Proc. nº 637/2019
Recurso Jurisdicional em matéria cível
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Março de 2020
Descritores:
- Princípio da cooperação
SUMÁRIO:
Quando as questões não são impertinentes, e a realização de alguma diligência solicitada pelas partes puder ser útil ao desfecho da causa, deve o tribunal colaborar com as partes que lhe pedem auxílio e socorro, até porque lho impõem princípios como o da cooperação (art. 8º, do CPC) e da colaboração para a descoberta da verdade (art. 442º, do CPC).
Proc. nº 637/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
No decurso dos autos de execução sumária instaurado no TJB (Proc. nº CR1-15-0271-PCC-C que A e B moveram contra C, foi apresentado requerimento de separação de bens formulado por D, esposa do executado, face à penhora de um bem comum do casal (fracção B4).
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Face a esse requerimento, os exequentes formularam um pedido de realização de uma diligência instrutória junto do Governo Popular do Bairro Yuexiu da cidade de Guangzhou, na República Popular da China, com vista a identificar a verdadeira identidade de C, pedindo ainda a manutenção da penhora até à prolação da decisão sobre a separação requerida.
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Tendo este pedido sido indeferido, vieram os exequentes contra o respectivo despacho apresentar recurso jurisdicional, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“1. Objecto do recurso: No despacho de fls. 258 dos autos, o Tribunal a quo disse: “Quanto à fracção B4 em causa, uma vez que foi realizada a rectificação do registo do imóvel (fls.223), indefere-se o pedido formulado em fls. 233 a 236 ao abrigo do artigo 7º do Código do Registo Predial.” (cfr. fl. 6 do Doc. 1)
2. Salvo o devido respeito, os recorrentes não se conformam com a referida decisão do Tribunal a quo que indefere o pedido, pelo que vêm interpor recurso e apresentar as seguintes alegações:
3. Quanto à questão prévia na acção de separação de bens, o Tribunal a quo apontou no despacho que indeferiu o pedido dos recorrentes nos termos do artigo 7º do Código do Registo Predial (cfr. fls. 6 do Doc. 1)
4. A presunção referida no artigo 7º do Código do Registo Predial é nada mais do que uma presunção derivada do registo de imóvel, a qual não é presunção ilidível.
5. De acordo com o artigo 709º do CPC, só o “cônjuge do executado” tem a legitimidade para requerer a separação de bens numa acção executiva.
6. Segundo o artigo 1º, nº 1, al. d) e do artigo 157º do Código do Registo Civil, o facto de casamento é obrigatório submeter a registo e prova-se, consoante o caso, por meio de certidão, boletim ou bilhete de identidade.
7. O casamento que foi registado fora de Macau deve ser provado pelo documento da mesma natureza, ao abrigo do artigo 37º do Código do Registo Civil.
8. In casu, é manifesta que a requerente D (sic) não dispõe do pressuposto para intentar acção de separação de bens, isto é o estatuto de cônjuge, porquanto há erros notórios na pública-forma do assento de casamento apresentada pela requerente, a qual não consegue provar o casamento entre D, requerente na acção de separação de bens, e C, ou seja, o requerido.
9. Em fls. 37 a 42 do processo apenso CR1-15-0271-PCC-D, a requerente apresentou ao Tribunal a pública-forma do assento de casamento emitido pelo Interior da China. No entanto, verificam-se duas questões no documento referido.
10. Primeiro, do documento de fls. 39 do processo apenso CR1-15-0271-PCC-D constam os seguintes dados: “Nome: C, Sexo: Masculino, Idade: 29 anos, Terra de origem da família: Província de Guangdong, Distrito de Panyi (cidade)” (sombreado e sublinhado dos exequentes). A data de emissão daquele assento é 24 de Setembro de 1986. (cfr. fls. 44 a 46 do Doc. 1)
11. Efectuado um simples cálculo aritmético, C indicado na certidão de casamento deve nasceu em 1957.
12. Mas o bilhete de identidade de residente permanente de Macau do executado C mostra que este nasceu em 10 de Fevereiro de 1951, o que aparentemente não está em conformidade com o teor constante do referido assento de casamento. (fls. 20 do processo apenso CR1-15-0271-PCC-D, ou seja, fls. 27 do Doc. 1)
13. No assento de casamento referido não se encontram os dados tais como os números de documentos de identificação, moradas, etc., que podem verificar a identificação de C, além disso, não se consegue excluir a existência de outra pessoa com o mesmo nome, razão pela qual os exequentes entendem que não há condições para confirmar a identificação dele.
