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Processo nº 162/2019
Data do Acórdão: 26MAR2020


Assuntos:

Interdição de entrada na RAEM
Fundamentação de acto administrativo
Fortes indícios da prática de crime
Conceitos indeterminados
Princípio da adequação e da proporcionalidade


SUMÁRIO

1. Uma das finalidades da fundamentação de acto administrativo é a de dar a conhecer ao administrado as razões da decisão naquele sentido e não noutro de modo a que este possa, se discordar, recorrer aos meios legais ao seu dispor para poder ver alterada a decisão.

2. Se a lei considerar a existência de fortes indícios da prática de um crime por um particular como demonstrativa do perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, com vista à emanação da ordem administrativa de interdição de que é visado o particular, a Administração tem toda a competência, independentemente do processo penal, para, no âmbito do procedimento administrativo, emitir o juízo sobre a existência ou não dos fortes indícios.

3. O legislador não fornece o critério para definir o que se deve entender por fortes indícios, ao contrário do que sucede com indícios suficientes, definidos no artº 265º/2 do CPP.

4. Na matéria de processo penal, as doutrinas e a jurisprudência defendem unanimemente que se os factos indiciados pelos meios de provas já disponíveis permitem a concluir pela maior probabilidade da condenação do que a da absolvição, estamos perante a existência de fortes indícios.

5. Os conceitos indeterminados, não se tratam de conceitos consistentes em descrições puramente fácticas, cujo sentido e alcance são facilmente captáveis por quem domina mais ou menos a língua utilizada para a redacção da lei, mas sim conceitos cujo preenchimento requer um juízo interpretativo e valorativo da situação concreta, feito pelo aplicador de direito, com vista à sua integração na previsão da norma.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 162/2019

