的創設性事實,須由原告證明。
在答辯狀中,簡要而言,被告主張:
- 進行兩願離婚,是基於雙方深思熟慮的共同決定,而非原告單方面的意願,因此雙方由始至終旨在進行兩願離婚,被告沒有拒絕過與原告離婚;(答辯狀第2條)
- 被告從未有以任何東西要脅原告作為離婚的交換條件,事實上是原告自願將相關不動產轉名予被告讓被告完全擁有,這是雙方作為離婚對財產的處分的一部份安排,好讓被告及雙方的未成年兒子繼續居住在家庭居所;(答辯狀第3條及第16條)
- 被告完全沒有拒絕過與原告離婚,相反,自簽署離婚同意書起,被告多次要求原告按照離婚同意書內容,與其一同前往找律師協助辦理兩願離婚,但一年過去原告一直以各式各樣的藉口拖延;(答辯狀第6條)
- 原告此時提出本訴訟的真正目的根本是思前想後改變主意,不想再將兩個不動產轉名予被告,甚至不想再履行離婚同意書,因而拒絕與被告進行兩願離婚及編作被告拒絕離婚一事以撤銷關於兩個不動產的法律行為,繼而進一步撤銷雙方所簽定的離婚同意書;(答辯狀第7條、第22條、第24條)
- 被告至今仍然願意及希望與原告離婚,只是每當被告嘗試說服原告按離婚同意書所定找律師協助辦理兩願離婚時,原告使用各式各樣的藉口推搪;(答辯狀第8條及第19條)
- 原告於起訴狀內僅不斷強調若非被告同意與其作兩願離婚,原告便不會將涉案不動產轉名予被告,但沒有解釋被告向原告提供了甚麼錯誤訊息,而且被告由始至終都是希望按照雙方所簽訂的離婚同意書內容與原告離婚,不斷拖延的反而是原告。(答辯狀第28條)
除應有尊重及更佳見解外,被告在答辯狀中所陳述的,不過是透過間接爭執而作出的防禦,當中不包含任何消滅性、妨礙性或變更性事實。
簡要而言,原告陳述稱雙方之間存在協議,倘原告向被告轉移不動產,被告須與原告辦理兩願離婚,但被告沒有履行承諾。相反,被告則爭執原告聲稱存在的協議(須注意的是,被告完全否定原告主張的協議的存在),並指出:被告從未有以任何東西要脅原告作為離婚的交換條件,事實上原告自願將相關不動產轉名予被告讓被告完全擁有,這是雙方作為離婚對財產的處分的一部份安排,好讓被告及雙方的未成年兒子繼續居住在家庭居所,且被告至今仍然願意及希望與原告離婚,只是原告用各式各樣的藉口拖延。
間接爭執(impugnação motivada)與消滅性、妨礙性或變更性事實之間的區別在於,在後一種情況當中,被告在承認或在假設(即爭執)原告創設性權利的事實存在的同時,額外陳述一些新事實,該等新事實根據«民法典»第335條第2款須由被告證明,且其證明將產生消滅、妨礙或變更原告所主張的權利的效果。
妨礙性事實是有別於創設權利事實的新事實,有關事實的證明妨礙原告主張的權利的出現。(例如:原告主張合同及當中的債務約定為創設權利的事實。被告不反對雙方曾簽署合同,但主張其一方在受到脅迫情況下簽署合同,並主張基於合同的撤銷性,其拒絕支付債務。被告所主張的脅迫情況一旦獲得證實,將妨礙原告主張的權利的誕生。有關事實構成妨礙性事實,因為有關事實構成«民法典»第249條的適用前提,而被告根據第335條第2款負有舉證責任)
消滅性事實及變更性事實同樣是有別於創設權利事實的新事實,但其發生後於創設權利事實的發生;消滅性事實及變更性事實的證明導致原告主張的權利消滅或變更。(例如:原告主張創設權利的事實,稱被告因消費借貸關係欠下其金錢。被告沒有反駁借款,但聲稱原告全部或部份免除債務,或雙方透過另一協議更新原有債務。被告主張的事實構成消滅性或變更性事實,因為有關事實構成«民法典»第848條及第854條的適用前提,且被告根據第335條第2款負有舉證責任)
除應有尊重及更佳見解外,被告所陳述的事實不構成妨礙性、消滅性或變更性事實。
一方面,答辯狀中顯然不存在變更性事實。
另一方面,除應有尊重及更佳見解外,被告所主張的事實也不能套入任何一條法律規定(例如上述«民法典»第249條、第848條及第854條)或合同條款(如上所言,須強調的是被告由始至終否定原告所聲請的協議的存在),以在原告創設權利的事實獲證的情況下,能夠產生妨礙或消滅原告所主張的權利的效果。
被告僅限於爭執原告所主張的事實並非真實,被告亦無須根據«民法典»第335條第2款舉證爭執性事實的存在;要使原告的訴訟理由不成立,被告無須證明答辯狀內容屬實,相反,其只須根據«民法典»第339條提出反證,使原告起訴狀內的事實悉數不獲證實(即待證事實第1條至第15條),這已足以令到原告敗訴。
如原告無法證明起訴狀內的事實屬實,後果是其請求敗訴;相反,如原告的所主張的事實獲證明,被告陳述的事實(間接爭執)根本不會有同時間均獲得證實的可能(因為要麼原告主張的協議是真實2,要麼被告主張的協議屬實3)。
被告除了從沒有按照«民事訴訟法典»第409條第1款以獨立方式提出任何永久抗辯外,正如被告所言(見卷宗第120及121頁第4條及第5條),被告一方根本不認為答辯狀中存在足以構成永久抗辯的事實,因為被告僅限於否認原告在起訴狀中陳述的事實版本(包括:是被告拒絕離婚,以及被告拒絕履行原告聲稱存在的協議)。
再三審視答辯狀中所陳述的內容,本院實未能發現當中存在任何能夠構成永久抗辯,且有價值及重要性以致須被羅列於待證事實的事實陳述,故此,除應有尊重及更佳見解外,本院確實難以認同原告有權根據«民事訴訟法典»第420條第1款提交反駁狀。
就原告要求的擴張請求及改變訴因,由於其無權提交反駁狀,且當事人之間不存在協議,根據«民事訴訟法典»第217條第1款及第2款規定,不應接納原告要求的變更請求(此外,新請求亦不構成原請求的擴張或因原請求所引致)及改變訴因。
基於上述理由,本院決定:
- 不接納原告卷宗第109至112頁要求的變更訴因及變更請求;
- 基於原告無權提交反駁狀,卷宗第109至112頁第1條至第27條內容視為沒有書寫。
在上述書狀的相應部份作出註記。
本附隨事項的訴訟費用由原告承擔。”
*
    Quid Juris?
    Na óptica do Recorrente, entende que a Ré invocou excepções e como tal ele, o Autor, pode apresentar réplica e do mesmo modo, pode naquele momento proceder à modificação da causa de pedir e do pedido.
    Será?
    Como causa de pedir o Autor alegou (ou tentou alegar) factos demonstrativos da existência de erro de vontade na realização do negócio de compra e venda feito com a sua mulher, por estar convencido que esta iria cumprir a sua promessa de divórcio por mútuo consentimento, só que tal não aconteceu como previa!
    Dizia ainda que era um negócio condicional, pois estava sujeito a uma condição tal transmissão de 2 imóveis para a sua mulher.
    E como ultima ratio, o Autor invocou também a figura de enriquecimento sem causa para pedir a devolução dos 2 imóveis.
    Porém, neste recurso, o Autor veio a dar uma versão diferente aos factos por ele alegados, entende agora que existem dois negócios: negócio simulado e dissimulado!! Porque efectivamente não houve pagamento do preço mencionado na respectiva escritura pública de compra e venda!