14. Considerando a desconformidade entre a data de nascimento/idade, os recorrentes entendem que os dados pessoais de C constantes da certidão de casamento estão manifestamente em desconformidade com os de C, ora executado neste processo. Segundo as regras da lógica, a requerente D não possui o estatuto de cônjuge do executado nesta causa.
15. Tal assento de casamento também não consegue provar a constância do casamento e, por conseguinte, não dá para confirmar se a aquisição, por parte do executado C, da fracção situada na Rua do Ultramar, nº 14 - 14D, Edf. Choi Fok, xxº andar - xx, Macau (adiante designada por “fracção autónoma B4”) em 6 de Fevereiro de 1988 ocorreu ou não na constância do seu casamento, facto este não pode ser simplesmente provado pela certidão de casamento em causa.
16. Pelo acima exposto, uma vez que os dados pessoais do cônjuge no assento de casamento apresentado pela requerente D não correspondem aos do requerido C, assim toma-se duvidoso o estatuto de cônjuge do executado possuído pela requerente.
17. Mesmo que a requerente tenha rectificado a respectiva escritura de compra e venda, bem como o registo do bem, os dados no registo predial tratam-se duma presunção relativa. Portanto, na acção de separação de bens que foi intentada pela requerente D nos termos do artigo 709º do CPC, a pública-forma da certidão de casamento é a única documento que pode comprovar a sua legitimidade para agir.
18. Não se pode ignorar os erros verificados na dita pública-forma da certidão de casamento, porquanto, segundo as disposições do artigo 413º, al. e) do CPC, a ilegitimidade de alguma das partes constitui a excepção dilatória, a sua procedência implica o indeferimento do pedido de separação de bens.
19. A requerente da separação de bens D não disponha do pressuposto essencial - documento comprovativo do seu estatuto de cônjuge do executado - aquando da interposição da acção de separação de bens nos termos do artigo 709º do CPC, pelo que os exequentes opõem ao pedido de separação de bens formulado pela requerente.
20. Quanto à diligência probatória, mesmo que o Tribunal a quo entenda que só existe dúvida sobre a legitimidade da requerente D, os recorrentes vêm apresentar as seguintes alegações:
21. No intuito de confirmar e resolver a questão prévia nesta acção de separação de bens - a identificação dos nubentes, os recorrentes tinham pedido uma diligência probatória, requerendo que o Tribunal a quo pedisse, por meio de requerimento, ao Governo Popular do Bairro Yuexiu da Cidade de Guangzhou, China, a verificação dos dados pessoais, documentos de identificação arquivados e moradas de ambos os nubentes no Assento de Casamento nº 282 Yue (86), com finalidade de confirmar a identificação verdadeira dos nubentes indicados na referida certidão de casamento.
22. Destas alegações resultou saber que os recorrentes levantaram grande dúvida sobre a legitimidade (estatuto de cônjuge do executado) da requerente D.
23. Nos termos do artigo 413º, al. e) e do artigo 414º do CPC, cabe ao tribunal conhecer oficiosamente da excepção dilatória de legitimidade. Acresce que os recorrentes tinham suscitado a impugnação.
24. Por sua vez, o artigo 6º, nº 3 do CPC preceitua que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
25. Face ao exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não devia ignorar as questões suscitadas e pedido formulado em fls. 233 a 236 dos autos, porquanto a questão levantada é a questão prévia sobre a legitimidade da requerente, que pode implicar o indeferimento do pedido de separação de bens formulado pela mesma.