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer da decisão do Senhor Secretário para a Segurança que, em sede de recurso hierárquico necessário, manteve a decisão do Senhor Comandante da PSP que lhe determinou a interdição da entrada na RAEM por cinco anos, concluindo e pedindo:
I. O Recorrente, não se conformando com o despacho do Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, proferido em 27/11/2018, notificado aos mandatários do Recorrente, em 15/12/2018, que determinou a medida de interdição de entrada do Recorrente na RAEM, por um período de 5 anos, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 20.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, doravante designado por CPAC, porque está em tempo e para tal tem legitimidade, interpor Recurso Contencioso.
II. Recurso este que por ser interposto de um acto verticalmente definitivo que produz efeitos externos, não se encontra sujeito a prévia impugnação administrativa necessária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 28.º do CPAC, sendo por isso executório, nos termos dos artigos 136.º, n.º 1 e 117.º do Código do Procedimento Administrativo, doravante CPA.
III. Sendo o Recorrente o destinatário directo do acto administrativo praticado pela Entidade Recorrida, o qual produz efeitos em relação a este, tem o Recorrente legitimidade activa para impugnar o acto em causa, na medida em que é titular de direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos, os quais se encontram presentemente lesados pelo acto recorrido, bem como tem um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso, como resulta do disposto na alínea a) do artigo 33.º do CPAC.
IV. No dia 11 de Outubro de 2018 quando o ora Requerente ia a sair da RAEM, surpreendentemente, foi notificado, pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública (C.P.S.P.) dos Serviços de Migração da RAEM, da proposta de interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de 5 anos, nos termos conjugados do disposto no artigo 4º, nº 2 alínea 3) da lei 4/2003 e art.º 11º, n.º 1, alínea 3), alínea 2), n.º 2 e n.º 4 do art.º 12º da lei n.º 6/2004.
V. No mesmo despacho foi então concedido ao Requerente o prazo de 30 dias para este se pronunciar sobre a medida de proibição de entrada na RAEM que lhe havia sido proposta.
VI. Donde que, no dia 15 de Outubro de 2018, o Recorrente apresentou nos termos dos artigos 93º e 94º, ambos do Código de Procedimento Administrativo, a sua Audiência Escrita, referente à proposta de interdição de entrada na RAEM pelo período de 5 anos.
VII. Volvido cerca de um mês, no dia 16 de Novembro de 2018 foi o ora Recorrente notificado do despacho proferido pelo Exmo. Sr. Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (C.P.S.P.) que o interdita de entrar na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de 5 anos, nos termos do disposto no art.º 11º, n.º 1, alínea 3), alínea 2), n.º 2 e n.º 4 do art.º 12º da lei n.º 6/2004.
VIII. Nos termos do aludido despacho que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais alegava-se existirem indícios do Recorrente ter praticado um crime de "empréstimo ilegal".
IX. Na sequência do referido despacho, em 19 de Novembro de 2018 o Recorrente recorre hierarquicamente da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública da RAEM e, sumariamente, invoca os seguintes vícios: i) violação de lei por violação da presunção de inocência e do segredo de justiça, ii) por violação do artigo 12, nº 2, al. 1) e n.s 3 e 4 da Lei 6/2004 e artigo 4°, nº 2, al. 3) da Lei 4/2003, iii) vício de forma por falta de fundamentação e iv) violação princípio da proporcionalidade e de adequação.
X. No dia 15 de Dezembro de 2018, foi o Recorrente notificado da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, datada do dia 27 de Novembro de 2018, a qual negou provimento ao recurso hierárquico necessário, e vem manter a decisão de proibição de entrada do Recorrente na RAEM pelo período de 5 anos.
XI. Na decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário podia ler-se em sumula o seguinte:
- No que se refere à violação da presunção de inocência e do segredo de justiça, refira-se, primeiramente, que estamos perante uma situação de fortes indícios e não de meros indícios mas, fundamentalmente, que estamos perante um procedimento administrativo, de carácter securitário (não sancionatório), onde não relevam considerações sobre a efectiva punição criminal dos factos subjacentes, nem está em causa a apreciação da responsabilidade penal do Recorrente.
- Já no que se refere à violação do artigo 12º, n.º 2, aI. 1º. e n.s 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, reitera-se que o comportamento em causa, independentemente de futura responsabilidade criminal, é tendente a considerar que o Recorrente é pessoa que potencia em si perigo para a ordem e a segurança públicas e, assim sendo, a situação aqui retratada enquadra-se na previsão da alínea 3ª do nº 1 do artigo 11º da Lei nº 6/2004 .
- Quanto à alegada falta de fundamentação, a mesma não se verifica, dado que o despacho encontra-se bem motivado e fundamentado de facto e de direito. O que, aliás, permitiu ao recorrente interpor o presente recurso hierárquico alegando quer matéria de facto, quer de direito e em abono da sua pretensão.
- Por fim, no que se refere à violação do princípio da proporcionalidade e da adequação relembremos que a base legal invocada no acto recorrido justifica plenamente a medida aplicada, não havendo outra que pudesse ser alternativamente aplicada, com menos prejuízo ou gravidade para os interesses do Recorrente."
XII. Salvo o devido respeito, não pode o Recorrente conformar-se com a decisão recorrida por entender que a mesma incorre: quer no vício de falta de fundamentação, previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do CPAC, quer no vício de violação de Lei, previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC.
XIII. De acordo com o douto despacho recorrido, o indeferimento do recurso hierárquico necessário interposto pelo Recorrente e a consequente manutenção da decisão de proibição de entrada do Recorrente na RAEM pelo período de 5 anos teve por base o facto da: "( ... ) base legal invocada no acto recorrido justifica plenamente a medida aplicada, não havendo outra que pudesse ser alternativamente aplicada, com menos prejuízo ou gravidade para os interesses do Recorrente."
XIV. Bem assim "(...) o comportamento em causa, independentemente de futura responsabilidade criminal, é tendente a considerar que o Recorrente é pessoa que potencia em si perigo para a ordem e a segurança públicas."
XV. Nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 113.º do CPA, a fundamentação deve sempre constar do acto administrativo, quando exigível.
XVI. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 114.º do CPA impõe à Administração um dever de fundamentar os actos administrativos que restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como os despachos que negam provimento a recursos hierárquicos, conforme as alíneas a) e b) do referido preceito.
XVII. Da leitura destes preceitos, retira-se a obrigatoriedade da Administração em fundamentar o despacho que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelo Recorrente.
XVIII. O dever de fundamentação visa assegurar a legalidade dos actos administrativos no sentido em que, estando obrigada a fundamentar, a Administração pondera com mais cuidado os interesses em jogo - os factos ocorridos, as normas jurídicas aplicáveis, a justiça e a adequação da decisão a tomar -, de modo a evitar decisões desequilibradas e arbitrárias.
XIX. A fundamentação traduz-se na indicação das razões de facto e de direito que levaram a Administração a decidir de uma determinada maneira e não de outra, expondo de forma clara e transparente o raciocínio que conduziu à decisão proferida e satisfazendo, deste modo, o interesse público da legalidade, bem como a compreensão da decisão pelo seu destinatário e pelo público em geral.
XX. A fundamentação deve pois ser clara, congruente e suficiente, sob pena de se considerar a decisão não fundamentada e, consequentemente, anulável, nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA.
XXI. Salvo o devido respeito, o douto despacho recorrido nada diz sobre as razões, de facto e de direito, que foram tidas na tomada de decisão da Entidade Recorrida e que, consequentemente, determinaram a proibição de entrada do Recorrente na RAEM pelo período de 5 anos.
XXII. Isto porque, conforme já acima referido, o douto despacho recorrido apenas se limita a referir que: "(...) o comportamento em causa, independentemente de futura responsabilidade criminal, é tendente a considerar que o Recorrente é pessoa que potencia em si perigo para a ordem e a segurança públicas."
XXIII. A simples referência ao facto do Recorrente ser uma pessoa que potencia em si perigo para a ordem e a segurança públicas, não identifica as razões, de facto e de direito, da decisão tomada!
XXIV. Igualmente, e salvo o devido respeito, não basta a mera referência ao conceito indeterminado de "potência em si perigo para a ordem e a segurança públicas", deixando-nos a Autoridade Administrativa sem saber a que perigosidade se referia e porquê tal perigosidade seria susceptível de nos fazer chegar à conclusão de que o Recorrente na RAEM deveria ser proibido de entrar na RAEM mesmo antes de lhe ser atribuída qualquer imputação criminal no processo-crime!
XXV. Não podia a Administração concluir, sem mais, no douto despacho recorrido, que o Recorrente "potência em si perigo para a ordem e a segurança públicas".