    O que demonstra claramente que:
    1) – São os mesmos factos em causa, o que denota a diferença é que cada uma das partes quer atribui-los uma natureza diferente;
    2) – Mesmo que proceda a tese do Autor revelada nas alegações deste recurso – porque, segundo a leitura do Autor, a transmissão dos 2 imóveis pelo Autor para a Ré era vista como uma “patilha” de bens do casal derivada do divórcio, ou seja, um “arranjo” para o património do casal em termos de divórcio -, nem por isso o Tribunal fica impedido de julgar os factos, ou porque tais factos têm valor impeditivo, ou porque extinguem os direitos do Autor! O que a Ré fez é simplesmente negar os factos ou defende que tais factos não podem produzir os efeitos que o Autor quer!
    3) – Em matéria de excepção, recordem-se os ensinamentos do Prof. Antunes Varela (Cfr. in Manual de Processo Civil, Antunes Varela, J. Miguel Bizerra, Sampaio e Nora, 2ª edição, pág. 298):
    “(…)
Na doutrina distingue-se ainda entre as excepções processuais e as excepções materiais.
As excepções processuais (ou de rito) são as que consistem em irregularidades ou vícios de natureza processual, como sejam a incompetência (quer absoluta, quer relativa), a ilegitimidade ou a litispendência.
E podem ser peremptórias, quando conduzem à absolvição da instância, ou dilatórias, se apenas dão lugar à remessa do processo para outro tribunal.
Dizem-se materiais (cfr. art. 847.º, 1, a), do Cód. Civil) as excepções que se fundam em quaisquer faltas ou vicissitudes própria da relação substantiva, como a invalidade, a resolução, a revogação ou a denúncia do contrato, a prescrição ou a caducidade do direito invocado pelo autor.
Podem ser também peremptórias, quando levam à improcedência definitiva da acção, porque o direito do autor não existe nem pode já vir a existir. E serão dilatórias quando, por virtude delas, o direito do autor não existe ou não é exercitável no momento em que a decisão é proferida, por falta de algum requisito material, mas pode vir a existir ou a ser exercitável mais tarde.
Exemplos típicos destas excepções materiais dilatórias – que se distinguem da impugnação dos factos constitutivos do direito invocado pelo autor – serão a moratória concedida ao devedor, o direito de retenção e a não verificação da condição suspensiva convencionada depois da celebração do contrato.”
    No caso, não foram invocadas excepções na contestação da Ré.
*
    Depois, o Autor mediante o seu ilustre mandatário veio a defender a ideia de que ele tem também direito a apresentar a sua réplica, porque a Ré, na contestação, atira para o Autor a culpa do incumprimento do acordo (divórcio por mútuo consentimento). Mais uma vez sem razão !
    Primeiro, culpa é um conceito conclusivo que o Tribunal tirará dos factos praticados por uma das partes (ou por ambas), que se traduzem nas condutas juridicamente censuráveis!
    Segundo, continuamos a estar em frente dos mesmos factos: a eventual existência de um determinado acordo e uma das partes roeu à corda! E tão só!
    Agora quem tem razão será uma questão da prova e a conclusão que se chegará com base nas provas produzidas! Inexistem factos que conduzam à extinção (ou modificação) dos direitos invocados pelo Autor (direito a anular o negócios em causa, conforme a causa de pedir invocada) ou que produzam efeitos impeditivos de julgar tais factos por parte do Tribunal.
    Cai também por terra esta argumentação do Recorrente/Autor nesta parte do recurso.
    