Pedido
Face ao acima exposto, requerem a V.Exas. que
1. anulem o despacho de fls. 258 proferido pelo Tribunal a quo na parte “indefere-se o pedido formulado emfls. 233 a 236”;
2. mantenham a penhora da fracção autónoma B4, até que seja proferida a decisão na acção de separação de bens intentada por D e C.
3. ordenem a diligência probatória para pedir, por meio de requerimento, ao Governo Popular do Bairro Yuexiu da Cidade de Guangzhou, China, a verificação dos dados pessoais, documentos de identificação arquivados e moradas de ambos os nubentes no Assento de Casamento nº 282 Yue (86), com finalidade de confirmar a identificação verdadeira dos nubentes indicados na referida certidão de casamento.
Por fim, requerem a este douto Tribunal que faça a tão acostumada JUSTIÇA!”
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Em resposta ao recurso, C e D, formularam as seguintes conclusões:
“1 - Levanta-se neste caso uma questão prévia relativa ao despacho de admissão do presente recurso e do regime de subida, isto porque tendo a ora Recorrida D, cônjuge do Executado e Recorrido C, apresentado um requerimento de separação judicial de bens, por apenso aos presentes autos de execução (identificado sob a letra D) (Cfr. fls. 8 dos presentes autos), deveria o processo de execução ter sido suspenso até à conclusão da partilha, por força do disposto no artigo 709º, nº 3 do Código de Processo Civil, e, por seu lado, os autos de separação judicial de bens deveriam prosseguir os seus trâmites legais, aliás, tal como já requerido pelos ora Recorridos.
2 - É que se fosse intenção dos Recorrentes oporem-se à requerida separação judicial de bens, o que aliás não resulta do seu requerimento de fls. 233 a 236 do apenso C, deveriam tê-lo feito no acima referido apenso D, e não o fizeram, tendo vindo apenas ao processo de execução levantar dúvidas genéricas sobre os elementos de identificação dos Recorridos constantes num documento autêntico, como seja a certidão de casamento.
3 - O presente recurso não tem qualquer cabimento porquanto estes autos de execução terão que estar suspensos até à conclusão da partilha nos autos de separação judicial de bens, conforme comando legal estipulado no nº 3 do artigo 709º do CPC e a ser assim o pedido dos Recorrentes de fls. 233 a 236 é manifestamente descabido e infundado, daí que, o objecto do presente recurso - indeferimento de uma diligência probatória requerida nesses autos suspensos - não ter qualquer relevância para o presente processo de execução, não se tratando tal despacho de decisão susceptível de recurso (art. 584º do CPC), não devendo sequer o presente recurso ser admitido.
4 - Mais se adiante que a ser levantada qualquer questão sobre o certificado de casamento dos Recorridos, o mesmo deveria ter sido feito em sede de oposição ao pedido de separação judicial de bens, o que não foi feito pelos ora Recorrentes pelo que também aqui não deverá o presente recurso ser admitido.
5 - Mas a ser admitido o presente recurso, o que só por mera hipótese académica se concede, nunca o mesmo deverá subir de imediato e em separado por força do disposto no artigo 601.º do Código de Processo Civil, já que no caso em concreto não estamos perante nenhuma das decisões previstas no nº1 da citada norma e para que o presente recurso pudesse ter subida imediata teriam os Recorrentes que alegar no requerimento de interposição de recurso a inutilidade absoluta da retenção do mesmo, ao abrigo do disposto no nº 2 da mesma norma e não o tendo feito, não se mostram verificados os requisitos consagrados na citada norma legal para que tivesse sido atribuída subida imediata ao presente recurso.
6 - Mas mais, tratando-se a decisão recorrida de um indeferimento de uma diligência probatória, não se alcança a razão pela qual a retenção do recurso o tomaria absolutamente inútil já que a procedência do recurso implicará a revogação do despacho em crise conduzindo à anulação de todo o processado posterior ao referido despacho e é precisamente a anulação de todo o processado que dá utilidade ao mesmo, sendo que a inutilidade absoluta do recurso apenas se verificaria fosse qual fosse a decisão que o tribunal superior lhe desse, o recurso já seria absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo, o que nunca sucederá in casu.