XXVI. Era necessário justificar, apoiando-se em factos concretos e nas normas legais aplicáveis, bem como justificar porque é que sem ter sequer sido avaliada a sua personalidade e condição pessoal se considerou que o Recorrente "potencia em si o perigo para a segurança e ordem públicas da RAEM".
XXVII. Mas afinal que perigosidade é essa? Mas o que é isso de "potenciar em si perigo para a segurança e ordem públicas da RAEM? De onde é que essa conclusão resulta? E em que critérios se baseia?
XXVIII. Este é, pois, um conceito indeterminado que carecia de concretização!
XXIX. Mais ainda, salvo o devido respeito, o único meio susceptível de determinar a eventual perigosidade do Recorrente - seja lá qual for o seu conteúdo - seria através da realização de um julgamento e, consequentemente, do trânsito em julgado da sentença condenatória daí eventualmente resultante, decisão essa que ainda não existe.
XXX. Donde que, existir os alegados "fortes indícios", o que se refuta, constituem os mesmos apenas uma possibilidade de que o Recorrente tenha praticado o crime pelo qual foi acusado, e não uma certeza absoluta.
XXXI. E essa certeza absoluta da prática do crime apenas poderia resultar da prova produzida ou não produzida em audiência de julgamento, e não de meras probabilidades de um "potenciar em si perigo para a ordem pública da RAEM" que com todo o respeito não se percebe a razão de ser.
XXXII. Deste modo, na falta de uma sentença condenatória transitada em julgado, que confirmasse a prática do crime pelo qual o Recorrente vinha acusado, e bem assim de uma total concretização da alegada perigosidade do Recorrente, salvo o devido respeito, outra não poderia ser a decisão da Administração senão a anulação da revogação da proibição de entrada do Recorrente na RAEM pelo período de 5 anos.
XXXIII. Todavia, a Administração assim não entendeu e, extravasando o âmbito das suas competências, decidiu, salvo o devido respeito, substituir-se aos Tribunais da RAEM, aos quais compete única e exclusivamente o exercício do poder judicial, e decretar, sem indicação de qualquer critério e/ou justificação, que se mantinha a perigosidade do Recorrente para a segurança e ordem públicas da RAEM.
XXXIV. Daí que, salvo o devido respeito, parece-nos que no caso em apreço a entidade decisora concluiu pela perigosidade do Recorrente simplesmente com base alegados "fortes indícios" que precisavam de uma concretização mais profunda, o que só seria susceptível de acontecer com o transito em julgado da decisão criminal ou da concretização daquilo que a Administração entende em "potenciar em si perigo para a ordem pública da RAEM".
XXXV. Ora, tendo em conta o acima exposto, não podia a Entidade Recorrida concluir pela perigosidade do Recorrente apenas com base nos "fortes indícios", teria que haver mais algum fundamento, de facto ou de direito, de onde se pudesse retirar a existência de tal perigosidade e não um simples "potencia em si perigo".
XXXVI. Para o efeito, deveria a Entidade Recorrida, socorrendo-se de factos concretos e objectivos, ter procurado preencher o conceito indeterminado de perigosidade.
XXXVII. Não o tendo feito, e salvo o devido respeito, estamos em crer que a decisão constante do douto despacho recorrido, para além de não se encontrar devidamente fundamentada, foi tomada de acordo com critérios subjectivos, de impressão ou emoção pessoal da Entidade Recorrida, e não de acordo com critérios objectivos.
XXXVIII. Face ao exposto, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 115.º do CPA, a insuficiência dos elementos de facto e de direito justificativos do sentido decisório por parte da Entidade Recorrida equivale à falta de fundamentação da decisão, em virtude de, no caso em apreço, a fundamentação constituir um elemento essencial do acto, porquanto é exigida nos termos conjugados da alínea e) do n.º 1 do artigo 113º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 114º do CPA.
XXXIX. Pelo que, deverá a decisão proferida pela Administração ser anulada por falta de fundamentação, em virtude da insuficiência dos fundamentos que concretamente motivaram o acto, nos termos do artigo 124º do CPA.
XL. Sem conceder, sempre se dirá que o despacho recorrido se encontra ainda inquinado de vício por violação de lei, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, consubstanciado na violação dos Princípios da Proporcionalidade e da Justiça, previstos nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º do CPA.
XLI. No despacho ora recorrido, o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança confirmou a decisão anteriormente proferida pelo Exmo. Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, o qual se baseou na existência de "fortes indícios" de que o mesmo teria praticado o crime de usura para jogo para proibir o Recorrente de entrar na RAEM, pelo período de 5 anos,
XLII. Nestes termos, considerou a Entidade Recorrida ser adequada e proporcional a medida aplicada ao Recorrente, mesmo sabendo que a medida sancionatória que lhe aplicara é superior, quase o dobro, da medida da pena que seria susceptível de ser aplicada ao Recorrente caso o mesmo fosse eventualmente condenado, que seria de 3 anos.
XLIII. É consabido que a medida de revogação da autorização de permanência na RAEM é uma medida policial de prevenção que pode ser aplicada pela Admnistração no âmbito da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei.
XLIV. Contudo, os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, princípios jurídicos fundamentais a que as actividades administrativas devem respeito, constituem limites internos da discricionariedade conferida pela lei à Administração.
XLV. No caso em apreço, se compararmos os interesses prejudicados do Recorrente com os interesses de ordem e tranquilidade públicas pretendidos pela Entidade Recorrida, verificamos, salvo o devido respeito, que existe uma manifesta violação do princípio da proporcionalidade, sendo a medida de proibição de entrada na RAEM aplicada ao Recorrente desadequada, desnecessária e desproporcional.
XLVI. De acordo com os (poucos) factos indicados no douto despacho recorrido, o Recorrente foi indiciado pela alegada prática do crime de usura para jogo, p.p. pelo artigo 219º do Código Penal.
XLVII. Só estes factos, sem o apoio de mais qualquer outro elemento que possa suscitar aspectos negativos do Recorrente, não são suficientes para considerar que o mesmo constitui um perigo para a ordem e segurança públicas da RAEM,
XLVIII. Muito menos que, conforme se alega no douto despacho recorrido, "( .. .) é tendente a considerar que o Recorrente é pessoa que potencia em si perigo para a ordem e a segurança publicas e, assim sendo a situação aqui retratada enquadra-se na previsão da alínea 3ª do nº 1 do art. 11º da Lei n.º 6/2004.".
XLIX. Pelo que, salvo o devido respeito, ordenar a proibição do Recorrente entrar na RAEM pelo período de 5 anos, quando este contra si tem apenas indícios de praticar o crime de usura, com fundamento numa perigosidade "potenciada em si próprio", que que sequer exista uma analise da personalidade do Recorrente, contraria manifestamente o equilíbrio entre os interesses prejudicados e o fim a prosseguir exigidos pelo princípio da proporcionalidade.
L. Salvo devido respeito, a decisão proferida é manifestamente limitativa da liberdade do Recorrente entrar e sair do território, sem mais! Isto sem olvidar que, o Recorrente não tem antecedentes criminais e não tem qualquer outro elemento que determine tal restrição.
LI. Salvo o devido respeito, os direitos do Recorrente foram limitados inadequadamente em comparação com o fim de proteger a ordem e a segurança públicas da RAEM quando foi decretada pela Entidade Recorrida a medida de proibição de entrada na RAEM.
LII. A medida de proibição de entrada na RAEM, enquanto medida preventiva, tem por fim impedir que da eventual actividade de certos particulares provenham danos para a sociedade ou para outros particulares.
LIII. Não é, por conseguinte, uma medida punitiva mas sim uma medida de natureza securitária, não expiatória, aplicável a não-residentes por razões de segurança e ordem pública.
LIV. Porém, no presente caso, não se vislumbra que o Recorrente venha a pôr em risco a ordem pública da RAEM, nem tão pouco a segurança dos que aqui residem e trabalham.
LV. Concluímos pois, estar perante um caso de erro manifesto por parte da Entidade Recorrida, o que configura uma violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5.º, n.º 2 do CPA, e do princípio da justiça, previsto no artigo 7.º do CPA,
LVI. Termos em que, deverá o douto despacho recorrido ser anulado por se encontrar inquinando no vício de violação de lei, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, conforme o preceituado no artigo 124.º do CPA, e que aqui se invoca para os devidos efeitos legais,
LVII. Devendo, como consequência, ser revogada a medida de proibição de entrada do Recorrente na RAEM pelo período de 5 anos.
LVIII. Sem conceder, sempre se dirá que na eventualidade de não ser este entendimento o de V. Exa. deverá a medida de proibição de entrada na RAEM ser reduzida a um período não superior a 1 ano.
Nestes termos,
Requer a V. Exa. se digne anular o acto de proibição de entrada do Recorrente na RAEM pelo período de 5 anos, nos termos conjugados dos artigos 20.º e 21.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPAC, por se mostrar o mesmo inquinado dos vícios de falta de fundamentação e de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade e da Justiça.

Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar pugnando pelo não provimento do recurso.

Não havendo lugar à produção de provas, foram o recorrente e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.

Não foram apresentadas alegações facultativas.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela não procedência do presente recurso.

Dos elementos constantes dos autos, é tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* O recorrente é residente da RPC e titular do Salvo-Conduto para Hong Kong e Macau;

* O recorrente foi reputado como co-autor dos factos ocorridos em 08FEV2018, relatados no ofício nº 24335/S da PJ, dirigida à PSP, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido,;

* Os tais factos foram qualificados no mesmo ofício como susceptíveis de preencher o tipo de crime de usura para jogos, previsto e punido pela Lei nº 8/96/M;

* Os mesmos factos deram lugar à abertura de um procedimento administrativo no seio da PSP, em que o ora recorrente foi notificado para se pronunciar sobre a eventualidade de lhe ser aplicada a medida de interdição de entrada por cinco anos ao abrigo do disposto no artº 4º/2-3) da Lei nº 4/2003 e nos artºs 11º/1-3) e 12º/2-2) e 4 da Lei nº 6/2004 (vide as fls. 36 do vol. (2) dos autos do procedimento administrativo);

* Mediante o requerimento datado de 16OUT2018 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) subscrito pela Senhora Advogada por ele constituída e ora constante das fls. 11 – 18 do vol. (1) dos autos do procedimento administrativo, o recorrente opôs-se à aplicação da medida de interdição;

* O mesmo procedimento culminou com o despacho proferido pelo Senhor Comandante da PSP, que lhe determinou a interdição de entrar na RAEM, pelo período de cinco anos (vide as fls. 79 do vol. (1) dos autos do procedimento administrativo);

* Notificado e inconformado com essa decisão, interpôs dela recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para a Segurança, mediante o requerimento datado de 19NOV2018 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) ora constante das fls. 100 – 112 do vol. (1) dos autos do procedimento administrativo