    Não se verificando os pressupostos legalmente fixados para apresentar a réplica, obviamente o Autor não pode modificar as causas de pedir e os pedidos.
    
    Pelo que, não reunidos os pressupostos legalmente fixados para apresentar a réplica, bem andou o Tribunal recorrido ao indeferir o pedido nestes termos consignados. O mesmo se diga em relação à tentativa de modificação das causas de pedir e dos pedidos.
    Naufragando os argumentos do Recorrente/Autor, julga-se improcedente o recurso nesta parte por ele interposto.
*
    Prosseguindo, passemos a ver outra parte do recurso que é a impugnação da matéria de facto, feita pelo Autor.
    
    II – Impugnação da matéria de facto pelo Autor
    
    O Recorrente/Autor veio a impugnar a matéria de facto, ou seja, atacando as respostas dadas pelo Colectivo sobre as respostas dos seguintes 5 quesitos:
    2º , 5º , 10º , 14º e 15º quesitos.
    
    A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
     1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
     a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
     b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
     2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
     3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
     4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

    Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
    É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
    No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio4.
    É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
    Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
    Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
*
    Vamos ver os quesitos censurados um por um.
    – Quesito 2º:
    
    Este quesito tem a seguinte redacção:

     A Ré acabou por aceitar divorciar-se do Autor por mútuo consentimento, mas mediante uma condição prévia: o Autor teria de passar para nome da Ré uma fracção autónoma destinada a habitação e uma fracção autónoma destinada a estacionamento, sem qualquer contrapartida financeira?
    A resposta dada pelo Colectivo é :
    Provado que “Mais acordaram que, depois do divórcio, o Autor transmitiria à Ré uma fracção autónoma destinada a habitação e uma fracção autónoma destinada a estacionamento, sem qualquer contrapartida financeira (resposta ao quesito 2º da base instrutória)”.

    Ora, não encontramos erro no julgamento deste facto, visto que existe um documento nos autos (fls. 8, doc. 2, apresentado pelo próprio Autor), designado por “acordo da patilha de bens do divórcio” (tradução literal), elaborado na presença de um advogado, em 24/5/2016, que tem o seguinte teor:
離婚財產分配同意書
男方:A,持有澳門永久居民身份證:......(4);
女方:B,持有澳門永久居民身份證:......(8);
茲雙方離婚後,同意以下事項,並共同遵守,如有未儘事宜或未列明,雙方再妥善協議。本同意書與離婚協議經簽名後同時生效,並交由律師代辦相關手續。

一、未成年兒子之善後安排
兒子歸男方撫養,如男方不能負責兒子之生活照顧及起居飲食,暫交由女方安排代理,但男方需付相應之支出費用。

二、財產及贍養之分配
不動產分配
1. 氹仔海洋花園大馬路XX苑***及車位編號:*,物業標示編號:2####轉由女方擁有,婚姻期間,男方將該樓宇曾按揭於銀行港幣貳佰萬元之貸款需由男方清還。男方同意將該等物業轉名予女方,並以女方個人名義按揭貸款注銷舊貸款,此筆貸款由男方以分期形式還清但最多供款期不長於20年,如女方提前出售該物業或再婚,未還清之餘款,女方同意男方無需再續供。
2. 以女方個人名義向銀行借貸港幣貳佰萬元,最多以216期(約18年期)分期供款,息率約2.5厘計,每期約供款HK$13000(此供款只作參考,準確供款以當時最優惠之實際情況計)。男方負責分期供款期間,如因中途停供所引起之責任及費用概由男方負責;如該物業用作出租收益用途,男方有權終止租出期間之供款,除非將該收益全數用以供樓之用,女方不得私自取出作私人用途,但不影響男方按時定期供款供樓。該樓宇轉名立契及印花稅由女方負責,其他費用由男方負責。
贍養費
․ 每月葡幣伍仟元作為女方之贍養費,贍養費供養至其65歲或再婚即不用付。
․ 倘兒子仍需由女方安排照顧,男方必須每月付相應費用(另議),直至兒子脫離,如不需被女方照顧,則無須付相關費用。
․ 上述費用必須按政府公佈之物價生活指數調整:女方之贍養費在男方有官方證明其因危疾而喪失工作並得到政府援助,則勿須支付贍養費,但因查明有詐,女方法律追究。

男方簽名:(簽名) 女方簽名:(簽名)

日期:2016年5月24日
見證人:(簽名)