7 - Por essa razão, a ser admitido, o presente recurso deverá ter subida deferida com efeito meramente devolutivo nos termos do disposto no art. 602º, nº 2 e 607º a contrário do CPC e por força do disposto no artigo 594º, nº 4 do CPC, vêm os Recorridos impugnar o despacho que admitiu o recurso e bem assim que lhe ficou o regime de subida nos termos supra explanados.
8 - Também vieram os Recorrentes, apresentar como objecto do recurso o despacho de indeferimento, constante a fls. 5 (fls. 258 do apenso C) dos presentes autos, de uma diligência probatória por estes requerida a fls. 233 a 236 (do apenso C) dos autos e que se fundava, em síntese, em requerer uma carta rogatória para oficiar as autoridades chinesas que emitiram a certidão de casamento dos ora recorridos para confirmarem os dados de identificação das partes e a morada, por, alegadamente, existirem dúvidas quanto aos dados pessoais do Executado, não se podendo confirmar se se trata da mesma pessoa, mas tal como já referido não se alcança a relevância da diligência probatória requerida nos autos de execução quando estes, por lei, deverão estar suspensos e não se alcança a relevância da diligência probatória quando os Recorrentes não impugnaram o documento em causa.
9 - Está em causa uma dúvida que suscitou nos Recorrentes acerca dos elementos de identificação dos intervenientes (nubentes) na certidão de casamento apresentada pelo Recorrente marido nos autos de execução como comprovativo de que o bem imóvel penhorado nos autos tratava-se de bem comum do casal e não poderemos esquecer que o Recorrente fez prova de um facto - casamento com a Recorrida - através de certidão de casamento emitida pelas autoridades da Republica Popular da Cinha, configurando esse documento a veste de documento autêntico, nos termos e para os efeitos do artigo 356º, nº 2 e 358º do Código Civil.
10 - E tratando-se de uma certidão de casamento da China comprovada por uma autoridade pública do Governo da China (Cfr. fls. 44 a 49 dos presentes autos), é inequívoco que o mesmo se trata de documento autêntico nos termos do disposto no artigo 365º do Código Civil e a sua força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade - art. 366º, nº 1 do Código Civil, mas os Recorrentes não invocaram a falsidade da certidão de casamento, mas limitaram-se a levantar dúvidas na idade do Recorrente aposta no documento, dúvidas essas sem qualquer fundamento.
11 - Mas ainda que existisse um lapso na idade de um dos nubentes (in casu, do Recorrente) na certidão de casamento, tal lapso não coloca em causa a validade da referida certidão na medida em que essa certidão atesta a celebração do casamento e a respectiva data e nessa medida, nunca poderia vir a ser arguida a falsidade do documento em causa.
12 - Por outro lado, a rectificação por averbamento do estado civil dos Recorridos na escritura pública de compra e venda do bem penhorado junto do Notário em Macau não se faz só e apenas através da apresentação do certificado de casamento, mas também por uma declaração dos intervenientes, os ora Recorridos, feita perante notário, como aliás consta do Averbamento feito pelo Cartório Notarial onde se pode ler: “(...) “Averbamento nº 1 - Nos termos da atino c) do numero 2 do artigo 142º do Código do Notariado, rectifico esta escritura no sentido de passar a constar que o segundo Outorgante era casado com D no regime da comunhão de adquiridos, conforme verifiquei por uma declaração, uma pública - forma do certificado de casamento e duas públicas - formas dos bilhetes de identidade, todos os documentos arquivados por mim.” (Cfr. fls. 12 dos presentes autos).