* Em sede de recurso hierárquico, o Senhor Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho datado de 27NOV2018, negando-lhe provimento e manteve a interdição de entrada pelo período de cinco anos:
DESPACHO
Assunto: Recurso hierárquico necessário/Interdição de entrada
Recorrente: A
  O cidadão supra referenciado vem recorrer do despacho datado de 14 de Novembro de 2018, proferido pelo Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que lhe aplicou a interdição de entrada durante o período de 5 anos na RAEM.
  Para tanto, alegou, em súmula, violação de lei por violação da presunção de inocência e do segredo de justiça e por violação do artigo 12, nº 2, al. 1) e nºs 3 e 4 da Lei 6/2004 e artigo 4º, nº 2, al. 3) da Lei 4/2003, vício de forma por falta de fundamentação e violação princípio da proporcionalidade e de adequação.
*
  Compulsado o processo instrutor, resulta do mesmo que o acto recorrido se baseou na existência de fortes indícios de conduta criminalmente relevante imputável ao ora Recorrente, no caso, crime de usura para o jogo, previsto e punido pelo artigo 13° da Lei nº 8/96/M.
  Na verdade, resulta do processo instrutor que no passado mês de Fevereiro de 2018, junto ao Casino X, uma pessoa contraiu com o Recorrente e outro indivíduo de nome B, um empréstimo ilícito para jogo, na importância de 300 mil Hong Kong dólares, entregues em fichas (mortas) para jogo, mediante a admissão de tal dívida e perda de 30% dos ganhos quando ganhasse com vasas de 8 ou 9 (baccarat). Ora, o aqui Recorrente nega a prática dos factos. Porém, resulta que, para além da descrição da vítima, o cidadão B confessou a prática dos factos com e a mando do aqui Recorrente.
  Acresce que os argumentos trazidos pelo Recorrente em sede de Recurso não devem ser acolhidos. Senão vejamos:
* No que se refere à violação da presunção de inocência e do segredo de justiça, refira-se, primeiramente, que estamos perante uma situação de fortes indícios e não de meros indícios mas, fundamentalmente, que estamos perante um procedimento administrativo, de carácter securitário (não sancionatório), onde não relevam considerações sobre a efectiva punição criminal dos factos subjacentes, nem está em causa a apreciação da responsabilidade penal do Recorrente.
* Já no que se refere à violação do artigo 12º, n.º 2, al. 1ª e n.ºs 3 e 4 da Lei n° 6/2004, reitera-se que o comportamento em causa, independentemente de futura responsabilidade criminal, é tendente a considerar que o Recorrente é pessoa que potencia em si perigo para a ordem e a segurança públicas e, assim sendo, a situação aqui retratada enquadra-se na previsão da alínea 3a do n° 1 do artigo 11 ° da Lei nº 6/2004 .
* Quanto à alegada falta de fundamentação, a mesma não se verifica, dado que o despacho encontra-se bem motivado e fundamentado de facto e de direito. O que, aliás, permitiu ao recorrente interpor o presente recurso hierárquico, alegando quer matéria de facto, quer de direito e em abono da sua pretensão.
* Por fim, no que se refere à violação do princípio da proporcionalidade e da adequação relembremos que a base legal invocada no acto recorrido justifica plenamente a medida aplicada, não havendo outra que pudesse ser alternativamente aplicada, com menos prejuízo ou gravidade para os interesses do Recorrente.
  Deste modo, tudo ponderado, afigura-se que o acto administrativo impugnado não está inquinado de qualquer vício, pelo que, ao abrigo do artigo 161°, n° 1 do CPA, decido confirmá-lo, negando provimento ao presente recurso.
*
Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 27 de Novembro de 2018.
*
O Secretário para a Segurança.

* Inconformado com esse despacho, o recorrente interpôs o recurso contencioso para o TSI.


Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexiste nulidades.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:


1. Da falta de fundamentação e dos erros nos pressupostos de direito; e

2. Da violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça.


Então vejamos.

1. Da falta de fundamentação e dos erros nos pressupostos de direito

O recorrente imputa ao acto recorrido o vício da falta de fundamentação.

Para o efeito, alegou que:

XII. Salvo o devido respeito, não pode o Recorrente conformar-se com a decisão recorrida por entender que a mesma incorre: quer no vício de falta de fundamentação, previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do CPAC, quer no vício de violação de Lei, previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC.
XIII. De acordo com o douto despacho recorrido, o indeferimento do recurso hierárquico necessário interposto pelo Recorrente e a consequente manutenção da decisão de proibição de entrada do Recorrente na RAEM pelo período de 5 anos teve por base o facto da: "( ... ) base legal invocada no acto recorrido justifica plenamente a medida aplicada, não havendo outra que pudesse ser alternativamente aplicada, com menos prejuízo ou gravidade para os interesses do Recorrente."
XIV. Bem assim "(...) o comportamento em causa, independentemente de futura responsabilidade criminal, é tendente a considerar que o Recorrente é pessoa que potencia em si perigo para a ordem e a segurança públicas."
XV. Nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 113.º do CPA, a fundamentação deve sempre constar do acto administrativo, quando exigível.
XVI. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 114.º do CPA impõe à Administração um dever de fundamentar os actos administrativos que restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como os despachos que negam provimento a recursos hierárquicos, conforme as alíneas a) e b) do referido preceito.
XVII. Da leitura destes preceitos, retira-se a obrigatoriedade da Administração em fundamentar o despacho que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelo Recorrente.
XVIII. O dever de fundamentação visa assegurar a legalidade dos actos administrativos no sentido em que, estando obrigada a fundamentar, a Administração pondera com mais cuidado os interesses em jogo - os factos ocorridos, as normas jurídicas aplicáveis, a justiça e a adequação da decisão a tomar -, de modo a evitar decisões desequilibradas e arbitrárias.
XIX. A fundamentação traduz-se na indicação das razões de facto e de direito que levaram a Administração a decidir de uma determinada maneira e não de outra, expondo de forma clara e transparente o raciocínio que conduziu à decisão proferida e satisfazendo, deste modo, o interesse público da legalidade, bem como a compreensão da decisão pelo seu destinatário e pelo público em geral.
XX. A fundamentação deve pois ser clara, congruente e suficiente, sob pena de se considerar a decisão não fundamentada e, consequentemente, anulável, nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA.
XXI. Salvo o devido respeito, o douto despacho recorrido nada diz sobre as razões, de facto e de direito, que foram tidas na tomada de decisão da Entidade Recorrida e que, consequentemente, determinaram a proibição de entrada do Recorrente na RAEM pelo período de 5 anos.