    Neste acordo:
    - Não há menção do divórcio por mútuo consentimento, pelo contrário, refere-se que os bens seriam tratados da maneira consignada neste acordo, após o divórcio.
    - Não há menção de que o sucesso de divórcio por mútuo consentimento é uma condição de transmissão de 2 imóveis para a mulher/Ré!
    - Repare-se, foi um documento elaborado com testemunha que é um advogado, é de presumir que as partes sabiam expressar correctamente o seu pensamento e o objectivo que pretendiam alcançar.
    - Tal acordo, resultante da vontade das partes, interessados directos, que vale mais do que o depoimento das testemunhas.
    - Mais, segundo os elementos constantes dos autos, já em 18/12/2013 (fls. 276, FMI-13-0591-CPE) ambos chegaram a requerer o divórcio por mútuo consentimento, mas em 07/01/2014, a Requerente veio a desistir do pedido (fls. 282). E, o acordo acima transcrito foi elaborado em 24/5/2016, as partes já adquiriram “experiências” nestas coisas. Caso fosse uma condição a transmissão dos 2 imóveis em causa, tal deveria ser consignado expressamente nesse acordo. Mas não foi o que sucedeu!
    
    Pelo que, não havendo erro no julgamento deste facto, é de julgar improcedente a impugnação da matéria constante do quesito em causa.
*

    – Quesito 5º:
    
    Este quesito tem a seguinte redacção:

     Para concretização desse acordo foi solicitado ao Autor, no dia seguinte, a assinatura dos contratos-promessa de compra e venda referidos nas alíneas C. e D.?
     
    Provado que “Procedeu-se no dia seguinte, a assinatura dos contratos-promessa de compra e venda referidos em C) e D) dos factos assentes (resposta ao quesito 5º da base instrutória).”
    Da mesma lógica e da maneira de pensar e analisar as coisas, a resposta dada pelo distinto Colectivo não merece censura, visto que:
    - A assinatura do contrato-promessa não visava concretizar o acordo, pelo contrário, há aqui uma antecipação do negócio que deveria ser feita após o divórcio nos termos consignados no acordo acima citado.
    - A resposta dada é um espelho da realidade objectiva!
    Também improcede a impugnação desta matéria.

*
    – Quesito 14º:
    
    Este quesito tem a seguinte redacção:
     Se o Autor soubesse que a Ré não cumpriria o acordado, recusando o divórcio por mútuo consentimento depois de ficar proprietária dos imóveis, o Autor pura e simplesmente não teria vendido os imóveis sem receber o preço, ou teria procedido à venda mediante a inclusão de uma condição na escritura ou de uma cláusula resolutiva?

    A resposta dada pelo Colectivo é:
    Não provado.
    
    Tal como acima referimos, a transmissão dos 2 imóveis para a mulher/Ré deveria operar-se após o divórcio, mas o Autor consentiu e assim fez antecipar tal transmissão conforme a data da outorga da escritura pública de compra e venda.
    O que se pode defender é a alteração da circunstância superveniente, porque o divórcio não se verificou, então poderia pedir a devolução da prestação anteriormente oferecida.
    Mas não foi isto invocado.
    Pelo que, também improcede esta parte da impugnação da matéria.
*
    – Quesito 15º:
    
    Este quesito tem a seguinte redacção:
15º
     A Ré sabia que a transmissão dos imóveis tinha como pressuposto o seu divórcio do Autor por mútuo consentimento e que tal era condição da vontade deste último concretizar a compra e venda?
    A resposta dada pelo Colectivo é:
     A Ré sabia que acordou com o Autor nos termos referidos na resposta aos quesitos 1º e 2 (resposta ao quesito 15º da base instrutória).

    Do mesmo raciocínio que vemos a seguir, esta resposta está em consentânea com as provas juntas nos autos.
    Pelo expendido, não se verifica nenhum erro no julgamento de facto, nem omissões nem contradições que autorizem alteração das respostas dadas pelo distintivo Colectivo, razão pela qual se julga improcedente no seu todo a impugnação da matéria de facto.
*
    Prosseguindo, passemos a ver o mérito da acção.
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
    