13 - Ou seja, o averbamento feito pelo notário não se basta com a mera certidão de casamento dos Recorridos, ele complementa-se com uma declaração conjunta e identificação dos mesmos e existindo algum lapso na certidão de casamento quanto à idade dos nubentes, esse lapso por si só não afecta, como não afectou, a validade do documento para efeitos de rectificação da escritura publica de compra e venda por averbamento, uma vez que não põe em causa o facto que se pretende averbar que é o casamento, naquele dia e naquele ano e o respectivo regime de bens.
14 - Assim sendo, e porque o documento autêntico que suporta o facto alegado pelo Recorrido marido nos autos de execução e o pedido de separação judicial de bens da Recorrida que corre por apenso, não foi impugnado, faz prova plena, e as diligências probatórias que o Recorrente pretende são completamente impertinentes, desnecessárias e dilatórias.
15 - Ademais, as dúvidas levantadas pelos Recorrentes e que querem ver provadas pela diligência probatória em causa, ainda que viessem a ser confirmadas, não afastam a presunção do registo predial a favor dos Recorridos consagrada no art. 7º do Código de Registo Predial,
16 - Por isso, a decisão proferida no despacho recorrido, ou seja, que indefere o requerimento dos ora Recorrentes a solicitar uma carta rogatória para oficiar as autoridades chinesas que emitiram a certidão de casamento dos ora recorridos para confirmar os dados de identificação das partes e a morada, por, alegadamente, existirem dúvidas quanto aos dados pessoais do Executado, por não se poder confirmar se se trata da mesma pessoa, está correcta e não é passível de qualquer reparo, devendo ser mantida e desta forma correrem os ulteriores termos do processo, não tendo os Recorrentes qualquer razão no recurso que apresentam, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o despacho de admissão do presente recurso de fls. 265 ser revogado e substituído por outro que não admita o mesmo, ou que, a ser admitido, lhe atribua um regime de subida diferida com efeito devolutivo;
Caso assim não seja entendido, deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente e consequentemente ser confirmada a douta decisão recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1 - A e B, com os demais dos autos, instauraram contra C uma execução com processo sumário, na sequência de condenação em processo crime do executado e B no pagamento, em forma solidária, aos exequentes da quantia de MOP$ 3.942.704,80.
2 - Segundo o BIRM do executado, este nasceu em 10/02/1951.
3 - Nesses autos de execução foi penhorado a fracção B4 descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21432.
4 - À data da aquisição desse bem, o executado constava na conservatória como solteiro.
5 - No entanto, de acordo com a escritura de compra e venda, ele era casado com.
6 - Esta D requereu a separação de bens, nos termos dos arts. 709º, nº1 e 1030º, do CPC.
7 - Na sequência deste requerimento, os exequentes formularam o seguinte pedido:
“1. Uma vez que se verificam grande dúvida sobre a identificação de C indicado no assento de casamento, não se logrou confirmar o casamento contraído entre a requerente D e C e a sua constância, existindo questão prévia nesta acção de separação de bens intentada por ela, por isso, os exequentes não concordam com a acção intentada pela requerente.
2. Devido à situação referida, os exequentes entendem ser necessário manter a apreensão da fracção B4, até que seja proferida a decisão na acção de separação de bens intentada por D e C.
E, diligência de prova
No intuito de verificar a identificação de C um dos nubentes no assente de casamento de fls. 39 do processo apenso CR1-15-0271-PCC-D (sic), os exequentes entendem ser necessário pedir, por meio de requerimento, ao Governo Popular do Bairro Yuexiu da Cidade de Guangzhou. China, os dados pessoais, documentos de identificação arquivados e moradas de ambos os nubentes no Assento de Casamento nº 282 Yue (86),com finalidade de confirmar a identificação de C”
8 - Na sequência deste pedido, o juiz do processo peroferiu o seguinte despacho:
“Quanto à fracção B4 em causa, uma vez que foi realizada a rectificação do registo do imóvel (fls. 223), indefere-se o pedido formulado em fls. 233 a 236 ao abrigo do artigo 7º do Código do Registo Predial.
Comunique à Conservatória do Registo Predial para entregar, no prazo de dez dias, a este processo a certidão da escritura que foi rectificada em 13/06/2018 (fls. 223).