XXIII. A simples referência ao facto do Recorrente ser uma pessoa que potencia em si perigo para a ordem e a segurança públicas, não identifica as razões, de facto e de direito, da decisão tomada!
XXIV. Igualmente, e salvo o devido respeito, não basta a mera referência ao conceito indeterminado de "potência em si perigo para a ordem e a segurança públicas", deixando-nos a Autoridade Administrativa sem saber a que perigosidade se referia e porquê tal perigosidade seria susceptível de nos fazer chegar à conclusão de que o Recorrente na RAEM deveria ser proibido de entrar na RAEM mesmo antes de lhe ser atribuída qualquer imputação criminal no processo-crime!
XXV. Não podia a Administração concluir, sem mais, no douto despacho recorrido, que o Recorrente "potência em si perigo para a ordem e a segurança públicas".
XXVI. Era necessário justificar, apoiando-se em factos concretos e nas normas legais aplicáveis, bem como justificar porque é que sem ter sequer sido avaliada a sua personalidade e condição pessoal se considerou que o Recorrente "potencia em si o perigo para a segurança e ordem públicas da RAEM".
XXVII. Mas afinal que perigosidade é essa? Mas o que é isso de "potenciar em si perigo para a segurança e ordem públicas da RAEM? De onde é que essa conclusão resulta? E em que critérios se baseia?
XXVIII. Este é, pois, um conceito indeterminado que carecia de concretização!
XXIX. Mais ainda, salvo o devido respeito, o único meio susceptível de determinar a eventual perigosidade do Recorrente - seja lá qual for o seu conteúdo - seria através da realização de um julgamento e, consequentemente, do trânsito em julgado da sentença condenatória daí eventualmente resultante, decisão essa que ainda não existe.
XXX. Donde que, existir os alegados "fortes indícios", o que se refuta, constituem os mesmos apenas uma possibilidade de que o Recorrente tenha praticado o crime pelo qual foi acusado, e não uma certeza absoluta.
XXXI. E essa certeza absoluta da prática do crime apenas poderia resultar da prova produzida ou não produzida em audiência de julgamento, e não de meras probabilidades de um "potenciar em si perigo para a ordem pública da RAEM" que com todo o respeito não se percebe a razão de ser.
XXXII. Deste modo, na falta de uma sentença condenatória transitada em julgado, que confirmasse a prática do crime pelo qual o Recorrente vinha acusado, e bem assim de uma total concretização da alegada perigosidade do Recorrente, salvo o devido respeito, outra não poderia ser a decisão da Administração senão a anulação da revogação da proibição de entrada do Recorrente na RAEM pelo período de 5 anos.

Como é sabido, uma das finalidades da fundamentação é a de dar a conhecer ao administrado as razões da decisão naquele sentido e não noutro de modo a que este possa, se discordar, recorrer aos meios legais ao seu dispor para poder ver alterada a decisão.

In casu, o acto recorrido é o do Secretário para a Segurança, que, em sede de recurso hierárquico necessário acolheu de todo em todo os fundamentos em que se apoiou o despacho do Comandante da PSP.

O Senhor Comandante da PSP fundamentou a sua ordem de interdição nestes termos:
  按司法警察局的調查結果顯示,利害關係人A(男性,出生日期: …,持有中國往來港澳通行證編號: …)曾在澳門作出以下行為,具體如下:
  A作出為賭博的高利貸的行為,於2018年02月08日,被害人在XX娛樂場內向A及同伙借取港幣300,000.00元賭博,條件是每當賭局以8及9點勝出時抽取投注額30%作利息及簽署借據,及後被害人輸清借款,期間被抽取約港幣70,000.00元利息,由於被害人無力還款故報案求助,其後成功截獲A等人,經司法警察局調查後,雖然A否認作案,但根據在A等人之流動電話發現涉案證據顯示A確曾作出上述行為,其同伙承認伙同A一同作案。
  鑑於利害關係人作出上述的行為,除有可能負上刑事責任以外,亦表明其對公共安全及公共秩序構成危險。為了維護本地區的公共利益以及履行治安警察局的特定職責,本人行使保安司司長轉授予的權限,根據第6/2004號法律第11條第1款3項及第12條第2款第2項、第4款之規定,著令禁止上述人士在5年內(由2018年10月11日起計)進入澳門特別行政區。

Bem ou mal, fundamentou!

Na verdade, da leitura das alegações de recurso, é de concluir que o recorrente entendeu perfeitamente as razões que levaram a Administração a emanar a ordem de interdição, até porque veio atacar todos os fundamentos invocados pela entidade recorrida para justificar a solução consubstanciada no acto recorrido.

É portanto manifestamente improcedente esta parte do recurso.

Ex abuntantia, ao que parece, o recorrente está a imputar ao acto recorrido o vício de erro nos pressupostos de direito.