I – Relatório:
A (A), casado, residente em Macau na Avenida do Almirante Lacerda n.º ......, ...;
veio intentar a presente
Acção Ordinária
contra
B (B), casada, residente em Macau na Rua do Jardim n.º 30, Jardins do Oceano Violet Court, Bauhinia Court e Azalea Court, **º andar *, Taipa;
com os fundamentos apresentados constantes da petição inicial de fls. 2 a 6,
concluiu pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência, fossem anuladas as compras e vendas celebradas por escrituras públicas de 20 de Julho de 2016, no Cartório no Notário Privado D, a fls. 135 dos Livro n.º 79 e a fls. 133 do Livro n.º 79, com o consequente cancelamento das inscrições n.º 3####6G e n.º 3####7G de 26 de Julho de 2016 da conservatória do Registo Predial de Macau; ou
Subsidiariamente, fosse a Ré condenada a restituir ao Autor, a título de enriquecimento sem causa, os imóveis objecto das escrituras públicas de 20 de Julho de 2016, celebradas no Cartório do Notário Privado D, a fls. 135 do Livro n.º 79 e a fls. 133 do Livro n.º 79; ou
Ainda subsidiariamente, fosse a Ré ser condenada no pagamento ao Autor do valor de mercado das fracções ora em causa na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, a quantificar em incidente de liquidação ou em execução de sentença, acrescido de juros moratórios à taxa legal até integral pagamento; ou
Subsidiariamente, fosse a Ré condenada no pagamento ao Autor da quantia de MOP$2.884.000,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal contados desde a data da citação.
*
A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 95 a 101 dos autos
Concluiu pedindo que fossem julgados improcedentes os pedidos do Autor.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
*
Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
(…)
***
III – Fundamentos:
Pretende o Autor que as vendas fracção autónoma designada por “***” do **º andar *, destinada a habitação, e de 1/356 avos da fracção JR/C, destinada a estacionamento, ambos do prédio sito na Taipa na Rua do Jardim n.º 6 a 200, Av. dos Jardins do Oceano n.º 465 a 571, Jardins do Oceano (Azalea Court, Bauhinia court, Violet Court), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2####, por si feitas à Ré, em 20 de Julho de 2016, sejam declaradas nulas; ou que seja a Ré condenada a restituir ao Autor os imóveis referidos acimas ou a pagar ao Autor do valor dos imóveis acrescido de juros legais.
Para o efeito alega que o Autor, casado com a Ré e pretendendo dissolver o casamento entre ambos, propôs o divórcio à Ré; que esta aceitou o pedido com a condição de aquele lhe transmitir os dois imóveis acima referidos sem qualquer contrapartida financeira; que as partes acordaram, então, proceder à transmissão nesses termos depois do divórcio; que, entretanto, a Ré exigiu que o Autor procedesse à transmissão antes sob pena de não haver lugar ao divórcio pretendido pelo Autor; que, nessas circunstâncias, o Autor transmitiu os citados imóveis à Ré celebrando as respectivas escritura públicas de compra e venda; que, depois da transmissão, a Ré recusou-se divorciar; que o Autor apenas transmitiu os identificados imóveis à Ré porque esta tinha aceitado divorciar-se logo após a transmissão e porque estava convencido que a Ré concretizaria o combinado; que o Autor nunca teria transmitido à Ré os imóveis caso não se concretizasse o divórcio por mútuo consentimento, facto este do conhecimento da Ré; que a Ré sabia que a transmissão dos imóveis tinha como pressuposto o divórcio por mútuo consentimento e e tal era a condição de o Autor concretizar a compra e venda.
Conforme o Autor, o mesmo incorrera em erro quando declarou vender os imóveis à Ré porque pensava que esta iria cumprir o acordo divorciando-se de si e, caso não tivesse tido esta falsa representação, nunca teria transmitido os imóveis à Ré, razão por que as compras e vendas são anuláveis. Além disso, por o divórcio em vista do qual foi feita a transmissão nunca se concretizara, a Ré enriqueceu-se à custa do Autor razão por que lhe devia restituir os imóveis ou o valor dos mesmos.
Contestando a acção, a Ré refuta o alegado pelo Autor afirmando que nunca impôs qualquer condição ao acordo de divórcio por mútuo consentimento entre as partes destinando-se a transmissão impugnada tão-só a proceder à partilha dos bens e a garantir que a Ré e o filho das partes pudessem continuar a habitar na casa de morada de família. Mas defende que nunca recusou divorciar por mútuo consentimento.
*
Tendo em conta a ordem por que foram formulados os pedidos, a título principal, a anulação das compras e vendas por erros incorridos pelo Autor e, subsidiariamente, a restituição dos imóveis ou o respectivo valor com fundamento no enriquecimento sem causa, proceder-se-á, em primeiro lugar, à apreciação do problema relacionado com os vícios de vontade alegados pelo Autor. Só no caso de improcedência do pedido de anulação é que se equaciona a questão do enriquecimento sem causa.
*
Erro
Pretende o Autor que as compras e vendas dos imóveis a que se referem os autos sejam anuladas com base nos seguintes vícios de vontade: erro sobre os motivos determinantes da vontade; reconhecimento mútuo da essencialidade do motivo em que se verificou o erro; e erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio.
Todos esses vícios têm por base uma errónea percepção da realidade que o declarante tem quando a declaração negocial é emitida. Em qualquer desses casos, o problema funda-se num engano cometido pelo declarante, pois, foi este quem fez uma representação inexacta da realidade.
A ser assim, a tutela do declarante não pode ir ao ponto de ignorar totalmente os interesses do declaratário que presumivelmente pretende a manutenção do negócio. É que não raras vezes, o erro é espontâneo sem que o declaratário tenha tido algo a ver com o problema ignorando não menos vezes a sua existência.
Uma vez que a invalidação de um negócio jurídico sem ter em conta os interesses do declaratário põe não apenas em causa os interesses deste como também e necessariamente a certeza e segurança jurídica, o legislador fez rodear os respectivos regimes de certos cuidados impondo uma série de requisitos sem a verificação dos quais o negócio não pode ser invalidado.
É exactamente o que foi feito com as normas constantes dos artigos 240º, 241º e 245º do CC, respectivamente no que diz respeito ao erro sobre os motivos determinantes da vontade, ao reconhecimento mútuo da essencialidade do motivo em que se verificou o erro e ao erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio acima referido.
*
Tendo isso presente, segue-se a análise da situação dos autos começando por apurar se o Autor incorreu efectivamente em erro quando transmitiu os imóveis à Ré.
Só se vier a concluir que sim, é que se debruçará sobre a questão de saber se as circunstâncias em que o erro teve lugar correspondem à previsão das normas acima citadas.
Conforme Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Reimpressão, Coimbra 1992, pg 233, “O erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito ...”.
O erro pressupõe, portanto, a verificação de três elementos: em primeiro lugar, há uma determinada circunstância de facto ou de direito; em segundo lugar, há uma representação dessa circunstância pelo declarante; e em terceiro lugar, há uma falta de correspondência entre a mesma circunstância e a representação tida sendo os 1º e 2º elementos os termos da comparação para daí se aferir se há ou não erro.