Neste processo, só foi efectuada a penhora de 1/2 da fracção autónoma E2, pelo que notifique os exequentes para especificar complementarmente, no prazo de dez dias, se vão requerer o procedimento no artigo 755º do CPC sobre a 1/2 da fracção autónoma E2.
Fica penhorada a comparticipação pecuniária de 2019 do executado.
Envie ofício à companhia acima referida para pedir informações sobre o salário mensal de C, indique o número do seu bilhete de identidade no ofício.
Notifique e D.N.”
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III – O Direito
Como acima se pôde ver, aos exequentes surgiu uma dúvida acerca da identidade do executado, pois que num lado era dado como solteiro (Conservatória do Registo Predial), enquanto noutro era dado como casado com a requerente da separação de bens (escritura de compra e venda).
Então, o que eles pretendiam com o requerimento apresentado, era a eliminação dessa dúvida através de uma diligência a realizar junto da entidade administrativa competente da RPC acerca da identidade do executado.
É que comparando os dados do nascimento constantes no seu BIR (10/02/1951) e da idade mencionada no documento comprovativo do casamento, a data de nascimento do executado só poderia ser de 1957. E por tal motivo, admitiam que C não fosse a mesma pessoa num e noutro documento (cfr. art. 9º do requerimento em causa).
E essa discrepância podia ter ainda outro efeito: afinal de contas, a aquisição do bem penhorado (a dita fracção B4) pode ter sido efectuada numa altura em que o executado não era ainda casado.
Por esses motivos, os recorrentes pediram ao titular do processo que se solicitasse à entidade competente da RPC o fornecimento dos dados pessoais, documentos de identificação arquivados e moradas de ambos os nubentes no Assento de casamento nº 282 Yue (86), tendo em vista confirmar a identificação de C. Ao mesmo tempo pretendiam a manutenção da penhora da dita fracção.
O titular do processo indeferiu esta pretensão com o fundamento de que em relação à fracção em causa, B4, já o respectivo registo do imóvel havia sido rectificado na Conservatória.
Cremos, ainda assim, que não obstante essa rectificação no Registo Predial, a questão duvidosa não fica afastada, porque o registo predial não tem por missão resolver as questões da identidade dos outorgantes, mas apenas a publicidade dos actos a ele sujeitos, ainda que se não esqueça também a presunção que dele deriva, face ao art. 7º do CRP.
E a diligência pretendida era pertinente. Realmente, caso o pedido fosse realmente deferido, provavelmente a resposta vinda da RPC permitiria apurar com rigor, talvez até de forma absolutamente decisiva, a verdadeira situação identitária do executado e com isso, quem sabe, a real situação matrimonial do executado. E, conjecturando que se não trate da mesma pessoa, então isso poderia ter por efeito a ilegitimidade da própria requerente da separação, por se concluir que este afinal não é o executado verdadeiro, ou que esta não é a sua esposa ou que o bem seja apenas do executado e não também da alegada esposa, o que terá consequências visíveis sobre o desenvolvimento daqueles processos de execução e de separação de bens.
Quando as questões não são impertinentes e a realização de alguma diligência solicitada pelas partes puder ser útil ao desfecho da causa, o tribunal deve colaborar com as partes que lhe pedem auxílio e socorro, até porque lho impõem princípios como o da cooperação (art. 8º, do CPC) e da colaboração para descoberta da verdade (art. 442º, do CPC).
Quanto à manutenção da penhora, como é sabido, a execução fica suspensa até à partilha (art. 709º, nº3, do CPC). Neste caso, a própria partilha pode ficar perigada, consoante os dados que forem recolhidos em sede da referida diligência instrutória.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido na parte em que se refere à fracção B4, devendo ordenar-se a realização da diligência instrutória nos termos pretendidos.
Custas pelos recorridos.
T.S.I., 12 de Março de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong (Votei a decisão, sem prejuízo de o recurso dever ser autuado como “recurso em processo penal”).
Lai Kin Hong
Proc. nº 637/2019 1