Mesmo assim, o recorrente não tem razão.

Senão vejamos.

Antes de mais, cabe notar que o recorrente, quer no procedimento de 1º grau quer no de 2º grau, para além das alegações vagas e conclusivas para questionar o juízo de fortes indícios da prática dos factos relatados nos autos, nunca tentou abalar, mediante requerimento da apresentação ou da produção de provas, a matéria de facto tida por assente pela Administração e tomada em consideração para fundamentar a ordem de interdição.

O recorrente limitou-se a não aceitar o juízo de fortes indícios da prática dos factos relatados nos autos e atacar o juízo prognóstico da perigosidade, para a ordem e segurança pública, da sua entrada e permanência na RAEM.

Na óptica do recorrente, a Administração não pode substituir-se aos Tribunais para formular o tal juízo de fortes indícios e a tal perigosidade para a ordem e segurança pública da RAEM, uma vez que aos Tribunais compete única e exclusivamente o exercício do poder judicial.

O recorrente está a insinuar que só os Tribunais podem ajuizar sobre a existência ou não de fortes indícios e a sua perigosidade.

Se assim realmente a entender, o argumento do recorrente é destituído de qualquer razão.

Para fundamentar a sua decisão, a entidade recorrida invocou como normativos aplicáveis os artºs 11º/1-3) e 12º/2-2) da Lei nº 6/2004.

O artº 12º/3 da Lei nº 6/2004 reza que:

A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.

Por sua vez o artº 4º/2-3) da Lei nº 4/2003 diz que:

2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) ……;
2) ……;
3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;

Para a entidade administrativa, foi determinativa da necessidade de interditar a entrada do recorrente na RAEM a existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, demonstrado pelos fortes indícios de terem praticado um crime de usura para jogo.

Bom, a lei exige a existência de fortes indícios da prática de crime como demonstrativos do perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM com vista à emanação da ordem de interdição da entrada.

Como se sabe, o juízo de fortes indícios foi importado da lei processual penal, onde é exigido como requisito material para a aplicação das medidas de coacção mais gravosas, nomeadamente a de prisão preventiva e a proibição de saída da RAEM.

No entanto, o legislador nunca nos deu o critério para definir o que se deve entender por fortes indícios, ao contrário do que sucede com indícios suficientes, que a lei diz existentes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança – artº 265º/2 do CPP.

Todavia, quer as doutrinas quer a jurisprudência, já defendem unanimemente que, se os factos indiciados pelos meios de provas já disponíveis nos permitem a concluir pela maior probabilidade da condenação do que a da absolvição, estamos em condições para formular o juízo da existência de fortes indícios.

Ora, se é verdade que no processo penal a formulação de tal juízo compete ao Juiz de Instrução na fase de inquérito e ao Juiz de julgamento nestas restantes fases processuais, não é menos verdade que para interpretar e aplicar a citada norma do artº 4º/2-3) da Lei nº 4/2003 a Administração tem toda a competência, no âmbito do procedimento administrativo, para formar tal juízo.

De outro modo, tal como defende o recorrente, estaríamos a criar, erradamente, uma questão prejudicial de natureza penal no âmbito de um procedimento administração.

Voltamos ao caso sub judice, de acordo com os elementos constantes dos autos, nomeadamente os factos ocorridos em 08FEV2018, detalhadamente relatados no ofício nº 24335/S da PJ, dirigida à PSP, não temos dúvidas sobre a existência de fortes indícios a que se refere o artº 4º/2-3) da Lei nº 4/2003, da prática de um crime de usura pelo recorrente, juntamente com um outro indíviduo.

Em relação à exigência do perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, a que se alude o artº 12º/3 da Lei nº 6/2004, estamos perante um chamado conceito indeterminado.

Os conceitos indeterminados, não se tratam de conceitos consistentes em descrições puramente fácticas, cujo sentido e alcance são facilmente captáveis por quem domina mais ou menos a língua utilizada para a redacção da lei, mas sim conceitos cujo preenchimento requer um juízo valorativo da situação concreta, feito pelo aplicador de direito, com vista à sua integração na previsão da norma.

Pois a captação do sentido e do alcance e a integração desses requisitos previstos no artº 12º/3 da Lei nº 6/2004, pressupõem efectivamente um exercício interpretativo e valorativo pelo órgão decisor.

E ao contrário do que sucede com a discricionariedade, que é um poder derivado da lei que se consubstancia na liberdade reconhecida à Administração de escolher uma solução de entre várias soluções juridicamente admissíveis, o legislador, quando empregar conceitos indeterminados na previsão da norma, não está a conferir ao aplicador de direito qualquer liberdade de escolher de entre várias soluções legalmente admissíveis, mas sim fixar-lhe um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade casuística do seu preenchimento.

O preenchimento do conceito indeterminado constitui portanto a actividade estritamente vinculada à lei, e consequentemente sindicável por via contenciosa.

Então passemos a apreciar a bondade da valoração feita pela Administração dos factos para o preenchimento dos tais conceitos constantes do artº 12º/3 da Lei nº 6/2004.

In casu, ao dizer, depois de ter valorado os factos apurados pela PJ, que a presença do recorrente na RAEM constitui o perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, a Administração expõe as razões para o preenchimento dos tais conceitos constantes do artº 12º/3 da Lei nº 6/2004.

De facto, se estivéssemos colocados perante os factos relatados e indiciados nos autos do procedimento administrativo, extrairíamos o mesmo juízo valorativo que a Administração fez, isto é, concluir pela existência do perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.