Procura-se, então, ver se existem esses elementos começando pelo 2º.
*
Representação do Autor
No presente caso, o Autor alega ter tido uma determinada representação sobre a atitude da Ré no que concerne ao cumprimento ou não por parte desta do acordo de divórcio estabelecido entre as partes, quando vendeu os imóveis sub judice à Ré. Com efeito, o Autor afirma que, anuiu transmitir os citados bens à Ré porque acreditava que a Ré iria cumprir o acordo de divórcio participando no respectivo processo de divórcio por mútuo consentimento.
Dos factos assentes verifica-se que as partes acordaram em divorciar-se e em proceder à transmissão à Ré sem qualquer contrapartida financeira dos bens a que se referem os presentes autos, então, pertencentes ao Autor, depois de formalizado o divórcio. Apesar disso, a transmissão teve lugar antes do divórcio porque o Autor estava convencido de que o divórcio se concretizaria.
Desses factos vê-se que a representação do Autor era efectivamente no sentido de que o divórcio seria formalizado nos termos acordado entre as partes porque a Ré actuaria em conformidade com o estabelecido no acordo.
Está verificado o 2º elemento.
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Circunstância de facto ou de direito
Quanto ao 1º elemento, isto é, a circunstância de facto ou de direito em que alegadamente o Autor se enganou, ou seja, a verdadeira atitude da Ré antes ou no momento em que a transmissão foi feita, depara-se que o Autor nunca fez qualquer referência à mesma.
Pois, nunca afirmou que, antes da transmissão ou quando a transmissão teve lugar, a Ré tinha ou não intenção de cumprir o acordo divorciando do Autor por mútuo consentimento. O Autor limitou-se a referir que, antes da transmissão dos imóveis, instara a Ré para dar início ao processo de divórcio mas sem êxito (cfr. artigo 11º da petição inicial).
O Autor somente fez alusão à atitude da Ré quando ao cumprimento ou não do acordo, no artigo 18º da petição, onde o próprio Autor acusou a Ré de ter voltado com a sua palavra atrás, recusando cumprir o acordo depois de aquele lhe transmitir os bens (cfr. quesito 10º da base instrutória).
Como se pode constatar facilmente a partir da forma como esse facto vem alegado, a atitude da Ré de não cumprir o acordo era a que esta tinha depois da transmissão.
Contudo, o que aqui urge apurar é a atitude da Ré antes ou no momento em que a declaração de transmissão dos imóveis feita pelo Autor foi emitida. Pois, está-se perante um vício genético que põe em causa a validade dessa declaração e os dois elementos acima mencionados, representação do Autor e circunstância de facto ou de direito, têm que se referir ao momento da emissão da declaração de vontade alegadamente inválida.
A alegação feita pelo Autor corresponde à figura de pressuposição (Voraussetzung), na esteira de Windscheid, citado por Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, Coimbra Editora, Lta, pg 506.
Segundo Carlos Alberto da Mota Pinto, ob. cit., pg 506 e 507, “… Podemos caracterizar a pressuposição como a convicção por parte do declarante, decisiva para a sua vontade de efectuar o negócio, de que certa circunstância se verificará no futuro ou de que se manterá um certo estado de coisas. A alteração anormal das circunstâncias pressupostas constitui, nos termos do artigo 437.º, fundamento de resolução ou modificação do contrato, quando a manutenção do conteúdo contratual contrarie a boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
Segundo o ensinamento tradicional a pressuposição refere-se ao futuro (faltará quando houver uma alteração superveniente de circunstâncias) e o erro refere-se ao presente ou ao passado. O erro consiste numa ignorância ou falsa representação, relativas a circunstâncias passadas ou presentes, isto é, à situação existente no momento da celebração do negócio. A pressuposição consiste na representação inexacta de um acontecimento ou realidade futura que se não vêm a verificar (a pressuposição, quando falha, não traduz um erro, mas uma imprevisão).” (sublinhado nosso).
Nessa sequência, por nada ter sido alegado quanto ao 1º elemento do erro, não é possível na pesquisa ora encetada concluir pela sua existência, muito menos, pela sua concreta configuração.
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Mesmo que assim não se entenda, ou seja, mesmo que se considere que, no presente caso, o citado facto alegado pelo Autor constante do quesito 10º da base instrutória (Após a venda das fracções autónomas a Ré voltou com a sua palavra atrás, recusando cumprir o acordo e divorciar-se do Autor por mútuo consentimento, pese embora as solicitações deste nesse sentido?) corresponde ao 1º elemento do erro, ainda assim, a desfecho é exactamente igual.
É que, feito o julgamento da matéria de facto, o tribunal não considerou demonstrado tal facto, com o que nada nos permite afirmar acerca da verdadeira atitude da Ré quanto ao cumprimento ou não do acordo de divórcio, ainda que tão-só no momento em que a transmissão dos imóveis tenha sido já efectuada.
Portanto, em qualquer circunstância, ignora-se qual era a verdadeira atitude da Ré relativamente ao cumprimento ou não do acordo de divórcio por mútuo consentimento, ou seja, qual era a circunstância de facto a que o 1º elemento do erro se refere.
*
Falta de correspondência
Flui do acima exposto que apenas está apurada o 1º elemento do erro.
Ora, faltando o 1º elemento, elemento este indispensável para se proceder à sua comparação com o 2º elemento a fim de concluir pela existência ou não de falta de correspondência entre os mesmos, não se pode proceder à comparação destes dois elementos.
Não sendo possível estabelecer essa comparação, nunca se pode afirmar que está verificado o 3º elemento do erro e, consequentemente, que o Autor incorrera em erro quando emitiu a declaração de vontade de transmissão dos imóveis à Ré.
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Anulação dos contratos
Flui da exposição feita que o Autor não logrou demonstrar que incorrera em erro quando transmitiu os imóveis à Ré.
Assim, nunca por nunca se pode afirmar que, nas vendas impugnadas, houve erro essencial sobre os motivos determinantes da vontade do Autor, ou reconhecimento mútuo da essencialidade do motivo em que se verificou o erro do Autor; ou erro sobre as circunstâncias que constituíram a base destas vendas.
Pelo que, sem necessidade de se debruçar sobre os demais requisitos previstos nos artigos 240º, 241º e 245º do CC, é de julgar improcedente o pedido de anulação formulado pelo Autor.
*
Enriquecimento sem causa
Julgado improcedente o pedido principal, urge analisar se assiste ao Autor o direito de restituição ou de pagamento por alegado enriquecimento sem causa à sua custa.
Quanto aos pedidos formulados com esse fundamento, o que o Autor defende é, no fundo, o seguinte: como a transmissão dos imóveis feita pelo Autor tinha em vista o divórcio prometido pela Ré, esta, ao recusar cumprir o acordo, fez com que o efeito pretendido pelo Autor deixasse de verificar; por isso, a deslocação patrimonial decorrente da transmissão tornou-se indevida e foi obtida pela Ré à custa do Autor.