Por outro lado, para além de tentar converter a questão de conceitos indeterminados em questão prejudicial no procedimento administrativo, o recorrente não conseguiu concretizar em que consiste o invocado erro de direito.

Assim sendo, entendemos que bem andou a Administração na determinação da interdição da entrada do recorrente na REAM por cinco anos.

Improcede esta parte de recurso.

2. Da violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça

Vimos supra que a aplicação ou não da medida de interdição de entrada na RAEM não é exercício de poderes discricionários, ou seja, à Administração não está a conferir qualquer liberdade de escolher de entre várias soluções legalmente admissíveis, mas sim a ela a lei fixar um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade casuística do seu preenchimento.

Ora, sendo limites do exercício de poderes discricionários, não podem ser invocados os princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça, por serem impertinentes, para atacar a ordem de interdição, quanto à sua aplicação e à adequação.

Já quanto ao seu quantum, ou seja, à dosimetria consistente na duração de tempo em que vigora a interdição, os princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça já funcionam como limites da determinação do quantum.

Todavia, in casu, tendo em conta os objectivos, a segurança e ordem públicas da RAEM, que a ordem de interdição visa alcançar, a fixação em cinco anos do período de interdição não se mostra exagerada, muito menos inaceitável e intolerável, pois os interesses públicos que a Administração pretende tutelar estão em manifesta superioridade em relação aos interesses de entrar livremente na RAEM, ora reclamados pelo recorrente.

Não há violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça

Naufraga também esta parte de recurso.

Em conclusão:

6. Uma das finalidades da fundamentação de acto administrativo é a de dar a conhecer ao administrado as razões da decisão naquele sentido e não noutro de modo a que este possa, se discordar, recorrer aos meios legais ao seu dispor para poder ver alterada a decisão.

7. Se a lei considerar a existência de fortes indícios da prática de um crime por um particular como demonstrativa do perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, com vista à emanação da ordem administrativa de interdição de que é visado o particular, a Administração tem toda a competência, independentemente do processo penal, para, no âmbito do procedimento administrativo, emitir o juízo sobre a existência ou não dos fortes indícios.

8. O legislador não fornece o critério para definir o que se deve entender por fortes indícios, ao contrário do que sucede com indícios suficientes, definidos no artº 265º/2 do CPP.

9. Na matéria de processo penal, as doutrinas e a jurisprudência defendem unanimemente que se os factos indiciados pelos meios de provas já disponíveis permitem a concluir pela maior probabilidade da condenação do que a da absolvição, estamos perante a existência de fortes indícios.

10. Os conceitos indeterminados, não se tratam de conceitos consistentes em descrições puramente fácticas, cujo sentido e alcance são facilmente captáveis por quem domina mais ou menos a língua utilizada para a redacção da lei, mas sim conceitos cujo preenchimento requer um juízo interpretativo e valorativo da situação concreta, feito pelo aplicador de direito, com vista à sua integração na previsão da norma.

Resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 9 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 26MAR2020
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
M事由:移交人士
  茲因身份資料下載之2名非本地區居民A、B,為本局一宗“為賭博的高利貸”案件中之嫌犯:
* A,男性,出生日期:…,持編號:... 中國往來港澳通行證,准予逗留至2018/09/09;
* B,男性,出生日期:…,持編號:... 中國往來港澳通行證,准予逗留至2018/09/05 (現處逾期逗留狀態)。
  經查案情如下:本案被害人於2018年02月08日約01時在XX娛樂場內向嫌犯A、B等人借取叁拾港元(HKD300,000.00)賭博,條件是:1)每賭局8及9點贏出時需抽取投注額30%作為利息、2)簽署借據;被害人同意上述借貸條件,並即時簽署借據後將之交2名嫌犯等人保管,及後,被害人就取得籌碼開始賭博。
  被害人賭博多個小時後輸光借款(期間被抽取了約柒萬港元利息),及後,就與上述2名嫌犯等人返回酒店房間商討還款事宜,但最終雙方未能達成還款協議,2名嫌犯先後離去,隨後,由於被害人無力還款故向本局報案求助,被害人稱要追究2名嫌犯等人之責任。
  經調查後,成功提取到上述2名嫌犯之身份資料,故去函貴局要求協助攔截2名嫌犯,至05/09/2019晚上貴局成功在關閘邊境站將2人攔截下轉交本局處理。
  經訊問嫌犯A後,其否認作出有關犯罪行為,然而,嫌犯B則承認伙同嫌犯A犯罪案,此外,調查獲得之證據(尤其在嫌犯之流動電話發現涉案證據)均顯示2名嫌犯確曾作本案所指犯罪事實。
  基於此,有強烈跡象顯示嫌犯A、B故意實施澳門現行《單行刑事法例》第8/96/M號法律“不法賭博”第13條(為賭博的高利貸)第一款所規範及處罰之犯罪行為,因此,本局於2018年09月06日將2名嫌犯移送檢察院偵辦。
  基於上述情況,嫌犯A、B之犯罪行為已實質損害本澳之社會治安及公共秩序,他們的行為明顯與他們以旅客身份到訪本澳不符,為防止本澳的社會治安、公共及法治秩序再遭到破壞,現根據澳門特別行政區第6/2004號法律及第9/2002號法律第十七條第一款第(四)項之規範,隨函將嫌犯A、B移交 貴局作適當處理。
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162/2019-31