Nos termos do artigo 467º do CC, “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
No plano dos factos, o que se verificou é o seguinte: as partes acordaram divorciar-se e, em virtude disto, acordaram também na transmissão que veio a concretizar-se sem que o divórcio tivesse tido lugar mantendo as partes ainda ligadas pelo casamento.
Numa primeira aproximação, a qualificação feita pelo Autor podia ser acertada visto que, conforme a matéria assente, as partes ainda estão casadas entre si. Ou seja, o efeito pretendido com a transmissão ainda não se verificou.
*
Porém, não se pode esquecer que a tutela facultada pelo instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária nos termos do artigo 468º do CC.
Sobre isso, ensina o João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, Almedina, Coimbra, pg 485 a 486 “Num grande número de casos em que a deslocação patrimonial carece de causa justificativa, a lei faculta aos interessados meios específicos de reacção contra a situação.
… ...
Outras vezes, é a resolução ou a revogação do contrato que sana a irregularidade, como sucede quando, nos contratos bilaterais onerosos, uma das prestações se torna impossível por causa imputável ao devedor (art. 801.º, 2) e a outra parte decide, com esse fundamento, resolver o negócio. Permitindo ao contraente não culpado, que já tenha efectuado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro, o artigo 801.º, 2, afasta-se decididamente, nesse caso, dos termos mitigados em que funciona, como princípio, a restituição fundada no enriquecimento injustificado.” (sublinhado nosso).
Ora, conforme a matéria assente, a deslocação patrimonial resultou do acordo de divórcio de que a transmissão dos bens fazia parte e, segundo o Autor, a Ré enriqueceu-se à sua custa porque, depois de adquirir os imóveis, voltou com a sua palavra atrás, recusando formalizar o divórcio com o Autor.
Trata-se, como é bom de ver, de uma mera questão de incumprimento contratual disciplinada pelas regras relativas à falta de cumprimento e mora do devedor.
Assim, dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, os pedidos formulados com base neste regime não podem deixar de ser julgado improcedentes com o que fica precludida a necessidade de se debruçar sobre a verificação ou não dos demais pressupostos previstos para o instituto.
*
Mesmo que não se entenda que o carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa deva ser entendido nos termos acima sufragados, ainda assim, a pretensão do Autor continua a não poder proceder.
É que, nos presentes autos, não estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 467º, nº 2, do CC.
Em primeiro lugar, os dois imóveis não foram transmitidos indevidamente porque a transmissão foi feita em virtude do acordo de divórcio estabelecido entre as partes.
Em segundo lugar, o acordo de divórcio é a causa da respectiva deslocação patrimonial, acordo este ainda em vigor porque nunca foi extinto, designadamente por resolução ou revogação.
A propósito da resolução, salienta-se que não está demonstrado que, depois da transmissão, a Ré voltara com a sua palavra atrás e recusou cumprir o acordo, como foi já referido. Se não tivesse sido o caso, a pretensão do Autor de ver resolvido o contrato5 poderia eventualmente proceder. Contudo, mesmo nesse cenário, o pedido de restituição com fundamento no enriquecimento sem causa não procederia porque a restituição seria processada nos termos do artigo 790º do CC.
Em terceiro lugar, apesar de ainda não se ter verificado o divórcio por mútuo consentimento em vista do qual a transmissão foi feita, o certo é que nenhum facto permite concluir que jamais poderia formalizar-se este divórcio. Uma vez que não foi estabelecido qualquer prazo para a sua concretização e não está demonstrado que alguma das partes se recusa a cumprir o acordo, 6 as mesmas podem sempre tratar das formalidades respectivas para obter o divórcio.
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Por força do expendido, nenhuma razão há para considerar indevida a prestação feita pelo Autor em virtude do acordo de divórcio estabelecido entre as partes ou sem causa a respectiva deslocação patrimonial.
Assim, também não pode proceder o pedido de restituição dos imóveis com fundamento no enriquecimento sem causa.
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IV – Decisão:
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e, em consequência, absolver a Ré, B, dos pedidos formulados pelo Autor, A.
Custas pelo Autor.
Registe e Notifique.
    Quid Juris?
    Ora, concordamos basicamente com a douta argumentação constante da sentença que se acabou de transcrever, limitamo-nos a acrescentar o seguinte:
    - A causa de pedir invocada pelo Autor é o erro na realização do negócio, só que não estão verificados todos os pressupostos legalmente exigidos tal como a douta sentença analisou detalhadamente. Em bom rigor das coisas, as circunstâncias alegadas são subsumíveis, se bem vistas as coisas, noutra figura jurídica e não na invocada pelo Autor;
    - As provas pelo próprio Autor apresentadas contradizem, de algum modo, com os factos alegados na PI e a tese que ele vem defendendo, o que condena ao fracasso do pedido por ele formulado.
    Pelo que, é do nosso entendimento que, em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de sustentar e manter a posição assumida na sentença recorrida.
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    Síntese conclusiva:
    I – O Autor só pode utilizar a réplica para responder à matéria das excepções ou reconvenção deduzidas pelo Réu, não podendo esclarecer ou corrigir a facticidade articulada na petição inicial, correspondendo a causa de pedir. Se a Ré na contestação limitou-se a negar os factos alegados pelo Autor e afastar a possibilidade de se verificarem os efeitos pretendidos pelo Autor, não se encontram as condições de que depende a apresentação da réplica (cfr. artigo 420º do CPC).
    II – Se o Autor invocou como causa de pedir os factos subsumíveis na figura de erro-vício na realização do negócio (cfr. artigos 240º, 241º e 245º do CCM), traduzidos na transmissão de dois imóveis para a sua mulher como condição de divórcio por mútuo consentimento, mas esta versão fáctica não ficou provada, e pelo contrário, um acordo apresentado pelo próprio Autor menciona expressamente que tal transmissão de bens é um “arranjo” (patilha) de bens para depois de divórcio, e, antes de ser decretado o respectivo divórcio (porque o pedido foi julgado improcedente), o Autor transmitiu antecipadamente mediante escritura pública os dois imóveis para a mulher sem contrapartida financeira, não se verifica, neste caso, o elemento de erro, que deve referir-se ao presente ou ao passado.
    III – É do entendimento dominante que o erro consiste numa ignorância ou falsa representação, relativas a circunstâncias passadas ou presentes, ou seja, referentes à situação existente no momento da celebração do negócio. A pressuposição consiste na representação inexacta de um acontecimento ou uma realidade futura que não se vêm a verificar-se (e a pressuposição, quando falha, não traduz um erro, mas uma imprevisão). Faltando este elemento, está condenado ao fracasso o pedido do Autor, uma vez que este pretende anular o negócio com base no erro-vício.

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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos presentes recursos, mantendo-se as decisões recorridas.
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    Custas pelo Recorrente.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 26 de Março de 2020.

(Relator)
Fong Man Chong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
1 正如葡萄牙最高法院2013/06/06在第1445/05.5TBBGC.P1.S1號卷宗合議庭裁判所提出的:“Ora, assim sendo, sempre se imporia ao Autor, in casu à Autora, que pede a restituição com base no enriquecimento da Ré à sua custa sem qualquer causa justificativa, por força do preceituado no artigo 342º, nº 1 do CCivil, o ónus de alegação e prova dos referidos pressupostos, maxime, da ausência de causa da sua prestação pecuniária, sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição, cfr Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 467, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 381, Ac. do STJ de 17 de Outubro de 2006 (Relator Nuno Cameira), 5 de Dezembro de 2006 (Relator João Camilo), 29 de Maio de 2007 (Relator Azevedo Ramos), 10 de Julho de 2008 (Relator Nuno Cameira), 2 de Julho de 2009 (Relator Serra Baptista) e 19 de Fevereiro de 2013 (Relator Alves Velho) in www.dgsi.pt.”
2 即:原告只在被告同意前者將兩項不動產移轉後兩人隨即以兩願方式離婚,以及確信被告會履行協定的情況下,方允許將涉案兩個不動產移轉。
3 即:被告從未有以任何東西要脅原告作為離婚的交換條件,事實上原告自願將相關不動產轉名予被告讓被告完全擁有,這是雙方作為離婚對財產的處分的一部份安排,好讓被告及雙方的未成年兒子繼續居住在家庭居所。
4 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
5 Formulado apenas nas alegações de direito mas não admitido por este tribunal por despacho proferido a fls 327v a 328.
6 Novamente, no caso de isso se verificar, continuam a ser aplicáveis as regras dos artigos 779º e seguintes do CC, relativas ao não cumprimento.
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